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Shakespeare tinha razão
SÓ QUERIA TE DIZER Shakespeare tinha razão... Jeane Lima
Despediu-se naquele dia como se fosse voltar amanhã.
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Não contava, enquanto seguia para casa após o trabalho, encontrar-se com um inimigo que lhe torturaria por muitos dias e lhe ameaçaria a vida.
Professor Victor, como era conhecido na faculdade, fora contaminado pelo insólito vírus. Os alunos, assustados e ainda sem saber direito o que isso significava, ficaram preocupados.
Mas era só um possível vírus gripal! Afirmavam os desavisados. Teoria descartada poucos dias depois, quando a pandemia se instalava em vários países do mundo.
As aulas foram suspensas. Alunos e professores com suspeita de contágio, alarmaram os administradores da instituição, aderindo à quarentena determinada pelas autoridades nacionais.
Momento de muita tensão, insegurança e temor para a população.
Victor, agora, lutava pela vida na UTI de um hospital público. Sua família sofria. Muitas famílias sofriam. Entes queridos contaminados eram internados e não retornavam para suas casas.
Pais demitidos, devido à crise rapidamente instaurada, temiam não atender as necessidades dos filhos.
Os preços exorbitantes fizeram com que, os que tiveram salários reduzidos, diminuíssem suas compras no mercado e deixassem pendentes contas diversas.
O Professor, semanas depois saiu da UTI e aplaudido pelos profissionais que cuidaram da sua recuperação, deixou o hospital. No mesmo período, um colega de trabalho e um de seus alunos entraram em óbito num renomado hospital da cidade.
Pessoas isoladas, choravam a saudade dos amados distantes. Torturadores covardes, torturavam suas vítimas enquanto as mantinham trancadas com a desculpa da pandemia.
Meses se passaram...
Sofrimento.
Depressão.
Lágrimas.
Mortes.
Quando, enfim, nasceu um novo dia...
Surgimento da vacina!
Esperança!
Lágrimas, agora de alívio.
As aulas presenciais retornaram e o Professor Victor estava lá para receber os alunos. Chegaram aos poucos, quietos, ressabiados. Ninguém se cumprimentou com a mão, tampouco com abraço ou beijo. Os “ois” se deram com os olhares, ainda inseguros.
O azul do céu estava mais vibrante, as ruas estavam limpas, a poluição havia diminuído. Nos metrôs, trens e ônibus as pessoas falavam baixo, reclamavam menos e não empurravam tanto. Algo havia mudado. Lições foram aprendidas.
Algumas pessoas retomaram a fé esquecida e os clamores a Deus foram mais constantes.
Ficou evidente que não controlamos o amanhã e que Shakespeare tinha razão ao dizer: “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar”.
Diante do mistério não há desigualdade alguma. Pobres sobreviveram, assim como ricos morreram, pois não dependia de dinheiro, nem de quem podia mais.
Quem conseguiu entender os momentos introspectivos para reflexão e autoaceitação não cometeu suicídio e nenhum homicídio sequer. Saiu mais forte, amando e respeitando mais a si e ao próximo.
Ao contrário dos que permitiram que seus traumas e refusões os dominassem e os destruíssem emocionalmente e/ou fisicamente. Como o vizinho do Professor Victor que em ataque de fúria quase ceifou a existência da companheira de anos.
Amores foram testados; alguns sobreviveram ao confinamento, outros não suportaram conhecer de tão perto o companheiro escolhido.
Novas amizades surgiram e até novos amores propiciados pelas redes
sociais. Projetos engatilhados morreram, enquanto novos nasceram. O que era considerado seguro desmoronou e o improvável se destacou.
A vida provou ser uma antítese. E, assim, seguiu com novos comportamentos e predileções para os sobreviventes do surto pandêmico viral.