Lona - Edição nº 412

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Curitiba, sexta-feira, 4 de julho de 2008 | Ano IX | nº 412 | jornalismo@up.edu.br | Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Positivo

Edição Especial

CULTURA POPULAR EM CURITIBA

Prefeitura mantém programas de incentivo à produção cultural Página 7

Hip-hop representa oportunidade de reflexão sobre a sociedade Página 4

Originário de Pernambuco, Maracatu é uma das grandes atrações da Rua XV Página 6

Festas, religião e folclore marcam a cultura tradicional caipira Foto: Flávio Freitas Montagem: Antonio Senkovski

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RIO Á I D do

L BRASI


Curitiba, sexta-feira, 4 de julho de 2008

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Edição especial

Existe espaço em Curitiba para a cultura popular?

Curitiba é uma mistura de pessoas e de culturas. A “guerra” em prol das manifestações artísticas é travada num ambiente de constantes transformações e disputas. Os “soldados” das batalhas não trajam fardas. Em vez de espadas, viola caipira; no lugar das fardas, o traje das danças; substituindo o ataque, o hip-hop e o grafite. “Armas” para a vitória não faltam. O que falta, muitas vezes, é espaço para a cultura popular. Esta edição especial do LONA traz matérias sobre a cultura popular elaboradas por alunos da disciplina de Antropologia do curso de Jornalismo da UP. O objetivo foi buscar respostas para a seguinte questão: como se manifesta a cultura popular na cidade?

Marion Ceschini

Quem é o povo curitibano? Que tipo de cultura ele produz? Uma sociedade tipicamente burguesa, que se importa com a aparência acima de tudo. O importante é o que parece ser. Mas se boa parte

cultura se, em Curitiba, é difícil interagir com este povo que não é aberto a isso? Os geradores da cultura do povo representam a minoria na capital paranaense, por isso os espaços voltados para eles são poucos, pouquíssimos. O Espaço Calamengau, por exemplo, é um dos focos de cultura popular em Curitiba, mas, como já era de se esperar, o proprietário não é daqui. Ele trouxe do Ceará uma concepção de cultura, da qual todos participam, e, com muita dificuldade e insistência, conseguiu manter-se aqui. O “Ceará”, dono do Calmengau, é uma prova de que não há espaço para a produção de cultura popular em Curitiba. Talvez a “importação” seja aceita, mas ainda assim, com bastante dificuldades. É só contabilizar quantas casas noturnas padronizadas existem e quantos espaços culturais voltados para a diversão do povo podem ser encontrados aqui. Infelizmente, Curitiba não cede lugar para que o povo desenvolva sua própria cultura. É bem mais fácil e moderno importar, não é?!

de divulgar e mostrar a cultura paranaense. O que falta em Curitiba não são oportunidades para a manifestação da cultura popular e sim incentivo para que os próprios curitibanos saibam em que locais encontrar esse tipo de arte. Falta publicidade, apoio e divulgação desse tipo de manifestação considerada por muitos apenas como um tipo de arte que não merece ser valorizada. Curitiba é sinônimo de cultura. O teatro, a dança, a música e o artista popular encontram palcos para se apresentar. Às vezes, um palco sem um grande público, mas ainda assim sempre existem olhares atentos aos talentosos artistas que permeiam o cenário cultural da cidade. Quem anda pela cidade e se depara com alguma forma de arte presencia um

museu a céu aberto. A manifestação popular está nas praças, nos muros, nos museus e na essência de Curitiba. Ainda que vista com olhares preconceituosos, a arte popular tem suas forças em uma cidade repleta de pessoas que sobrevivem da arte e vêem nela uma boa maneira de divulgar a alma brasileira. Enquanto Curitiba investir em teatro, música e cultura em geral, mais artistas continuarão vendo a cidade como um grande centro de cultura popular e mais pessoas que por aqui circulam terão o privilégio de encontrar aqui o talento de muitos ainda anônimos.

Desinteresse e preconceito Phillipe Halley

A cultura afro-brasileira tem diversas facetas. Rica por sua diversidade, a arte negra sofre com o desconhecimento e certo desinteresse da população. Inúmeros fatos poderiam levar a cultura afro a uma valorização devida: o Brasil é o país fora da África com o maior número de negros. Boa parte de nossa formação racial provém da miscigenação com a raça negra. O descaso do brasileiro não diz respeito apenas à falta de interesse pela arte negra. Trata-se de uma visão preconceituosa aliada a uma educação cultural que não privilegia as manifestações regionais artísticas. Isso é observado facilmente na cultura negra nordestina, em especial a do estado de Per-

nambuco. O que a geração atual pode fazer para manter viva e disseminar essas reproduções artísticas? A busca em conhecer a história do negro no país seria o primeiro passo. Dessa forma, com o conhecimento, muitas adversidades seriam minadas de nosso cotidiano, bem como do imaginário de algumas pessoas, além do descaso e preconceito. A procura pelas raízes afro no Brasil leva a entender a importância dessas manifestações e sua representatividade, tanto na cultura negra, como na própria formação da identidade cultural brasileira. Respeito, conhecimento e compreensão são as soluções para o entendimento da figura do negro e de suas diversas expressões culturais em nosso país. Axé!

Expediente Reitor: Oriovisto Guimarães. Vice-Reitor: José Pio Martins. Pró-Reitor Administrativo: Arno Antônio Gnoatto; Pró-Reitor de Graduação: Renato Casagrande;; PróReitora de Extensão: Fani Schiffer Durães; Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa: Luiz Hamilton Berton; Pró-Reitor de Planejamen-

to e Avaliação Institucional: Renato Casagrande; Coordenador do Curso de Jornalismo: Carlos Alexandre Gruber de Castro; Professores-orientadores: Elza Aparecida e Marcelo Lima, Eliane Basilio de Oliveira (nesta edição); Editores-chefes: Antonio Carlos Senkovski e Karollyna Krambeck

O LONA é o jornal-laboratório diário do Curso de Jornalismo da Universidade Positivo – UP Rua Pedro V. Parigot de Souza, 5.300 – Conectora 5. Campo Comprido. Curitiba-PR - CEP 81280-330. Fone (41) 3317-3000

Missão do curso de Jornalismo “Formar jornalistas com abrangentes conhecimentos gerais e humanísticos, capacitação técnica, espírito criativo e empreendedor, sólidos princípios éticos e responsabilidade social que contribuam com seu trabalho para o enriquecimento cultural, social, político e econômico da sociedade”.

Cartaz do “Forró Calamengau”

Júlia Mariotto

Andar pelos bairros centrais ou realizar um passeio dominical pelo centro de Curitiba pode ser uma diversão. São calçadas repletas de música indígena, artistas de vários locais do Brasil trazendo à cidade um pouco de cada pedaço do país. Além das artes que vemos por aí, existem locais que apóiam manifestações da arte popular, como a Casa de Cultura, o Festival de Teatro em Curitiba e a Feira do Largo da Ordem. São locais em que diversas tribos, opiniões, gostos e desgostos encontram-se e se manifestam livremente. Além desses eventos que estão sempre pela cidade, já passou pela cidade uma feira voltada a cultura popular, crendices e lendas, com o intuito

NÃO

dos curitibanos faz parte da classe burguesa, os espaços abertos à cultura, serão, naturalmente, voltados para uma produção elitizada. Se a cultura popular é o resultado de uma interação constante entre pessoas de diversas regiões, como é possível desenvolver este tipo de

SIM


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Música

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Seja universitário ou pé-de-serra, o forró está em todos os cantos e resiste há 60 anos

Entre a tradição e a modernidade Bárbara Gazola Marion Ceschini

No lugar do carrinho de madeira, uma sanfona. Sanfonas inventadas com latas, tijolos, jornais ou papelão, não importa. Lino de França, 47 anos, forrozeiro, é a prova viva de que em casa de ferreiro, o espeto é de ferro mesmo. Com um pai compositor, cantor e sanfoneiro, a música começou a fazer parte da vida de Lino muito cedo. Natural do Estado de São Paulo, assim que começou a carreira, o músico passou a viajar pelo Brasil e percebeu que não era o único apaixonado por este ritmo que reflete o calor e a alma brasileira: o forró. Este estilo musical tão rico historicamente está na boca do povo, seja dos senhores ou dos jovens, e, até mesmo, daqueles que encontram na música a melhor forma de demonstrar algum sentimento. Não importa idade, estado, nem raça. O forró, definitivamente, se popularizou e tomou conta tanto dos espaços culturais gelados da Região Sul, quanto dos bares quentes do Nordeste.

do cliente” escolher a explicação mais plausível para a origem do forró. Seja derivada do forrobodó ou do for all, a palavra passou a ser referência de uma expressão musical, usada para definir tanto o baile dançante como as muúsicas tocadas nele.

Brasileiro que só ele! O forró mantém-se presente no cenário musical há cerca de 60 anos. Caracterizase como elo entre o tradicional e o moderno, o sertão e o urbano. Tudo isso desde que Luiz Gonzaga chegou ao Rio de Janeiro, fez um enorme sucesso com o bailão e lançou este gênero como sinônimo de um conjunE o filho, é de quem? Duas teorias “disputam” a to de ritmos do origem do forró. A primeira, ado- sertão como o tada pela Enciclopédia da Mú- xote, o xaxado e sica Brasileira, afirma que se o arrasta-pé. A mútrata de uma derivação do ter- sica de Luiz Gonzamo africano Forrobodó, que, o ga vai remeter e consDicionário Aurélio explica como truir a imagem do sertão nordestino, sendo “arrastalembrando, pé, confusão, O forró é o elo ao sertadesordem”. Já a nejo mientre o tradicional segunda teoria grante afirma que for- e o moderno, o do sul, a ró deriva do época em sertão e o urbano termo “for all”, que morava na introduzido no sua terra natal, Brasil no início do século XX, confortando sua saudade e conquando alguns engenheiros britribuindo para o fortalecimentânicos se instalaram em Perto do regionalismo cultural do nambuco para construir a ferNordeste. rovia Great Western. Estes inGonzaga, o Rei do Baião, é gleses faziam bailes e colocavam para o forrozeiro Lino de Franplacas indicando que a entrada ça a razão da sua paixão pelo era permitida para todos (em inforró. “Entendo que ele conseglês: for all). Nestas festas esguiu ao longo de sua arte o que cutavam-se ritmos que se padeveria ser o maior desejo de reciam muito com o forró atutodo artista: ser simples e, ao al. Como nenhuma das teorias mesmo tempo, completo”. Eé foi comprovada, fica ao “gosto

por este motivo que Lino tem certeza de que o forró corre nas suas veias, levando-o sempre para onde o ritmo quiser. E quem diria que a fria e individualista Curitiba seria palco para a primeira apresentação de Luiz Gonza-

g a como cantor, em 1946? Depois dele muitos outros forrozeiros passaram por aqui na difícil tarefa de instaurar e firmar o forró na capital paranaense. Não foi fácil, mas vencidos pela insistência de Maérlio Barbosa, o “Ceará”, os curitibanos passaram a gostar deste gênero que virou a marca registrada da primeira casa típica de forró da Ccdade.

Curitiba nordestina Para quem nunca havia pensado em ser forrozeiro, ser criador e responsável por uma casa cujo ponto forte é o forró, foi uma ironia na vida de Ceará. Nascido em Juazei-

ro do Norte, o apelido não o deixa mentir que tudo que faz em Curitiba, tem um “quê” de Nordeste. “Procuramos sempre manter as tradições dos forrós, a começar pela nossa opção de fazer o forró-de-pé-de-serra, ou seja, o forró de raiz”, explica. Além do forró de raiz, o Espaço Cultural Calamengau segue à risca as tradicionais fes-

tas juninas, com bandas nordestinas, quadrilhas improvisadas, quentão e muita gente vestida de caipira. Apesar do costume de vertir-se de caipira, o curitibano não é muito adepto aos trajes típicos, que chamem atenção. Mas Ceará conta que o público daqui recebeu muito bem o forró, porque este ritmo “é muito envolvente e fala direto ao coração brasileiro”. Pode ser surpreendente, mas o cearense diz ainda que o curitibano dança o forró mais ao modo dos nordestinos do que os mineiros, cariocas ou paulistas. O segredo para essa mistura cultural dar certo? A resposta de Ceará é a tradição. “Não aceitamos os modismos e talvez isto tenha sido a chave da nossa aceitação, pois moda passa e quem a faz passa junto com ela. Já quem faz coisa boa e de raiz sempre é lembrado e vai ficando, nem que seja teimando, mas fica”. Além disso é importante lembrar que o povo curitibano é muito exigente em matéria de música, mas quando gosta, gosta e ponto. “No início eles ficaram ‘meio cabreiros’, para usar um termo daqui, mas depois de feito o primeiro contato, foi só correr pro abraço e pra paixão”, brinca Ceará. Para o grande responsável pela ligação entre Nordeste e Curitiba, o forró não é só um ritmo gostoso que reflete toda a história cultural do Brasil, “ele fala à minha alma, ele diz da minha vida, da minha terra, da minha gente, das minhas dores e da minha alegria”, completa. O prestígio que o forró tem faz com que alguns grupos usem o termo como garantia de qualidade, mesmo que estes não apresentem muitas semelhanças com o original, como é o caso das novas músicas e bandas de forró eletrônico. Mas o essencial em perceber o forró é saber valorizar as pontes que este gênero conseguiu firmar entre a realidade précapitalista e capitalista, rural e urbana, sulista e sertaneja.


Curitiba, sexta-feira, 4 de julho de 2008

4 Comunidade

Artistas do hip-hop levam conscientização para jovens pobres das grandes cidades

Na batida da periferia Priscila Mello Riane Marcondes Tiago Alexandre

As primeiras manifestações da dança de rua surgiram em 1929, através dos negros inseridos nas metrópoles norte-americanas. Encontravam-se inseridos em uma sociedade desigual, cheia de conflitos e preconceitos. Era uma época difícil de conseguir empregos, muitos achavam que fazendo “shows” nas ruas poderiam ganhar um trocado para sobreviver. Foi assim, que já no final da década de 60, surgiu o movimento cultural chamado hip-hop. O movimento teve seu início no sul do Bronx, em Nova Iorque, pelas equipes de bailes norte-americanas com o objetivo de apaziguar as brigas dos jovens negros e hispânicos agrupados em gangues. Seu nome tem origem nas palavras hip (quadril, em inglês) e hop (saltar, em inglês). Logo, a expressão hip-hop (saltar balançando o quadril) se referia ao break, a dança mais popular da época. As equipes organizavam bailes e festas de quarteirões nas ruas, nos ginásios e nos colégios, incentivando os jovens a dançarem o break em vez de brigarem. A idéia principal era e ainda é: haver uma disputa com criatividade. Não com armas: uma batalha de diferentes (e melhores) estilos, para transformar a violência insensata em energia positiva. Além disso, o movimento é também uma forma de reivindicação de espaço e uma forma de comunicação das periferias. Bruno Ventura, cantor de hip-hop, disse uma vez: “O hiphop não pode ser consumido, tem que ser vivido (não comprando roupas caras, mais sim melhorando suas habilidades em um ou mais elementos dia a dia). É um estilo de vida... Uma ideologia... uma cultura a ser seguida”... O Dj Kool Herc é por toda parte conhecido e respeitado como o “pai” da cultura hip-hop. Ele contribuiu e muito para seu nascimento, crescimento e de-

senvolvimento. Nascido na Jamaica, ele imigrou em 1967 (aos 12 anos de idade) de Kingston para Nova Iorque, trazendo seu conhecimento sobre a cena de sound system (sistema de som, muito tradicional na Jamaica, É um equipamento de som muito potente ligado na rua para atrair as pessoas). O movimento chegou ao Brasil na década de 80, formado pelos jovens negros e pobres das periferias, sob forma de protesto contra o racismo, a miséria e a exclusão social. Seu ponto de partida foi na cidade de São Paulo, nos tradicionais encontros da rua 24 de Maio e do metrô São Bento, de onde saíram muitos artistas reconhecidos. Mas foi em 1984 que a mídia propagou em massa a chegada desse movimento, retratando em seu cotidiano a cultura hip-hop, inserindo-os em jornais, revistas, comerciais, documentários, filmes. Para muitos jovens, essa cultura forneceu uma nova oportunidade, fazendo a sociedade refletir e reanalisar a situação da desigualdade existente no país. Isso se difundiu em vozes cantadas dentro dos presídios, nos grafites e até mesmo no modo de se vestir da juventude. O primeiro curso de Dança de Rua do Brasil surgiu em Santos, em 1991. Foi fundado pelo coreógrafo e bailarino Marcelo Cirino, e logo foi ganhando espaço no cenário cultural. Conseguiu apoio da Secretaria de Cultura da Prefeitura da cidade, e então, virou um projeto de repercussão mundial. O projeto pretende ganhar espaço na mídia, como grupos de música por exemplo, mostrando a arte e valorizando a cultura nas periferias. Segundo Marcelo Cirino, em entrevista para o site NetBabilons, “Estão faltando empresários que apostem na dança, para valorizar a dança como acontece nos países de primeiro mundo. Em nosso país falta uma boa política em favor da arte e da cultura”.

Elementos Atualmente o conjunto de elementos que formam a cultu-

Sonner M.C.

Grafiteiro em ação do centro de Curitiba: trabalho às vezes é confundido com pichação ra hip-hop são o rap, o grafite e o break. Esses elementos reúnem diferentes manifestações artísticas, tendo sua base na vontade de um futuro melhor. O rap é uma abreviação dada para ritmo e poesia. Sua principal característica são suas letras, que tratam de problemas de desigualdade e questões do dia-a-dia da comunidade das periferias, como explica o músico de rap Gustavo R. F. Corrêa, de 25 anos. Cadelis diz que quando cria seus raps é motivado por suas idéias, sua maneira pessoal de levar a vida, e também nos seus relacionamentos com as outras pessoas. Ele lamenta a falta de apoio para a divulgação desse gênero musical por parte das iniciativas privadas ou públicas. “Existe apenas os espaços que nós artistas da cena nos propomos a criar, seja fazendo festas ou eventos, mas tudo é feito por nós mesmos, não existe muito apoio externo”. O músico ainda acrescenta: “O incentivo só vem em ano eleitoral, e não ajuda a fortalecer as bases da cena. Muitas vezes, é apenas um dinheiro jogado, em mãos erradas, para pessoas que fazem festas

pra benefício próprio”. Quando se questiona a questão do preconceito sobre o rap por parte da sociedade, Cadelis fala de que maneira isso ainda existe e como esse cenário já mudou bastante nos dias de hoje. “A sociedade ainda tem preconceito porque no início, o rap era mais difundido como um som de periferia, em que as letras na grande maioria falavam da violência dos bairros pobres e da vida do crime. Mas o rap hoje não tem mais essa obrigação de ser social, não há a necessidade de um comprometimento além da música, existem raps muito bons hoje que não falam de crime, mas ainda assim nos dão uma boa visão da realidade do país. Ha muito mais liberdade na hora de escrever uma letra”.

Maneiras de ver o mundo Apesar de ter mais de 40 anos de história, o grafite não é considerado arte. Este estilo de vida reflete uma forma de se expressar contrária àquilo que a sociedade prega. Muitas vezes esse movimento é associado ao vandalismo. O grafite é a pintura em muros através de desenhos. Estes desenhos pro-

curam fazer alusão à determinada situações da sociedade. “Grafite é arte, sim”, é dessa forma que o grafiteiro Bruno Fernandes define aquilo que faz. Porém ele complementa dizendo que existem grafiteiros e grafiteiros: “Uns realmente são pichadores e por causa de atitudes como essa, o grafite é visto como vandalismo”. Em sites de relacionamentos, os grafiteiros compartilham suas obras, trocam idéias e chegam até marcar encontros. “Através da internet está sendo possível fazer com que cada vez mais pessoas venham conhecer o que é o grafite e como são os grafiteiros. É interessante ver que várias pessoas têm a visão distorcida do que é a arte do grafite”, afirma João Thiago. Através de suas pinturas os grafiteiros expressam a maneira de ver o mundo naquele momento. Dentre estas pinturas destacam-se o grafite hip-hop e o grafite acadêmico. “Cada um tem seu estilo... seu jeito de contar através do desenho aquilo que sente. No entanto, devido à paixão que o grafite traz, todos se tornam iguais”, como comentou Bruno Fernandes.


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Políticas públicas

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Prefeitura incentiva a produção cultural por meio de leis de renúncia fiscal

Boas idéias podem sair do papel bam prestígio e recursos para sua realização. Ele acredita que Bruna Gorski boas parcerias podem ser feitas entre a municipalidade e a FCC Camila Dietzel por meio de projetos de fomento Glaucia Canalli à cultura. Os projetos escolhiLuisa Barwinski dos precisam ter algum viés social, ou seja, precisam beneficiar a sociedade. Cidade marcada pela misciRodrigo Montanari, jornalisgenação étnica, Curitiba é tamta e baixista da Banda Oaeoz,já bém uma mistura de culturas. participou com a banda, do proAs manifestações culturais prejeto Grande Garagem (ou Gasentes na capital são reflexo ragem que Grava), que reuniu dessa “mistura de gente”. “Dá algumas bandas de destaque no para falar de cultura quando se cenário curitibano. Mas ele tem abertura. Abertura ao que acredita que esses incentivos da é do outro. Essa mistura é muiFCC não são o to importante. suficiente para a Diminui a dis- Publicar um livro, promoção da culcriminação, tura. “O critério aumenta a in- lançar um CD ou de escolha não clusão social, realizar uma leva tanto em as relações soconta a qualidaciais são mais exposição não é de do projeto a intensas. Você barato e as leis de ser realizado. A não pode ficar prioridade é do fechado no seu incentivo são uma apelo social que mundinho”, maneira de o projeto tem”, afirma Antonio explica o músiLiccardo, geólo- viabilizar isso co. go e fotógrafo, A FCC tamque teve vários projetos subsibém possui convênios com a inidiados pelas leis de incentivo à ciativa privada, que possibilicultura, tanto municipal quantam exposições de projetos reato federal. lizados através da Lei de IncenPara muitas pessoas pensar tivo à Cultura. Esses espaços em termos de cultura é algo que podem ser casas noturnas, ressuscita muitas dúvidas. Antonio taurantes, galerias. Os espaços diz que a “cultura” fugiu do seu públicos também são privilegialcance: “Cultura na minha opiados. Parques como o Barigüi nião era a expressão de um povo, são bastante cotados para que das pessoas. Não é mais isso faz esses eventos aconteçam. Mas tempo. No mundo moderno, culpara a realização de eventos tura virou algo globalizado, esculturais em ambientes abertos quisito. Para mim, a cultura é é preciso cuidar com a poluição a expressão de quem tem algo a sonora, preservação ambiental, dizer. Alguma vivência, experibem como diversas exigências ência, um conteúdo importante da secretaria do meio ambienpara ser apresentado e comparte. tilhado com os outros, como Reinaldo Piloto, engenheiro uma idéia bem construída”. do Departamento de Parques e Praças da Secretaria Municipal Fundação Cultural do Meio Ambiente, acredita que José Roberto Lança, diretor a ação conjunta entre a cultura de ação cultural da Fundação e o meio ambiente são bastante Cultural de Curitiba, afirma positivas, desde que respeitem as que “a função da entidade é criexigências da Secretaria. ar políticas públicas de fomento, fusão, de incentivo e acima Promoção da Cultura de tudo de democratização da Profissionais de diferentes cultura”. De acordo com o direáreas têm a oportunidade de tor, esses incentivos existem divulgar suas idéias em livros, para que os projetos culturais sem ser um literato e sem a promovidos pelas pessoas recepretensão de que este torne-se

Divulgação FCC

Anny Zimermann

O Teatro do Piá conta com apoio da Fundação Cultural de Curitiba um best-seller. Qualquer pessoa que tenha uma boa idéia tem a oportunidade de materializá-la. “Agora está mais fácil de pessoas de outras áreas, não ligadas à ‘cultura pura’, se é que existe esse terno, realizarem projetos. Antes, se você não era poeta, literato, do teatro, da cultura clássica, havia uma certa discriminação”, diz Liccardo. Para o fotógrafo e geólogo, é viável para as empresas investirem nesse incentivo cultural. “Ela não paga uma parcela do imposto e ainda sai com a marca social da empresa vinculada a um produto que tem boa visibilidade. No caso de patrocínio aos livros, é uma forma de mídia duradoura”, comenta. Antonio defende que as leis municipais de incentivo à cultura em Curitiba são modelo em todo o Brasil, desde que os projetos apresentados sejam bem elaborados: “Tem um edital. Eu cumpro esse edital. Faço o levantamento de orçamentos reais e apresento um trabalho claro e enxuto. Isso facilita a aprovação”.

No Brasil De acordo com o site do Ministério da Cultura, “a Lei Rouanet, instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC), canaliza recursos para o desenvolvimento do setor cultural, com as finalidades de estimular a produção, a distribuição e o acesso aos produtos culturais (CDs, DVDs, espetáculos musicais, teatrais, de dança, filmes e outras produções na área Audiovisual, exposições, livros nas áreas de Ciências Humanas, Artes, jornais, revistas, cursos e oficinas na área cultural, etc); proteger e conservar o patrimônio histórico e artístico; estimular a difusão da cultura brasileira e a diversidade regional e étnicocultural”. Publicar um livro, lançar um CD ou realizar uma exposição não é barato e as leis de incentivo são uma maneira de viabilizar isso. “Criei uma série de produtos e resultados positivos com esses incentivos municipais e federais. Acho que foi muito produtivo. É essencial a vontade querer fazer um bom projeto”,

argumenta o Liccardo. Espaços culturais Espaço para a exposição de obras de artistas plásticos, designers, escultores, o Museu Oscar Niemeyer destaca-se por sua arquitetura moderna. Quando se fala em cultura, logo vem à mente dos curitibanos, o teatro. Talvez por esse motivo, esse gênero artístico seja um dos mais influentes na cidade. Um dos maiores e mais importantes teatros da América Latina, o Teatro Guaíra é palco de manifestações artísticas e culturais de peso na Cidade, como a Orquestra Sinfônica do Paraná, referência de música clássica nacional e o Balé Teatro Guairá. Além disso, também possui uma companhia e uma escola de dança. A Fundação Cultural de Curitiba e a Secretaria da Cultura do Paraná são em geral os mantenedores dos espaços de arte na capital. Podese citar a Casa Andrade Muricy, Casa de Artes Helena Kolody, Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Solar do Rosário, entre outros.


Curitiba, sexta-feira, 4 de julho de 2008

6 Outros ritmos

Grupos cantam e dançam o Maracatu e outras expressões no centro de Curitiba

Espaços preservam cultura popular Bruno Duda Phillipe Halley Raphael Brambilla Rodrigo Ferraz William Vesely

Entre as diversas manifestações culturais de origem africana encontradas em Pernambuco está o Maracatu, uma das inúmeras danças dramáticas brasileiras. De acordo com Leonardo Dantas Silva, autor de um artigo sobre o Maracatu de Recife, essa prática teve origem na coroação dos reis e rainhas negras patrocinadas pelas irmandades de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedido, que existiam no Brasil desde século XVI, promovidas pela própria administração colonial portuguesa. No Recife, o costume iniciou quando foram feitas as coroações de soberanos do Congo e de Angola, na igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos da Vila de Santo Antônio do Recife. As práticas das danças dramáticas, originalmente consentidas pela administração colonial, podem ter sido criadas para impor um controle simbólico sobre as populações negras, haja vista que elas possuíam hierarquias carregadas de ideologias. Se o objetivo original era de incentivar os negros a realizarem as coroações para criar hierarquias e facilitar o controle dos mesmos, na prática, não foi esse o sentido utilizado pelos escravos. O fato do festejo do Maracatu ocorrer em ocasiões onde os negros embarcavam de volta a África é mais um indício de que o sentido para os descendentes africanos estava completamente dissociado da questão ligada a uma santa católica, e sim ligado a uma luta por liberdade e desejo de voltar à terra natal. O nome Maracatu primeiramente estava ligado ao instrumento de percussão que acompanhava o cortejo real e mais tarde foi utilizado como termo pejorativo aos negros.

Atualmente, a manifestação é conhecida como Maracatu Nação ou Maracatu de Baque Virado, uma diferenciação ao Maracatu Rural, que possui influência indígena. Ao todo, são mais de 30 personagens que compõem o Maracatu. Entre eles estão o porta-estandarte, a dama do paço, o rei e a rainha, vassalo, as figuras da corte (príncipes, ministros, e embaixadores), as damas da corte, as yabás e os batuqueiros. A cidade de Nazaré da Mata, com aproximadamente 30 mil habitantes e distante 65 quilômetros da capital Recife, é considerada a “Terra do Maracatu”. A cidade possui 17 grupos e, durante o carnaval, é sede do maior encontro de maracatus do estado de Pernambuco, com mais de 50 grupos que vão às ruas para homenagear os orixás.

Em Curitiba Porém, não é necessário ir até Pernambuco para assistir uma apresentação de Maracatu. Em Curitiba existem pelo menos seis grupos artísticos que fazem essa manifestação da cultura popular brasileira. Um exemplo de grupo que expressa o Maracatu é o Grupo de Música e Dança Brasileira Boizinho Faceiro. Maria Cristina, integrante do grupo desde 2002, acredita na importância de difundir as manifestações culturais nordestinas. “Fomos pioneiros na arte do Maracatu em Curitiba. A divulgação dessa manifestação contribui, e muito, para a cultura da cidade e das pessoas que vivem aqui”, completa. Em Curitiba, o grupo se apresenta em vários espaços, juntamente com outros movimentos da cultura e dança popular. O Boizinho Faceiro está sempre no Calamengau, na Sociedade Treze de Maio e, na última sexta-feira de cada mês, na Rua XV de novembro. O cortejo no centro da cidade começa geralmente às 19h ao lado do Bondinho e segue até a Praça Santos Andrade com muita dança, música e brincadeiras da cultura nordestina.

Curitiba com samba no pé Divulgação

Juliane Silva Rafaela Barros Rebeca Alcântara Renata Penka

“Em Curitiba não existe Carnaval.” Esta é a frase que mais se ouve quando a data comemorativa está chegando. Isso porque a capital paranaense não é o foco de investimento em grandes atrações como desfiles e bailes de Carnaval. Ao contrário, o que acontece é um pequeno desfile na Avenida Cândido de Abreu, com a participação de 10 escolas de samba. A Fundação Cultural de Curitiba é responsável por toda a infra-estrutura necessária ao desfile da avenida: água, luz, sistema de som, arquibancadas e banheiros químicos. As atrações que mais movimentam o carnaval curitibano são na verdade os espetáculos que acontecem na época. A capital “moderna” do Brasil ainda preserva algumas figuras que caracterizam o carnaval, típico de uma cidade provinciana. Aqui é possível encontrar ainda o Rei Momo, com todo seu excesso de peso e elegância, e a exuberância da Rainha da Bateria. A escolha dos dois símbolos acontece sempre durante festa na antiga Sociedade 13 de Maio. O Perfil das figuras? Pessoas comuns que transitam em nosso meio livremente, sem o alvoroço da fama ao seu redor. O Rei Momo de 2008 foi Emilson Taborda, 51 anos, tem 136 quilos e é taxista. Já a Rainha chama-se Márcia de Souza, 43 anos, artista plástica, mãe de sete filhos e avó. Se a escolha dos símbolos carnavalescos é democrático, o que falar então de um

desfile que consegue englobar uma escola de samba religiosa, Jesus Bom a Beça, que busca pregar por meio do samba, e um bloco, Dignidade, que trabalha com gays, lésbicas e transformistas. Se o povo curitibano é acolhedor ou não, já é outra discussão, porém, pelo menos no carnaval aqui, essas diferenças são deixadas de lado. Tudo em nome da folia. A folia curitibana começou com bailes nas sociedades da década de 1960, quando os desfiles aconteciam na Marechal Deodoro. Os curitibanos participavam massivamente da manifestação cultural. Algumas exuberâncias do carnaval daquela época ainda são encontradas atualmente em Curitiba, como a Banda Polaca antiga e atual atração do carnaval curitibano. Na década de 1960 aconteciam as primeiras reuniões para se formarem as escolas

de samba e a mudança de alguns blocos carnavalescos como o “Não Agite”, que até o seu término optou por deixar sua denominação como bloco. Os temas dos sambas enredo já foram os mais diversos, vão desde a plantação do Café no Estado até o cinema em Curitiba. Sambistas importantes para a cidade também marcaram a época áurea do carnaval curitibano Glauco Souza Lobo, Rubens Rolim, Paulinho Vitola, Nelson Santos, Carlos Eduardo Mattar, entre outros colaboraram para a expansão do carnaval curitibano e em especial na construção do samba-enredo das escolas de samba. Neste ano, a escola campeã do carnaval curitibano do grupo especial, foi a “Acadêmicos da Realeza”, no grupo de acesso quem ficou com o primeiro lugar foi a “Leões da Mocidade”.


Curitiba, sexta-feira, 4 de julho de 2008

Resistência

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Cultura negra se mantém em manifestações como o candomblé e a capoeira

Arte contra o preconceito Marisa Rodrigues Diego Lopes Nathalie Jaime

Sinuosa até na violência, negadora de virtudes sociais, contemporizadora e narcotizante de qualquer energia realmente produtiva, a “moral das senzalas” veio a imperar na administração, na economia e nas crenças religiosas dos homens do tempo. A própria criação do mundo teria sido entendida por eles como uma espécie de abandono, um languescimento de Deus. O trecho extraído do livro Raízes do Brasil, escrito em 1936, pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda, interpreta o processo de formação da identidade e da sociedade brasileira. A “moral das senzalas”, de que Holanda fala, apesar de sugerir a aptidão do negro àquilo que se refere ao sentimental, lânguido e dócil, busca compreender o saldo resultante do choque entre as culturas ibérica, indígena e africana. Para Holanda, o português colonizador tinha uma peculiaridade que durante muito tempo foi desconsiderada. Ele era um aventureiro, e não carregava o ideal de dominação para a consolidação de uma nova e próspera nação. Segundo o autor, eles queriam a dominação para explorar o trabalho, pois possuíam certa aversão à atividades braçais, pretendiam a riqueza sem esforço. Seus preconceitos advinham muito mais da forma do trabalho que era destinado ao escravo do que de sua etnia. Um negro que por acaso conseguisse uma ascensão social passava a ser tratado como igual, pois se livrava do serviço penoso, que só combinava com o lusitano nativo, o camponês desencorajado que não largou de suas terras para vir saquear as terras do outro lado do oceano.

Positivismo A forte repressão das manifestações culturais negras foi embrutecida com a introdução do pensamento positivista no

século XIX, que marcou o desenvolvimento da República brasileira. A teoria de Comte foi largamente utilizada pela elite brasileira, sempre com adaptações à realidade nacional. A antropóloga Lilian Moritz Schwarcz aponta em seu livro O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil como o positivismo agiu na classificação, ordenação e organização da sociedade brasileira, hierarquizando o indivíduo e colocando o homem europeu branco como único modelo capaz de superioridade e de intelectualidade no desenvolvimento do país, justificando assim a opressão ao negro e sua cultura. Os defensores dessa teoria buscavam artifícios das ciências exatas e biológicas, como a frenologia – medição de crânios e partes do corpo – para comprovar que existia uma real diferença intelectual entre as diversas “raças”.

Cultura reprimida A cultura popular negra, ainda hoje, sofre com a influência do pensamento positivista. A religião afro-brasileira, por exemplo, que foi, durante muito tempo, reprimida e proibida, ainda é alvo de preconceito e desconhecimento da sociedade. Maria José dos Santos, professora e seguidora do Candomblé, acredita que a mídia, ao invés de exercer seu papel de esclarecedora das questões sócio-culturais, ajuda a consolidar ainda mais os preconceitos já estabelecidos. “Muitas vezes sou questionada pelas pessoas. Elas me perguntam por que usamos os nomes de santos católicos nas religiões afro-brasileiras. se queremos o reconhecimento do nosso culto. Isso mostra falta de esclarecimento. O sincretismo religioso foi a forma que os negros encontraram para desviar a atenção dos repressores em um país onde a única religião tolerada era o catolicismo. Por isso, muitos orixás receberam o nome de santos católicos”. Mas essa questão dificilmente é mostrada na mídia, afirma Maria José. Ela também questiona a forma como a cultura

popular negra é difundida. “A cultura negra é vista, muitas vezes, como uma cultura exótica, de alegoria e curiosidade. São poucas as considerações feitas por parte dos meios de comunicação sobre como a influência afro na construção da identidade do brasileiro vai muito além do rebolado da negra e do batuque do samba”, completa. Para Maria José, a falta de espaço da cultura afro-brasileira na mídia e na sociedade pode ser revertida com a introdução de programas educativos nas escolas, familiarizando a criança brasileira desde pequena, com uma cultura popular à qual ela também pertence. “A ampliação do contato com a cultura negra a ajudaria a ser mais divulgada nos meios de comunicação”. A professora ainda diz que pensar em uma nação forte e desenvolvida, com a redução das mazelas e misérias sociais, sem contemplar a cultura popular, seja do negro, do índio ou do sertanejo, é impossível. “É essa a verdadeira cultura, não essa massificação artificial com que somos constantemente bombardeados. Nossa riqueza vai surgir das ruas, dos becos, das comunidades mais singelas, dos cantos mais distantes desse Brasil”.

Capoeira Falar em cultura negra e não falar de capoeira é praticamente impossível. Ela é uma das mais fortes expressões populares do país. Uma mistura de dança, luta, brincadeira e música. O berimbau, o pandeiro, o atabaque, o ganzá e o agogô são instrumentos que acompanham e dão ritmo a luta, assim como o canto e as palmas dos participantes da roda. Criada pelos escravos africanos no Brasil colonial no século XVII, ela era usada como forma de resistência aos seus opressores. Alguns historiadores acreditam que o nome capoeira teve origem na luta e perseguição dos escravos fugitivos pelos capitães do mato. Quando voltavam para a fazenda de mãos vazias, eles falavam aos senho-

Divulgação

Apresentação da capoeira brasileira na Europa res que os escravos haviam fugido pela capoeira - vegetação rasteira que nasce sob a mata cortada – para omitir que foram atacados pelos escravos, vítimas de uma sucessão impressionante de chutes e pontapés rápidos, nunca antes vistos.

Repressão Não demorou muito para que a capoeira fosse reprimida. Um decreto assinado pelo Marechal Deodoro da Fonseca proibia, a partir do dia 11 de outubro de 1890, a prática da luta em todo território nacional e aquele que fosse apanhado jogando capoeira, ou estivesse ligado aos grupos que exaltassem a luta, seriam mandados para a ilha de Fernando de Noronha, onde cumpririam uma pena de dois a seis meses de prisão. Mesmo depois de cessada a proibição, o estigma de luta de marginal e vagabundo ainda está no imaginário de muitos brasileiros. Reconhecimento O professor de capoeira Jeferson Gonçalves, conhecido como Mestre Bambu, acredita que a capoeira ainda não obteve a consagração que merece. Segundo ele, a grande maioria das

artes marciais do oriente, tão cultuadas e difundidas no Brasil, foram criadas por exércitos e governos com a intenção de dominar um povo. “A capoeira é genuína e diferente porque foi criada não para reprimir um povo, e sim, para ajudar na libertação dos escravos. É a resistência do negro em forma de dança, de luta e de ginga”, completa o mestre. O professor também observa que o a ligação entre a luta e o banditismo está se enfraquecendo com o passar dos anos. Ele acredita que ocorreu um fenômeno de elitização influenciado pela mídia. A capoeira saiu das ruas para as academias da classe média brasileira, para as novelas, escolas particulares e é vista como um excelente exercício físico. Apesar de perder um pouco a essência de cultura popular para se transformar em um culto ao corpo, muito celebrado pela sociedade moderna, o professor considera como algo positivo. “Tudo o que ajuda a romper barreiras e preconceitos é válido. A mídia ajudou nesse sentido. Como vivemos em sociedade, as coisas tendem a se transformar, só não podemos perder de vista o propósito de liberdade, de onde a capoeira se originou”.


Curitiba, sexta-feira, 4 de julho de 2008

8 História

Cultura caipira, apesar de discriminada, é uma das mais tradicionais do Brasil

Do caipira ao sertanejo de pai para filho durante séculos), que o caipira gosta de conAmanda Lara tar. Personagem de uma históBianca Pelegrini ria rica, mas muitas vezes deSingara Paes turpada, é freqüentemente vítima de preconceitos. O sotaque “Sou caipira, pira-pora, Nos- característico do caipira muitas vezes é visto como ignorância e sa Senhora de Aparecida, ilumicomo falta de cultura. O estena a mina escura e funda o reótipo criado pela sociedade trem da minha vida (...)” A lecapitalista vê o caipira como tra de Renato Teixeira demonsuma pessoa atrasada, simples, tra um pouco do que é a cultuque se veste mal e fala errado. ra caipira. No estudo feito pelo socióloO termo caipira é de origem go Antonio Cândido “Os parceitupi e significa “cortador de ros do Rio Bonito: estudo sobre mato”, nome dado pelos índios o caipira paulista e a transforGuaianás, do interior de São mação dos seus meios de vida” Paulo, aos colonizadores cabo(Editora Duas clos, brancos e Cidades), o caipinegros. Norra aparece como O caipira aparece malmente são resultado da chamados de como resultado da mistura do índio caipiras os mocom o português mistura do índio radores do intecolonizador durior de São com o português rante os séculos Paulo. Mas XVI, XVII e colonizador com a intensa XVIII. Da cultuimigração ocor- durante os séculos ra indígena, rida no Brasil esse povo herdou XVI, XVII e XVIII inteiro, outros a familiaridade nomes foram com a mata, o dados, dependendo da região: faro na caça, a arte das ervas e em Minas Gerias o caipira tem o encantamento das lendas. Dos suas raízes e é conhecido como brancos, os costumes, a língua capiau, que tem o mesmo sige a viola, que foi um dos fatores nificado citado acima; no Norque o fez se destacar na sociedeste é matuto e no Sul colono. dade capitalista de hoje. Danças, músicas, tradições, Atualmente, essa cultura já estes são alguns dos tópicos que passa por uma espécie de sofiscompõem a chamada “cultura tica revitalização, graças à múcaipira”, que também é fortesica. Foi através dela que as coimente caracterizada pela relisas mudaram, com a chegada giosidade católica tradicional, da gravadora Kuarup, que propor superstições e pelo folclore moveu um resgate tratando a rico e variado. música caipira como um gênero Oposto à “loucura” das meque merecia seu espaço perante galópoles, das buzinas, da fumao público. Aproveitando a oporça dos carros, o caipira é uma tunidade, músicos e pesquisadofigura humana extraordináres como Leandro Carvalho desria. O “caipira” possui algumas cobriram pessoas como João particularidades, uma delas é Pacifico, que poderia ser caipio jeito de falar e de se vestir. ra, mas ao mesmo tempo proEle tem jeito desconfiado de ser, fundo. Seguindo na mesma liquando está com pessoas consinha, mas agora explorando as deradas “urbanas”, mas que possibilidades de instrumental, fica à vontade quando está a sós apareceu em disco, o Trio com outros caipiras. Sua músiCarapi’a. Da região de Campica também é muito conhecida nas, Elias Kopcak e Rodrigo Nali pelo povo da cidade, e pode ser formam um trio de violas de dez chamada de música caipira, cordas ou “caipiras”. E dessa formúsica sertaneja, música de ma, a música e cultura caipira raiz, ou até música do interior. foi conquistando seu espaço, cheTambém é típico do caipira os gando no que é hoje. “causos” (historietas contadas

Reprodução/ Pinacoteca do Estado de S. Paulo

Andrea Gonçalves

Pintura de Almeida Jr: até hoje, cultura caipira é discriminada no Brasil

Festas juninas Advinda da Europa, a Festa Junina que festejamos aqui no Brasil é uma homenagem a São João. Quem trouxe esta tradição foram os portugueses quando vieram para o Brasil. O começo foi com os jesuítas, que todo mês de junho acendiam fogueiras. Isto chamava muita a atenção dos indígenas, que também faziam rituais para a preparação dos novos plantios e às colheitas no mês de junho. E foi assim que nasceram as festas de São João. Comemoradas no Brasil inteiro, na região Nordeste foi onde tiveram maiores expressões. Três santos católicos são homenageados: São João, São Pedro, e Santo Antônio. Uma dos objetivos destas festas realizadas no Nordeste é agradecer as raras chuvas que caem na região, pois lá a seca reina, e as chuvas servem para manter a agricultura. Porém não é só para isso que servem as festas juninas, o lado econômico também conta, pois vários turistas partem para as cidades nordestinas para acom-

panhar festas tradicionais. As mais conhecidas são as festas em Caruaru, em Pernambuco, e em Campina Grande, na Paraíba. Muito conhecido nacionalmente é a festa que acontece na região Norte, que são verdadeiras manifestações culturais. A disputa entre os grupos Caprichoso e Garantido é a principal atração. Já na Região Sul o que predomina é a tradição caipira que são as quermesses, festas nas escolas, associações e realização de rodeios. As quermesses são festas na região sul nos meses de junho e julho e normalmente são freqüentadas por muitas pessoas que não sabem o verdadeiro significado da cultura caipira, muita coisa também é descaracterizada, pois hoje as coisas estão tudo se modernizando, até mesmo as festas caipiras estão sendo adaptadas. Mas algumas tradições ainda perduram, como as roupas e as comidas caipiras. Comidas A comida caipira depende de cada região, por isto cada uma tem

a sua. Em São Paulo há uma característica dos primórdios, que são as comidas feitas no fogo-de-chão, o fogão dos tropeiros. Com o passar dos anos isso mudou e é hoje o conhecido fogão a lenha. Os responsáveis pela disseminação da comida caipira no Brasil foram os tropeiros bandeirantes. Entre as comidas estão o leitão à pururuca, cuscuz caipira de legumes, pamonha, arroz tropeiro, bolinho caipira, vaca atolada, frango caipira, o furrundum, farofa de lingüiça, fraldinha em panela de ferro, caipirinha, a paçoca de amendoin, o feijão tropeiro, a canjica com costela de porco, a goiabada, o virado à apulista, afogado, bolinho de mandioca, rabada, péde-moleque, a cabidela miúda, quentão, farofa de iça, rosquinhas de pinga, o doce de bananinha entre outros.

Fonte

http://www.overmundo. com.br/overblog/com-vocesos-ilustres-mazzaropis-decuritiba


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