A cultura informa o homem

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A cultura

informa

o homem


A cultura

informa

o homem


Clóvis Braz Pataxó Duteran Pataxó

Presidência da República Ministério da Educação Secretaria Executiva Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão Diretoria de Políticas para Educação do Campo, Indígena e para as relações Étnico-Raciais Universidade Federal de Minas Gerais Reitor: Clélio Campolina Diniz Vice-Reitora: Rocksane de Carvalho Norton Faculdade de Letras Diretor: Luiz Francisco Dias Vice-Diretora: Sandra Maria Gualberto Braga Bianchet Núcleo Transdisciplinar de Pesquisas Literaterras Coordenadora: Maria Inês de Almeida

B827c

A cultura

informa Braz, Clóvis, Pataxó A cultura informa o homem / Clóvis Braz Pataxó, Duteran Pataxó. Belo Horizonte : Literaterras : FALE/UFMG, 2012. 60 p. : il.,color.

o homem

ISBN: 978-85-7758-193-1 1. Índios Pataxó _ Minas Gerais. 2. Índios da América do Sul _ Brasil. 3. Índios _ Cultura. 4. Literatura Indígena _ Minas Gerais. I. Duteran, Pataxó. II. Título.

CDD: 980.41

Belo Horizonte Literaterras - FALE/UFMG 2012


Sumário

A cultura

informa

o homem

Curso “Formação Intercultural para Educadores Indígenas” - FIEI/UFMG Eixo de Conhecimento Socioambiental Coordenação Ana Maria Rabelo Gomes Marcos Vinícius Bortolus Coordenação de Materiais Didáticos Márcia Spyer Textos Clóvis Braz Pataxó Duteran Pataxó Ilustrações Clóvis Pataxó Revisão Duteran Pataxó Guilherme Antunes Abjaudi Priscila Luiza Mara Vanessa Fonseca Dutra Este livro foi produzido pelo professor indígena Pataxó Projeto Gráfico e Diagramação de Arte e Cultura Txahú Pataxó (Clóvis Braz Pataxó) da Lila Vasconcelos aldeia Muã Mimatxi, durante as oficinas de produção de conhecimento e laboratórios interculturais realizados no Coordenação Editorial Curso de Formação Intercultural para Educadores Indígenas Maria Inês de Almeida FIEI– UFMG, no Eixo de Conhecimento Socioambiental.

A cultura informa o homem 7 Como fortalecemos nossa cultura 9 Tudo na vida é uma leitura 11 O canto é a nossa mensagem 13 Como os mais velhos descobriam os segredos das plantas 15 Modo de viver 17 Como que os pataxós mais velhos conheciam o outro de perto? 19 Com a camaradagem se aprende ajudar 21 O quê que marca a presença e o que é presença 23 A criança descobre as coisas mais do que os velhos 25 Quando a moça e o rapaz estão prontos para casar 27 A natureza 29 Como usamos a mata 31

A vida dos animais com a mata 33 Dormir e acordar ao despertar da natureza 35 Como a natureza constrói de novo? 37 O que acompanha a gente 39 O tipo e o jeito 41 A cultura das mães 43 De pai para filho 45 Como se vê o anoitecer e o amanhecer na aldeia Muã Mimatxi 47 Na aldeia todo alguém é alguém 49 O céu, a terra e o ar 51 O que é bom acaba logo 53 Aproveitar é muito bom! Aproveitem bem 55


A cultura informa o homem

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A cultura vive escondida e a cada tempo que passa nós vamos descobrindo um pouquinho dela. Cada coisa que a gente vê a gente vai descobrindo a cultura, até nas nuvens, no céu, nas estrelas e na lua, depende da gente saber descobrir a cultura devagar. A cultura informa nos trabalhos, no conhecimento para que se construam outras coisas, na música, na dança, no artesanato, no conhecimento dessas coisas e outras. Principalmente para nós, índios, ao fazermos uma lança, uma colher de pau, um prato de pau, um gamelão, uma gamela, um pote, uma panela de barro, um jiquiá. Cozinhar uma comida com temperos dos mais velhos, saber fazer uma moqueca, uma flecha, saber pescar, fazer muitas espécies de colares, fazer uma canoa, saber fazer os remédios da nossa cultura. O índio se forma nisso porque ele é reconhecido através da cultura por ser um respeitador. Fazendo o artesanato nós nunca esquecemos, porque tem muitas pessoas que sabem e outros que não sabem fazer o artesanato. O índio, para se formar com sua cultura, não precisa comprar o seu material, porque a natureza dá. Ela dá as sementes, as madeiras, a terra, o peixe, a caça, de tudo tiramos as coisas para fazer nossa cultura. Nem todo mundo faz a canoa e quem faz, é reconhecido. Como também nem todos sabemos fazer uma peneira. Pela cultura sabemos muitas coisas da natureza. Os que não sabem sobre a cultura não são bem informados, como os que sabem. Qualquer pessoa é capaz de ser reconhecida, basta praticar a sua cultura.


Como fortalecemos nossa cultura

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Quando a criança está engatinhando já temos que começar a ensinar a ela as coisas da nossa cultura e todo jeito que nós fazemos, tem que aprender desde pequeno. Desde pequeno tem que pegar, ensinar os jovens a fazer um beiju, uma muqueca, um remédio, ensinar as fases da lua, a fazer pintura e aprender a gostar de ser pintado. Isso já começa de pequeno. Ensinamos palavras e frases na língua pataxó. Tendo esse gosto, quando as crianças crescerem vão gostar de praticar a sua cultura e já aprendem muitas coisas. Sempre quando a gente sai, nós temos que levar a criança, se a gente se pinta, a gente tem que pintar ela também, se coloca um colar, tem que colocar na criança também, e quando essa criança estiver bem grande ela já vai estar forte na cultura. Hoje os jovens não sabem fazer um cauim, então as índias mais velhas têm que ensinar, e depois que as crianças crescem elas estão com tudo na cultura. Hoje nós ainda comemos assados, então temos que ensinar as crianças a comer assado. O assado é ruim para quem não gosta. Para quem não sabe assar, ele mal assa, queima por fora e por dentro está cru. Sempre quando um velho está fazendo uma coisa, um jovem tem que estar junto para aprender. Os velhos que não sabem quase nada de uma cultura é porque quando eram pequenos os pais não ensinaram a eles, ou eles não se dedicaram a aprender. Para fortalecer a cultura temos que praticar e acreditar. Nós não podemos esquecer a cultura, temos que ensinar a cultura para a criança desde cedo. Para ter a cultura tem que ter prazer e gosto.


Tudo na vida é uma leitura

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A própria natureza ensina a gente. Os mais velhos aprendiam com a mata, com as caças, os pássaros, os peixes, com a terra, com o universo. Com o tempo, os mais velhos foram aprendendo com a natureza. Eles sabiam as fases da lua para plantar banana, feijão, cana, tirar madeira, tirar ouriço no mangue, pegar siri, fazer casas, etc. Eles aprenderam quando que era hora de pescar, caçar, plantar, andar e o que aprenderam, nos ensinaram e aprendemos com eles. E o que eles aprendiam não esqueciam, porque pensavam no futuro, que somos nós. Agora nós vamos praticar o que eles ensinavam. Também aprendiam a medir uma roça pela corda. Eles ensinavam e parecia que eram somente ensinamentos, mas era uma leitura! Eles sabiam as épocas das frutas, quando estavam com flor, verdes, maduras e secas. Quando as caças estavam barrigudas e de filhotes. Mediam com uma cuia a farinha e mediam por bistuntas também. E faziam grandes trocas. Tudo que sabemos é uma leitura, como andar de canoa, porque nem todos nós sabemos. E tem outros tipos de leitura, boa e ruim. Os mais velhos ensinavam muitas coisas, ensinavam histórias e a viver melhor. Aprendemos com a natureza quando a maré está cheia ou vazia e o que iriam pegar. Tudo isso eles aprenderam observando a natureza. As caças, os peixes, os pássaros, também sabem a hora de comer, de descansar e de dormir.


O canto é a nossa mensagem

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Sempre nossos cantos são invocando algo, é igual aos pássaros, tem o canto de tristeza, de alegria e de aviso. Sempre os mais velhos entendiam o que eles queriam, eles entendiam pelo canto. Os besouros também avisam. O canto dos pássaros é uma mensagem, o canto da cigarra é uma mensagem, e quando nós cantamos é passando uma mensagem. Os mais velhos conheciam os cantos dos pássaros quando estavam pegando cria. O bem-te-vi avisa quando alguma pessoa morre. O anú avisa quando uma pessoa vai chegando e quando passa uma caça por baixo deles. O besouro, quando chega pela porta da sala, avisa que é gente estranha que vai chegar, e quando ele chega pela porta da cozinha, é gente da nossa família que vai chegar. Quando o fogo chia é o canto dele avisando que a caça está no mundéu, e quando dele saem umas faisquinhas, é quando está para chegar gente estranha naquela casa. Quando a coruja canta na frente da cozinha e tem uma mulher grávida, ela avisa que a criança será menina, e quando canta na frente da sala, é menino. A natureza é mensageira, ela só fala pelas mensagens. Os mais velhos sabiam ler as mensagens que ela passava. Assim são os nossos cantos, cada canto é uma mensagem que transmitimos ou invocamos a algo.


Como os mais velhos descobriam os segredos das plantas

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Cada planta tem seu segredo, o segredo de plantar e de colher. O purgante é uma coisa que é muito ruim e ele tem o seu resguardo e não pode comer qualquer coisa. Os mais velhos descobriam as mãos das pessoas para dar o remédio, e descobriam a lua boa para dar o remédio. Tem a mão ruim e tem a mão boa das pessoas. Se um velho fazia um purgante igual o de óleo de baga e o ovo misturado e se a pessoa da mão ruim desse o remédio, o efeito custava aparecer. Mas, se a pessoa da mão boa desse o purgante, o efeito era rápido. O segredo dos brancos de dar o remédio é as horas, porque se não tomar o remédio na hora certa não faz o efeito. O segredo dos velhos eram as fases da lua, pelas mãos das pessoas e pelo sol. Como era pelo sol? Quando a tala do dendê está virada para o lado que o sol sai, pode pegar e fazer o banho e tomar. Esse banho serve para inveja e mau olhado e para outros tipos de coisa; não só o dendê, mas também outras plantas. Para tomar o remédio de lombriga tinha que tomar na lua nova, se tomasse em outra fase da lua, a lombriga atacava. Quando os velhos iam fazer remédio eles experimentavam a casca, a fruta, a folha para ver qual parte da árvore serve para fazer o remédio. Plantas: como se planta? Para plantar a mandioca tem que ver pela mão da pessoa e pela lua. Tem que plantar a mandioca na lua quarto minguante e sempre tem que deixar a marca da nossa mão. Assim, a mandioca vai carregar a marca. O aipim, não pode jogar quando planta e arranca, porque senão ela amarga, tem que tirar ela com jeito. A abóbora, quando não carrega, nós pataxós esperamos a lua nova, pegamos nas ramas da abóbora e fingimos que vamos arrancá-las. Fazemos esse gesto três vezes. Depois disso, a abóbora carrega e dá muitas abóboras.


Modo de viver

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Cada um de nós tem um jeito de viver, porque nosso jeito de viver é diferente. Tem as pessoas ruins, as boas, as camaradas, outros que não são camaradas, umas que gostam de rir e outras que já não gostam. Quando moramos perto de outras famílias conhecemos bem as pessoas boas e ruins. As pessoas que tratam bem as outras recebem o bem. Já as ruins, do coração mau, recebem o que merece e ficam amaldiçoados. Sempre as pessoas que querem o mal para outras pessoas vivem mal. E tudo de bom afasta-se delas, até a natureza, os rios, as matas, as caças, a chuva, a lua, o sol, as plantas e toda a natureza. Porque as pessoas ruins querem destruir as matas, poluir os rios, colocar fogo, machucar as caças... Com isso, a natureza se afasta delas. Temos que ter carinho e cuidar bem da natureza. Por exemplo, quando plantamos uma planta precisamos ter cuidado e carinho com ela para crescer mais rápido e ter muita saúde. Tudo da natureza que zelamos e damos carinho cresce forte, alegre e disposto a dar qualquer coisa pra nós. E para isso agradecemos a noite por descansarmos bem o dia. Tudo que acontece de bom para nós acontece para a natureza. Até os espíritos bons se afastam das pessoas ruins e apenas os espíritos maus as acompanham.


Como que os pataxós mais velhos conheciam o outro de perto?

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Os mais velhos conheciam o outro no trabalho, conheciam o que o outro era, como que ele era de verdade. Eles se conheciam nas brincadeiras, nas pescarias, no trabalho. Eles conheciam sendo amigos e brincavam de qual pegava mais peixe. No trabalho eles se conheciam na derrubada de uma roça e ali eles iam conhecendo um ao outro com a brincadeira. As pessoas se conheciam também em um embarreio de uma casa, em uma roçada. Se tivesse um que gostava de um pedaço de um bichinho, o outro companheiro já sabia que pedaço o outro gostava, igual a irmãos; conheciam um ao outro. Os velhos olhavam qual rapaz ou moça que eles gostavam para entrar na sua família. O rapaz levantava cedo, ia para o mangue, para as pedras, arrancava mandioca: isso era procurado pelos índios velhos; não tinha escolha de boniteza. Bastava só ser trabalhador. E a moça também tinha que ser ativa para tudo. A moça era olhada e procurada, mas tinha que ser trabalhadora. Tinha vez que um velho chegava à casa de um parente e a moça estava lavando prato ou fazendo café ou ia acompanhar a sua mãe em algum lugar, ou ia para a roça ajudar os seus pais. Assim eram as moças certas e então, era assim que um conhecia ao outro.


Com a camaradagem se aprende ajudar

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Com a camaradagem não andamos só, sempre temos alguém para nos acompanhar. Temos tudo com a camaradagem. Temos ajuda no trabalho; às vezes, quando vamos plantar uma roça, a gente é ajudado. Quando temos camaradagem em um lugar que fomos, deixamos saudades. Com a camaradagem temos ajuda na escola, porque o professor nos ajuda e ajudamos a ele, assim como os outros alunos. Não passamos necessidade de nada, porque outros amigos ajudam a gente, principalmente se formos legais. As camaradagens estão sempre juntas da gente, porque podem nos ajudar a ajudarmos eles também. Também a gente ganha coisas das camaradagens. Os mais velhos, quando tinham camaradagens, quando tinham alguma coisa, como caça e outra coisa qualquer, eles dividiam. Assim como nós, a natureza também gosta de camaradagens porque não espantamos suas caças, e não as machucamos.


O quê que marca a presença e o que é presença

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A presença é uma coisa muito boa. Com a presença a gente ganha muitas coisas, a gente ganha amigo. Com a presença a gente não fica e nem anda só, a gente compra as coisas com a presença. Com a presença, os bichos gostam muito da gente. Quando a gente dá uma xícara de café, damos risadas, chamamos uma pessoa para dentro de casa, saudamos uma pessoa, dando a mão para ela, chamamos a pessoa pra sentar, pra comer, dando uma fruta para ela, isso tudo é presença. Com a presença nós não trabalhamos sozinhos. Quando as mocinhas estão na casa e uma pessoa chega, elas mandam a pessoa entrar. Isso é uma presença. Sem a presença a gente fica só, sem a presença é muito ruim. A presença é de dentro de casa e marcar presença é de fora de casa. A aldeia é igual uma casa de família; quando os brancos chegam, nós índios temos que marcar presença, e mesmo se uma pessoa não dança o awê e ela está ali naquele momento, está marcando presença. Se tiver uma reunião da comunidade, e o homem não está, mas a mulher está, marca presença para seu marido. Quando os mais velhos faziam a rota e uma pessoa não podia trabalhar, porque estava doente ou era um velho, ele ia lá para marcar a presença, conversando, contando história. Quando ia caçar, se um não podia cavar o buraco de um tatu, mas estava ali, marcando presença. Se fossem redar na praia, os velhos e as velhas trocavam beiju e os novos iam pescar, mas os velhos estavam ali marcando presença e orientando os jovens sobre como fazia com a rede e como pegava os peixes. Sempre os velhos estão do lado do jovem, marcando presença nos trabalhos e nas falas.


A criança descobre as coisas mais do que os velhos

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As crianças descobrem as coisas. Quando uma criança chega a um lugar, ela olha tudo, ela descobre os defeitos, as verdades, as mentiras. Quando a criança vê uma coisa e fala para um alguém adulto, ele não acredita na criança. A criança chama atenção de uma pessoa grande, como nas suas brincadeiras, e a gente fica impressionada com ela. A criança tem poder, quando vai acontecer uma coisa com um adulto ela não deixa nada acontecer porque ela tem poder. Os mais velhos falam que nunca pode deixar uma criança sozinha, porque os espíritos ruins e bons aparecem para ela. A criança é uma grande companheira para os velhos. Quando um adulto quer sair, ele leva uma criança com ele porque a criança é uma grande companheira. Quando um velho faz alguma coisa, a criança quer fazer também; é sempre bom fazer os pedidos das crianças, dar as coisas para ela. A criança é igual a uma planta que quando nasce e quando vai crescendo, têm muita diferença, como tem diferença de uma planta grande para uma planta pequena. Uma casa sem uma criança fica triste, e quando duas pessoas, um homem e uma mulher, não têm uma criança, eles criam filhos de outras pessoas para a casa ficar alegre. Casa sem uma criança e sem um cachorrinho fica triste, um cachorrinho fica em casa cuidando, sendo um grande companheirinho para a gente. A criança não guarda raiva de ninguém e a gente não pode bater em uma criança porque ela é alegre e sábia.


Quando a moça e o rapaz estão prontos para casar

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Os mais velhos treinavam as meninas que iam inteirando nove até doze anos de idade para se casarem. Quando a moça está pronta para casar, precisa fazer café. Se não estiver bom, a mãe manda fazer de novo, até sair bom. Depois faz comida, varre casa, cuida dos irmãos pequenos. Também tem que saber receber seus amigos, aprender a remendar roupas, lavar prato, lavar roupa, fazer beiju, farinha, aprender a tratar peixe, salgar, temperar. Tudo isso a mãe ensina. No tempo antigo, era preciso pelar uma caça, aprender a pescar, tirar concha no mangue, tirar ostra. Quando chegasse a fazer isso tudo, a moça estava preparada para casar. O rapaz, quando estava pronto para casar, fazia logo uma pequena roça onde plantava inhame, feijão, milho e outras plantas. Fazia viagem ele só com o pai para fazer trocas e para aprender. Aonde o pai ia, o rapaz ia atrás. Aprendia a cortar com machado, ia aprender a tirar um caranguejo no mangue. Ele já ia crescendo aprendendo a fazer roças, cercas, a ralar uma mandioca, a fazer uma casa. Do mesmo jeito que era a moça era o rapaz: tinham que aprender muitas coisas para casar. Para casar tinham que saber disso tudo e serem muito espertos. Saber porque, quando casavam, quando o homem fosse para a roça ou fazer outra coisa, a mulher ia fazendo comida, sempre um ajudando o outro. Quando se casavam sem experiência, o rapaz ia para a casa do pai até ele adquirir experiências na caçada, na pesca, na roça e outras experiências de vida. Tudo isso, o rapaz aprendia com o pai e, quando tinha um filho, ele já ia ensinando para o seu filho tudo que havia aprendido com o seu pai.


A natureza

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A natureza é muito importante para nós índios porque faz parte de nós que nascemos junto com a natureza. Os mais velhos sempre ouviam a natureza e é sempre bom ouvi-la. Ouvir principalmente os cantos dos pássaros que cantam baixo e alto. Ouvir o canto da mãe-da-lua, do tucano, do bacurau, a zuada dos rios, das cachoeiras, o canto da perdiz, da seriema, a zuada da chuva, o sol, a zuada do vento, as zuadas da mata, a lua... E sempre observar. A cada momento temos que ouvir a natureza. Plantar a madeira e vê-la crescer. Ver as árvores enflorarem, observar as frutas crescendo e reparar a mata crescer. Sempre temos que observar e ouvir a natureza. Vimos e ouvimos o frio, um pouco do sol, do fogo, e comemos várias comidas junto com a natureza. Até quando mudamos de um lugar para outro vemos a diferença dos sons da natureza, como a zuada da chuva. Quando o índio é bem ligado com a natureza e ela com ele, aonde o índio vai, ela está sempre junto dele. Porque somos a natureza, e ela não tem medo do índio, porque vivemos juntos. Um não vive sem o outro, porque sem a natureza o índio não vive e sem o índio a natureza não é nada. Queremos sempre ter um grande contato com a natureza, queremos sentir o que está na natureza: o cheiro das flores, das caças, o cheiro da mata, o cheiro dos peixes, das frutas, da terra, do ar, o cheiro do mar. Principalmente o índio Pataxó, que nasceu perto do mar. O índio se sente bem quando está vendo tudo isso, vendo a natureza ao seu redor.


Como usamos a mata

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Primeiramente a consultamos para ver qual cipó tem, qual madeira tem e se tem muita. Consultar é saber qual cipó ou qual madeira tem na mata. Nós temos que saber o que ela dá, temos que saber se ela serve para usar. A gente entra na mata, não arranca os cipós, não descasca as madeiras, não faz estradas nela. Os mais velhos sabiam entrar na mata, sabiam tudo que tinha na mata e sabiam usá-la. Os nossos velhos tiravam madeiras ou cipó quando tinham uma precisão, pois eles sabiam usar as matas, eles faziam mundéu e outros tipos de armadilhas, mas quando as caças estavam no tempo de criar eles desarmavam as suas armadilhas. Para nossos velhos fazerem uma roça, eles escolhiam um lugar que tinha capoeira (lugar onde a mata é rala, tem pouca mata), para não prejudicar as matas. Antigamente os velhos colocavam nomes nas matas: capoeirinha, capoeira, capoeirão, mata e mata virgem. As madeiras que tem aqui na aldeia Muã Mimatxi são: nega-mina, angico, pau-d’óleo. E as aves são; garça, flauteiro, pato d’água, tucano, piriquito, maritaca, siriema, e outras aves. Temos esses pássaros e essas caças em nossa aldeia, como saruê, tatu, lobo, capivara, paca, teiú, macaco e outros bichinhos, mas nós estamos sabendo como cuidar de cada bicho.


A vida dos animais com a mata

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Sem a mata os animais não vivem e sem os animais as matas não vivem, porque a mata dá comida, água, casa, tudo para os animais, e eles também dão outras vidas para a mata. Os animais compartilham dentro da mata, dividem as mesmas árvores, a água e os alimentos. A fruteira, quando está madura, o animal vem e avisa os outros companheiros, pois ele sabe a época das frutas estarem maduras. Avisa para os animais que não sabem subir na fruteira, como as formigas, e os que sabem subir, como o quati, o saruê, os macacos, os pássaros e alguns insetos. Os bichos que sobem nas árvores comem suas frutas e também derrubam para os bichos que não conseguem subir no pé da fruteira, como o tatu, a paca, a cutia, o porco do mato e os outros. As árvores ensinam os animais a pularem de galho em galho, porque os galhos são juntos dos outros e são preparados para os animais. Eles sabem dividir, se respeitar e têm parceria dentro da aldeia. Quando os índios saíam para caçar ou pescar, eles saíam em grupos e sempre viviam bem. O índio era como as caças e hoje muitos índios já estão um pouco como os brancos, que quase não sabem dividir mais em grupos e não compartilham mais como antes.


Dormir e acordar ao despertar da natureza

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A natureza tem o seu horário para descansar, que são 6 horas da tarde. Ela acorda 5 horas da manhã e quem desperta ela são os pássaros e o sol. No começo do dia, o sol começa a esquentar e a natureza se desperta até as 9 horas da manhã e devagarzinho a natureza vai despertando. Tudo na natureza tem hora de descansar. A água tem a hora de parar; a mata, quando está no silêncio, está descansando; a terra tem o seu tempo de descansar, que é a hora que ninguém está trabalhando nela; a noite tem a hora de descansar. O mar tem hora que fica em silêncio, é a hora que ele está descansando. Os pássaros da noite quando cantam e voam pela noite, é a hora em que eles despertam. Dormir é saúde para a gente e se a gente não dormir à noite, é muito ruim para a gente. E quando uma pessoa acorda e quase não liga para a outra, já pensam que está zangado, mas é por causa do sono que faz a nossa cara diferente. Os velhos acordam cedo por causa do raio do sol, que não deve passar por cima deles. Se deixarmos o raio do sol passar por cima de nós, dizem os velhos, ficamos ruins do corpo, com preguiça, mufino. Os velhos acordavam cedo e, para despertar o seu corpo, eles faziam o fogo, esquentavam e bebiam o cauim e iam ver as armadilhas do rio e do mato. O sol começa a esquentar ao meio dia até as duas horas. Se a gente vivesse como a natureza, vivia mais. Os mais velhos, quando passavam por debaixo de um pé de planta de remédio num horário que a natureza estava descansando, eles se benziam, respeitando aquela planta e porque já era hora daquela planta descansar.


Como a natureza constrói de novo?

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Antigamente era mais fácil construir, porque as madeiras, as palhas, as varas eram mais fáceis de encontrar. Hoje já não temos quase mais nada e então é difícil. Hoje as coisas estão mais difíceis, não só para a gente como também para os pássaros. Antigamente, era mais fácil para os pássaros, porque ninguém os aborrecia, mas hoje as pessoas querem pegar os seus filhos e eles têm que procurar lugares para se reproduzirem. Antigamente cada um tinha sua família, tanto os índios como os bichos. E cada um tinha sua roça. Hoje não tem mais caças, tem poucas caças, e os índios também são poucos. Para construir uma família hoje tem que ter caráter, as duas pessoas, tanto o homem quanto a mulher. Hoje, se um casal for casar um dia, não demora e já estão se separando. Antigamente os casais não separavam assim tão fácil. Hoje até para os pés de árvores está difícil construir uma família, porque se uma pessoa arranca a fruta verde dela, vai demorar um ano para ela dar fruta de novo. Antigamente elas não custavam porque as pessoas esperavam as frutas amadurecerem para colher. Para nós construirmos uma roça, nós temos que estar sempre ali junto dela, como faziam os mais velhos com suas casas de primeiro. Antes de eles fazerem as suas casas, eles plantavam as plantas de estimação que os acompanhavam. Antigamente tinha muitas coisas que a natureza construía, mas o homem destruiu os rios, as matas e a terra. Assim, ela não pode construir mais como antes, ela constrói, mas é pouco. Hoje o homem acaba jogando lixo na terra, desmatando as matas e quando se desmata as matas, os rios secam. Os homens hoje estão recolhendo lixo da terra e plantando árvores, porque hoje nós estamos vendo o que o homem está fazendo para recuperar a natureza que ele destruiu. O que a natureza fez não volta mais, hoje o homem está fazendo de tudo para recuperar o que a natureza fez há alguns anos atrás, mas está sendo difícil para o homem recuperar o que ele mesmo destruiu. Hoje a natureza está zangada com o homem e tudo que ele faz ela destrói também pouco a pouco.


O que acompanha a gente

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O que mais acompanha a gente primeiramente é a nossa família, porque passamos todo tempo juntos. Aonde vamos, os espíritos dos nossos parentes estão junto de nós e nunca nos deixam. As lembranças, as recordações, também acompanham a gente; a saudade e o amor, também. O comer caranguejo, comer peixe do mar, tomar banho de praia, carregamos essas lembranças junto com a gente para onde formos. Onde andamos a natureza nos acompanha, com o vento, a chuva, a lua, o sol e o fogo. Os animais encantados também nos acompanham na mata quando estamos sozinhos, e sentimos que estamos protegidos, porque acreditamos realmente neles. Todos são muito importantes para nós, as plantas de fazer remédio, o animal de estimação, as caças, os pássaros também.


O tipo e o jeito

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Nós, humanos, cada um tem o seu tipo e o seu jeito. Ninguém anda, fala, se comunica, se veste, come, dorme e vive igual aos outros, porque não somos iguais. Do jeito que tem pessoas bravas, que não prestam, também tem as pessoas mansas, amigas e sorridentes. Temos também pessoas fechadas. Do mesmo jeito são os bichos da natureza, que são bravos, mansos, sorridentes. Existem pessoas de várias cores, como os bichos da natureza, as frutas e flores, a cor das caças, dos pássaros, dos barros das águas, das árvores e da terra. Todas as cores vêm através da natureza. Sempre os bichos são como nós. Tem momentos de tristeza e de alegria. Existem bichos que falam como nós, por exemplo, os papagaios. As madeiras também são de todo tipo. Em algumas árvores não podemos encostar, porque podem cortar ou coçar e podem fazer até outras coisas. Os peixes também cada um tem o seu jeito, sua natureza e seu tipo, porque os peixes do mar não são do mesmo jeito que os peixes dos rios. Tem peixes bravos e mansos. Tem peixes que são mansos com a gente, tem peixes que comemos. Mas se estiver fazendo algum tipo de resguardo, alguns tipos de peixe, por exemplo, não podemos comer, pois pode ser prejudicial à nossa saúde. Somos iguais aos animais da natureza. Cada um tem seu tipo e seu jeito de ser. Nós somos iguais os pássaros, as árvores e os ventos. Nenhum é igual ao outro; por exemplo, os ventos bravos e os mansos. E outros fenômenos da natureza. Muitas vezes nosso sangue se dá bem com outras pessoas e também com alguns animais. Os animais também são assim, podem se dar bem com uns e com outros, não. Não é com todas as pessoas que podemos ser amigos porque nem todas são iguais à gente, cada um tem uma natureza. Muitas pessoas falam que não nasceram para semente, mas muitos de nós nascemos para semente. Só temos uma coisa igual, é que somos todos seres vivos e que um dia vamos acabar.


A cultura das mães Logo quando a criança mulher nasce, a mãe ensina ela a mamar. Logo depois, ela cresce um pouco e a mãe ensina a falar todos os nomes da família. Isso é cultura. Ensina o que é parente, para a criança respeitar e entender o quê que é. Depois, ensina à mulher os trabalhos de casa, como cozinhar, temperar, varrer casa, lavar a roupa e costurar. Ensina a respeitar os velhos da aldeia. Quando cresce, que quer casar, ensina a respeitar o marido, a viver bem e acostumar com a outra família. Tudo é a mãe que ensina. A nossa mãe é muito importante para nós porque ensina o rumo certo e a enxergar o mundo melhor. 44


De pai para filho

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Os pais de antigamente queriam que seus filhos aprendessem o que eles faziam. Antes os mais velhos tinham que fazer uma canoa, uma casa, uma porta, uma mesa, uma roça. Isso tudo era para seus filhos aprenderem. Essas coisas eram todas difíceis e não era para qualquer um fazer. Os mais velhos, tudo que eles faziam, queriam que seus filhos aprendessem. Sempre quando os mais velhos iam para o mato, seus filhos iam, essa era sua escola. Os jovens aprendiam a fazer uma roça. Se os pais fossem trabalhar, eles queriam que seus filhos fossem e tinha filhos que eram assim de nascença, puxavam o pai. Se um pai era um pescador, ele queria que seus filhos todos fossem assim; se fosse um caçador, ele tinha que ter todas as manhas de uma caça, que hora que elas andavam, que hora que elas comiam, o que elas comiam. Os pais queriam que os filhos exercessem a mesma profissão dele. O pescador para ser um pescador mesmo, tinha que saber que hora o peixe andava, que hora que ele comia e que hora que ele ia embora. Conhecer a maré, qual a hora que ela secava e qual a hora que ela enchia. Conhecer maré morta, maré grande e em qual maré o peixe andava. Também tinha que conhecer os ventos. Então, assim fazia o caçador ou pescador. Os pais ensinavam seus filhos e eles aprendiam. Na aldeia, um cacique passa de geração para geração. Depois que o cacique velho já está bem velho, ele passa seu encargo para seu filho e assim vai de família em família. O que os pais são, os filhos também serão, eles aprendem.


Como se vê o anoitecer e o amanhecer na aldeia Muã Mimatxi

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Eu gosto muito da noite, primeiro porque é a hora que eu descanso mais, tomo meu banho e depois fico descansando. A noite é muito boa, principalmente as noites de lua cheia, as noites que tem awê e fogueira e as noites estreladas. Quando é noite que o céu está estrelado, eu já sei que vai fazer muito frio na madrugada. Eu também gosto de ver quando vai anoitecendo na lua cheia, porque a lua vem bem grande e bem bonita. Quando eu estou dormindo à noite, não gosto de bagunça. Quando a noite é um pouco ruim, eu fico querendo que amanheça logo, mas a noite aqui em minha aldeia é melhor do que ruim. O dia é bem bom porque a gente sai e anda mais, e é a hora que eu menos descanso. Eu gosto de ver o amanhecer, quando eu levanto e vejo no céu uma estrelinha e tem vez que a lua e a estrela somem e o sol já começa a acordar. De manhã aqui na aldeia é bem frio. Eu gosto de estudar cedo e é bom vir para a escola bem agasalhadinho no tempo do frio. No dia de domingo eu acho um pouco ruim porque quase não tem nada para fazer e muitas vezes eu fico querendo que anoiteça logo. O dia na minha aldeia, bem cedinho, eu gosto de ouvir os cantos dos pássaros, são eles que me acordam para um novo dia de fazer muitas coisas boas e alegres.


Na aldeia todo alguém é alguém Um é diferente do outro, cada um tem seu pensamento, cada um tem seu trabalho. Quando amanhecia o dia, cada um procurava alguma coisa. Mesmo se as pessoas estão emboladas, estão trabalhando, cada um tem seu pensamento de fazer um trabalho. Um trabalho é fazer um mundéu, um fojo, um laço e outras coisas. Se uma pessoa não ia fazer mundéu, mas já ia caçar. Em Barra Velha quando amanhecia as pessoas iam pegar concha, uma ia tirar caranguejo, outra ia pescar, outra ia caçar.

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O céu, a terra e o ar

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Cada um de nós não vive sem uma ajuda, principalmente entre a gente, os bichos, os pássaros, as árvores, a chuva, os rios, as nuvens, o vento, a terra, a noite, o dia, o sol e a lua. O sol serve para esquentar a terra, a lua serve para esfriar a terra. As árvores precisam de ajuda porque quem ajuda é a terra e as folhas. Os rios também precisam de ajuda, porque as matas os ajudam. A chuva ajuda as matas a ficarem mais bonitas, assim como os rios. A chuva precisa de ajuda porque precisa andar. O vento ajuda a chuva a andar. Como também os pássaros para voar precisam do ar e do vento. A gente precisa da noite para descansar e do ar para respirar. Alguns bichos precisam do chão e outros bichos precisam da noite para andar. Precisamos do dia para trabalhar, para enxergar e para andar. E alguns bichos precisam do dia para descansar.


O que é bom acaba logo

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Tudo que é bom, o que é usado como uma roupa, um calçado, uma coisa que a gente gosta mais, acaba logo. As pessoas que são boas e bondosas não demoram junto da gente, porque morrem logo. Os índios mais velhos plantavam as coisas, como abóbora, batata, mandioca, cana e banana, e eles plantavam logo para acabar rápido. Assim, eles viviam pelas matas e rios. Depois eles saíam para morar em outro lugar e sempre eles plantavam um pé de coco para marcar onde eles tinham morado. Os pés de árvores têm as frutas, as flores, que embelezam, mas são passageiras, acabam logo. Tem pé de fruta que tem umas frutas gostosas e depois acabam, e um pé de árvore que tem fruta ruim, que demora acabar. Sempre as coisas boas acabam logo e as coisas ruins demoram a acabar. É igual um espírito bom, a gente pede mesmo para sonhar com ele, mas a gente não sonha; e um espírito ruim, que atenta as pessoas, a gente sonha. Antigamente, os índios velhos achavam um lugar bom, e esses lugares eram as matas, os rios, os lugares onde eles faziam as armadilhas, onde tinha os remédios; e depois, quando as coisas desses lugares iam acabando, eles iam procurar outros lugares. Em cada lugar que eles moravam, faziam uma roça. O lugar que era bom pra eles morarem era onde tinha caças, peixes, frutas. Depois que a sociedade não-indígena descobriu que na mata havia muitas riquezas, começou a derrubada de madeira de lei e o desmatamento das nossas matas. Com isso, espantaram nossas caças, pássaros e outros bichos, mas é assim: o que é bom acaba logo.


Aproveitar é muito bom! Aproveitem bem

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Aproveitar: a gente aproveita a terra e o que ela dá, a gente planta nela e tudo que ela dá a gente tem que aproveitar. Se a terra dá um pé de banana, a gente planta mais. Pode ser qualquer coisa, mas a gente tem que aproveitar. Então a gente tem que aproveitar e plantar. Nós, novos, temos que plantar as plantas logo, porque assim a planta como jaca, fruta-pão, e outras, vão até quando nós ficarmos velhos. Mas se a gente plantar quando estivermos velhos, a pessoa não vai aguentar esperar a árvore dar o fruto. Antigamente a gente quase não aproveitava nada, a gente desperdiçava. E hoje a gente aproveita mais, porque as coisas que a gente tinha antes, hoje não tem mais. Antigamente tinha muita fartura, a gente comia pela metade, o peixe dava muito no mar, na praia, no rio e a gente só queria os grandes, os pequenos, jogava fora. Mas hoje todos eles têm valor. Sempre quando a gente tem fartura, a gente desperdiça. Antigamente, a gente tinha fartura, mas a gente desperdiçava e quando a gente ia redar, deixava muitos peixes na beira da praia. Antes a gente comia uma fruta e jogava a casca fora e hoje já tem gente que aproveita as frutas. Quando a gente está moderna, é a mocidade, quando a gente está novo, tem que aproveitar muita coisa porque quando a gente casa, nós ficamos “amarrados”, não temos liberdade para nada. Então, aproveita enquanto puder. A gente é igual o amanhecer do dia: o sol quando acorda vem com toda a força, é igual quando a gente nasce. Quando o sol se põe é igual a gente quando fica velho, aí não dá para fazer mais nada porque nós já vamos estar bem velho. A gente tem que aproveitar os conselhos, os ensinamentos e aproveitar os mais velhos. Os filhos têm que aproveitar os pais, têm que aproveitar o apoio dos pais.


Sobre o autor: Meu nome é Clovis Braz Pataxó, sou professor de Arte e Cultura Pataxó da Aldeia Muã Mimatxi. Tenho 49 anos, tem muitas palavras dos velhos que foi com eles que eu aprendi, e agora que me tornei professor estou passando para meus filhos, netos e parentes. O que sei da nossa cultura e muitas dessas coisas estão no meu livro.


Faculdade de Educação da UFMG


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