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O Normal se Desnormalizou

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Fuga em pânico

Fuga em pânico

O Normal Se Desnormalizou Jailson França

Muxoxos, caretas, biquinhos... sorrisos; de repente desapareceram por trás das diversas cores moldadas em formas e cortes quase sempre idênticos. Cores essas que apagaram o brilho dos charmosos batons, o branco dos sorrisos, ocultaram os desdentados e esconderam até os desbotados pelo tempo... disfarçaram tão bem os sorrisos amarelados muitas vezes forçados pelo desatino do momento. E as tantas cores surgiram como um símbolo de distanciamento forçado entre as pessoas. Já não importa mais ter um lipstick francês ou italiano, a lente de contato dentária, o piercing de ouro. A boca e o nariz tornaram-se órgãos íntimos, tímidos, meio que envergonhados, quase intocáveis.

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As cores das bandeiras de todas as nacionalidades foram retalhadas, embaralhadas e sobrepostas em todas as faces, neutralizando traços pessoais de cada um, transformando esses rostos em identidades visuais que se resumem em pares de olhos... e esses olhos agora se encontram e se insinuam buscando o próprio destaque na sociedade. E é preciso aprender a ler as emoções do outro através de olhares, que muitas vezes não se deixam compreender devido o gesto facial ter sido encoberto, a fala ter sido parcialmente suprimida, os soluços censurados, os gritos atenuados. Mas, o grito da alma de cada um ainda ecoa entre fendas de incertezas e clama pelo fim do desconhecido.

De repente o que não era possível tornou-se obsoleto: o consumo desenfreado cessou, as grandes máquinas da economia desengrenaram, e cada um parou diante de si mesmo e da própria família, compartilhando uma tigela de pipoca na frente da tv, mexendo uma pedra de xadrez mesmo sem entender qual a estratégia, ouvindo discos antigos, folheando livros, organizando coisas velhas, redescobrindo um hobby, rindo de uma piada contada pela inocência de uma criança e até arriscando a contar outra... e percebeu que não morreria por ter parado de fazer o uso desmedido de

todo o tempo que o seu corpo e mente suportara. Agora sobra tempo pra tudo, e cada um anseia pelo retorno do normal anormal: de não ter tempo pra nada... mas, se for sobrevivente.

Diante do caos surgiram as nomeações, as desonerações... Entre medidas provisórias e emendas constitucionais emergiram as manipulações desavergonhadas do capital do povo amordaçado, que só observa e tenta espernear pelos direitos... mas, que direitos? Foram todos sonegados... transformaram tudo em deveres: de não ir aos shoppings, de não ir à praia, de não viajar, de não usar o próprio carro, de não ir trabalhar... de ficar dentro de casa e pagar as contas.

De que adiantou a invenção dos supersônicos, dos foguetes que lançam seres pra conquistar a lua, das tentativas absurdas para colonizar marte, dos poderosos satélites que monitoram os pontos mais longínquos do universo?

De que adiantou a comunicação entre qualquer outra pessoa do mundo acessível a um simples toque do indicador pelas redes sociais? Contudo, cabe aqui um pensamento: “será que o VIRUS se propagou através das redes sociais? Somente assim para alcançar diversos pontos extremos num espaço de tempo tão pequeno.” É... não faz sentido! Mas, a disseminação incalculável de fake news através das redes é um fato, e cada qual que se alimenta com as inferências, sofre as aflições do medo, da angústia e da depressão.

De que adiantou segregar as nações com a truculência das guerras? Se um microrganismo invisível aos olhos da humanidade ultrapassou os muros de uma civilização que se diz moderna, rompeu as mais intransponíveis fronteiras do mundo e colocou a humanidade em stand by, e está transformando vidas em números... meras estatísticas. Um vírus que está pondo todo o mundo para trabalhar em prol dele: que seja para aprender a se defender, a aniquilar ou até conviver com ele. Todos unidos por uma única causa, ou seja, quase todos: estudam pra descobrir um antídoto, um remédio ou até mesmo um veneno e ainda não enxergaram que tem que se dobrar e buscar a cura que está no Ser Supremo.

E não haverá entendimento entre um Dr. House e os antivirais, enquanto politizarem o desafio e superfaturarem os ganhos sobre as perdas

irreparáveis de vidas humanas. E assim, continuaremos fazendo uso da última moda predominante do século, uma tendência mundial criada por essa força negativa e invisível que não discrimina a cor, a raça, a religião, a etariedade ou a classe social. Mas, domina, sufoca e abate, sem dó nem piedade.

Agora entendemos que regras foram feitas para serem quebradas: Quem já viu pessoas entrarem disfarçadas em um banco e saírem com dinheiro sem serem abordadas, presas ou assassinadas? Era uma vez... o velho oeste.

É o novo normal. E perante a situação atual ressurge a força e a perseverança no novo ser humano, já moldado em uma forja de dificuldades, que ainda sente medo até do ar que respira e não confia mais nem na própria roupa que veste. Mas, se agarra em um fio de esperança que ainda resta e o faz continuar a sonhar por um futuro favorável. E cabe aqui fazermos uma releitura de um trecho da obra Encontro Marcado de Fernando Sabino:

“... De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro.”

E assim, somente nos resta agora, interpretarmos e absorvermos esse pensamento e acreditarmos que dias melhores virão. Pois, é fato que, entre dor, tristeza e revolta, o amor prevalece, o povo se reinventa e o mundo não para. ...Enquanto uns choram, outros vendem máscaras.

Salve a máscara!

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