Mário César Pacheco Dias Gonçalves
Nova edição revisada
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Mário César Pacheco Dias Gonçalves é formado em Ciências Sociais e Jurídicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Cursou a Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e é pós-graduado em Direito Privado pela Universidade Gama Filho. Foi advogado, assessor jurídico parlamentar estadual (1996/1999), assessor jurídico do Gabinete Civil da Governadoria do Estado do Rio de Janeiro, professor universitário e atualmente exerce o cargo de Analista Judiciário da Justiça Federal no Rio de Janeiro. Publicou artigos na Revista de Direito da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, quando ainda estagiário, um deles em co-autoria com Luiz Gustavo Scaldaferri Moreira, e que recebeu elogio formal do Presidente do Superior Tribunal de Justiça à época, o já falecido Ministro Américo Luz. O autor pertence ainda ao quadro diretivo do Sindicato dos Servidores das Justiças Federais do Rio de Janeiro (SISEJUFE/RJ), bem como é Blogger do Blog Perspectiva Crítica, blog político, econômico e social, ativo desde em 21 de junho de 2010 e com mais de 205 mil acessos totais originários de mais de 40 países. Acesse: www.perspectivacritica.com.br.
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A atuação do Estado em sociedade é hoje, em todo o mundo, refém de duas vertentes político-filosóficas: teoria pura econômica do Estado (Estado Mínimo o fraco o forte, a liberdad Liberal) eEntre teoria pura esocial de éEstado que liberta.” (Estado Máximo Social). Ambas as visões estão ultrapassadas. Mário César se propõe a debater de até “Aofilosofia na busca da afirmaçã que ponto Estado pode apresentar-se somente da verdade, para, limitando a atuação particular,percorre realizar a garantia do mesmo direito que res- soc atravessa frontalmente idéias tringe e realizar das.” outro princípio ou princípios que sejam aparentemente conflitantes. O resultado encontrado foi uma técnica de atuação do Estado sem pré-concepções, com fundamento na vontade social (Carta “A maioria das pessoas não des Magna), com parâmetros objetivos claros razõe e verdade quanto encontrar a conceituação do Novo Estado Plástico preconceitos favoritos.” Ideal, o Estado Conformacional.
“(...) que os indivíduos que estiver sejam os mais felizes do mundo; (. província saiba que o bem-estar, os as riquezas de todas as pessoas s objeto de sua mais profunda devoç
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À minha família, aos meus sobrinhos João Gabriel, Helena e Júlia, e aos meus queridos afilhados Pedro e Rafa
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Prefácio
Conheci o autor ainda nos bancos da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, no hoje distante 1993. Lembro-me bem do histórico evento. Primeira semana do curso, preso na sala de aula pelos veteranos juntamente com os meus ainda desconhecidos colegas. Estávamos prestes a ser enviados ao vizinho Campo de Santana, onde o trote ocorreria. Todos tínhamos que entregar um dos calçados aos veteranos, como forma de evitar a desejada fuga. Eis que, de repente, o então jovem Mário César ingressa na sala e por um desses arranjos do destino, senta-se do meu lado. Com a extroversão que depois percebi ser sua característica mais marcante, puxou papo e eis que emergiu a saída para o problema que se mostrava insolúvel. Ele sugeriu que resgatássemos e escondêssemos os nossos calçados aprisionados pelos veteranos na minha mochila (ele não carregava nenhuma) e assim, aparentemente tendo abandonado um dos calçados (e com os veteranos nos considerando devidamente punidos), poderíamos fugir do trote quando bem desejássemos. Dito e feito. Conduzidos ao Campo de Santana, escapamos do trote assim que possível. Nascia ali uma amizade que atravessou duas décadas e se consolidou com o tempo. Discutíamos e conversávamos sobre tudo - ele sempre falando mais, bem mais do que
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eu, e nem posso afirmar que falo pouco... Os debates ficavam acalorados quando abordávamos os assuntos política e economia. Não raras vezes discutimos rispidamente, mas passado o momento, nenhum rancor ficava. Era como se tais discussões fossem as nossas “peladas”. Os “peladeiros” sabem - as discussões e jogadas ríspidas são esquecidas tão logo os amigos deixam o campo. Os problemas brasileiros nos incomodavam (e incomodam) muito, mas as soluções defendidas por nós nem sempre (na verdade quase nunca) se harmonizavam. Portanto, foi com alegria, mas não com surpresa, que recebi a notícia de que a monografia apresentada pelo autor no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu seria publicada. Não com surpresa porque jamais me passou despercebido o brilhantismo do amigo, em que pesem termos opiniões conflitantes. Apresentado à obra, de pronto compreendi estar diante de um trabalho muito bom, para não dizer excepcional. Certamente a função de assessoramento de magistrados federais que exerce com rara competência, em muito o auxiliou na obra. Permitiu o contato com os elementos técnicos e práticos que expôs no trabalho. O autor, na obra, mostra o que ele entende por Estado ideal - o Estado Conformacional Ideal ou Estado plástico- e aponta o erro existente em se perseguir um modelo baseando-se na já ultrapassada dicotomia Estado máximo x Estado mínimo, carregada de dogmas e preconceitos. O Estado plástico pode limitar direitos e interferir em qualquer campo da atividade humana, desde que a limitação tenha como alvo a consecução do bem comum e a felicidade das pessoas e desde que princípios que nos são caros - propriedade, liberdade, livre iniciativa etc, não sejam inteiramente solapados. O grau da intervenção deve variar
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conforme varia a necessidade da interferência estatal para que o bem estar geral seja alcançado. Fórmulas predeterminadas precisam ser descartadas. A obra é permeada de farto conteúdo histórico e doutrinário. No entanto, é de fácil leitura. Mesmo os não iniciados na Teoria Geral do Estado assimilarão sem grande esforço o conteúdo do livro, até porque, ao final, o autor aplica o que desenvolveu em casos do dia a dia. Estou certo de que a obra terá excelente recepção e em muito contribuirá na discussão acerca dos limites do poder estatal. Rio de Janeiro, 29 de junho de 2013. Luiz Gustavo Scaldaferri Moreira
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Nota do autor
A Teoria Geral do Estado não muda no tempo. Ou muda muito pouco, com poucos acréscimos na estrutura do tema. O mesmo ocorre com a Ciência Política. Por mais que se discuta alguns conceitos políticos e filosóficos, o que muito interessa e pouco se debate é a prática do Estado. No fundo, a prática do Estado é que muda a vida do cidadão. A presença ou a ausência do Estado e da organização de sua Administração Pública é essencial para se atingir objetivos tais e quais em uma determinada sociedade em um determinado momento histórico. E a teoria sobre a práxis do Estado praticamente não é abordada convenientemente e profundamente, havendo uma esterilização sobre este tema importantíssimo a partir da existência que se assume imutável de duas grandes teorias: a Liberal, que subsidia a defesa do Estado Mínimo, calcada em ensinamentos e interpretações do livro A Riqueza das Nações, de Adam Smith, naturalmente formatada ainda por diversas teorias e grandes livros posteriores, como o “Caminho da Servidão” de Friedrich Hayek, e outros; e a Teoria Socialista, que subsidia a defesa de um Estado Máximo, detentor de meios de produção em sociedade, calcada basicamente nos ensinamentos e nas interpretações dos ensinamentos da obra “O Capital” de Karl Marx, dentre outros que igualmente formataram
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a ideia do socialismo e da organização da máquina estatal para executar este conceito organizacional do Estado e da Administração Pública. Tudo o que você lê sobre este tema somente discorre sobre o que já existe dentro da pré-seleção de duas formas de se pensar o Estado: a forma liberal e a socialista. E qualquer novo ato ou proposta no campo fático para se desenvolver a estrutura do Estado para que seja mais eficiente na sua condução em sociedade é sempre rotulado como ou realizando uma visão socialista do Estado ou uma visão economicista do Estado. Rotulado como um ou outro caso, seus defensores são igualmente rotulados como liberais ou socialistas ou de direita ou de esquerda. Mas, observem, os Romanos, entre 500 AC e 300 DC, por exemplo realizaram que tipo de prática estatal? Liberal ou Socialista? E os gregos? E os egípcios? E os celtas? Talvez você já possa estar vendo, somente acompanhado destas poucas palavras, que o Estado e a prática do Estado não precisa obrigatoriamente ficar limitado a duas teorias predominantes e que nasceram entre o século XVIII e XIX. O Estado é uma criação da inteligência humana e suas estruturas podem livremente se reorganizar no tempo e no espaço, consoante condicionantes culturais e institucionais de cada povo. E com que finalidade? Para realizar a determinação ou da classe dominante (cultural, política ou economicamente) de um país ou para realizar a vontade geral da sociedade, o que é um formato comum nas sociedades civilizadas modernas. Nestas últimas sociedades, essa vontade geral está insculpida na Constituição ou Carta Magna. Este livro é a consubstanciação de estudos sobre a atuação do Estado e a formulação de uma nova teoria de Estado, uma nova teoria sobre a práxis do Estado: o Estado
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Conformacional. O foco desta teoria não é a realização de uma teoria economicista de Estado e nem de uma teoria socialista de Estado, mas a crítica da estrutura do Estado, admitindo sua natureza cambiante e elástica, consoante as necessidades de uma dada sociedade e um dado momento histórico. O respeito a esta forma mutável no tempo, em especial em relação ao tamanho do Estado, possibilita a garantia da maior adaptabilidade da estrutura do Estado às suas necessidades que se alteram no tempo. Ouso informar aos estudantes e operadores de Direito, aos estudiosos do Estado e da Administração Pública e da Ciência Política o fim das teorias liberal e socialista de Estado, enquanto balizadores da prática de Estado. Estudando um método que garantisse maior eficiência da intervenção do Estado na economia, deparei-me com uma nova sugestão e método de práxis do Estado, calcado na persecução da realização do artigo 3º da Constituição da República Federativa do Brasil. Esse método não possui a deficiência das teorias anteriores, cujos respectivos preconceitos, ora contra o social, ora contra a economia, limitam principiologicamente a melhor atuação do Estado na persecução do desenvolvimento nacional e na promoção do bem de todos. Convido todos a pesarem estas linhas, no afã de criar debate elevado sobre esta nova teoria de Estado, a pensada a partir das agruras que acometem a Administração Pública brasileira, na angústia de entregar mais serviços e bens à sua população, partindo, para isso, da análise das razões das atuações e organizações de Estado antigos, passando pela análise dos prejuízo que as visões pura e limitadamente economicistas (liberais) e socialistas causaram aos EUA e Europa na recente crise econômica, para finalmente chegar à conclusão de como deve ser a formatação ideal das estru-
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turas e finalidades estatais, para se garantir o máximo de bem estar e desenvolvimento nacional ao, primeiramente, Brasil, mas sob uma ótica e fórmula que pode ser aplicada a qualquer nação. Seu concidadão Mário César Pacheco Dias Gonçalves Rio de Janeiro, 10/03/2016.
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Nota do Autor à primeira edição
O alcance social desta obra está em investigar e definir o limite da atuação do Estado, tentando encontrar novos meios de efetivar o seu papel como garantidor de direitos fundamentais e setoriais, em especial da Ordem Econômica, e de indutor da promoção do bem de todos e do desenvolvimento nacional. Nosso objetivo é delinear até que ponto o Estado pode apresentar-se para, limitando a atuação particular, realizar a garantia do mesmo direito que restringe e realizar outro princípio ou princípios que sejam aparentemente conflitantes. Para fundamentarmos nossa pesquisa, será definido o núcleo fundamental de princípios constitucionais chave para a contraposição entre o princípio da livre iniciativa e o princípio da promoção do bem de todos e o do desenvolvimento nacional, além dos princípios que a eles se referem como o da propriedade privada, o da função social da propriedade e a demonstração da aplicação das teorias da ponderação e da argumentação de forma a instrumentalizar o Estado para realizar seus objetivos descritos na Constituição, no artigo 3o, da CF/88. O resultado encontrado foi um método de avaliação dos limites da atuação do Estado em restringir a liberdade dos cidadãos (limites legítimos do ato de intervenção), em especial na esfera econômica, com base na ponderação de princípios constitucionais, afastando os métodos empíricos de atuação
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do Estado hoje vigentes, reféns do preconceito de perspectivas de realização de uma teoria pura econômica do Estado ou de uma teoria pura social do Estado, realizando o Novo Estado Conformacional proposto. Rio de Janeiro, 02 de julho de 2013. Mário César Pacheco Dias Gonçalves
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INTRODUÇÃO
A Constituição Republicana garante o exercício livre da atividade econômica por empresas e cidadãos (artigo 170, parágrafo único da CF/88), bem como a propriedade privada (artigo 170, II da CF/88), mas estas liberdade e propriedade parecem não ter fim em si mesmas. O Estado brasileiro foi organizado sob princípios fundamentais e a realização desses conteúdos normativos informa a razão de sua existência, na medida em que realiza a vontade da sociedade, consubstanciada nestes dispositivos cristalizados pelo legislador constituinte de 1988. Dois destes princípios fundamentais são o de “garantir o desenvolvimento nacional”, consoante o artigo 3º, II, da CF/88 e o de “promover o bem de todos”, elencado a seguir, nos termos do inciso IV, do artigo 3º, da CRFB. Não é difícil perceber as necessidades sociais de nosso País, e nos é igualmente fácil perceber que o crescimento econômico é necessário para se atingir a minoração das desigualdades sociais que nos afligem. Neste sentido, é salutar a opção constitucional pela liberdade no exercício da atividade econômica e garantia da propriedade privada, pois com mais liberdade e garantia a sociedade pode seguir segura e criativa na forma de empreender, sob a perspectiva de que, ao obter êxito, fruirá do resultado econômico positivo de seu esforço. Entretanto, isto
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não pode servir de pretexto para que o Estado se ausente em regular e restringir o mercado. Esta atuação efetiva do Estado para a realização do bem comum é conhecida da experiência socialista soviética, chinesa e cubana, mas os princípios do capitalismo demonstraram-se mais vigorosos para a manutenção da saúde econômica de um país, bem como sua capacidade de gerar riquezas para sua população. Mesmo a China, única a apresentar atualmente vigor econômico dentre as experiências socialistas mais conhecidas (adotamos terminologia livre, nos referindo a socialismo como gênero de que o comunismo é espécie, sendo comum a ambos a estatização dos meios de produção, aspecto que nos interessa especialmente neste livro), somente obteve tal resultado em geração de riqueza e prosperidade após a adoção de alguns métodos e instrumento capitalistas, vindo cada vez mais a se inserir no mercado globalizado, expandir seu comércio internacional e mesmo criar zonas econômicas com incentivos fiscais e tributários, respeitando a propriedade privada e ampliando a liberdade de exercício da atividade econômica. Mas também, e muito mais eficientemente, esta atuação acontece nos países chamados desenvolvidos, que gozam hodiernamente de maior capacidade de produção e distribuição de riqueza do que os demais países. E não se imagina de atuação livre das empresas ou cidadãos sem controle. Há atuação do Estado, tanto empreendedora como regulatória, intervencionista e punitiva, de forma a atingir o desenvolvimento nacional, garantir a realização do bem comum, e a própria higidez da liberdade de mercado. Não são poucos os exemplos de abuso das empresas, momentos em que criam cartéis, exigem pagamentos por serviços que deveriam ser prestados gratuitamente, como
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conseqüência natural do exercício de sua atividade principal (ex. os bancos cobram tarifas para o saque de valores, quando o contrato de depósito bancário pressupõe o saque ou a movimentação dos valores depositados), movidos pela lógica do lucro e desconsiderando e prejudicando o próprio mercado em que atuam, em detrimento do desenvolvimento nacional e da promoção do bem comum. Também não são desconhecidos os meios convencionais de controle de abusos desta natureza, como no Brasil podemos ver atuantes o PROCON, o CADE, o SDE e a CVM, entretanto, qual é o limite da atuação do Estado na restrição ao abuso do direito de negociar, para realizar a promoção do bem comum e do desenvolvimento nacional? Em que medida pode o Estado restringir, sem ofender os direitos constitucionais de liberdade de exercício de atividade econômica ou ofender a propriedade privada? O alcance social deste livro está em investigar e definir este limite que o Estado pode atingir, tentando encontrar novos meios de efetivar o papel do Estado como garantidor de direitos fundamentais e setoriais, em especial da Ordem Econômica, e de indutor da promoção do bem de todos e do desenvolvimento nacional. Para fundamentarmos nossa pesquisa, será definido com proficiência o núcleo fundamental de princípios constitucionais chave para a contraposição entre o princípio da livre iniciativa e o princípio da promoção do bem de todos e o do desenvolvimento nacional, além dos princípios que a eles se referem como o da propriedade privada, o da função social da propriedade, os quais encerram aparente confronto, mas têm na exploração de seus reais contornos axiológicos o limitador de suas abrangências e a indicação do vetor de atuação do Estado para atingir a “efetividade
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das normas constitucionais”, para usar termo já cunhado pelo eminente jurista Luís Roberto Barroso, o qual tem obra específica sobre este tema. Vivemos momento prodigioso da história da humanidade. A evolução da sociedade cada vez mais globalizada e integrada impõe condutas de maior complacência e tolerância a partir do maior contato com o “outro”. Acompanhando e refletindo esta nova realidade, apresenta-se a lei, a regra, a qual deve abarcar cada vez mais amplas e abertas realidades. Quanto maior a proximidade de pessoas e quanto maior a diferença de condutas, formação sócio-cultural, maior a quantidade de conflitos e a necessidade de regulação na vida humana, em prol da eficiência dessas relações. A regra pela regra não se justifica mais, devendo a mesma ter conteúdo polissêmico de forma a poder ser adaptada ao tempo e ao espaço até para a garantia de maior longevidade, o que resulta na sensação de estabilidade e segurança que a lei se propõe a oferecer. Trata-se da própria razão da lei. E cabe à ciência do Direito garantir meios a esta realização essencial das normas jurídicas em sociedade. Não sem razão, o eminente civilista Gustavo Tepedino afirma, em seu artigo “O Código Civil, os chamados microssistemas e a Constituição: premissas para uma reforma legislativa”, na obra que coordenou “Problemas de Direito Civil-Constitucional” (ed. renovar, 2000, fl. 07), entrever-se “o surgimento de normas que não criam deveres mas simplesmente descrevem valores”. E isto porque normas que expressam valores ao invés de meras regras são mais flexíveis e adaptáveis à diversidade de realidades que uma sociedade, em convívio com mais diferenças e multiplicidade de novos negócios e novas rela-
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ções, apresenta. Não apenas os negócios e as relações entre as pessoas, mas toda uma nova dimensão de valores humanistas e de respeito ao meio ambiente, produzindo uma consciência que, ao ser regrada, melhor o é sob a forma de valores, de princípios. Segundo, ainda, Tepedino, esta alteração de direção da produção legislativa no sentido de valores e sentimentos ganha “especial importância, quando se verifica a impossibilidade de regulamentação de tantas novas situações que se prolificam a cada dia, bem como a dificuldade de conhecimento (não só por parte do cidadão comum, mas também por parte dos operadores), da difusa legislação em vigor” (op.cit, pg. 08). Neste contexto, vimos a maior produção legislativa e um direcionamento às regras de valores mais gerais e essas normas terminam por normatizar princípios, muitas vezes. Mas o princípio não é uma regra. É mais amplo. Sua aplicação não é tão simples e exige um esforço interpretativo muito maior. Daí ser possível asseverar que “regras são descritivas de conduta, ao passo que princípios são valorativos ou finalísticos” (artigo “O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro” in “A nova interpretação Constitucional - Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas”, Org. Luís Roberto Barroso, Ed. Renovar, 2003, fl.341) Se há esta nova normatividade, novos instrumentos são necessários para tornar possível a apreensão de seu sentido de forma a implementá-la em sociedade e realizar a vontade social nela insculpida. Tem espaço, então, a teoria dos princípios, a “ponderação de normas” (em expressão que intitula o projeto de tese de doutoramento aprovado no programa de pós-graduação em Direito Público da UERJ de Ana Paula de Barcellos).
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Assim, enfocando no nosso objeto de estudo, os valores contidos nos princípios da livre iniciativa e da promoção do bem de todos e desenvolvimento nacional serão dissecados à luz das novas técnicas interpretativas que a elas se aplicam, com o fim de garantir a exposição de seus reais contornos, considerando o microssistema ou microssistemas de que participam e com vistas à realização de seu mais profundo sentido. Neste momento se apresentará a necessidade de explicitar o papel do Estado na realização da teleologia da norma, afinal, o desrespeito à norma é o desrespeito ao próprio Estado e este tem o dever prescípuo, até por medida de autopreservação, de proteger o sentido e a forma de sua existência, de efetivar a norma e produzir seus benignos efeitos em sociedade. A realização do Direito é a realização do Estado e da vontade coletiva. Este chamamento do Estado para realizar a vontade social é bem vinda, é preliminar à razão de ser do Estado e não pode ser diminuída ou desconsiderada ou minorada ou contida, senão em razão da própria realização da sociedade. De forma simplificada, é possível dizer que a inação do Estado ou o Estado mínimo, como liberais tanto perseguem, tem razão de ser quando os instrumentos à disposição da sociedade tornam a sua presença ostensiva desnecessária. Entretanto, ao sinal de desbaratamento da rede de mercado e/ou social e/ou institucional, sua presença veemente protege a sociedade da ruptura, protege o tecido social de esgarçamento e desconstituição. Caso contrário, não seria possível legitimar as hipóteses de intervenção federal, descritas no artigo 34 da CF. Qual a maior demonstração de legitimidade da presença contundente do Estado do que quando da intervenção fe-
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deral, afrontando, aparentemente, o princípio da federação, apontado como cláusula pétrea da nossa Constituição? Em dimensão muito inferior para a perspectiva de aparente sublevação institucional, é certo que o direito à propriedade privada, à autonomia de vontade, à livre iniciativa são princípios conquistados através da luta pela defesa da liberdade individual e não podem ser restringidos sem relevante motivo e a bem da sociedade, mas a presença do Estado sempre se fará necessária até para a sua própria realização, pois a quem ficará o encargo de reconhecer o conteúdo desses direitos quando de conflito entre particulares e entre estes e o Estado? O próprio Estado. E quem pode impor ao Estado, como no caso de um particular obter direito contra ato do Estado? O próprio Estado. É claro que não se pode conceber a vida social, na dimensão organizacional em que a sociedade se encontra, sem a presença de um Estado organizado. Nosso objetivo é delinear até que ponto o Estado pode apresentar-se para, limitando a atuação particular, realizar a garantia do mesmo direito que restringe e realizar outro princípio ou princípios que sejam aparentemente conflitantes. A eficiência desta atuação do Estado torna possível a realização da própria livre iniciativa, garante a propriedade privada e defende a mecânica social, a sua engrenagem, tornando possível o desenvolvimento social, o desenvolvimento nacional e a promoção do bem de todos. Serão abordados exemplos de “intervenções estatais” que são hoje perfeitamente comuns, como as que ocorrem através da atuação do CADE e do SDE, impedindo atos privados atentatórios à regularidade de mercado e mais recentemente da CMN, determinando serviços bancários que não devam ser taxados. A lei 2050/92 do Estado do Rio
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de Janeiro instituiu a gratuidade de estacionamentos em shopping centers? Em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade foi concedida liminar para suspender tal efeito, com base no argumento de que tratava a lei de direito de propriedade, matéria sob competência legislativa da União Federal. Mas e a competência legislativa concorrente do Estado sobre matéria consumerista? Plataformas petrolíferas devem ser construídas no País ou no exterior? Estatizar ou não um banco em problemas graves? Estender o prazo de tratamento tributário (subsídios) diferenciado à Zona Franca de Manaus ou não? O que fundamenta estas resposta? Quando há nacionalismo econômico e social e quando a opção é realmente necessária para realizar princípios normativos constitucionais? Como intervir eficientemente na atividade econômica após a crise financeira internacional de 2008? Este tema, aliás será o principal para a demonstração da nova técnica que se propõe de realização dos objetivos do Estado. E, através desses exemplos, evoluiremos para o limite constitucionalmente fundamentado da atuação do Estado em restringir o ato particular, em prol da eficiência do mercado, do desenvolvimento nacional e do bem de todos. Procuraremos demonstrar que o Estado não deve ser apático nem onipresente, mas deve ser presente o suficiente para garantir o dinamismo e o funcionamento das instituições públicas e privadas, reservar aos particulares tanto espaço quanto estes sejam capazes de preencher em ordem e fazer-se presente nos espaços em que isto não é possível ou em que a ordem é insuficiente para o desenvolvimento do próprio mercado, considerando-se todas as atividades econômicas encerradas nele, para o desenvolvimento nacional e para a promoção do bem de todos.
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Neste sentido, Heloísa Carpena Vieira de Mello, em artigo intitulado “a boa-fé como parâmetro da abusividade no direito contratual”, in Problemas de Direito Civil-Constitucional (op.cit., fls. 312), evidencia conceito plenamente aplicável ao nosso trabalho, quando trata da intervenção estatal em face da anomalia em relação contratual que impede a realização da teleologia da relação jurídica. Assim, analogamente, o será em todos os demais campos em que se expressa e exercita a liberdade: “Permita-se frisar que a intervenção estatal nos domínios privados tende não a uma restrição mas à própria preservação da liberdade. Este pensamento é partilhado por Enzo Roppo, ao analisar a posição do predisponente nos contratos standard. Impondo unilateralmente as condições da contratação, a parte ‘forte’, freqüentemente o empresário expande e potencializa sua liberdade, graças à sua posição economicamente dominante, ‘à custa da liberdade contratual da outra’.”
Observe-se que isto ocorre também entre empresários, dentro de relações jurídicas diretas, ou em face de abuso do direito da concorrência. Isto é bom para a própria economia? Isto é bom para o empresário predado? Isto é bom para o mercado consumidor? Isso facilita o desenvolvimento social e a promoção do bem de todos? Facilmente a resposta é um sonoro não. Mas como atuar, limitando sem exceder este poder e no sentido de realizar o bem comum? Em recente entrevista para a “Mídia Jurídica Mural” (periódico n. 48, de janeiro de 2008), a mesma jurista Heloísa Carpena defende um estreitamento entre o Direito da Concorrência e o Direito do Consumidor: “Essas duas áreas se encontram naturalmente. Porém,
26 Mário César Pacheco se houvesse uma política comum para a condução dos destinos do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e dos órgãos de proteção ao consumidor haveria a compreensão do Direito da Concorrência como um aspecto da proteção do consumidor.”
A idéia que nós apresentamos é a busca de meios para se realizar a dinamização dos meios de controle dos abusos negociais, em prol da realização do desenvolvimento nacional e da promoção do bem comum, dentro dos limites da ordem democrática. É a busca por dotar o Estado de meios indutores, interventores, regulatórios e punitivos, através da pesquisa sobre o grau e intensidade adequada de sua presença e atuação em sociedade, o que passa pela análise de novos conceitos, novas técnicas e contraposições de idéias e técnicas com inter-relacionamento de matérias, como propôs, em seus contornos próprios, a ilustre Procuradora de Justiça. O resultado final da obra revela uma nova filosofia de atuação do Estado em sociedade. Esta nova filosofia se desprende das amarras conceituais do liberalismo tanto quanto do socialismo, para sugerir a realização de um Estado Plástico Ideal que cresça sua presença e atuação tanto quanto em dado momento histórico seja necessário. Este mesmo Estado Plástico Ideal deve minorar e se excluir da vida social tanto quanto seja possível em outro dado momento histórico desta mesma sociedade. Tudo com vistas à realização da vontade social e à garantia da efetividade das normas contistucionais e à busca da plenitude da eficiência do Estado realizando em prática o Estado Conformacional proposto.
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capítulo 1
DOIS MODELOS PREPONDERANTES DE ESTADO
Não há dúvidas sobre os dois principais modelos de Estado: Estado Mínimo Liberal (calcado em Adam Smith) e Estado Máximo Socialista (calcado em Karl Marx). Deixando as variações de apresentações desses dois vetores maiores da organização e orientação político-econômica do Estado, tais como a diferenciação de regime comunista do socialista, totalitário do democrático, liberal do social-democrata, os quais apresentam nuances sobre aquelas duas idéias básicas, o fato é que como matéria base para todas essas discussões de orientação política do Estado sempre se volta para as duas idéias modernas de concepção de orientação econômico-sócio-política apresentada acima e que denominaremos simplesmente de Estado Liberal e Estado Socialista. A despeito da vetusta tipificação apresentada, para fins deste trabalho ela é mais que satisfatória, eis que o objetivo não é aprofundamento em teoria política ou teoria econômica, mas simplesmente a captação da macro-orientação econômica e política de forma a justificar uma atuação estatal compatível com a realização dos preceitos previstos na Carta Política, em especial no que diga respeito a “garantir
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o desenvolvimento nacional”, consoante o artigo 3º, II, da CF/88 e o de “promover o bem de todos”, elencado a seguir, nos termos do inciso IV, do artigo 3º, da CRFB. Mas essas macro-orientações econômicas definem, per si, o Estado? Definem as finalidades e objetivos do Estado? Balizam absolutamente a teleologia da conduta admissível ao Estado quanto à sua intervenção na esfera privada? O questionamento quanto às razões da organização do Estado para se apreender o objetivo desta organização, o que nos autorizará desenhar os limites da atuação interventora do Estado, carece de uma digressão histórica direcionada. Os compêndios sobre Teoria do Estado normalmente qualificam o Estado a partir de classificações pré-concebidas (Estado Teocrático, Estado Absolutista, Estado Democrático de Direito, Estado Liberal, Estado Socialista, Estado Comunista, Estado Totalitário), mas não abordam as dificuldades práticas de cada modelo, nem procuram enfatizar a teleologia do Estado, consoante as condicionantes que cada sociedade desenvolve para a realização desse fenômeno social: o Estado. Não é a perspectiva sobre teoria do Estado que enfatizamos, pois muito melhor será encontrada em excelentes compêndios, como na obra de Darcy Azambuja, intitulada “Teoria Geral do Estado”, Edt. Globo, ou em “Ciência Política” de Paulo Bonavides, Edt. Forense. O nosso objetivo não é definir o Estado e suas formas de organização, mas criticar uma perspectiva social e econômica do Estado que se sobrepõe ao entendimento de suas reais finalidades sociais e institucionais, impedindo-o de realizar eficazmente suas atribuições. Procuramos, portanto, desenvolver, dentro dos limites
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apertados da proposta deste livro, esse questionamento e abordagem sobre o Estado, de forma suficiente para seguirmos o assunto com um mínimo de embasamento fático, histórico e teórico quanto às razões da organização de determinadas sociedades em forma de Estado e quais as condicionantes para sua formulação que terminem por forjar características específicas da relação entre os indivíduos e seu Estado, em especial quanto à percepção e admissibilidade social da intervenção do Estado na esfera privada.
Entre o fraco e o forte, é a liberdade que oprime e a lei que liberta.” Rousseau “A filosofia na busca da afirmação da verdade, e tão somente da verdade, percorre um caminho que atravessa frontalmente idéias socialmente estabelecidas.” Barrows Dunham “A maioria das pessoas não deseja tanto alcançar a verdade quanto encontrar razões que apóiem seus preconceitos favoritos.” John Hospers “(...) que os indivíduos que estiverem sob seu governo sejam os mais felizes do mundo; (...) Enfim, que toda a província saiba que o bem-estar, os filhos, a reputação e as riquezas de todas as pessoas sob seu governo são objeto de sua mais profunda devoção.” Marco Túlio Cícero
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