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Sobre músicas, fotografias e machucados cicatrizando

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Fuga em pânico

Fuga em pânico

Sobre músicas, fotografias e machucados cicatrizando Isabella Rodrigues

Decidi escutar todas as músicas que me lembram você. Numa tentativa de sentir a saudade em excesso, inteira e profundamente só para ver se o reservatório dela esgota e deixa de vir em migalhas, dia após dia, desde que te vi sair do trem quando sua estação chegou. Mas não funcionou.

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Então arrumei uma folha de papel e uma caneta quase sem tinta com o pensamento de que te escrevendo talvez esse sentimento flua de mim para o universo e finalmente me deixe.

Achei que se eu sumisse você me procuraria. Ingenuidade a minha. Você nunca foi previsível como os outros e isso não mudaria de uma hora pra outra.

Agora, seis meses depois desde que nos encontramos pela última vez, me pego vendo as fotografias que revelei daquela nossa viagem.

Eu poderia jurar que tinha te esquecido quase que por completo, mas ainda é algo semelhante a não respirar. Eu não consigo ficar sem por muito tempo. E quando a música que você me apresentou no nosso primeiro encontro tocou no modo aleatório da playlist do meu celular, as lágrimas jorraram para fora do meu peito como uma barragem se rompendo, impossível de conter.

Admirando a espontaneidade que seu sorriso transmite nas fotos se torna impossível não questionar: você ainda pensa em mim? Algum dia pensou na possibilidade de existir um nós?

É doloroso sentir sua falta nas madrugadas, quando o mundo está silencioso e minha mente agitada me toma pelas mãos. Penso se fiz algo de errado, me pergunto se minha loucura te assustou, penso tanto e tanto e é tão incerto. Você dizia que eu pensava demais e precisava canalizar isso para o mundo externo. Estou seguindo seu conselho.

Sinto falta de te olhar nos olhos e te deixar sem graça, de deitar na areia contigo e enrolar meus dedos nos cachos de seu cabelo, de mergulhar no

mar e perder a noção do tempo conversando sobre o que viesse na cabeça. Uma das coisas que não te disse é que todas as vezes que conversávamos eu sentia como se estivesse trocando ideias com uma extensão de mim mesma. Você era capaz de traduzir meus pensamentos em palavras suas como ninguém nunca fez antes. Provavelmente foi isso o que fez com que eu me apaixonasse. Aquela conexão quase palpável que fazia com que até os momentos de silêncio fossem aconchegantes.

“E por falar em saudade, onde anda você?” a voz de Toquinho cantarola enquanto a caneta corre pelo papel. Quero o seu bem independente de onde estiver andando. Sempre fui um livro aberto quanto a tudo o que eu queria, mas nunca soube o que você quis. Acredito que nem você soubesse.

Decidi não sofrer por você e não estou sofrendo agora, mesmo com as lágrimas correndo para fora. Não é nada que dê para matar, longe disso. É só saudade. Um pouco de apego. A verdade é que eu sobrevivo muito bem sem você, mas dói quando acho que você se foi e uma das músicas que você me apresentou toca no rádio. É como esquecer do machucado cicatrizando e só lembrar quando sem querer algo faz com que ele volte a arder.

A gente nunca esquece, me disseram, o que muda é que uma hora a ausência deixa de causar aquela sensação de vazio que nos faz querer respirar mais fundo. Ainda assim, não me contento em manter as questões aprisionadas comigo. Você sentiu algo por mim em algum momento? Quero que saiba, se tiver dúvidas quanto a isso, que eu senti. Senti oceanos e ainda sinto.

Espero que com o curso dos dias, das semanas e dos anos você seja apenas uma lembrança boa. Lembrança de quando eu era jovem e criava muitas expectativas. Lembrança de um ciclo que terminou para que outro pudesse recomeçar.

A vontade é queimar essa carta logo que eu terminá-la, mas caso ela chegue na sua casa, resumo tudo o que eu quero te dizer em uma última palavra, aquela que eu usava para me despedir e que sempre me vem à mente quando penso no que vivemos juntos: Gratidão.

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