Serviço Social com Famílias

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serviço social com famílias

Co orden ação:

Maria Irene de Carvalho

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CPES Centro de Pesquisa e Estudos Sociais Universidade Lusófona

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PACTOR – Edições de Ciências Sociais, Forenses e da Educação

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Índice Os Autores ...................................................................................................................

XIII

Prefácio ......................................................................................................................... Marco José de Oliveira Duarte

XVII

Apresentação ...............................................................................................................

XIX

Capítulo 1

1

Intervenção com Famílias numa Ótica Sistémica Annamaria Campanini Introdução ..................................................................................................................... Família ou famílias? ....................................................................................................... A visão do Serviço Social em relação à família ............................................................. A construção de projetos de intervenção com a família ............................................... Algumas tipologias de intervenção ............................................................................... Intervenções de facilitação ...................................................................................... Intervenções de apoio ............................................................................................. Apoio económico ............................................................................................... Apoio ao domicílio ............................................................................................. Apoio ao domicílio com fins educativos ............................................................ Intervenções de mediação ...................................................................................... Intervenções de controlo e tutela ............................................................................ Intervenções terapêuticas ....................................................................................... Intervenção num contexto de aconselhamento................................................. Intervenção de aconselhamento psicossocial noutros contextos ..................... Referências.................................................................................................................... Capítulo 2

1 2 3 7 11 11 12 12 14 14 16 17 20 20 21 22 25

Intervenção com Crianças e suas Famílias: Qual a Melhor Estratégia?

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Ana O’Connor Shirley Introdução ..................................................................................................................... Teorias de intervenção familiar ...................................................................................... Teoria geral dos sistemas ........................................................................................ Teoria do ciclo vital .................................................................................................. Modelo ecológico .................................................................................................... Modelo de intervenção Integrate Target – Across Time .......................................... Teorias de gestão de stress ..................................................................................... Modelo ABCX-duplo................................................................................................ Modelo da resposta de ajustamento e adaptação familiar (FAAR) ......................... Mediação familiar ....................................................................................................

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Serviço Social com Famílias

Mediação sistémica ................................................................................................. Modelo transdisciplinar ........................................................................................... Um olhar do Serviço Social na intervenção sistémica: estudo de caso ....................... Reflexão sobre a intervenção ........................................................................................ Considerações finais ..................................................................................................... Referências.................................................................................................................... Capítulo 3

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Intervenção Terapêutica Sistémica com Famílias de Baixos Recursos: Algumas Pequenas Histórias Esmeralda Ferreira e Isabel Passarinho Introdução ..................................................................................................................... Pequena história da construção do projeto .................................................................. Para memória futura ...................................................................................................... Desenvolvimento: como nos organizámos ................................................................... O projeto em marcha..................................................................................................... O processo terapêutico ................................................................................................. Pequenas histórias das famílias .................................................................................... Crianças/jovens em risco, e os seus pais também ................................................. Crianças “sem chão” ............................................................................................... Meninas adolescentes e as suas mães sozinhas .................................................... “Feios, porcos e maus”… ou talvez não ................................................................. Famílias felizes com problemas............................................................................... Reflexões a propósito de terapia de casal .............................................................. Considerações finais ..................................................................................................... Pequena história de como nos tornámos terapeutas familiares ............................. Os projetos que acabam ......................................................................................... Referências.................................................................................................................... Capítulo 4

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Intervenção do Serviço Social com Indivíduos e Famílias Maria Irene de Carvalho e Carla Pinto Introdução ..................................................................................................................... Do case work à intervenção psicossocial ..................................................................... Crítica ao case work e tendências atuais da intervenção individualizada .................... A intervenção psicossocial em Serviço Social .............................................................. A relação de ajuda em Serviço Social ........................................................................... Princípios da relação de ajuda ................................................................................ Principais competências requeridas aos profissionais para a construção de uma relação de ajuda ...................................................................................................... Técnicas para o desenvolvimento de uma relação de ajuda: a entrevista ................... Tipos de entrevistas................................................................................................. Instrumentos da intervenção individualizada/psicossocial ........................................... Considerações finais ..................................................................................................... Referências.................................................................................................................... VI

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Índice

Capítulo 5

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A Visita Domiciliária na Relação de Ajuda em Serviço Social Maria João Pena Introdução ..................................................................................................................... Conceitos, objetivos e processo da relação de ajuda em Serviço Social .................... A visita domiciliária como instrumento de intervenção do assistente social ................ A construção da relação profissional na visita domiciliária ..................................... Competências de comunicação na intervenção do assistente social .................... Referências.................................................................................................................... Capítulo 6

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Competências e Práticas Afirmativas dos Assistentes Sociais com Famílias e Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero (LGBT) Nélson Ramalho Introdução ..................................................................................................................... Famílias, pessoas LGBT e fatores de risco ................................................................... Internalização da LesbBiGayTransfobia .................................................................. Isolamento, saúde mental e abuso de substâncias ................................................ Bullying, violência e vitimação ................................................................................. Competências culturais para intervir na diversidade .................................................... Práticas afirmativas do Serviço Social com famílias e pessoas LGBT ......................... Avaliação das atitudes profissionais do assistente social ....................................... Criação de espaços e serviços sociais LGBT-friendly............................................. Utilização de linguagem inclusiva............................................................................ Intervenção social centrada na família .................................................................... Considerações finais ..................................................................................................... Referências.................................................................................................................... Capítulo 7

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A Intervenção Social com Crianças e Famílias por Acontecimento Adverso em Saúde

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Idalina Cabrita, Maria Augusta Lopes, Patrícia Teixeira da Silva, Rute Santos e Sandra Trigueiro Introdução ..................................................................................................................... Breve introdução histórica do Serviço Social na Saúde ............................................... Um olhar sobre a criança e a família ............................................................................. Intervenção social e acontecimentos adversos em saúde ........................................... Casos e notas técnicas ................................................................................................. Considerações finais ..................................................................................................... Referências....................................................................................................................

141 141 145 148 151 159 160

VII


Serviço Social com Famílias

Capítulo 8

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Impacto da Violência Doméstica em Crianças e Jovens Tânia Sousa e Maria Irene de Carvalho Introdução ..................................................................................................................... Violência doméstica: categorias e tipos ........................................................................ Exposição à violência doméstica: estado da arte ......................................................... Fatores mediadores do impacto ................................................................................... Crianças em perigo e em risco ..................................................................................... Objetivos e metodologia da pesquisa ........................................................................... Apresentação de estudos de casos .............................................................................. Viver com a violência ............................................................................................... Perceção da violência ........................................................................................ Perceção da necessidade de ajuda ................................................................... Impactos da violência ........................................................................................ Viver em transição ................................................................................................... Perceção sobre a denúncia ............................................................................... Após a intervenção .................................................................................................. Perceção sobre a intervenção da CPCJ ............................................................ Perceção sobre o pai ......................................................................................... Perceção das reações cognitivas e emocionais ................................................ Análise à escala SANI – “Isabel” ............................................................................. Viver com a violência (com o abusador) .................................................................. Perceção da violência ........................................................................................ Perceção das necessidades de ajuda ............................................................... Efeitos da violência ............................................................................................ Viver em transição ................................................................................................... Perceção sobre a denúncia ............................................................................... Viver só com a mãe/viver sem o abusador ............................................................. Perceção sobre a intervenção da CPCJ ............................................................ Perceção sobre o pai ......................................................................................... Perceção das reações cognitivas e emocionais ................................................ Análise à escala SANI – “Nuno” .............................................................................. Análise à escala SANI – “Vasco” ............................................................................. Considerações finais ..................................................................................................... Referências.................................................................................................................... Capítulo 9

163 163 164 167 170 172 175 176 176 176 176 177 177 177 177 177 178 178 182 182 183 183 184 184 185 185 185 185 186 188 190 192 195

Mediação Familiar Pública: Um Campo de Intervenção para Assistentes Sociais com Formação em Mediação de Conflitos na Família Paulo Milheiro Introdução ..................................................................................................................... Mediação familiar como meio de resolução alternativa de litígios na família em casos de separação e de divórcio ................................................................................

VIII

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Índice

Breves notas sobre a sua origem histórica, aparecimento e funcionamento da mediação em países ocidentais .............................................................................. Mediação familiar: noção e principais características............................................. O mediador como perito de resolução de conflitos na família ................................ Características profissionais e perfil .................................................................. Funções do mediador ........................................................................................ Formação em mediação familiar para assistentes sociais: um requisito para a sua admissão e exercício no sistema público de mediação ............................................... Sistema de Mediação Familiar (SMF) como espaço de ação profissional para “assistentes sociais mediadores” ................................................................................. Mediação familiar pública em Portugal: origem e enquadramento jurídico-institucional................................................................................................. SMF: alguns aspetos relacionados com a sua organização e funcionamento ....... Considerações finais ..................................................................................................... Referências.................................................................................................................... Capítulo 10

197 198 199 199 200 201 203 203 204 207 208 211

Serviço Social num Agrupamento de Escolas: O Olhar do Profissional de Serviço Social Nádia Barreiros Introdução ..................................................................................................................... Assistente social no âmbito do ser, saber e da ação .................................................... O profissional de Serviço Social ................................................................................... Prática com famílias ...................................................................................................... Ser profissional de Serviço Social num agrupamento de escolas TEIP ....................... Um agrupamento de escolas TEIP .......................................................................... Um olhar sobre o Serviço Social com famílias ........................................................ Considerações finais ..................................................................................................... Referências.................................................................................................................... Capítulo 11

211 212 213 214 215 216 218 222 223 225

Serviço Social com Famílias Imigrantes

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Hélia Bracons e Ana Rosalina da Mata Introdução ..................................................................................................................... Imigrantes: alguns dados para a reflexão ..................................................................... O Centro Padre Alves Correia (CEPAC): uma instituição de apoio aos imigrantes....... O Serviço Social com famílias imigrantes: casos práticos ........................................... Reflexões sobre o Serviço Social com famílias imigrantes ........................................... Considerações finais ..................................................................................................... Referências....................................................................................................................

225 225 226 227 232 236 237

IX


Serviço Social com Famílias

Capítulo 12

239

Cuidados Familiares Prestados a Pessoas Idosas Maria Irene de Carvalho Introdução ..................................................................................................................... Relações familiares e tipos de suportes informais ........................................................ Os cuidados familiares têm género? ............................................................................. Características dos cuidadores e dos cuidados familiares ........................................... Considerações finais ..................................................................................................... Referências.................................................................................................................... Capítulo 13

239 239 242 244 247 248 251

O Olhar dos Assistentes Sociais sobre o Descanso do Cuidador na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados Luísa Pimentel e Cezarina Maurício Introdução ..................................................................................................................... Envelhecimento, dependência e cuidados familiares ................................................... Redes de suporte formal: o caso particular da RNCCI ................................................. Conceção e planeamento da pesquisa......................................................................... Apresentação e discussão de resultados ..................................................................... Perceção dos assistentes sociais em relação às características das famílias........ Perceção em relação à modalidade de descanso e sua aplicação ........................ Benefícios e potencialidades ............................................................................. Limitações e constrangimentos ......................................................................... A prática profissional na articulação com as famílias e com a comunidade........... Considerações finais ..................................................................................................... Referências.................................................................................................................... Capítulo 14

251 253 256 258 259 259 261 261 262 266 269 270 273

Práticas Profissionais do Assistente Social da Saúde com Famílias em Contexto Hospitalar: Reflexões a partir de Caminhos Percorridos Ana Patrícia Pimenta, Luís Milton Alves e Pedro Fonseca Introdução ..................................................................................................................... Intervenção do assistente social na saúde ................................................................... Os processos de doença e o exercício profissional dos assistentes sociais na sociedade do risco ........................................................................................................ O Serviço Social no sistema de saúde da Madeira: o campo de atuação do assistente social ............................................................................................................ A problemática social do envelhecimento: o “retrato da velhice” em contexto de hospitalização ..................................................................................................... O papel da rede de suporte informal ................................................................. A intervenção do assistente social com famílias em contexto de cuidados paliativos .................................................................................................................. X

273 273 275 280 281 284 287


Índice

Considerações finais ..................................................................................................... Referências.................................................................................................................... Capítulo 15

294 295 299

Serviço Social e Intervenção Profissional com Famílias Regina Mioto Introdução ..................................................................................................................... A família contemporânea e a proteção social ............................................................... Política social e família: o campo contraditório da intervenção dos assistentes sociais ........................................................................................................................... Família e intervenção profissional ................................................................................. Considerações finais ..................................................................................................... Referências.................................................................................................................... Capítulo 16

299 302 304 307 310 311 315

O Serviço Social e as Famílias: Reflexão sobre a Realidade Brasileira Rita Freitas, Adriana Mesquita e Nívia Barros 315 317 321 324 327 331

Índice Remissivo ..........................................................................................................

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Introdução ..................................................................................................................... Família ou famílias ......................................................................................................... Legislação: apontamentos ............................................................................................ Famílias e políticas sociais: a realidade atual ............................................................... Considerações finais ..................................................................................................... Referências....................................................................................................................

XI



PrefáciO* A intervenção do Serviço Social com famílias remonta a sua gênese como profissão e área de conhecimento socialmente reconhecida na divisão social do trabalho em uma sociedade industrializada. Assim, com a emergência da questão social no Estado capitalista em sua fase monopolista, institucionalizou-se esse trabalho especializado. No entanto, essas intervenções foram marcadas pelas influências do higienismo, do moralismo e do conservadorismo que serviram como norma, dispositivo de poder, para gerência da vida social e familiar, tendo como foco, na esfera da produção e da reprodução social, a formação de padrões de comportamentos, costumes e valores, bem como o exercício da disciplina, controle e vigilância sobre a saúde, a educação, a higiene, os corpos e a sexualidade dos sujeitos e suas famílias. O Serviço Social ao romper ética e politicamente com essas marcas históricas de seu passado conservador e com práticas reificadoras, não negou, no decorrer deste processo, suas intervenções profissionais com as famílias, seja na forma do atendimento individual, grupal, familiar, visita domiciliar, comunitária e no planejamento e gestão das políticas sociais, através de instituições públicas, privadas e em organismos não governamentais como espaços mediados das redes de proteção social e das políticas públicas - saúde, educação, assistência social e outras. No entanto, com outro conteúdo e outra perspectiva, crítica, ao afirmar o sujeito como cidadão de direitos, no seu modo de andar a vida, sua autonomia, empoderados, subjetivados e na defesa intransigente da emancipação e da dignidade humanas em contexto de neoliberalismo e globalização.

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Esse outro olhar sobre o trabalho profissional com famílias, também sinaliza as diferentes formas de entender e intervir na família, como uma instituição histórica e social, reprodutora da ordem social, portanto, sujeita as mudanças e conflitos, que ela própria se metamorfoseia e se adapta, não desaparecendo, portanto, mas deslocando suas formas estéticas e organizativas, do modelo patriarcal para o nuclear burguês, e, em particular, na sociedade contemporânea, em outros modos diversos em que elas aparecem e são visibilizadas, como as famílias monoparentais, homoafetivas, recombinadas e tantas quantas forem possíveis de reinventá-la em nosso cotidiano, seja em Portugal ou no Brasil. Como oficina das relações sociais, é mister observar que sua composição tem as marcas do seu espaço-tempo, dos marcadores sociais de diferença, de interseccionalidades, de modos diversos de socialização e de cuidado. Neste sentido, essa coletânea apresenta um debate profícuo e necessário, fruto de produções acadêmicas na área científica do Serviço Social, onde seus autores e autoras se debruçam a partir de seus objetos de estudo e pesquisa, e sistematizam, a partir de suas reflexões críticas, suas próprias realidades cotidianas do trabalho profissional em que estão inseridos, contribuindo, cada um, com sua análise, com as várias faces do trabalho com famílias, sejam com crianças, jovens, idosos, mulheres e pessoas identificadas como lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros, travestis e transexuais (LGBT). *

O Prefácio foi mantido na grafia original, em português do Brasil. XVII


Serviço Social com Famílias

Outro destaque que caracteriza a contribuição da coletânea para o debate sobre o trabalho com famílias, no seio profissional do Serviço Social e não só, mas também para o campo das Ciências Sociais e Humanas, é a garantia de seu pluralismo na diversidade de perspectivas teóricas, metodológicas, técnico-operativas, e, principalmente, de autores oriundos de países diferentes, como Portugal e Brasil. Isso por si já enaltece o esforço de organização de um debate internacional em torno dos estudos de família em que assistentes sociais estão envolvidos cotidianamente, como profissionais e pesquisadores sobre sua realidade local, regional, nacional, social, institucional e profissional e podem dialogar com outros a partir desta produção que ora se apresenta. Os temas aqui problematizados, tais como as famílias de baixa renda e a ausência de recursos, a questão da violência doméstica, as relações de gênero, sexualidades e suas diversidades, a mediação de conflitos e a mediação familiar pública, as famílias imigrantes, a questão dos idosos e as gerações, a família na centralidade das políticas sociais e públicas, a lógica dos cuidados e a rede de proteção social, etc., vêm contribuir para a produção do conhecimento em Serviço Social, reforçando que a teoria e prática são unidades, tanto dos processos do fazer, como do saber, ou seja, trabalho e formação profissionais – a dimensão prática do exercício profissional e a dimensão investigativa dessa mesma ação – são para nós, assistentes sociais, um desafio à qualificação de nossa área profissional, que se coloca no plano ético e político, mas também epistemológico, no conjunto das nossas competências teórico-metodológica e técnico-interventiva junto a maioria da população e sua realidade social. Essa coletânea, portanto, tem sua relevância e urgência, por razões acadêmicas, profissionais, sociais e políticas. Cada leitor irá se identificar e apreciar algum tema aqui tratado, pois quando analisamos o objeto central desta obra – o trabalho com famílias – veremos o quanto o tema é heterogêneo, plural, diversificado e múltiplo, principalmente, quando conectado à lógica de produção e processo sociais que os sujeitos em relação as operam. É realmente o esforço de organização desse debate, em suas várias matizes e reflexões, que temos, com essa coletânea, os subsídios analíticos para pensarmos criticamente o trabalho profissional com famílias e avançarmos mais ainda em novas produções na área do Serviço Social português e brasileiro. Marco José de Oliveira Duarte Assistente social e Professor Adjunto da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FSS/UERJ). Coordenador do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (NEPS/UERJ), do Programa de Estudos e Debates dos Povos Africanos e Afro-americanos (PROAFRO/UERJ), da Residência Multiprofissional em Saúde Mental da UERJ e do Programa de Educação pelo Trabalho na Saúde (PET-Saúde) do Ministério da Saúde na UERJ. Rio de Janeiro, Brasil

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APresentAçãO A obra que agora se apresenta com o título de Serviço Social com Famílias completa uma trilogia de livros em Serviço Social editada pela Pactor, do grupo Lidel, iniciada, em 2012, com o livro Serviço Social na Saúde, ao qual se seguiu, em 2013, o livro Serviço Social no Envelhecimento. Nunca, como agora, foi publicado um número tão elevado de obras em Serviço Social. Estas publicações são fruto de pesquisas no âmbito de doutoramentos em Serviço Social. Tais obras têm destacado a identidade interna e externa do Serviço Social, a questão do Serviço Social como produto da modernização da sociedade, da institucionalização de direitos e liberdades, do desenvolvimento social e das reformas sociais, assim como a globalização, a mundialização, a tecnologia e os seus impactos, no Serviço Social. Também as políticas e as práticas profissionais têm sido objeto de interesse. Veja-se, por exemplo, temas como a violência, as políticas de cuidados na velhice e as políticas de emprego de longa duração. Uma análise aos contributos agora enunciados demonstra que os assistentes sociais com experiência de exercício da atividade profissional parecem interessar-se mais por aspetos processuais da mesma, as práticas profissionais, a intervenção social e a identidade interna; e os assistentes sociais no campo do ensino e de docência parecem preocupar-se mais com o eixo da profissão e da identidade externa, incluindo elementos da modernização da sociedade e as mutações da sociedade tecnológica. Enquanto assistente social, com experiência profissional ao nível da intervenção social, no setor público e privado não lucrativo, o agir profissional constituiu sempre uma preocupação. Esta preocupação interrelaciona as dimensões hermenêutica, teleológica e ontológica, isto é, o sentido do que fazemos, a finalidade da ação e a compreensão de quem somos. Estas dimensões permitem-nos refletir sobre o conhecimento, as teorias, as metodologias, as técnicas, os princípios e valores e a cultura em Serviço Social de uma forma crítica.

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No meu exercício profissional, nunca me resignei às práticas reificadas e procurei sempre novas formas de conhecer e de agir. Esta inquietude que me persegue pode parecer estranha, pois, muitas vezes, é mais reveladora de insegurança do que de segurança, de dúvidas do que de certezas. Mas, é nesta dialética, contraditória, de necessidades e de possibilidades, entre o querer e o possível, que a ação profissional se exerce. Enquanto assistentes sociais, temos de ter uma dose de “segurança” ao nível do saber e da reflexão, pois é isto que as pessoas esperam de nós, uma ação “securizante” – baseada em conhecimento, responsabilidade, justiça social, equidade e direitos. A sua concretização implica confiança, consciencialização, distribuição do poder, empoderamento das pessoas, para tomarem posição social e política face à condição de desigualdade que experienciam. Para concretizar este desígnio no tratamento com pessoas, grupos e comunidades, o assistente social é desafiado a questionar e a refletir constantemente a sua prática e as teorias explicativas da mesma. XIX


Serviço Social com Famílias

A profissão de assistente social é muito exigente. É uma das profissões que está na linha da frente, onde os problemas sociais ocorrem – entre o mundo da vida (quotidiano, experiências, subjetividades) e o mundo dos sistemas (sistemas económico, político e social). Atualmente, discute-se a necessidade de os assistentes sociais evidenciarem o seu saber na sociedade, seja na intervenção direta ou na direção e na coordenação de recursos, no sistema de ensino superior e na formação graduada e ao longo da vida, ou em redes de investigação. Os assistentes sociais são desafiados a reforçarem o conhecimento em Serviço Social. Exige-se que os assistentes sociais, como interventores sociais, mergulhem na ação para a compreender em profundidade, mas se distanciem suficientemente para a analisarem de forma crítica. Fazer este movimento é extremamente difícil e complexo, e exige um conjunto de competências essenciais ao exercício profissional, tais como saber, saber fazer e saber ser. Requer também supervisão profissional de caráter pedagógico e de apoio, formação ao longo da vida e metodologias críticas. Exige igualmente uma prática reflexiva que possibilite a análise do agir profissional, para permitir a sua reconstrução e, consequentemente, construção de novo conhecimento, assim como instituições com profissionais atentos à qualidade da intervenção, no sentido de proporcionarem condições para o seu desenvolvimento. Para atingir este desígnio, as redes de profissionais e as redes de investigadores, a trabalhar em conjunto, são determinantes. Tendo conhecimento do campo do Serviço Social em Portugal, identificamos algumas lacunas que têm impedido este propósito, nomeadamente: a separação, ainda existente, entre a intervenção, a academia e a investigação; a inexistência de supervisão externa da ação profissional; a não participação sistemática de assistentes sociais em grupos de reflexão sobre as práticas profissionais e/ou em grupos de investigação que potenciem o conhecimento do Serviço Social na sua totalidade – clientes, profissionais, instituições e políticas. A prática profissional desenvolve-se na sociedade globalizada, mundializada e, sobretudo, em contextos de privação. Estes contextos são complexos, cheios de tensões e dilemas, e requer dos assistentes sociais uma atitude reflexiva e crítica, que passa por considerar: que a teoria e a prática social são interdependentes (uma prática que se quer transformadora requer conexões e ligações constantes entre a teoria e a prática); lidar com a globalização e a fragmentação em contextos de incerteza; defender uma prática criativa em ambientes altamente regulados (uma prática criativa promove a distribuição de poder em igualdade de circunstâncias); gerir as tensões entre a vulnerabilidade e o poder através da prática crítica. O pensamento crítico é determinante para avaliar criticamente as realidades sociais e a prática profissional nestes contextos. As famílias são, sem dúvida, uma das principais unidades de análise e um dos pilares fundamentais da intervenção do Serviço Social. Para a concretização desta obra foram convidados profissionais que desenvolvem intervenções e investigações neste domínio. Neste livro destacamos a intervenção sistémica e a intervenção individualizada e com famílias, dando exemplos de intervenções neste domínio. Atualmente, não há um tipo ideal de família, mas vários tipos: famílias recompostas, monoparentais, nucleares, do mesmo sexo, etc. A organização familiar orienta-se tendencialmente por valores que XX


Apresentação

respeitem a individualidade e a liberdade dos seus membros. Assim sendo, é importante destacar a intervenção com pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgénero. Evidenciamos igualmente a intervenção com famílias em situações de acontecimentos adversos de saúde, com crianças em idade escolar e imigrantes. Atualmente, um dos campos que se tem destacado na intervenção do Serviço Social com famílias são os cuidados continuados de saúde e com famílias de idosos. Quando falamos de famílias, consideramos o conhecimento que é produzido noutros contextos societários, como é o caso do Brasil. Assim, revelamos o pensamento de várias autoras que se têm destacado nesta área. Por vezes, há uma ideia generalizada de que os assistentes sociais não adquirem, nem leem livros sobre Serviço Social, e que não escrevem sobre o que fazem ou não se interessam com estas questões. Com esta trilogia de livros sobre o Serviço Social é possível refutar essas teses e demonstrar que os assistentes sociais, não só leem livros, mas também escrevem e se preocupam com a profissão e com o saber do Serviço Social. A participação dos assistentes sociais nestas obras contribuirá, decerto, para evidenciar o Serviço Social na sociedade, junto das organizações e da comunidade académica e científica. O desafio passa por valorizar a prática e a investigação desenvolvida por assistentes sociais, docentes e investigadores com formação em Serviço Social.

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Intervenção com Famílias numa Ótica Sistémica Annamaria Campanini

Introdução Uma das características do Serviço Social é, desde os seus primórdios, a visão global da situação da pessoa, do utente, incluindo, por exemplo, a relação deste com o ambiente. Annette Garrett (citada por Lerma, 1992:20) afirmava, a este propósito, que a missão do Serviço Social é “levar as pessoas que se encontram numa situação de dificuldade social a estabelecer as melhores relações possíveis com todos aqueles que constituem o respetivo ambiente”. A ideia de trabalhar com a família considerando-a uma unidade já estava presente nas primeiras teorias que serviram de referência ao Serviço Social, embora tivessem sido os paradigmas da Psicanálise mais centrados no indivíduo a influenciar, de forma preponderante, os modelos teóricos do Serviço Social. Towle (1945), afirmava que não era possível fazer uma intervenção a um membro da família sem influenciar o grupo todo, de tal forma que, em alguns casos, era necessário alargar a intervenção a toda a família. A mudança significativa de abordagem no Serviço Social deu-se, no entanto, com a difusão das teorias sistémicas e da terapia familiar, que consideram a família uma unidade indissociável, um sistema com uma história própria e objetivos específicos. Foram os assistentes sociais os primeiros profissionais a observar que a intervenção num único indivíduo podia alterar as relações no seio da família, e que a dificuldade de um membro podia ser gerada por outro membro, de forma reativa. As teorias sistémicas relacionais contribuíram para reforçar e confirmar a ótica do Serviço Social que coloca a pessoa no centro da ação, tendo em consideração o seu contexto, pelo que as relações com o ambiente familiar, com as instituições e com o sistema de recursos se tornam objeto de estudo, tanto para compreender a situação de dificuldade, como para modificar as causas que a determinam. Um interessante artigo de Cardona e Campos (2014) sublinha exatamente o facto de os assistentes sociais, considerados frequentemente “vanguardistas” das diferentes correntes teórico-metodológicas1, se encontrarem entre os grandes protagonistas da história da abordagem sistémica, desde o início até à situação atual.

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Virginia Satir (MSW,Terapia Familiar Conjunta e Corrente Comunicacional do MRI); Peggy Papp (LCSW, Projeto de Terapia Breve do Instituto Ackerman de Terapia Familiar); Lynn Hoffman (ACSW, Enfoque Construtivista); Harry Aponte (MSW, LCSW, Enfoque Estrutural); Braulio Montalvo (Enfoque Estrutural); Betty Carter (Modelo Intergeracional); Mónica McGoldrick (Modelo Intergeracional); Lynn Segal (Projeto de Terapia Breve); Marianne Walters (Terapia Familiar Feminista); Insoo Kim Berg (MSW, Modelo Centrado em Soluções); Steve de Shazer (MSW, Modelo Centrado em Soluções); Eve Lipchik (MSW, Modelo Centrado em Soluções); Mattehew Selekman (MSW, Modelo Centrado em Soluções); e Michael White (LSW, Modelo Narrativo). 1


Serviço Social com Famílias

No contexto italiano, a abordagem sistémica foi desenvolvida como um modelo orgânico que serve de guia para a atividade do assistente social (Campanini e Luppi, 1988; Lerma, 1992) desde os anos 902. No que diz respeito à intervenção com a família, parte-se do princípio de que esta pode ser considerada um grupo com história, um sistema aberto autorregulador e, como tal, sujeito às propriedades dos sistemas. Salienta-se, no entanto, que a atenção do observador, o profissional, não deve continuar a centrar-se unicamente na descrição e na análise da família enquanto unidade. Um destaque exagerado da regularidade, da repetição e da previsibilidade dos comportamentos familiares representa um risco, uma vez que pode desenvolver uma lógica de tipo unidirecional em que o indivíduo acaba por ser determinado pelo grupo familiar, precisamente no momento em que, teoricamente, se propõe uma relação circular. Fruggeri (1997) sublinha como os estudos sobre a relação entre o conhecimento e o comportamento social destacam o facto de que: “(…) o comportamento interpessoal dos membros da família não é, portanto, uma resposta simples ao que os outros fazem, mas uma resposta em função dos significados que são atribuídos de forma autónoma a essas ações.” Fruggeri (1997:71)

A partir desta consideração, identificam-se três níveis de análise estreitamente relacionados entre si: pessoal, familiar e social. Cada um dos componentes da família confere sentido à própria experiência e atua nas relações com os outros com base num conjunto de princípios e crenças pessoais que resultam da posição específica que ocupa no grupo, das experiências anteriormente vividas ou nas relações com o exterior. Também a família desenvolve um sistema comum de princípios ou crenças que constituem um contexto simbólico que atribui significado à experiência individual, bem como conjuga e organiza os comportamentos dos membros da família, tanto no interior, como no exterior. Além disso, a família: “(…) fazendo parte de uma comunidade sociocultural, partilha destes sistemas de crenças que definem o que é aceitável e desejável no que respeita a comportamentos, papéis e relações familiares. Estas crenças contribuem para a determinação das dinâmicas familiares que, por sua vez, ajudam a desenvolver e a manter estereótipos, ideologias e valores comuns no plano social.” Fruggeri (1997:72)

Família ou famílias? Ao longo dos anos, a família sofreu transformações relacionadas com as alterações sociais e culturais. Passou-se de uma dimensão de família alargada, para uma de família 2

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As considerações que serão propostas neste capítulo remetem, em especial, para o texto de Campanini (2002), L’intervento sistemico (A intervenção sistémica), que representa o desenvolvimento mais recente deste modelo.


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Intervenção Terapêutica Sistémica com Famílias de Baixos Recursos: Algumas Pequenas Histórias Esmeralda Ferreira e Isabel Passarinho O terapeuta no seu papel de agente de mudança ou de “encenador do drama familiar” (Andolfi, 1980) não impõe uma realidade, nem tenta explicar “patologias”, vai exercer um papel ativo na análise sistémica dos problemas da família e na ativação das competências que cada núcleo social possui no seu interior.

Introdução O projeto “Consulta de Terapia Familiar”, em Cascais, representou um investimento municipal numa resposta, local e integrada, no âmbito da inovação social e da saúde mental. O projeto tornou acessível a terapia familiar e a intervenção sistémica a famílias de baixos recursos e constituiu-se, simultaneamente, como apoio aos técnicos das instituições de primeira linha que as encaminhavam. Pretendeu experimentar a construção de uma organização colaborativa de base, tendo a equipa como instância de suporte técnico qualificadora da intervenção. A narrativa do presente artigo foi construída por duas autoras-interventoras, ambas técnicas superiores (uma de Serviço Social e outra de Política Social) e terapeutas familiares a exercer a atividade profissional numa autarquia. O artigo constitui um exercício reflexivo sobre as suas experiências no referido projeto, que decorreu de setembro de 2008 a maio de 2013.

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O projeto realizou um forte enfoque na capacitação das pessoas/famílias e das redes, trabalhando para a emergência de soluções em contexto familiar e apelando a um papel preventivo em saúde mental. Procurou-se inscrever o projeto numa estratégia de inovação social. Segundo Isabel Guerra (2011), a inovação social caracteriza-se pelo seu caráter fora do comum na resolução dos problemas, que favorece a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos, organizações ou comunidades. Pode ter dimensões processuais ou materiais, mas é sempre o resultado do aumento de cooperação entre os atores sociais e, assim, pressupõe um crescimento das dimensões democráticas que estruturam a vida coletiva e um reforço e alargamento da capacidade de cooperação das redes sociais. Assim, no âmbito deste projeto foram eleitas duas linhas orientadoras: ■■

O reforço de competências/empowerment, que centrou a intervenção nas capacidades das pessoas; 43


Serviço Social com Famílias ■■

A abordagem integrada, que possibilitou, apesar da especialidade terapêutica, uma visão holística das pessoas e das situações, numa intervenção colaborativa e em rede.

Mais do que assumir um papel de especialistas da família, pareceu-nos importante explorar as suas dinâmicas, valores, atributos e perturbações numa visão sistémica do indivíduo em contexto e a sua interação com as redes de pertença. Este posicionamento permite, nas situações de crise e/ou sofrimento com existência de sintomas, que as famílias consigam mobilizar possibilidades de ação e mudança mais salutares. Colocamo-nos na perspetiva implicada de “quem fez parte”, de quem tem necessariamente uma visão a partir “de dentro” da experiência deste projeto de intervenção e que reflete, com a distância possível, sobre as famílias, as terapeutas e o lugar da equipa na abordagem sistémica. Partimos do que sabíamos e não sabíamos e arriscámos um desenho de projeto a partir de três organizações/entidades do território (uma oficial – autarquia – e duas particulares de solidariedade): ■■ ■■ ■■ ■■

Como é que somos capazes de qualificar as respostas que temos? Como é que podemos desenvolver uma resposta terapêutica articulada e de baixo custo? Como é que os sistemas familiares se transformam? Como é que o novo se inscreve na rotina dos sistemas, quer familiares, quer organizacionais?

Fazer uma narrativa da história de um projeto sob determinada perspetiva implica sempre uma maneira muito particular de selecionar informação e pontuar uns aspetos em detrimento de outros, sem ter a pretensão de que exista uma única história. No fundo, está patente uma espécie de necessidade de tornar acessível, ao maior número possível de pessoas, o que pode ser a terapia familiar. E, ao tentar descrever na generalidade, experimentam-se dificuldades semelhantes às de explicitar o que é o Serviço Social: ambos os campos de conhecimento e intervenção (com todas as diferenças que entre eles existem) têm, entre outros aspetos, pluralidades conceptuais e de modelos, percursos históricos apropriados singularmente por cada ator em contexto, estereótipos fortes e grandes diversidades do pensar e do fazer profissional. A terapia familiar é, eventualmente, menos conhecida do que outras abordagens terapêuticas. Entre as dificuldades para a sua divulgação, identificamos a menor oferta destes serviços e de profissionais habilitados: a formação assegurada pela Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar é longa e requer experiência aos técnicos de intervenção psicossocial candidatos. Nesta abordagem de terapia “com a família” (e não de terapia “da família”), a família e o terapeuta formam um sistema terapêutico, numa acoplagem em que cada qual mantém a sua organização e a sua autonomia. Desta forma, o processo terapêutico vai-se desenrolando através da realização de diversas sessões com os elementos da família disponíveis e/ou pontuados pelo terapeuta como importantes no contexto em que surge um ou mais sintomas. 44


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Intervenção do Serviço Social com Indivíduos e Famílias Maria Irene de Carvalho e Carla Pinto

Introdução A intervenção individualizada ou Serviço Social de caso, case work, tem a sua génese em Mary Richmond, pioneira do Serviço Social (Richmond, 1922). A autora advogava que o Serviço Social de caso se baseava numa relação de ajuda desenvolvida em diferentes unidades de análise: indivíduos e grupos, tendo em conta o meio. Este modelo de intervenção, considerado como a base do Serviço Social, foi desenvolvido pelas suas seguidoras, nomeadamente, Amy Gordon Hamilton, Charlotte Towle, Florence Holis e Helen Perlman (Aguado, 2006; Aranda, 2004; Caparrós 1992; Garcia e Romero, 2012). A finalidade desta intervenção é desenvolver capacidades, destacando os fatores positivos internos da pessoa, para que a mesma possa fazer face às exigências externas, do meio ambiente. Para concretizar este desígnio, é importante atuar e considerar algumas técnicas de relação de ajuda, tais como a entrevista de ajuda, a história social e outros instrumentos que permitam atingir o objetivo: desenvolver processos de capacitação pessoal, em igualdade de circunstâncias entre os indivíduos e as organizações, tendo em conta o contexto (meio ambiente) em que se inserem. O texto que agora se apresenta tem como objetivo compreender a intervenção do Serviço Social com indivíduos e famílias. Situa, num primeiro momento, a intervenção individualizada e a reconfiguração desta abordagem na atualidade. Num segundo momento, considera o processo da relação de ajuda, assim como os princípios, as competências e algumas técnicas requeridas para o seu desenvolvimento.

Do case work à intervenção psicossocial

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A metodologia de case work, ou intervenção individualizada, tem o seu fundamento no Serviço Social de Mary Richmond. Como já referimos, o Serviço Social individualizado desenvolvido por Richmond foi influenciado por teorias psicossociais, sobretudo pelo pensamento de George Herbert Mead1, pelas “teorias do self expandido” e pelo pragmatismo da Escola de Chicago. O pragmatismo deste pensamento permitiu a Richmond construir uma metodologia e uma prática para o Serviço Social fruto de ideias e de explicações decorrentes da inovação social e científica do seu tempo. 1

G. H. Mead foi um destacado pensador da corrente do pragmatismo da Escola de Chicago. Centrou-se no estudo da Filosofia e da Psicologia Social. Interessava-se pela análise das relações entre o indivíduo e a sociedade. O surgimento da consciência era o resultado da interação entre o indivíduo e a sociedade. Essa interação desenvolvia-se através da comunicação. 81


Serviço Social com Famílias

A intervenção individualizada defendida por Richmond (1922) associa-se ao pragmatismo e à abordagem da Psicologia Social de G. H. Mead, como argumentamos, e não aos contributos da Psicanálise ou da Psicologia, apesar de o modelo ter sido permeável aos contributos de outras Ciências Sociais e Humanas, como a Psiquiatria e a Psicologia, sobretudo pelas suas seguidoras: Amy Gordon Hamilton; Charlotte Towle; Florence Holis e Helen Perlman2 (Garcia e Romero, 2012). Vejamos, em forma de síntese, o contributo das autoras para a intervenção individualizada. Mary Richmond é uma das pioneiras do Serviço Social. Nasceu em 1861, em Beleville, Illinois. Faleceu em 1928, com 67 anos. Exerceu atividade profissional na Sociedade de Organização da Caridade (COS), nos EUA. Criou a primeira escola de filantropia em Nova Iorque (1898), na qual foi professora. Produziu legislação a favor de grupos vulneráveis. Publicou vários livros, entre eles Friendly visiting among the poor: a handbook for charity workers, em 1899, Social Diagnosis, em 1917, e What is social case work?, em 1922. Foi master e doutor honoris causa e contribuiu para a criação de uma nova profissão: o Serviço Social (IFSW, 2011; Aguado, 2006; Aranda, 2004). A sua determinação e visão reformista da sociedade possibilitaram o surgimento do Serviço Social como uma nova área do saber e como uma nova profissão. Para Richmond (1922:98-99), o Serviço Social de caso representava: “(…) those process which develop personality through adjustments consciously effected, individual by individual, between men and their social environment.” Richmond (1922:98-99)

No livro What is social case work? destaca: ■■

A questão da interdependência;

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As diferenças individuais, isto é, que todos os indivíduos são diferentes;

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Os princípios da ação;

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Os campos em que pode ser aplicado o case work, nomeadamente, no domicílio, na escola, no trabalho, no hospital e nos tribunais; As inter-relações na intervenção; A questão da democracia no case work, não só no sentido do respeito pela pessoa, mas defendendo que o mesmo não deve ser efetuado em contextos autoritários e opressivos3.

A metodologia do case work inicia-se com o diagnóstico social, que pressupõe, em primeiro lugar, a análise da situação da pessoa em relação ao meio, seguindo-se as entidades que lhe estão próximas e os seus vínculos sociais: a família, a escola, a igreja, o trabalho, a comunidade e as políticas e o Governo, pois eram estas ligações que 2

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Dorfman (1996) cita ainda outras autoras do Serviço Social, como Lidia Rapoport (1923-1971), Jessie Taft (1882-1910) e Virginia Robinson (1883-1977), que se destacaram no case work. Para fazer face a esta questão, Richmond (1922:248-249) propõe que o case work se desenvolva em agências do Estado, agências privadas e em exercício profissional autónomo, para que o poder autocrático não se dissemine na profissão, assumindo mesmo que os assistentes sociais possam fazer parte da administração destas associações. Contudo, isto não é suficiente para o exercício da democracia na profissão. A democracia tem de fazer parte do “espírito” de cada profissional, um valor a exercer e a defender, isto é, tem de se constituir como um valor implícito, inerente à profissão.


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Competências e Práticas Afirmativas dos Assistentes Sociais com Famílias e Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero (LGBT) Nélson Ramalho

Introdução Reconhece-se, ao nível internacional, que a sexualidade é uma dimensão negligenciada no Serviço Social (Charnley e Langley, 2007; Dunk-West e Hafford-Letchfield, 2011). Em Portugal, o tratamento de questões particulares da orientação sexual e/ou identidade de género parecem, também, encontrar-se imersas numa invisibilidade, expressa em reduzida produção científica, limitadas práticas profissionais e escassos serviços sociais de apoio às famílias e pessoas lésbicas, gays, bissexuais ou transgénero (LGBT). Neste sentido, o presente capítulo assume-se como um esforço pioneiro para promover um campo de atuação que, até agora, tem sido fortemente descurado. Por isso, importa sistematizar as atitudes, os conhecimentos e as competências (Bergh e Crisp, 2004) necessários, que os assistentes sociais deverão adquirir para desenvolver “práticas afirmativas” (Crisp e McCave, 2007; Messinger, 2006) junto das famílias e pessoas LGBT, isto é, práticas que afirmam as identidades LGBT, como expressão da vida humana, tão positivas quanto as identidades heterossexuais. A reflexão aqui efetuada tem por base a prática profissional exercida no Serviço de Intervenção Social (SIS)1 pertencente à Associação ILGA-Portugal, bem como no projeto “Trans-Porta”2 da Associação para o Planeamento da Família (APF Lisboa, Tejo e Sado). Embora se reconheça um diminuto número de profissionais de Serviço Social integrados em associações ou movimentos de defesa dos direitos das famílias e pessoas LGBT, tal não significa que as competências orientadas para a diversidade deverão ser exclusivas dos profissionais que nelas trabalham. A orientação sexual e/ou a identidade/expressão de género são características que se encontram presentes na vida humana3. Qualquer assistente social, mesmo encontrando-se a exercer as suas funções noutros campos de intervenção, deverá mostrar-se com competências 1

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Este serviço foi constituído, em 2012, pelo autor, em estreita colaboração com outros profissionais, predominantemente da área da Psicologia. O SIS pretende promover o bem-estar, a qualidade de vida, a justiça social e a defesa dos direitos das famílias e das pessoas LGBT. Na maior parte dos casos, o serviço encontra-se a funcionar em regime de emergência social, em especial, devido a problemas de abandono ou de expulsão de casa, infeção por VIH ou refúgio em Portugal por razões de perseguição em função da orientação sexual e/ou identidade de género no país de origem. O “Trans-Porta” é um projeto de intervenção social junto de travestis que se encontram em contextos de trabalho sexual de rua, na cidade de Lisboa. As estratégias e as metodologias de intervenção social reportam-se, maioritariamente, a intervenção de rua, que integra não só os espaços prostitucionais, como outros contextos sociais nos quais esta população se encontra inserida (Ramalho, Barroso e Santos, 2014). Numa estimativa, a população LGBT corresponde a 10% da população mundial (Bergh e Crisp, 2004; Messinger, 2006; Yanca e Johnson, 2008). 125


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para, nas suas realidades profissionais, atender e prestar um serviço adequado a esta população. Importa salientar que, para a redação do presente capítulo, se teve em conta os princípios éticos e deontológicos necessários, pelo que os testemunhos presentes nesta reflexão basearam-se na vontade dos sujeitos. Os nomes dos mesmos foram alterados para garantir e preservar a sua confidencialidade e anonimato. Este aspeto reveste-se de maior importância quando a intervenção e/ou investigação é centrada em grupos cuja posse de características particulares os tornam socialmente vulneráveis.

Famílias, pessoas LGBT e fatores de risco Para as civilizações ocidentais, a família é um termo usado para descrever um sistema composto por membros “unidos diretamente por laços de parentesco, no qual os adultos apresentam a responsabilidade de cuidar das crianças” (Giddens, 2001a:175). Assume-se, desde logo, que todos os membros da tradicional “família nuclear”, composta pelo pai, a mãe e os filhos, apresentam uma sexualidade heteronormativa. Só recentemente houve um reconhecimento da existência de pessoas LGBT a viverem nos sistemas familiares heterossexuais e a participarem na comunidade, também ela, predominantemente heterossexual (Cohen, Padilla e Aravena, 2006). Sabe-se que a família é o grupo reconhecido no qual é esperado existir suporte emocional e financeiro, bem como conforto e segurança para os seus elementos face às adversidades da vida em sociedade. Contudo, para muitas pessoas LGBT, a família pode não significar, necessariamente, conforto ou segurança. Pelo contrário, pode significar a vivência num ambiente hostil devido à sua orientação sexual e/ou identidade de género, experienciando sentimentos de medo, vergonha, culpa e rejeição por não corresponderem às expectativas de uma sexualidade heterornormativa. Indivíduos LGBT rejeitados e/ou alienados pela sua família acabam por constituir novos sistemas familiares, compostos por redes de amizade, comunidades pessoais ou comunidades LGBT, denominados por “famílias de escolha” (Bergh e Crisp, 2004; Roseneil, 2006; Weston, 1991). Crescentes processos de individuação do mundo contemporâneo têm posto em causa a intimidade e a sexualidade (Giddens, 2001b), e, consequentemente, possibilitado uma desagregação e recomposição do modelo tradicional familiar. Neste sentido, muitos dos cientistas sociais que se têm debruçado sobre o conceito de família consideram, hoje em dia, ser mais apropriado falar-se em “famílias” para sublinhar a diversidade das múltiplas configurações4 existentes (Aboim e Vasconcelos, 2013; Giddens, 2001a; Oliveira, 2009). As famílias nas quais se incluem pessoas LGBT tendem, também elas, a apresentar atitudes e comportamentos LesBiGayTransfóbicos e heterossexistas, por se encontrarem 4

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Segundo Oliveira (2009), estas configurações variam segundo a composição e as relações estabelecidas. Ao nível da composição observamos, atualmente, e a título exemplificativo, uniões consensuais de parceiros separados ou divorciados; uniões de pessoas do mesmo sexo; uniões de pessoas com filhos de outros casamentos; mães sozinhas com filhos, podendo cada um ser de pais diferentes; pais sozinhos com filhos; avós com netos; entre uma infinidade de outras formas possíveis que se distanciam do clássico modelo tradicional de “família nuclear”. Em termos de relações estabelecidas são também encontrados diferentes “papéis” familiares na sequência das transformações ocorridas nos sistemas familiares.


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Serviço Social num Agrupamento de Escolas: O Olhar do Profissional de Serviço Social Nádia Barreiros “A missão do profissional de serviço social passa pela utilização do maquinismo social, dos recursos técnicos e sociais, mas acima de tudo ser uma alma que humaniza a rodagem do mecanismo.” Caria et al. (2005:245)

Introdução Este texto que agora se apresenta pretende refletir sobre a intervenção dos profissionais de Serviço Social num agrupamento de escolas, denominado Território Educativo de Intervenção Prioritária (TEIP). Estes territórios são caracterizados por neles se encontrarem problemas sociais, famílias com privações de vários níveis, desde económicas, ao acesso a recursos, ao desinvestimento na educação e na formação. Com estes programas, pretende-se prevenir o abandono escolar e promover a escolaridade como um bem social determinante para o desenvolvimento pessoal e social. O texto resulta da experiência da autora como profissional de Serviço Social, integrada numa equipa multidisciplinar, num desses territórios. Assim, em primeiro lugar, situamos a relação do Serviço Social com o saber profissional e a especificidade da ação, na qual estão incluídas as dimensões teórico-metodológicas, técnicas operativas e ética e política. Consideramos essas dimensões tendo em conta a importância dos profissionais de Serviço Social na intervenção com famílias no sistema educativo.

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Neste enquadramento, refletimos sobre a intervenção apresentando alguns casos, considerando o modo como se analisam as situações e se intervém com as famílias das crianças, no sentido de as motivar para a frequência da escola e também para a importância que a mesma tem para o futuro. Na apresentação dos casos e das atividades realizadas, tivemos em atenção os princípios éticos e deontológicos inerentes à profissão e à pesquisa, nomeadamente o princípio da confidencialidade e do anonimato.

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Serviço Social com Famílias

Assistente social no âmbito do ser, saber e da ação Num estudo efetuado sobre as profissões sociais, Caria et al. (2005:245) argumentam que os trabalhadores sociais1 intervêm em meios burocráticos e estruturas organizacionais mais ou menos hierarquizadas e formais, maquinismo social, para conseguirem atingir objetivos que se traduzem em benefícios concretos para as famílias acompanhadas. Os recursos técnicos e sociais destes profissionais começam no sistema de formação e as capacidades e as competências vão sendo desenvolvidas ao longo do tempo, com a experiência que vai sendo adquirida, nos locais onde exerce funções, com relação com o meio envolvente. A formação assenta em domínios do saber, do saber fazer e do saber ser, na aquisição e na transmissão de conhecimentos teóricos, de competências técnicas e de valores e princípios éticos e deontológicos, pelos quais se rege a intervenção social. O dinamismo associado à prática profissional transmite conhecimentos e fomenta capacidades de adaptabilidade e mudança, no profissional, nos indivíduos e nas organizações (Caria et al., 2005:245; Núncio, 2010; Pinto, 2012). Apesar de o Serviço Social estar inserido nas profissões sociais, o mesmo tem uma jurisdição própria ao nível do exercício da profissão. O Serviço Social é um saber, associado às Ciências Sociais e Humanas e ao humanismo. Esta profissão, com mais de um século de existência em todo o mundo, foi formalmente considerada como tal por Mary Richmond, no início do século XX (Richmond, 1922). A autora considerava que a profissão era mais do que um conjunto de saberes ou de saber fazer. O Serviço Social é mais do que um conjunto de atividades que se desenvolve em qualquer organização, ele maximiza e valoriza a dignidade individual e coletiva, o bem-estar coletivo e a recusa de toda e qualquer ação opressiva (Richmond, 1922). O Serviço Social pode ser definido como um saber no âmbito das Ciências Sociais e Humanas e uma prática social que se desenvolve na sociedade, com uma competência científica e técnica, com uma relativa autonomia de critérios e, consequentemente, com uma responsabilidade social na qual os direitos humanos e a justiça social se destacam (Carvalho et al.,1998). Como sabemos, o Serviço Social tem uma relação implícita com os direitos humanos e os direitos sociais. Em Portugal, os direitos sociais foram consubstanciados logo após a Revolução de Abril, em 1974. O direito ao ensino, com igualdade de oportunidades no acesso ao mesmo, e o êxito escolar foram inscritos na Constituição da República Portuguesa de 1976. A partir dessa data, foi instituída a escola pública. Posteriormente, com o Decreto-Lei n.º 270/98, de 1 de Setembro, foram estabelecidos os direitos e os deveres, um código de conduta com orientações para toda a comunidade educativa (Constituição da República Portuguesa, 1997; Decreto-Lei n.º 270/98, de 1 de Setembro). 1

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Os autores (Caria et al., 2005) efetuaram um estudo em torno da análise social das profissões em trabalho técnico-intelectual. Neste quadro de análise, os autores estudaram as profissões de trabalho social. Em Portugal, a denominação de trabalhadores sociais é utilizada para considerar todas as profissões e áreas sociais. Em Portugal, a profissão de Serviço Social, assistente social, está amplamente tipificada e inserida na divisão sociotécnica do trabalho, havendo legislação própria que define a sua ação, incluindo carreiras profissionais cuja categoria pode oscilar entre técnico de Serviço Social (2.ª, 1.ª principal, assessor, assessor principal) e coordenador e diretor de serviços e/ou diretor técnico de respostas sociais, assim como técnico superior de reeducação social, nos casos do sistema da Justiça e da reeducação.


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O Olhar dos Assistentes Sociais sobre o Descanso do Cuidador na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados Luísa Pimentel e Cezarina Maurício

Introdução A revisão da literatura permite aferir que a família sempre esteve presente no exercício profissional do Serviço Social. No Serviço Social Clássico, a família é claramente referenciada no denominado Case Work ou Serviço Social Individualizado. Este primeiro método específico de Serviço Social tem como objetivo capacitar os indivíduos para resolverem os seus problemas, satisfazerem as suas próprias necessidades, através da mobilização de recursos oferecidos pela comunidade e/ou através da mobilização dos recursos do cliente, mas não os desligando da família e dos contextos sociais. Esse processo é dinâmico, uma vez que ocorre no relacionamento entre o assistente social e o sujeito (Vieira, 1988). Cedo a família é reconhecida como contexto “natural” do sujeito e, como tal, deve ser tida em linha de conta no quadro compreensivo da situação analisada. Assim, considera-se que é necessário recolher informações sobre a mesma, com base nas evidências ou nos recursos metodológicos na altura reconhecidos e utilizados. Criadora do Case Work, Mary Richmond (1996) acredita que o caso individual não pode ser separado do seu contexto e, como tal, não separou o caso social individual do caso social familiar. Essa conceptualização teve as suas repercussões ao nível metodológico, verificando-se que a essência do diagnóstico se refere a uma análise sobre as relações sociais do sujeito e da família. Para outra autora clássica do Serviço Social, o:

“Serviço Social de Casos ocupa-se diretamente das famílias como experiências de vida. (…) Sempre se preocupou com a família como a célula máter da sociedade, na qual se formam os primeiros conceitos que vão ter influência profunda no ajustamento social.” Hamilton (1979:119-120)

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As contínuas discussões em torno do objeto em Serviço Social, dos papéis profissionais, da respetiva tipologia de clientes e dos modelos de intervenção, permitem identificar a presença e a relevância da família. Na perspetiva de Falcão (1979:45), o Serviço Social, como prática social que se faz nas relações, opera “a sua intervenção através de unidades de intervenção de natureza psicossocial, social e política.” A família é, sem dúvida, uma das referências que encon251


Serviço Social com Famílias

tramos nas unidades de natureza psicossocial, as unidades constitutivas da sociedade, juntamente com os indivíduos, os grupos de convivência e outros, as comunidades ou subunidades destas. Caparrós e Soto (1994) realizam um exercício que permite a construção de categorias de clientes. Para essa construção, definem um conjunto de critérios, entre os quais o “sistema afetado e de intervenção”, que autoriza a integração de indivíduos, grupos sociais e comunidades, mas também de famílias. Uma das funções atribuídas pelas organizações internacionais ao Serviço Social é preparar e trabalhar com sujeitos, famílias, grupos, comunidades e prestadores de cuidados, para avaliar as suas necessidades e circunstâncias (Walker e Beckett, 2003). Viscarret (2007) reconhece as múltiplas referências à família ao explanar os modelos e métodos de intervenção em Serviço Social. Um dos exemplos claros é a discussão em torno do modelo de gestão de casos, considerando que o Serviço Social deve atuar em diferentes níveis, nomeadamente ao nível da intervenção direta com indivíduos e famílias, da planificação de programas e do desenvolvimento de políticas.

“(…) la gestión de casos centra su atención no solo en la persona, sino que lo hace en su entorno, en donde el trabajador social evalúa al cliente dentro del contexto del mundo externo que le rodea y le provee tanto de un servicio directo como de un servicio indirecto.” Viscarret (2007:238)

Podemos, então, afirmar que existe consenso na aceitação da família enquanto unidade de intervenção do Serviço Social, que encerra uma diversidade de atuações para os assistentes sociais. É que as realidades, as incidências e os objetos familiares multiplicam-se, entre os quais podemos incluir as famílias dos idosos com quem os assistentes socias se “encontram” profissionalmente. Os cuidados às pessoas dependentes, idosas e não só, sempre foram entendidos como um domínio da responsabilidade familiar (Alves, 2013; Harper, 2009; São José, 2012), apesar da crescente recurso a instituições no sentido de complementar ou substituir o papel exercido pelas famílias. A utilização de recursos institucionais permite atenuar os impactos negativos da prestação de cuidados pelas famílias e ajuda a perpetuar as soluções de apoio por estas delineadas (Gil, 2007, 2009; Moody, 2009; Pimentel, 2013). A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) enquadra um conjunto de respostas que visam, essencialmente, promover a reabilitação em situações de dependência funcional, mas também contempla uma possibilidade de internamento para descanso dos cuidadores. Os assistentes sociais que trabalham na RNCCI assumem o papel de conselheiros da família, bem como de mediadores da prestação de bens e serviços ao doente e à família (Branco et al., 2006). Assim, procurou-se compreender as perceções dos assistentes sociais relativamente às potencialidades e limitações do descanso do cuidador e ainda se esta modalidade facilita a prestação dos cuidados familiares. 252


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Serviço Social e Intervenção Profissional com Famílias Regina Mioto

Introdução O presente artigo discute a questão da intervenção profissional dos assistentes sociais com famílias a partir da realidade brasileira. Tem como referência as contribuições da teoria social crítica que sustentam o debate do Serviço Social a partir do Movimento de Reconceituação latino-americano. Afirma-se a família como sujeito privilegiado de intervenção profissional dos assistentes sociais e postula-se que o foco de interesse da profissão concentra-se na sua inter-relação com a proteção social. Nesse contexto, procura-se explicitar tal relação, bem como o lugar que tem sido atribuído à família no âmbito da política social contemporânea. Desenvolve-se a ideia da política social como campo contraditório de intervenção profissional e tenta-se traçar alguns parâmetros para a condução do processo interventivo com base numa perspetiva crítica. A intervenção profissional com famílias é um tema que está no campo de debate do Serviço Social desde as suas origens e vem garantindo à profissão uma inserção estratégica no cenário contemporâneo da política social. A família tem tido um lugar de destaque nesse cenário. Ao mesmo tempo que tem levado os profissionais a estarem cada vez mais capacitados para responder às exigências que lhes são postas, tal inserção tem proporcionado uma diversidade de respostas vinculada ao desenvolvimento histórico da profissão em diferentes países e regiões, e às matrizes teórico-metodológicas e ético-políticas que marcam os seus diferentes projetos1. Ao longo do tempo, essa conjuntura produziu questões provocativas em relação à forma como os assistentes sociais se posicionam ante a realidade social contemporânea e como a intervenção profissional tem vindo a ser tratada, particularmente, aquela realizada com famílias. Este artigo pretende contribuir para a proposição e elucidação de algumas dessas questões. A sua elaboração parte do pensamento social crítico que tem marcado profundamente a produção intelectual do Serviço Social brasileiro desde os anos 70 do século XX, com o Movimento de Reconceituação latino-americano2. 1

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Para Netto (2005), projeto profissional consiste numa estrutura dinâmica que se transforma a partir de modificações referentes ao quadro: de necessidades sociais com as quais a profissão opera; das transformações sociais, económicas e culturais que ocorrem nos diferentes momentos históricos; e das alterações decorrentes do próprio processo de desenvolvimento da profissão. Assim, a dimensão política é-lhe inerente e está diretamente relacionada com os projetos societários presentes e em disputa num determinado momento histórico. O Movimento de Reconceituação caracterizou-se pela reunião de assistentes sociais que, marcados pela efervescência das lutas políticas reinantes na América Latina, começaram a refletir sobre os seus processos interventivos e a questionar as bases positivistas e funcionalistas que os informava. Nesse movimento, desloca-se o debate da profissão do “metodologismo”, até então reinante, para o debate das relações sociais nos marcos do capitalismo. A partir de então, empreendeu-se um grande esforço para a construção de um marco teórico-prático para o Serviço Social, à luz de um posicionamento ideológico materialista-dialético que pudesse responder às questões postas pela realidade latino-americana (Costa, 1979; Junqueira, 1980; Setubal, 1983; Yasbek, 1999; Faleiros, 1990). 299


Serviço Social com Famílias

Desde então, no Brasil, procura-se construir, através da produção de conhecimento, da atuação dos organismos que representam os assistentes sociais e da formação profissional, uma hegemonia do pensamento social crítico. Para tal, está presente um horizonte de transformação da sociedade que entrelaça uma perspetiva tanto de aumento e de manutenção de conquistas de direitos sociais, como da própria superação do regime do capital. Exemplos do primeiro aspeto são as lutas pela universalização dos direitos sociais, pela garantia das conquistas democráticas e contra todas as formas de opressão. Exemplos do segundo transparecem nas ideias e ações contestadoras da intrínseca desigualdade – entre classes e regiões – produzida pelo capitalismo, que se expressa numa permanente crise social, acirrada nos últimos anos pelos ventos do pensamento neoliberal (Mioto, 2012). Entre as contribuições do pensamento social crítico para a formação de novas bases de sustentação da intervenção profissional, destaca-se o facto de estas contribuições terem permitido compreender que as ações profissionais estão profundamente condicionadas pelas relações entre as classes na sociedade capitalista e que as mesmas interferem na reprodução material e social da força de trabalho, tanto através das ações materiais, como das ações de cunho sociopolítico e ideocultural. Ou seja, participam na reprodução das relações sociais, que se faz através da reprodução de valores, de modos de vida e de práticas culturais e políticas (Iamamoto, 1999; Yasbek, 1999; Simionatto, 1999). Além disso, permitiu repensar o universo interventivo em dois pontos fundamentais. O primeiro concerne à interpretação das exigências colocadas aos assistentes sociais pelos indivíduos, ou seja, as necessidades apresentadas por sujeitos singulares já não são compreendidas como problemas individuais, diga-se, familiares. Pelo contrário, são interpretadas como expressões de necessidades humanas básicas não satisfeitas, considerando a desigualdade social própria da organização capitalista. Assim, houve uma desvinculação da ideia de que as dificuldades enfrentadas pelas famílias devem ser tratadas como “casos de família”. Mesmo as dificuldades apresentadas em relação à efetivação dos processos de integração social são compreendidas a partir das contradições próprias da estrutura económica, social e cultural, e também da emergência de formas diversas ou antagónicas de consciência social (Busoni e Falteri; 1980; Sepilli e Guaitini, 1974). Entende-se que as dificuldades apresentadas pelas famílias expressam conflitos instaurados numa dinâmica construída no contexto de uma história repartida e ambivalente em relação a campos de experiências contraditórias (Mioto, 2003). Por isso mesmo, não podem ser circunscritas à questão da competência ou incompetência desses sujeitos. Reconhece-se, assim, que a família não é apenas um espaço privado e produtor de subjetividades, sendo afetada pela questão social. O segundo aspeto refere-se ao redimensionamento da ação profissional no que diz respeito ao seu alcance e direção. Ao postular que as soluções dos problemas dos sujeitos singulares só se efetivam, de facto, com a transformação das bases de produção e de reprodução das relações sociais – superação do modo de produção capitalista –, exige-se que a ação profissional seja pensada na sua teleologia. Além da sua eficiência operativa ou da sua instrumentalidade, a ação profissional incorpora o compromisso ético com a transformação social (Guerra, 2000). Porém, ao reconhecer o terreno sócio-histórico no qual se movimenta a profissão, adota-se a categoria dos direitos e da cidadania como direção no encaminhamento das ações profissionais. Os direitos são apreendidos como caminhos para a concre300


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Maria Irene de Carvalho A intervenção profissional com famílias é um tema que tem sido abordado e debatido pelo Serviço Social desde as suas origens, garantindo assim à profissão uma inserção estratégica no cenário contemporâneo da política social. De facto, as famílias são uma das principais unidades de análise e um dos pilares fundamentais da intervenção do Serviço Social. Atualmente, esta intervenção dirige-se não a um tipo ideal de família, mas a vários tipos: famílias recompostas, monoparentais, nucleares, com casais do mesmo sexo, entre outros. Este livro reúne o trabalho de assistentes sociais, docentes e investigadores, dando-se enfoque à intervenção sistémica e à intervenção individualizada e com famílias, com vários exemplos de intervenções neste domínio. Evidencia-se, igualmente, a intervenção em situações de acontecimentos adversos de saúde, com crianças em idade escolar, pessoas LGBT, imigrantes e famílias de idosos. Procura-se, ainda, relevar o conhecimento que é produzido noutros contextos societários, como é o caso do Brasil, com a participação de várias autoras que se têm destacado nesta área.

Neste livro abordam-se as seguintes temáticas: Intervenção sistémica com famílias Intervenção com crianças e famílias Relação de ajuda em Serviço Social Mediação de conflitos na família Impactos da violência doméstica Famílias em contexto hospitalar

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Cuidados familiares na velhice Intervenção individualizada Famílias e pessoas LGBT Serviço Social nas escolas Descanso do cuidador Famílias imigrantes

ISBN 978-989-693-047-9

www.pactor.pt

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