Maxakali
Ponoyet Yãmĩyxop Mai
Projeto Religião Bonita
Ponoyet Yãmĩyxop Mai Projeto Religião Bonita
CRÉDITOS DA PUBLICAÇÃO: Ponoyet Yãmĩyxop Mai - Projeto Religião Bonita Coordenação: Ana Barros e Regina Campos (CEDEFES) Assessoria antropológica: Marina Guimarães Vieira Revisão dos textos em Maxakali e das transcrições das conversas em português: Carlo Sandro Campos Revisão dos textos Apresentação e Direito dos Povos Indígenas: Monografix - Assessoria Técnica em Publicações Ilustrações e textos em Maxakali: Rafael Maxakali, Denilo Maxakali, Valdino Maxakali, Valdinaldo Maxakali, Mazinho Maxakali, Ronildo Maxakali, Juruna Maxakali, Leonardo Maxakali, Jamiro Maxakali. Projeto gráfico e diagramação: Lila Vasconcelos
Maxakali Apne’ Ĩmoknãg
EQUIPE DO PROJETO “Ponoyet Uamiyxop Mai” – Projeto Religião Bonita Equipe técnica: Ana Barros, Ana Paula Ferreira Lima, Ana Paula de Oliveira, Mariângela T. G. Balieiro, Regina Campos Consultores: Adriana Rocha, Artur Queiroz, José Augusto Laranjeiras, Maíra Lima Figueira, Marina Guimarães Vieira Coordenação Financeira: Benedito Luiz Domingos AGRADECIMENTOS PELO APOIO NA EXECUÇÃO DO PROJETO Escola Estadual Sebastião Alves da Cruz (Distrito de Topázio/MG) Fundação Nacional do Índio - FUNAI (Coordenação Regional de Minas Gerais e Espírito Santo -Governador Valadares/MG e Coordenação Técnica Local - Teófilo Otoni/MG) Grupo de Extensão e Pesquisa em Agricultura Familiar - Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – GEPAF/ UFVJM, Campus Mucuri/MG Instituto Estadual de Florestas - IEF/MG (Teófilo Otoni) Secretaria Especial de Saúde Indígena/Ministério da Saúde - SESAI/MS (Pólo Base Ladainha e Teófilo Otoni/Topázio – DSEI MG/ES)
Ponoyet Yãmĩyxop Mai Projeto Religião Bonita
APOIO INSTITUCIONAL Congregação das Irmãs de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento - BH/MG Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável - Carteira Indígena/Ministério do Meio Ambiente - SEDR/MMA Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional/Ministério do Combate a Fome e Pobreza - SSANS/MDS
Belo Horizonte 2013
Sumário Apresentação
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Os Tikmũ’ũn / Maxakali
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Narração: Rafael Maxakali 22/05/2013
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Conversa entre Rafael Maxakali e Marina Guimarães Vieira
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Conversa entre Rafael Maxakali e Marina Guimarães Vieira
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Apne’ Ĩmoknãg
Aldeia Cachoeirinha
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Os Direitos dos Povos Indígenas
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Apresentação O CEDEFES – Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva é uma entidade sem fins lucrativos que, há 28 anos, vem acompanhando e documentando as lutas pela terra em Minas Gerais. Lutas, estas, promovidas pelos trabalhadores rurais sem-terra, atingidos por barragem, quilombolas, povos indígenas e outras populações pobres do campo. Em maio de 2011, iniciou-se o Projeto “PONOYET UAMIYXOP MAI” – Projeto Religião Bonita, financiado pela Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural - Ministério do Meio Ambiente, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Por este acordo, o CEDEFES assumiu a responsabilidade de executar o projeto em parceria com a comunidade da Aldeia Cachoeirinha, localizada no distrito de Topázio, município de Teófilo Otoni em Minas Gerais, onde vive parte do povo Maxakali. O foco do projeto foi para os principais desafios da Aldeia naquele momento.
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A situação da Aldeia apontava a degradação ambiental da Terra Indígena que, anteriormente, foi coberta por pastagens. Os resquícios da criação de gado, de forma intensiva, deixaram erosões e poucas manchas de áreas em condições para o cultivo alimentar. Mesmo aproveitando essas áreas, se fez necessário que os órgãos federais, Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), doassem alimentos e sementes. Essas circunstâncias contribuíram para a fragilização das práticas tradicionais de acesso aos alimentos, como as pequenas roças, a pesca, as coletas de produtos florestais e a caça, resultando em mais um contraponto à resistência sociocultural dos Maxakali. Também havia necessidade de um local para reuniões, receber os visitantes e para os encontros de todo dia. As nascentes necessitavam ser protegidas assim como o incentivo ao plantio de pequenas roças e de mudas de árvores frutíferas. As mulheres Maxakali têm a cultura de confeccionar seus vestidos e necessitavam de tecidos e aviamentos para tal prática.
Considerando esse contexto e toda a cosmologia do povo Maxakali, entendeu-se que a execução do projeto deveria abranger o avanço da capacidade de produção de alimentos em quantidade e qualidade, visando progredir a segurança alimentar; fomentar ações de melhorias estruturais
(cabana multiuso e casas), de recuperação das áreas degradadas e restauração de coberturas vegetais, de apoio a práticas esportivas e a produção artesanal de vestidos, de capacitação de representantes da Aldeia para a gestão e elaboração de projetos; além do diálogo com o poder público local para implementação de mecanismos para acesso à água e energia. As atividades foram desenvolvidas sempre em conjunto e de forma participativa. Eram explicadas para os interlocutores indígenas que dominam o português e depois traduzidas para a língua Maxakali. A partir disso, havia um intenso debate na língua Maxakali e, consequentemente, esses interlocutores nos diziam a posição do grupo. O Projeto envolveu as 27 famílias da Aldeia, aproximadamente 77 pessoas. Durante o período de realização, percebeu-se que o sentimento do grupo é de pertencimento ao território e de responsabilidade em cuidar da terra para as gerações futuras. As capacitações, a compra de materiais e insumos, o aumento de áreas de roças, o cercamento de áreas degradadas
e nascentes para recuperação, a construção da cabana multiuso, foram colocadas por eles como os principais fatores que contribuíram para gerar esse sentimento. Cerca de 200 mudas de frutíferas foram plantadas e irão contribuir futuramente para uma melhor cobertura vegetal do solo na Aldeia. As melhorias trazidas pelo projeto e pelas instituições de assistência aos indígenas contribuíram, ainda, para a construção de esperança entre os Maxakali. No entanto, há desafios na Aldeia Cachoeirinha que demandam intervenções estruturais iminentes. O descaso de tantos anos à Aldeia ainda permite que muitas situações de conflito e violência ocorram entre os Maxakali e com a comunidade do entorno. Acredita-se que a implementação de melhorias, como a manutenção adequada e frequente da estrada de acesso à Aldeia, a colocação de telefones públicos, a disponibilização de mais um veículo de apoio ao transporte dos Maxakali e finalmente, a ação incisiva, mas pacificadora, dos setores de segurança pública responsáveis sejam muito importantes para auxiliar a mudança da
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situação atual. O acesso a cursos d’água saudáveis, a permanência da caça e pesca também foram questões que os Maxakali apontaram como limitantes para realizar atividades de subsistência e para o seu ritual de vida. Esta publicação foi desenvolvida com o objetivo principal de sistematizar os resultados do projeto, indicar os principais direitos dos povos indígenas e apresentar as demandas colocadas pelos Maxakali, necessárias para seguir avançando à garantia de seus direitos, melhoria de sua qualidade de vida e dos seus sonhos. O texto que se apresenta a seguir traz ilustrações e representações do modo de viver do povo Maxakali da Aldeia Cachoeirinha. Destina-se a todas as pessoas e instituições que convivem com os Maxakali e desejam melhor conhecê-los para o estabelecimento de parcerias baseadas no respeito e cooperação mútuas. Ana Barros e Regina Campos
Os Tikmũ’ũn / Maxakali
Os povos atualmente conhecidos como Maxakali usam o termo Tikmũ’ũn como auto-denominação. As narrativas Tikmũ’ũn nos deixam perceber que sua história é marcada por uma série de encontros, desencontros e reencontros, pela constituição de importantes aldeias, mas também por separações e migrações forçadas. Somando-se às memórias guardadas pelos sábios Tikmũ’ũn, os relatos de viajantes como Wied-Neuwied, Saint-Hilaire, Teófilo-Otoni; e as pesquisas de antropólogos, historiadores e lingüistas comprovam que o território tradicionalmente ocupado por esses povos compreende uma vasta região correspondente hoje aos estados de Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo. Atualmente, a população Tikmũ’ũn total é de aproximadamente 1500 pessoas1. Com o avanço das frentes colonizadoras, os grupos Tikmũ’ũn foram se dirigindo aos últimos redutos de mata atlântica, onde poderiam manter 1 Dados da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), 2010.
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algumas das atividades mais importantes para a reprodução de seus sistemas sócio-cósmicos, como a caça, a pesca e a coleta de plantas especiais. No início do século XX, os grupos Tikmũ’ũn se encontravam em diferentes pontos dos vales do Mucuri e Jequitinhonha. Em 1941, as terras ocupadas por parte da população Tikmũ’ũn, próximas ao córrego Água Boa, no município de Santa Helena de Minas, foram demarcadas pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI). As terras do Pradinho, localizadas no município de Bertópolis, Minas Gerais, eram habitadas pelos demais grupos Tikmũ’ũn, e só foram demarcadas pelo SPI em 1956. Em 1992, a área intermediária entre Água Boa e Pradinho continuava sendo ocupada por fazendeiros, o que motivou o lançamento da “Campanha Internacional pela Regularização do Território Maxakali”, realizada pelos grupos Tikmũ’ũn, Conselho Indigenista Missionário Regional Leste/CIMI-Leste, Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva/CEDEFES, e DKA-Áustria. Em 1993 foi demarcada pela Fundação Nacional do Índio a área unificada com extensão de 5.293,63 hectares, sendo homologada em 1996 como
Terra Indígena Maxakali. Em 2005, alguns grupos Tikmũ’ũn deixaram a Terra Indígena Maxakali, terminando por fundar novas aldeias em locais que fazem parte de seu território de ocupação tradicional. Assim, foi criada em 2007 a Aldeia Verde, no município de Ladainha, Minas Gerais, e em 2008, a Aldeia Cachoeirinha, localizada no distrito de Topázio, município de Teófilo Otoni, Minas Gerais. Ambas foram demarcadas como Reserva Indígena pela FUNAI. Os Tikmũ’ũn nunca deixaram de falar em tikmũ’ũn yĩyax (língua Maxakali), nem de realizar seus yãmĩyxop (rituais), a despeito de todas as suas histórias de luta pelo direito de viver e transitar livremente em seu território tradicional. Lamentam a destruição quase total da mata atlântica, morada de seus yãmĩyxop (espíritos), mas afirmam que os deixam viver em seus cabelos, em sua memória. A partir da criação da ortografia ou escrita Maxakali pelo casal de missionários Frances e Harold Popovich, entre os anos 1960 e 1970,
os Tikmũ’ũn inauguraram uma nova forma de relação com os não índios. Recusaram a conversão ao protestantismo, mas não deixaram de se interessar pelo aprendizado da escrita em sua própria língua, usada como instrumento de “pacificação” dos não índios, fazendo-os passar de agressores a possíveis aliados. Com a escrita de seus cantos e histórias na própria língua, os Tikmũ’ũn podem mostrar aos não índios que têm conhecimentos importantes, e são merecedores de admiração e respeito. Através da escrita em português, afirmam estar mais bem armados para buscar a efetivação de seus direitos. No início da década de 1980 foram formados monitores indígenas bilíngües e iniciado o processo de alfabetização nas aldeias, através da implantação de escolas pela FUNAI. A partir de 1995 os Tikmũ’ũn passaram a contar com escolas indígenas diferenciadas, interculturais e bilíngues, gerenciadas e financiadas pela Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais em Convênio com a Universidade Federal de Minas Gerais. Nesse processo, muitos Tikmũ’ũn participaram de cursos de formação de professores indígenas.
Em 2006, os professores Maxakali ingressaram no curso de Formação Intercultural de Educadores Indígenas (FIEI), de nível superior, oferecido pela Faculdade de Educação da UFMG. Desde a implantação das escolas indígenas diferenciadas até hoje, vários projetos relacionados à pesquisa, documentação e divulgação da cultura foram realizados por pesquisadores da UFMG e outros órgãos, resultando na produção conjunta com os pesquisadores Maxakali de diversos tipos de material didático bilíngüe, livros de cantos e mitos, CDs e filmes. A Aldeia Cachoeirinha tem 606,19 hectares e uma população de aproximadamente 70 pessoas2. A conquista do território onde vivem hoje está descrita nesta publicação por narradores Tikmũ’ũn. Marina Guimarães Vieira 15
2 Dados da FUNAI, 2013.
Referências bibliográficas:
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MISSAGIA de MATTOS, Izabel. (2002) Civilização e revolta: povos botocudo e indigenismo missionário na província de Minas. Campinas: UNICAMP. OTONI, Teófilo. (2002 [1858]), R. H. DUARTE (org). Notícia sobre os selvagens do Mucuri. Belo Horizonte: Editora UFMG. PARAÍSO, Maria Hilda Barqueiro. (1998) O tempo da dor e do trabalho. A conquista dos territórios indígenas nos sertões do leste. São Paulo: USP. SAINT-HILAIRE, Augusto de. (1938) Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais (18301851). São Paulo: Ed. Nacional. URBAN, Greg. (2002) “A história da cultura brasileira segundo as línguas nativas”, in M. Carneiro da Cunha (org). História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras. VIEIRA, Marina Guimarães. (2004) Desenhando o canto: a apropriação da escrita pelos Maxakali
como instrumento de pacificação dos Brancos. Belo Horizonte: UFMG. _______________________. (2006). Guerra, ritual e parentesco entre os Maxakali: um esboço etnográfico. Rio de Janeiro: Museu Nacional/UFRJ. WIED-NEUWIED, Maximiliano de. (1958) Viagem pelo Brasil (1815-1817). 2ọ ed. São Paulo: Editora Nacional.
Narração: Rafael Maxakali 22/05/20131 - Eu nasci lá na aldeia de Pradinho. Meu pai chama Camilo. E minha mãe chama Maria. Tem o meu sobrinho que chama Camilo. E tem a minha filha que chama Maria. É nome da mãe. Aí de 7h até as 8h eu estudava na escola da FUNAI (Fundação Nacional do Índio). A FUNAI contratava muito professor, eu estudei muito com eles. Professor ‘ãyuhuk (não índio). Aí eu aprendi muito e aí a FUNAI resolveu e me colocou de monitor. Aí eu dava aula pros alunos pequenos. Foi Aroldo2 que fez a cartilha né, aí eu li e aprendi a escrever e falar. Aroldo não dava aula, só fez cartilha. Aí eu aprendi primeiro em português. Eu estudei com muito professor. Chama Angélica, Marisa, Teresa, Célia, Eliete, com muito professor que eu estudei. Aí eu aprendi muito e a FUNAI me recebeu, me colocou de monitor, aí eu dei aula nessa escola, na língua de tihik (índio). Aí a gente saiu do Pradinho 1 As palavras em Maxakali estão em itálico. 2 Harold Popovich, missionário do Summer Institute of Linguistics.
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e morou um pouco lá em Água Boa. Mas morou pouco lá também. Eu acho que uns sete meses, né? Foi toda minha família. E morava na fazenda do Valdomiro também. Aí a gente saiu de lá junto com o povo da Noêmia, morava lá na fazenda. Porque deu briga pra nós também. Aí nós saímos junto com a Noêmia e morava lá. Aí a gente ficava junto na fazenda e brigaram com meu irmão na cidade, em Santa Helena de Minas. Em 2001. Aí nós saímos da fazenda e fomos morar em Santa Helena, porque tihik tava querendo brigar com nós. Aí a gente morou um pouco na cidade, na quadra de futebol. Junto com o povo de Pinheiro, de Noêmia. A Noêmia é irmã do meu pai. E o pai de Pinheiro é primo do pai de Noêmia. Totó também foi pra quadra. Totó é primo da minha mãe. Aí a gente ficava lá, aí todo dia a FUNAI tava junto com a gente na cidade. Comprava coisa pra gente comer na cidade. Aí nós saímos de novo da cidade de Santa Helena de Minas, aí dois ônibus levaram a gente pro Krenak. Aí nós fomos direito lá pro Krenak. E outro ônibus levou o povo da Noêmia, de Totó e de Pinheiro. Aí deixou lá em Governador Valadares. Primeiro o meu pessoal saiu de lá, a gente assinou no papel do juiz. Lá em Águas Formosas. Eu tava querendo sair, né?
Aí fez o documento, eu já assinei pra sair. Aí nós viemos na frente, e Noêmia ficou lá, Pinheiro, Totó, o resto do povo todo. Aí o meu povo que veio junto comigo. Aí chegou lá no Krenak, e nós ficamos lá mais de um ano. Não fez casa não. Tem uma cabana que Krenak fez, muito grande assim, do tamanho da escola. Aí a gente ficava lá e Noêmia tava lá em Governador Valadares mais Pinheiro, Totó. E FUNAI tirou eles e trouxe de volta pra Campanário. Aí eles moravam lá e a gente morava em Campanário. Aí depois a FUNAI resolveu pra Totó, Noêmia, Pinheiro, e demarcou terra pra eles, em Ladainha. Aí eles saíram de Campanário e foram pra lá. Aí a gente saiu do Krenak e foi morar na terra que Noêmia morava. Aí nós ficamos lá pouco, um ano. Aí fez casa. E a FUNAI resolveu e demarcou terra pra nós. Aí a gente saiu de Campanário e veio direto pra cá. Eu que escolhi a terra. Eu andei muito, a FUNAI me levou lá perto do Novo Oriente pra escolher a terra. Aí eu cheguei lá e não gostei da terra lá. Porque lá não tem mata. Aí foi lá numa cidade depois do Mucuri, aí eu olhei a terra, mas não gostei. Aí me trouxe aqui e eu vi muita mata, aí eu cheguei lá e falei pro meu povo, aí povo ta querendo, porque tem mato, né? Pra chegar aqui
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e fazer casa, pegar lenha. Aí nós saímos de lá e viemos pra cá. Aí nós chegamos aqui, aí demora pra fazer escola. Aí falei pra comunidade fazer mutirão, aí tirou madeira e fez escolinha pra mim, aí eu tava dando aula lá, aí morava lá na aldeia da frente de lá. Aí morreu muitas pessoas, aí nós saímos de lá. E fomos morar lá na casa que era do fazendeiro. Aí a gente morava todo mundo junto. Tinha três quartos. Aí a gente morava lá, mas depois morreu mais pessoas e nós saímos de lá. Aí cada família escolheu um lugar pra fazer casa. Aí nós escolhemos o lugar e fez essas casas de cada um, onde a gente tá agora. Aí depois o Estado veio e fez reunião pra construir a escola pra nós. Aí eu gostei e escolhi esse lugar aqui pra fazer escola. Aí fez escola e não tem água, é difícil pra puxar água. Aí a gente gostou, mas ainda não tem merenda, porque não tem água, não tem como cozinhar. Aí a Valéria, a inspetora que veio aqui, me disse que tem merenda lá na secretaria de Teófilo Otoni. Aí eu to esperando mandar a merenda, porque as mulheres buscam água ali pra cozinhar. Tem duas represas grandes pra lá, que tem peixe, traíra. Gravação e transcrição: Marina Guimarães Vieira
Conversa entre Rafael Maxakali e Marina Guimarães Vieira 28/05/20131
- Quando eu comecei a fazer curso, primeiro eu dava aula de monitor. Aí eu dava aula pros alunos maiorzinhos assim, de sete, oito anos. Lá no Pradinho. E aí, o pessoal do Estado resolveu fazer curso pra tihik (índio), pra ser professor. Aí chegou lá e já sabe que eu tava dando aula na língua. É bilíngue, né? Aí chegou lá, Myriam, Márcia e outros, pra fazer reunião com tihik. Aí todos tihik participou da reunião. Aí a Márcia e a Myriam falaram pra tihik pra escolher quem vai participar do curso de professor. Aí a comunidade escolheu primeiro eu, depois escolheram mais dois, três, quatro. Aí marcou o mês, quando vai começar a fazer o curso. Lá no Parque do Rio Doce. Depois em Timóteo. Aí na hora marcou o mês, né? Aí entrou o mês, que dia que nós vamos sair lá da aldeia pra Timóteo, pra fazer o curso. Aí o carro chegou lá e pegou 1 As perguntas em itálico foram feitas por Marina e as falas não marcadas são de Rafael. As palavras em Maxakali também estão em itálico.
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nós. Aí lá em Água Boa também. Aí nós saímos da aldeia e ficamos um mês lá fazendo curso. Aí nós fizemos curso, até já fez formação. Aí cada mês que a gente fazia curso, o governador de Belo Horizonte vinha pra visitar tihik que tava fazendo curso. Aí depois na formatura foi quatro ônibus pro parque do Rio Doce, de lá de Belo Horizonte. Pegou a gente, levou pra assinar que já formou, pro governador. Na época do governador, como é o nome? Eduardo Azeredo. Aí nós fomos lá e assinamos. Aí nós terminamos o curso, já formou, né? E nós ficamos dando aula direto. Todo dia nós estamos dando aula. E marcou outro curso lá na UFMG. Mas não foi pra ficar um mês não. Era curso pra ficar lá uma semana. Aí nós fomos, ficamos lá estudando, em 1998. E terminou o curso, lá na UFMG. Aí cada coisa que nós fizemos no curso, visitar alguma coisa, anotava no caderno, cada lugar que nós fomos, que o professor levou, né? Foi no zoológico, no aeroporto, é cada lugar que nós fomos, mas tem muito tempo, eu não lembro mais. Nós ensinamos também os professores lá que tavam dando aula pra nós, e nós demos aula também, tá trocando, né? Nós demos aula
de música, de yãmiy, né? E lá também professor dava aula de música, de cantor, né? Tá trocando. Por isso que eu aprendi mais coisa ainda e eu sei falar em português. E aprendi um bocado de coisa. E também já fui onde as pessoas fazem curso de dentista. E tem uma pessoa morta, mas não fica em pé, né? Aí nós chegamos lá e a gente tava aprendendo com a filmadora, né? Aí eu levei a filmadora lá, aí Myriam e Márcia falaram assim: “ Rafael não pode filmar não, porque a pessoa não gosta de filmar nem tirar foto”. Só olhar, né? Aí eu não filmei a pessoa morta. Tem kitoko (criança) assim, tem adulto também. E eu aprendi um bocado de coisa, tô aprendendo a tocar teclado, violino. Lá na escola de música da Rosângela. E por isso que eu já sei muito falar português. E eu já fiz desenho, fiz livro. Eu fiz o livro da cura, Hitupmã’ax, pra equipe de saúde, que tem que ler pra saber como é que vai fazer tratamento de tihik, né? E você acha que a equipe leu? Nem leu! Hoje não tem aqui. Eu preciso, tem um bocado que eu preciso. Livro de Penãhã, livro de Hitupmã’ax, e mais outros que a gente fez com a Maria Inês. Um de capa verde. Aqui tem um que tem meu nome. Geografia da Nossa
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Aldeia. Tudo tem desenho que eu fiz. Esse é de Água Boa. - E esses livros servem pra quê? - É pra ensinar kitoko na escola. Esse aqui tem um bocado de canto. Cada bicho tem canto. - Mas porque escreve também em português? É pra kitoko aprender português? Não, é pra ‘ãyuhuk (não índio) olhar tikmũ’ũn yĩy’ax (língua Maxakali) e ‘ãyuhuk ler também ‘ãyuhuk yĩy‘ax, pra saber o que tá explicando. Eu tô fazendo desenho aqui, eu pedi a professora de português, Ana, e meu filho Antonio Rafael, que tá dando aula na outra sala, pra entregar canetinha pra tihik fazer desenho. E eu também vou fazer, e vou pegar desenho pra olhar qual ficou mais bonito pra separar pra colocar no livro. Tá aqui, que eu mandei meu filho fazer desenho, aí mandei Ana, pra mandar os alunos fazer desenho. - E é pra usar em qual livro esses desenhos? - Qualquer um. - Pode usar no do projeto Carteira Indígena? Pode. Porque aqui nós mudou muito. Aí nós moramos direto aqui agora, pra sair o livro daqui da Aldeia Cachoeirinha. Vai colocar dentro do livro, o mapa. Eu tô pensando também, Marina, em tirar aqui os alunos pra levar onde tem escola pra kitoko, todos alunos, mas não tem carro
pra fazer isso. Levar kitoko pra conhecer os kitoko de ‘ãyuhuk que estão estudando, né? - Essa ideia é boa, vamos pensar um projeto pra isso. - É. Pra kitoko olhar, que kitoko tá estudando, kitoko de ‘ãyuhuk, né? E professor também tá ensinando kitoko na cidade, fala pros alunos dele, né? Que kitoko tá indo pra conhecer kitoko que tá estudando. Aí eu tô pensando isso também. - E quando você estudou lá na UFMG, como era? Você ficou morando lá um pouco? - Estudando na sala maior, assim. Todos tihik tava junto. Mas alojamento não tá junto assim, é separado cada alojamento. Mas na sala onde nós vamos estudar, a sala é muito grande, bem comprida. Porque é muito tihik, né? Xacriabá é muito, parece que 72 pessoas. - ‘Ũhex tikmũ’ũn não tinha nenhuma? Não tinha nenhuma ‘ũhex (mulher) Maxakali fazendo o curso com a gente. - E você acha que precisava ir ‘ũhex? Eu acho que ‘ũhex tinha que estudar, e aprender um pouco, aí pode entrar no curso. Eu vi falando na reunião lá em Belo Horizonte, o pessoal falou que vai abrir mais curso pro tihik que tá estudando, e vai entrar no curso pra professor. Aí eu vou mandar Alípio que já tá direto, todo dia tá estudando. - ‘Ũhex tá estudando também?
- A irmã de Maria Rafael tá estudando agora. Muito tempo que já tá estudando, mas ‘ũhex não gosta de estudar em português, por isso que não tem nenhuma ‘ũhex pra ser professora. - E é bom ‘ũhex estudar português? - Eu acho que é bom porque ‘ũhex precisa trabalhar em algum serviço do governo. Pra ser merendeira, pra ser professora, pra ser técnica de enfermagem, pra ser agente de saúde. - E porque ‘ũhex até hoje estudou pouquinho? - Porque gostou, né? Porque o professor tá vindo direto. Daqui mais pra frente vai estudar mais pra aprender um pouquinho. - ‘Ũhex tem vergonha? - Antes ficava com vergonha porque não sabe. Mas hoje tem um bocado de ‘ũhex que já aprendeu um pouco. Ela aprende um pouco e fala com você, que já sabe falar um pouco, né? - Será que ‘ũhex ficava com vergonha porque tinha mais professor homem? - Que ‘ũhex fica com vergonha, que professor ‘ũpit (homem) que tava dando aula de português, aí ‘ũhex não gostou de estudar junto de ‘ũpit. Mas pode ser professora ‘ũhex, aí conversa. Aí professora escreve no quadro, e tem que explicar como que foi, tem que dar aula mais calma, pra aprender. Aí eu tô ensinando Ana a dar aula mais calma, pra aprender. Agora Ana tá dando aula mais calma, e tá ensinando, explicando como é que foi, né, e tihik tá escrevendo no caderno dele. Gravação e transcrição Marina Guimarães Vieira
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Conversa entre Rafael Maxakali e Marina Guimarães Vieira 23/05/20131
Não tem carro pra levar time, pra marcar mais jogo. Era só tihik (índio) e ‘ãyuhuk (não índio), um de cada lado, né? Aí joga time de ‘ãyuhuk contra tihik. E deu tudo certo? Deu tudo certo, ‘ãyuhuk gostou, né? Mas tem problema de carro, né? Ia ser bom ter sempre jogo assim? Podia fazer um projeto de time de futebol? Tem que fazer, né? Porque o jogo tá dando alegria, né? Tihi joga, aí outro fica olhando, tihi fica alegre, né? Aí eu gosto de jogo, né? Eu nunca falto de assistir jogo, até na televisão eu assisto jogo de ‘ãyuhuk. Qual é o seu time? Eu sou cruzeirense! Uma vez que eu fui em Belo Horizonte, o ‘ãyuhuk que tava me acompanhando falou pra mim: “rapaz, nós vamos no jogo, assistir o jogo lá no Mineirão.” Aí eu fui mais ele, e comprei cartelinha, né? Aí nós entramos, aí ele perguntava assim: “Rafael, qual time você torce?” Eu falei cruzeiro. Aí cruzeiro encontrou o flamengo. Aí cruzeiro ganhou. É 1 As perguntas em itálico foram feitas por Marina e as falas não marcadas são de Rafael. As palavras em Maxakali também estão em itálico.
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bom. E criança joga também? Joga. Ia ser bom levar kitoko tikmu’un (criança Maxakali) pra jogar futebol com kitoko ãyuhuk (criança não indígena)? Nós queremos chamar o outro time pra encontrar aqui na aldeia pra gente jogar, mas não tem carro, né? Uma vez o trator da prefeitura veio e fez campinho, mas não fez bom. Tem que ser campo maior, né? Só tirou colonião e não fez bom. O trator nem uma hora não trabalhou. Tihik não gostou. Mas lá em Topázio tem campo bom, né? Aí tihik foi lá e jogou bola com time de ‘ãyuhuk. Se fizer um campo bom aqui nós queremos chamar o time de ‘ãyuhuk pra jogar bola aqui. E vem muita gente e pergunta onde tem lugar pra fazer campo maior. A gente falou aqui, né, perto da escola. Lá tem água. Pra qualquer time, corre muito, e precisa tomar água, aí corre lá e pega água lá. É bom fazer projeto de campo de futebol. Aí fica bom, né? Meu kitoko (filho) gosta muito de jogo. Genivaldo. Ele faz muito gol, ele pega a bola e outro jogador não pega a bola com ele não. Ele corre muito também. Igual o Neymar. É bom mesmo, o jogo. Ia ser bom fazer um projeto pra levar kitoko tikmu’un pra brincar com kitoko ‘ãyuhuk? Você acha que dá certo fazer um projeto assim? Eu acho que vai dar certo. Porque ãyuhuk kitoko, e o kitoko de
tihik gosta de kitoko de ‘ãyuhuk, e ‘ãyuhuk kitoko gosta de tikmu’un kitoko, né? Até adulto também, eu gosto muito de branco, de conversar muito, né? Lá em Topázio tem um bocado de amigo, né? Mas eu nunca mais fui pra lá, porque polícia tá andando direto, aí eu nunca mais fui lá. Quando eu preciso fazer compra eu anoto, aí o motorista leva, e no outro dia vai trazer coisa pra mim. Porque outro dia eu fui pra Topázio fazer compra. O carro tava levando pessoal pro dentista. Aí eu sozinho fui fazer compra. Aí eu fiz compra e deixei lá na venda, pra na hora que o carro fosse sair eu pegar lá. Aí eu fiz compra, deixei lá na venda e fui ficar perto do posto de saúde, pro dentista terminar de atender o tihik. Aí eu sentava assim perto do carro, aí o polícia foi no carro, e me olhou, e foi pro carro, e saiu os dois polícia. E veio e me perguntava assim: “oh Maxakali, o quê que você veio fazer aqui? Eu falei pra ele: “eu tô fazendo compra, e esperando dentista terminar de atender tihik.” Aí falou assim: “é, depois você vai pra aldeia.” Aí ele não falou mais. Mas tihik não fez nada de mau, né? Gravação e transcrição Marina Guimarães Vieira
Mõnãyxop a xax ah hãmhitap hã’. ‘Ũhũn ‘ũyõg hãmxomã’ax tuhut xi nõm hã xit xuk ‘ãmuk xi mãm xamut xi kunox pix xi hãm kunut xit xi mãm xuk xi yĩmkxox pakut puno tehet xi tuk tok hã tu tehet ‘ũpakut hã’. Tihik ‘ũyõg hãm xomã’ax ‘ũkupihi’ xi kupop xi taxuna’ xi nãmtut mĩy xi pohox xi hãmxap kup. Os antepassados não tinham roupa antigamente. O trabalho das mulheres era tecer coisas com embaúba, carregar comida, pegar peixe, lavar roupas, varrer sujeira, pescar1 e tratar de doenças do marido e das crianças. O trabalho dos homens era caçar e pegar lenha, fazer enxadas, arcos, flechas e bodoques.
Professor Rafael Maxakali Tradução: Carlo Sandro Campos 1 Mãm xamut e mãm xuk são traduzidos por pegar peixes ou pescar, mas o primeiro termo refere-se à prática de “caçar” peixes na beira dos riachos com a rede de pesca usada pelas mulheres. Neste caso, pega-se mais de um peixe. Já mãm xuk seria o equivalente a pescar em português, quando se pega um peixe, com rede ou não.
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Apne’ Ĩmoknãg Nũhũ’ apne’ ‘ũkopa’ mĩmãti’ xeka’ pip, mĩmãti’ yã kopa’ xokxop xohi’ punet hok: kũnũhũm, koxut, xapa’, xokixnãg, ‘õnyãm, hãmgãy, mũnũytut, koktix, ‘õnĩnãg , kakxeka’ kũ’ĩn xi yĩmãgxop kama’, xexex, mayakõg, kõnũg, kũyĩy, mãyĩynãg, xoxpunupa’ xi kãyã kama’ yã yãykoxuk pip. Tappet pet yã yũm kama’ xi mõtok yãyãm, kõnãg xit yãmĩy kama’. Aldeia Cachoeirinha Dentro desta aldeia tem uma floresta grande e dentro dessa mata tem muitos animais: quati, tatu, paca, tamanduá-mirim, ouriço-caxeiro, onça, veado, macaco, mico, teiú. Há muitas aves também: jacu, aracuã, papagaio, periquito, araçari, inhambu e também cobras variadas. Tem uma escola também, energia (eletricidade) e bomba d’água também.
Professor Rafael Maxakali Tradução: Carlo Sandro Campos
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‘Ũgmũn yã ‘ãte’ hãmxomã’ax yũmũg. ‘Ũxohi’ nũte’ kakxop hãm yũmũg pip hata’ nõm xupep ‘ãhĩynãg ap te’ hãm yũmũg putup ah. Kakxop ‘ũtut xi tak hãm yũmũg hok puxik yũmũgã nõmte’ tappet Yũmũg tappet mĩy ‘ũmai’ ‘ũka’ok ‘ũxaxok hok ‘ãyũmũg ax tappet.
Nós sabemos muitas coisas Aqui tem crianças que sabem muito, mas aqueles que chegaram (depois) não querem saber. Se as mães e os pais das crianças sabem, então ensinam a elas que devem aprender na escola. Estudar é muito importante, pois não se esquece o que se aprende.
Professor Rafael Maxakali Tradução: Carlo Sandro Campos
Os Direitos dos Povos Indígenas Os indígenas, como qualquer cidadão brasileiro, possuem o direito à cidadania e aos instrumentos básicos para que, esta, seja exercida plenamente. O direito de ir e vir, o direito à moradia digna, à educação, à saúde, entre outros. Além desses, os indígenas têm direito ao usufruto de seu território tradicional e à diferença étnica. O território se faz necessário para a reprodução física e cultural das populações indígenas e, a diferença étnica tem como objetivo respeitar a cultura dos grupos em qualquer esfera social seja no campo da saúde, do trabalho ou da educação. Estes direitos são garantidos pela Constituição Federal de 1988 que aborda a questão indígena nos seguintes artigos: Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como um dos fundamentos: I - a soberania;
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Art. 3.º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre eles: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 38
Art. 4.º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais, tendo como um dos princípios: III - autodeterminação dos povos; Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, no termo seguinte: LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Art. 20. Dentre os bens da União, destaca-se: XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. § 2.º A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei. Art. 22. Compete privativamente à União, entre outras, legislar sobre: XIV - populações indígenas; Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: XVI - autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais;
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Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar, dentre outras: XI - a disputa sobre direitos indígenas. 40
Art. 129. Uma das funções institucionais do Ministério Público é: V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 3.º O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros. § 4.º As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV - “estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de
garimpagem, em forma associativa”, na forma da lei. Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra. § 1.º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa brasileira de capital nacional, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas. Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. § 2.º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1.º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
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I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. § 1.º O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. § 2.º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. CAPÍTULO VIII Dos Índios Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcálas, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1.º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2.º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3.º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4.º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5.º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6.º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé. § 7.º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3.º e 4.º. Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo. Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) Art. 67. A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição.
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Além da Constituição Federal, há diversas leis e decretos da legislação Brasileira que tratam das questões indígenas nas questões ambientais, educacional, territorial, entre outras. Inclusive, há leis internacionais como a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho e a Declaração Universal dos Direitos Indígenas da ONU. Pablo Matos Camargo
Legenda ilustração na próxima página (45) Vaca leiteira (mũnũytut nõm hemãhã’) Recinto de bezerros (mũnũytut kutok tat ax) Curral (mũnũytut pak ax) Casa (mĩmtut) Roça (hãmxa’) ‘Ũhãm tihik (homem trabalhando) Kuxap (fogo) ‘Ũhũn (mulher) Putahat (estrada/trilho) Konãgkox (rio)