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Curitiba, quinta-feira, 9 de outubro de 2008 | Ano IX | nº 454| jornalismo@up.edu.br| Jornal-Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Positivo |
Preço de alimentos da cesta básica sofre queda no mês de setembro Tamyres Antunes/LONA
Ensaio fotográfico
Em setembro, o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) fechou em 0,28%. Os números são bem parecidos com os do mês anterior, que, segundo dados do IBGE, tinham apresentado variação de 0,26%. Porém, diferentemente dos meses anteriores, os alimentos, vilões do aumento desde o início do ano, recuaram na escalada dos preços. A queda pôde ser detectada principalmente nos alimentos de primeira necessidade, como cebola, tomate e batata. Apesar da diminuição nos preços, os consumidores que foram às compras no período não perceberam o reajuste. Pelo estudo divulgado ontem, isso acontece porque os alimentos vêm acumulando aumento desde o início do ano.
Página 3 O Lona continua com a série de ensaios que fazem a releitura da obra “Alice no país das maravilhas” - Página 8
Renda mínima promove igualdade social Mulheres motoristas são cada vez mais comuns Programas assistencialistas adotados por muitos governos são ações que visam amenizar os problemas e incluir socialmente os beneficiados a longo prazo.
Apesar de a inclusão de mulheres ter se intensificado entre os motoristas nos últimos anos, o preconceito ainda aparece entre os profissionais da estrada.
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João Pedro Schonarth
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Emprego animal Isadora Hofstaetter
Um bar da cidade Utsunomiya, no Japão, buscando atrair a atenção da mídia, lançou uma nova moda: ao invés de garçons, quem serve os clientes são macacos. Os dois primatas, que trabalham durante duas horas diárias, são ágeis e prestativos, segundo notícia publicada pela BBC Brasil. Já pensou como seria útil se uma girafa auxiliasse na limpeza de prédios? Ou então um gueopardo na entrega de encomendas? Para que motoboy, se os 110 km/h do felino conseguem bater qualquer velocidade de entrega? Que gracinha, alguém pode pensar. Mas e os seres humanos que perderam seus empregos? Como estão sustentando suas famílias? Se a moda pega, iremos ao comércio e os Mc Empregos (conceito de Naomi Klein no livro “Sem Logo”) serão substituídos por animais, afinal eles são mais baratos, mais instintivos realizando o trabalho sem pensar, não reclamam e ainda por cima são atrativos! Lindo, não? No lugar de empresas de Recur-
sos Humanos os empresários começarão a fazer fila no Zoológico. As ofertas: · Hipopótamo:: habilidades com carregamento de peso e força. Pouco ágil. · Leão: PhD em segurança. Dificuldade de relacionamento com patrões. · Castores:: Especialização em construção de represas. Facilidade com variados departamentos da construção civil. Logo, logo teremos cursos e não adestramento de animais. Em tempos de proibição do uso de animais em circos, aparecem essas maluquices das leis de proteção que permitem o “trabalho” desses seres. Trabalho? Eles estão recebendo feijões como salário. Não possuem carteira assinada, previdência, ou qualquer outra lei trabalhista. Bonita forma de os empresários escaparem das leis que regem os seres humanos. Além do descaso com a humanidade, empregar animais deveria ser proibido pelo aproveitamento de seres que não possuem formas de defesa a danos morais. Mais do que um abuso, essa novidade empregatícia atenta contra integridade humana e animal.
Expediente Reitor: Oriovisto Guimarães. Vice-Reitor: José Pio Martins. Pró-Reitor Administrativo: Arno Antônio Gnoatto; Pró-Reitor de Graduação: Renato Casagrande;; Pró-Reitora de Extensão: Fani Schiffer Durães; Pró-Reitor de PósGraduação e Pesquisa:
Luiz Hamilton Berton; PróReitor de Planejamento e Avaliação Institucional: Renato Casagrande; Coordenador do Curso de Jornalismo: Carlos Alexandre Gruber de Castro; Professoresorientadores: Elza Oliveira e Marcelo Lima; Editor-chefe: Antonio Carlos Senkovski.
O LONA é o jornal-laboratório diário do Curso de Jornalismo da Universidade Positivo – UP Rua Pedro V. Parigot de Souza, 5.300 – Conectora 5. Campo Comprido. Curitiba-PR - CEP 81280-330. Fone (41) 3317-3000
Missão do curso de Jornalismo “Formar jornalistas com abrangentes conhecimentos gerais e humanísticos, capacitação técnica, espírito criativo e empreendedor, sólidos princípios éticos e responsabilidade social que contribuam com seu trabalho para o enriquecimento cultural, social, político e econômico da sociedade”.
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Crianças adultas Rebeca Alcântara
A garota dentuça, o menino que não gostava de tomar banho, o outro tinha o cabelo de cebola e a outra era uma comilona que não podia ver melancia. Não são necessárias maiores explicações, todo mundo já leu pelo menos um gibi da Turma da Mônica. O problema é que até os nossos antigos amiguinhos passaram pela inevitável modernização. Eles, que ainda mantinham as raízes infantis, cresceram. Isso mesmo! Cresceram e adotaram algumas “modas” novas. A mudança já começa pelo estilo do gibi: os desenhos são em estilo mangá, mas sem ter que ler ao contrário. As roupas são modernas, como os adolescentes gostam. A Maga-
li emagreceu. O Cebolinha conseguiu uma bela cabeleira e só fala “elado” (ops!) em momentos de nervosismo. A baixinha e gorducha e dentuça só continua com a última característica. Mônica cresceu e está magrinha. E o amado sujinho Cascão agora toma banho de vez em quando. Pois é, até os quadrinhos cederam ao estilo moderninho e deixaram de ser crianças, igualzinho na vida real. Hoje as crianças se transformaram em adultos versão miniaturas. Boa parte das meninas vão ao salão com a mesma freqüência que as mães, namoram mais cedo, crescem mais cedo, “mandam” nos pais. Não assistem alguns desenhos por ser “coisa de criança”. Mas todos teriam que ser crianças, para que crescer e assumir responsabilidades mais cedo?
Baseado em uma criança precoce, o livro “Frases do Tomé aos três anos”, de Arnaldo Antunes, descreve as filosofias de uma criança adiantada. Muitas vezes os pais fazem questão de estimular, achando que assim os filhos parecem mais inteligentes. Estudos indicam que o ambiente em que a criança é exposta e a genética contribuem muito para características físicas e mentais. E não foram só nos quadrinhos que os personagens cresceram; o desenho americano os “Rugrats” também recebeu sua versão teen, com as situações que envolvem essa parte da vida. É, os quadrinhos e os desenhos também imitam a vida e trazem assuntos como a ditadura da beleza e as situações de pressão até mesmo nas leituras de lazer.
Tecnologia de hoje, pensamento de ontem Louise Possobon
Enquanto ano a ano os ambientalistas informam o aumento na emissão de gases contra a natureza, cada país faz o que pode, ou melhor, o que quer. A indústria britânica, por exemplo, admitiu recentemente que precisa diminuir a destruição causada pelo setor. Estudo encomendado pela Confederação Britânica de Indústrias (CBI) conclui que a emissão de CO2 está perto de 370 milhões de toneladas, cerca de 1% das emissões globais de gases do efeito estufa. Para tentar amenizar, o setor aposta numa série de medidas que incluem investir em eficiência energética e fornecer informações aos consumidores. Ganhar alguns pontinhos com a clientela faz parte do pacote. Mas pelo menos a Grã-Bretanha tenta fazer alguma coisa. Brasileiro que se preza não copia, e nesse caso também não inventa. Aqui não há metas de diminuição e há pouca discussão no setor industrial, principalmente nas micro e pequenas empresas. E é para elas que devemos estar atentos. Segundo o Sebrae, elas correspondem a
98% das empresas nacionais e nelas não há de investimento ambiental, pois julgam que o custo da tecnologia é alto, o que não é de todo verdade. O Instituto Brasil Pnuma, entidade que divulga resultados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, atesta que nos anos 60 essa mentalidade de altos custos em prol do meio ambiente era válida. Nessa década, a atitude empresarial começou a mudar, principalmente em virtude dos vários desastres de poluição industrial. De lá para cá foram implantados os padrões de “qualidade para o ar e para as águas, padrões de emissão para os efluentes industriais líquidos e gasosos e sistemas de licenciamento das atividades poluidoras”. Naquela época, não havia outra saída a não ser acatar a Legislação Ambiental e gastar rios de dinheiro para se adequar aos sofisticados filtros de chaminés e estações de tratamento dos resíduos líquidos. Isso resultou em investimento e aumentou o custo final dos produtos. No imaginário do empresariado, que persiste até hoje, custo alto está relacionado à natureza. Lá atrás, deixavam de
Expediente
lado o aspecto ambiental e se preocupavam em atender a legislação, sempre de olho nos cofres empresarias, claro. Em 1989, houve um marco para as empresas. Foi nesse ano que o PNUMA lançou o Programa de Produção Mais Limpa, agora com tecnologias mais avançadas, que permitiam às empresas fabricar o mesmo produto utilizando menos energia, menos água, menos matéria prima e, ainda, gerando menos resíduos para tratamento final. Mesmo assim o Brasil, que está entre os 20 maiores emissores de dióxido de carbono no mundo, não faz corretamente seu dever de casa, e o governo, muito menos. Não há mecanismos econômicos para quem deseja reduzir a emissão de CO2 no processo produtivo. Há a necessidade sim de contribuirmos mais com os esforços no combate a esse poluente. E a indústria tem papel primordial, pois corresponde a cerca de 15% das emissões nacionais de gases do efeito estufa. Copiando ou não os ingleses, está mais do que na hora de cada um e cada empresa combater o grande vilão do século XXI e deixar de lado o pensamento retrógrado.
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Apesar da queda nos preços de alimentos, consumidores e comerciantes não comemoram
Alimentos deixam posto de vilões do aumento do IPCA no mês de setembro Flávio Freitas
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) apresentou variação de 0,26% em setembro e ficou próximo da oscilação registrada em agosto (0,28%). O estudo divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta a alimentação fora da lista dos itens que mais pesaram no bolso dos brasileiros no mês passado. Já a categoria de alimentos e bebidas, de acordo com o levantamento, teve queda nos preços. Além do leite pasteurizado, tomate, cebola, batata inglesa e outros alimentos não industrializados tiveram seus valores reduzidos. Apesar do IPCA apontar queda no preço de certos alimentos, a dona de casa Genair de Andrade, 50 anos, afirma não ter sentido muito a diferença na hora de fazer as compras que alimentam os cinco moradores da casa onde mora. “A carne e o arroz estão com o preço lá em cima. Está tudo caro”, fala, enquanto espera o troco em uma mercearia. O que mais preocupa dona Genair é o preço do feijão – produto indispensável à mesa de muitos brasileiros –, que apesar de ter caído 1,98%, segundo o estudo, para a dona de casa ainda está muito caro. “Lá em casa ninguém come sem ele. Então tem comprar”, reclama. Para o dono de uma pequena mercearia no bairro Campo Comprido Jair Vieira, que comercializa em pequena escala produtos da cesta básica e algumas frutas e verduras, o preço cobrado pelos distribuidores continua o mesmo. “Não baixou nada. Acho que a tendência é subir, não sei por quê”, confessa enquanto a mulher chega com o troco da freguesa. O levantamento do IBGE mostra que o motivo do comerciante e da freguesa não senti-
rem diferença no valor dos produtos deve-se ao fato de que “o grupo dos produtos alimentícios,, ainda que em queda no mês, acumula alta de 9,29% no ano, bem acima de igual período do ano passado, quando havia ficado em 7,20%”. Curitiba não está entre as capitais pesquisadas, e que a inflação varia de pessoa para pessoa. Além disso, o IPCA é um índice que engloba muitos itens, alguns sequer fazem parte da vida de muitos brasileiros. Para cálculo do índice do mês o IBGE comparou os preços coletados no período do dia 28 de agosto a 29 de setembro (referência) com os preços vigentes no período de 30 de julho a 27 de agosto (base). Com o aumento de 0,26%, o acumulado do ano fica em 4,76%, enquanto no mesmo período do ano passado havia sido de 2,99%.
Leite, tomate e cebola foram alguns dos produtos que sofreram queda no mês passado
Redução da taxa de ICMS beneficia famílias pobres Ana Rodovanski
O governador Roberto Requião encaminhou para votação na Assembléia Legislativa, na última terça-feira, projeto de lei que reduz a alíquota do ICMS de 18% para 12% nos produtos de bens de consumo popular. O texto prevê a redução na alíquota de 92 mil itens e vai beneficiar principalmente famílias de baixa renda. Na redução foram contemplados produtos de primeira necessidade como alimentos, bebidas, calçados, artefatos de tecidos, hortifrutigranjeiros, produtos de higiene, remédios e produtos de limpeza. Em entrevista coletiva no Palácio das Araucárias, o governador falou que esse projeto de lei vai beneficiar as classes econômicas C, D e E. “Vamos favorecer os mais pobres,
derrubando o valor dos produtos dutos”, previu o secretário. Com a redução, o Estado teque são de consumo deles. O imposto vai deixar de penalizar os ria uma perda de R$ 400 mimais pobres e penaliza, um pou- lhões na arrecadação. Para que co, os mais ricos”, explicou o go- houvesse um equilíbrio, foram ajustados dois pontos percentuvernador. O secretátio da Fazenda, He- ais nas alíquotas de cinco proron Arzua, na mesma coletiva, dutos e serviços: energia elétrica, gasolina, disse que foram bebidas feitos estudos “Vamos favorecer fumo, alcoólicas e copara a escolha e municação. O seleção dos itens os mais pobres, overnador que teriam a rederrubando o va- gdestacou que dução e que se o reduzir imposprojeto for apro- lor dos produtos sem comvado pela Assemque são de consu- tos pensar a perda bléia, mais prode arrecadação dutos poderão mo deles” é crime fiscal. entrar na lista. ROBERTO REQUIÃO Por isso, foi pre“Chegamos a ciso aumentar pensar em deixar todas as alíquotas em 12%, em outros segmentos. A assessora tributária da Semas não tinhamos noção do tamanho do impacto. Vamos espe- cretaria da Fazenda, Gedalva rar a reação do mercado no pró- Baratto, afirmou que esses auximo ano, assim poderemos es- mentos não vão prejudicar o tender a redução para outros pro- orçamento das famílias de ren-
das mais baixas. Ela lembra que as famílias pobres são beneficiadas pelo Luz Fraterna (consumo de até 100 kwh mensais sem nenhum custo) e que o aumento dos outros produtos terá pouco impacto e será compensado pela a redução no preço de alimentos, medicamentos, roupas e produtos de higiene e limpeza. Requião destacou ainda que espera que essa proposta influencie o Governo Federal mostrando que a tributação pode ser mais leve sobre os mais pobres. “É uma experiência que pretende influenciar a reforma tributária nacional e que vai beneficiar os mais pobres, mas, fundamentalmente, vai dar condição de circulação à economia do Estado, às trocas de mercadoria. A proposta complementa uma série de outras medidas tomadas antes”, argumentou.
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No mundo moderno, muitos acham que dormir é perda de tempo
1, 2, 3 carneirinhos Liana Suss e Tatiana Zabot
A água está fervendo. São onze horas da noite. Rafael prepara a primeira xícara de café antes que bata o sono. Ele precisa ficar acordado para estudar para a prova de fisiologia. Rafael Macedo tem 21 anos e é estudante de Medicina. A prova é amanhã, ele teve aula o dia todo e terá amanhã também. A noite é o único tempo que arranja para estudar, então ele abre mão do sono. O telefone que toca sem cerimônia até altas horas, o filme na tevê, as crianças acordadas até tarde, os programas noturnos, o trabalho levado para terminar em casa e os compromissos logo cedo, tudo isso colabora para que o intervalo de tempo reservado para o sono seja cada vez mais curto no mundo moderno. Na correria desenfreada do século XXI, as 24 horas do dia já não bastam. E na tentativa de prolongá-las, os recursos são os mais diversos: café, pó de guaraná, chá, energéticos, rebite e por aí vai.
Enquanto Rafael toma seu café na tentativa de enganar o sono, Aglaé Costa, empresária, se revira na cama sem conseguir dormir. Essa já é uma rotina de anos. Ela não esquece que boas horas de sono são importantes, mas também não esquece que amanhã tem que preparar o pagamento dos funcionários, terminar a declaração do Imposto de Renda e ir à reunião na escola do filho. Ela pensa em tudo isso à toa, pois na cama não vai fazer nada, a reunião é só amanhã e os funcionários estão dormindo, ou tentando. Problema que assombra de 30 a 40% da população mundial, a insônia, na maioria das vezes, é resultado de estresse e ansiedade. Também fruto do ritmo da vida moderna, que faz das pessoas verdadeiras máquinas. Enquanto Aglaé se revira e Rafael estuda feito uma coruja, Rossana Vergani, também empresária, dorme tranquilamente depois de ter lido um capítulo de um livro. “Tudo tem sua hora, de noite é hora de dormir,
eu esqueço tudo e durmo, não adianta me preocupar com o que vou fazer amanhã, porque ainda é hoje e preciso repor as energias”, diz. Alguns lutam contra o sono, outros contra a insônia, e outros simplesmente se entregam a Morfeu. O fato é que o sono vem dando o que falar. E tem direito de defesa. O médico Attilio Melluso Filho tem uma clínica de tratamento de distúrbios do sono em Curitiba. “Dormimos cerca de um terço de nossas vidas. O sono é essencial para nos mantermos saudáveis”, diz ele. O sono ou o ato de dormir é um estado de repouso periódico do corpo, especialmente do sistema nervoso, em que há uma diminuição temporária da atividade dos órgãos, dos senFotos: Divulgação
tidos e do m o v i mento voluntário. Quando o sono domina, acontecem diversos processos metabólicos em no organismo, por isso esta atividade afeta diretamente a saúde física e mental. O sono atua na regeneração das células, ajudando na recuperação de doenças e garantindo boa imunidade. Também durante o sono são produzidos hormônios essenciais para o funcionamento do organismo. O pico de produção do hormônio do crescimento, por exemplo, acontece na primeira fase do sono, mais ou menos meia hora depois de a pessoa dormir, aquela fase da qual o Rafael quer escapar, que a Aglaé quer encontrar e em que a Rossana está. E não é só para crianças, este hormônio evita o acúmulo de gordura e melhora o desempenho físico. Sim, dormir emagrece. Afinal, a leptina, hormônio que controla a saciedade, também é produzida durante o sono. Sem ela, o corpo sente necessidade de ingerir mais carboidratos. E a famosa insulina deixa de ser produzida se não há boas horas de sono, resultado: açúcar concentrado no sangue. O café que Rafael e outras milhares de pessoas tomam para se manter acordados, não elimina o sono, mas o adia, e o cansaço vai se acumulando até que já não adianta dormir algumas horas a mais para repor tudo aquilo. A quantidade de tempo que uma pessoa precisa de repouso varia, mas a média para adultos é em torno de sete a oito horas por noite. Cabe enfatizar aqui a palavra noite. Os neurônios responsáveis pelas reações fisiológicas funcionam em ciclos de 24 horas, com a alternância de luz e escuro. Pessoas que trabalham em turnos alternados, por exemplo, podem ter sérios problemas de saúde, já que seu corpo não consegue estabelecer um ciclo regular.
Não adianta se encher de pó de guaraná, café ou energéticos. O usuário só está enchendo seu corpo de cafeína e atrasando seu sono. Os caminhoneiros são uma prova disso. Tomam comprimidos de um estimulante à base de anfetaminas chamados de “rebites” para se manterem acordados. O resultado são inúmeras matérias em jornais e revistas de acidentes ocasionados por motoristas que, em momentos de total exaustão, depois de mais de 48 horas acordados e ainda sob efeito do rebite, têm sua visão distorcida ou certas alucinações, isso quando o efeito do estimulante não passa e o que sobra é um sono súbito. São três e meia da madrugada. Rafael ainda está lá, em cima dos livros. Mas não se concentra mais, vai lavar o rosto para ver se adianta. Pensa na prova, sabe que precisa estudar, mas no momento que volta os olhos para o livro já está pensando em tomar um bom banho, ou naquele macarrão dentro da geladeira. Rafael começa a perceber que, quem sabe, as horas não dormidas passam ser não tão produtivas assim. Mas ele não desiste: lá se vai mais uma xícara de café e o estudante está a postos novamente. Aglaé também está lá. Irritada, rola na cama. Levanta, toma água e volta. Vai ao banheiro e volta. Vira pra um lado e para o outro. Não resiste, com a mão no escuro, tateia o criado-mudo e acha... O milagre! As pílulas do soninho. Quem sabe agora ela tenha algumas horas de descanso. E por falar em horas de descanso, já faz algumas que Rossana está na cama. Seu corpo está relaxado, cerca de 25% da sua noite de sono vai ser assim. Suas ondas cerebrais estão em baixa freqüência, daqui a algumas horas essa freqüência vai aumentar e ela vai atingir o estado chamado de REM, sigla
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para movimento rápidos dos pois voltando a dormir tranquiolhos em inglês. É nesse estágio lamente sem lembrar de nada. E por último, ainda para o que acontecem os sonhos, o césusto ou até para a diversão dos rebro está ativo, mas a pessoa companheiros de quarto, há os continua imóvel. As freqüências cardíacas e respiratórias vol- que sofrem de sonilóquio, que é tam a subir e os sonhos passam o ato de falar dormindo, coisas com ou sem sentido; e o sonama povoar a noite de cada um. Em casos como o de Rafael, bulismo, em que a pessoa levana falta de sono a curto prazo ta, anda e se movimenta normaltraz riscos visíveis como, por mente como se estivesse acordaexemplo, sonolência durante o da. Mas tudo isso pode ser diagdia, alterações do humor, perda da memória, comprometi- nosticado e tratado. O médico mento da criatividade, lentidão explica que o diagnóstico é feito do raciocínio e dificuldade de por meio de uma polissonograconcentração. Já Aglaé, que con- fia, realizada na própria clínica vive com as noite em claro há durante a noite. A duração é de tantos anos, percebe que os ris- aproximadamente oito horas, enquanto o paciencos já passaram te dorme e é monide simples cansaDormimos torado. Os trataço ou sonolência. cerca de um mentos variam de Seu sistema imucom o resulnológico está comterço de nossas acordo tado. Podem ser feiprometido, há vidas. O sono é tos com uso de apauma efetiva falta relhos respiratóride vigor físico e essencial para os, com aparelhos força muscular e, nos mantermos dentários, no caso o que mais a preode ronco, com tratacupa, a tendência saudáveis mento cirúrgico em a desenvolver doDR. ATTILIO MELLUSO casos mais graves enças cardiovasFILHO ou mesmo apenas culares e gastrocom medicamentos. intestinais, diabeAmanhece. Rafael nem bem tes e obesidade. Os distúrbios do sono são vá- dá bom dia aos colegas de sala, rios. A insônia, segundo as es- o cansaço está estampado em tatísticas e a própria experiên- suas olheiras. Senta para fazer cia de Attilio Melluso Filho como a tão esperada prova. Questão médico da área, é a mais co- um, sua mente está longe. Quesmum, pois está relacionada, na tão dois, muitos nomes complimaioria das vezes, ao estresse cados, perde a atenção antes cotidiano. Mas há outros. O mesmo de acabar de ler. Rafael bruxismo pode acontecer em está lá, desesperado, a matéria qualquer idade, a pessoa range parece não surgir dentro de sua os dentes enquanto dorme e às cabeça. Mesmo assim responde, vezes até mesmo durante o dia. está cansado demais para penAs conseqüências são o desgas- sar. Sabe que foi mal, não conte dos dentes e fortes dores de segue se concentrar. cabeça. Os que fazem xixi na cama depois dos três anos de idade são diagnosticados com enurese, que pode ser genética ou resultado de traumas físicos e psico• Como você descreveria a qualidade do seu sono atuallógicos. A apnéia do sono é um mente? dos mais graves. A pessoa com A. Muito boa apnéia pára de respirar com freC. Ruim. qüência enquanto dorme, poB. Boa dendo sofrer complicações sériD. Muito ruim. as como falha cardíaca, hipertensão arterial e pulmonar e até • Ao se deitar para dormir, dano cerebral. aproximadamente quantos miHá ainda a síndrome das nutos você demora para iniciar o pernas inquietas, quando a pessono? soa sente peso e cansaço e fica A. 0 – 15 min se mexendo sem parar. Para o C. 31 – 60 min espanto dos irmãos, cônjuges ou B. 16 – 30 min companheiros de quarto, alguns D. Mais de 60 min. sofrem de terror noturno. Acon• Aproximadamente, quantece quando a pessoa acorda, tas vezes você acorda durante a senta-se na cama com os olhos noite? arregalados e se põe a gritar, de-
5 Foto: www.sonocuritiba.com.br/
Paciente passa a noite na clínica tendo o sono monitorado para diagnosticar o distúrbio Aglaé também se levanta cedo e vai trabalhar. Está aparentemente menos cansada que Rafael, afinal dormiu cerca de duas horas. Em casa, mal conversa com o marido, chega ao trabalho batendo as portas e nem bom dia aos funcionários ela dá. A variação do humor e o cansaço de Aglaé são notados por todos. Diferente de Rossana, que se levanta de bom humor e em poucos minutos já acordou todos da família, está com a mesa do café da manhã pronta, vestida para mais um dia de trabalho. Está a mil por hora. Ela teve uma boa noite de sono. Agora só falta você. Bons sonhos!
Como vai seu sono? A. 0 – 1 C. 4 – 5 B. 2 – 3 D. Mais de 5 • Aproximadamente, quantas horas você consegue dormir a cada noite? A. Mais de 8 horas C. 5 – 6 horas B. 7 – 8 horas D. Menos de 5 horas. • Você chega a despertar com a sensação de movimentos abruptos ou desconforto nas pernas? A. Não C. Sim B. Às vezes
Como ter uma boa noite de sono • Chás com cafeína e refrigerantes a base de cola estão proibidos no período noturno. • Nada de alimentos difíceis de digerir ou pesados antes de dormir. • Tome um banho quente antes de deitar, ajuda a relaxar a musculatura. • Não durma com a TV ligada, o barulho e a luminosidade impedem que você chegue à fase de sono profundo. • Retire da cabeceira da cama telefones e celulares. • Apague todas as luzes, evite qualquer tipo de lumi-
nosidade. • Evite fazer exercícios físicos à noite ou trabalhar antes de dormir; isso pode deixá-lo agitado. • Evite dormir durante o dia; se for extremamente necessário lembre-se de não ultrapassar uma hora de sono. • Se estiver deitado por mais de 30 minutos sem dormir, levante-se e vá fazer outra coisa; quando o sono voltar você retorna para a cama. Se as sugestões acima não forem úteis, o melhor a fazer é procurar orientação de um especialista.
D. Freqüentemente
• Você pára freqüentemente de respirar enquanto dorme? A. Não C. Sim B. Ás vezes D. Várias vezes
• Você sempre acorda cansado, com a sensação de que não está pronto para o novo dia? A. Não C. Sim B. Às vezes D. Freqüentemente • Tem se sentido sonolento durante o dia? A. Não C. Sim B. Um pouco D. Freqüentemente • Já lhe falaram que você ronca alto à noite? A. Não C. Sim B. Às vezes D. Freqüentemente
• No mês passado, quantas vezes você tomou um medicamento prescrito por seu médico para ajudar a dormir? A. Nenhuma C . 15 a 20 noites B. 3 a 6 noites D. mais de 20 noites
Se marcou mais do que cinco respostas na letra C ou D, você está apresentando algum distúrbio do sono severo e deve consultar com especialista.
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Mulheres recebem em média R$ 956,80 por mês, com uma jornada de 40 horas semanais
Uma realização profissional coisa que eu gosto que é transportar pessoas, conviver com elas. Eu faço muitas amizades, Há segmentos do mercado essa é a profissão que eu semde trabalho dominados por ho- pre quis”. A caminhoneira Andréia mens, mas que bem vasculhados consegue-se achar as rari- dirige desde menina e aos 21 dades: mulheres inseridas nes- já tinha carteira de habilitases ambientes. É cada vez mai- ção para caminhão. Fazia pouor o número de trabalhadoras co mais de dois anos que Andréia trabaque ingressam lhava como em profissões operadora de como caminho“O meu desejo caixa num neiro, taxista, supermercabombeiro, motoera ser do em Curirista de ônibus, motorista, mas tiba, segunentre outros sedo ela era tores. não achei que ia apenas por Uma destas chegar a dirigir necessidade. vitoriosas é MaEntretanto, ria Knup, 50 um ônibus cheio hoje trabaanos, que há dez de gente” lha também trabalha como MARIA KNUP por prazer. motorista de co“Já passei letivo na Viação em todos os Colombo, outra é Andréia do Rossio de Farío, de patamares que um motorista 34 anos, caminhoneira dos pode passar, hoje estou no úlTransportes Grall que, quando timo”. Por causa da profissão, Anprocurada pela reportagem do Lona, estava em Uruguaiana, dréia conta que seu companheimunicípio brasileiro que faz ro tem bastante ciúme e a prefronteira com o Uruguai, espe- ocupação de seus pais é inevirando a autorização para entrar tável. Ela já conheceu de tudo e o que mais lhe emocionou foi no país vizinho. O desejo de dirigir da moto- viajar para fora do Brasil. “Corista de ônibus Maria surgiu nheci outras culturas e apreenquando seu pai comprou uma di a falar um pouco do espacaminhote dando oportunidade nhol”. a ela do primeiro contato com a direção. A profissão surgiu por Preconceito acaso, quando morava numa faOs colegas de trabalho de zenda em Mato Grosso, onde tra- Maria a respeitam, mas as piabalhava com trator na roça e dinhas machistas no dia-a-dia viajava de caminhão com seu são constantes. “Eu sempre digo ex-marido. Na viação Colombo o seguinte, eu vou provar o que começou como cobradora e de- eu sei fazer trabalhando, não é pois passou à motorista. respondendo a piadinha”. Ela Mãe de uma filha de 26 anos relata um episódio de preconceie um filho 32, muito vibrante e to marcante na sua atuação no rindo, conta que ambos adoram transporte coletivo. “O passageidizer que a mãe é motorista de ro deu sinal, quando eu parei e ônibus. Ela relata que essa pro- abri a porta ele olhou para mim fissão é uma superação. “O meu e falou, ‘Desculpa moça eu vou desejo era ser motorista, mas pegar o outro’”. não achei que ia chegar a tanA socióloga do Instituto Pato, a dirigir um ônibus cheio de ranaense de Desenvolvimento gente”. Econômico e Social (Ipardes), No dia primeiro de outubro Louise Ronconi de Nazareno, Maria completou dez anos como explica que o homem sempre motorista de ônibus. “Eu não dominou esse mercado de protenho estresse. Levanto 15 fissões supostamente mais brapara as cinco da manhã, mas çais, em que a fragilidade da feliz da vida, pois vou fazer uma natureza feminina não a deixa-
Arquivo LONA
Rafaela Barros
A caminhoneira Andréia, que diz sofrer preconceito ria entrar. Entretanto isso é um discurso, uma construção da sociedade que não é a verdade a priori. “O preconceito há anos faz parte de nossa cultura”, diz. A caminhoneira Andréia também sofre preconceito. “O pessoal me olha meio atravessado, mas consigo me relacionar bem. No começo eles me tratam meio hostil, mas depois todos são amigos”. Andréia conta que na Argentina, geralmente quando chega ao local para entregar a carga eles indagam onde está o motorista. Para a socióloga Louisi, não é suficiente a mulher estar nos locais masculinos para eliminar o preconceito. De acordo com ela, hoje o preconceito também está presente quando a mulher deseja ser apenas mãe e dona de casa. “Tem que desconstruir a idéia de que a mulher agora que foi para o mercado de trabalho só pode se dedicar profissionalmente. O que muda o preconceito, não são necessariamente mulheres estarem em posições de trabalho que eram dominados por unidades masculinas, mas é a relação de como ela se constrói nesse próprio universo”. Segundo Louise, se a mulher reproduzir a mesma ma-
neira do homem se colocar ela será apenas uma mulher masculinizada e pode até mesmo ter preconceito em relação a outras profissões.
Na sociedade A crescente inserção das mulheres no mercado de trabalho é explicada por fatores de necessidades culturais e sociais. Um estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que entre janeiro de 2003 e janeiro de 2008, no campo profissional, as mulheres estão em desvantagem diante dos homens. Os resultados mostram que uma trabalhadora brasileira recebe em média, R$ 956,80 por mês por uma jornada de 40 horas semanais. Foi também avaliado que o percentual de trabalhadoras com Ensino Médio completo aumentou de 51,3% para 59,9%. Entre os homens, o índice aumentou de 41,9% para 51,9%. Mas esses números não são garantia de melhores condições de emprego para elas, pois uma mulher com curso superior tem em média um salário 40% inferior ao de um homem com o mesmo cargo, além, é claro, de não ter superado os obstáculos de acesso a cargos de
chefia. Segundo os dados, 80% das trabalhadoras brasileiras são professoras, comerciárias, cabeleireiras, manicures, funcionárias públicas ou trabalham no setor de saúde. A representante da União Brasileira de Mulheres e Conselheira Estadual da mulher, Elza Maria Campos, explica que essas áreas profissionias se assemelham aos trabalhos desenvolvidos em casa. “É como se elas saíssem do mundo privado, que é o mundo doméstico, se inserissem no mundo público e continuassem a exercer o cuidado da sociedade”, raciocina Elza.
A luta A União Brasileira de mulheres (UBM) é uma entidade nacional, fundada em 1988, que congrega mulheres na luta conta a discriminação de gênero, racial, religiosa ou de qualquer natureza. Segundo a representante da UBM, a instituição debate a necessidade do avanço da mulher na sociedade. “Através dessas reuniões acompanhamos as questões centrais em defesa dos direitos das mulheres”, explica Elza Campos. Para entrar em contato com o local é só ligar para 33 24 60 07.
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Programas do governo federal garantem renda mínima para os brasileiros
Uma questão social Anne Lise Ale Cássia Morghett Ricardo Vieira
Quando o assunto é sociedade, a política atua na busca por condições humanas de sobrevivência para possibilitar a convivência entre as pessoas. As teorias mais modernas hoje, como a do senador Eduardo Suplicy (PT-SP), defendem a renda mínima aliada à cidadania. As políticas assistencialistas ou mecanismos de Estado que promovam as políticas de igualdade social são necessários na América Latina, em que a desigualdade tem raízes estruturais e históricas.
No Brasil, um exemplo claro é o Nordeste, que por várias décadas foi alvo de programas permanentes de assistencialismo, o que fazia com que o cidadão fosse refém do sistema, sem chances de caminhar sozinho. A implantação de açudes e a capacitação do indivíduo estão aos poucos mudando as características locais. Hoje, a realidade dessa região é muito diferente, entraram as políticas que ensinam a pescar e não as que dão o peixe. Nos anos 90 uma campanha encabeçada pelo sociólogo Betinho mobilizou o país; era o Fome Zero, que foi implantado como um programa social do governo federal. A partir daí surgiu o Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e o Cartão Alimentação. Em 2003, o presidente Lula editou a medida provisória 132, posteriormente convertida na lei 10.836, que instituiu o Bolsa Família, que, conforme o ministro do Desenvolvimento Social de Combate a Fome, Patrus Ananias, pode ser considerado hoje o maior programa de transferência condicionada de renda do mundo. O primeiro avanço do Bolsa Família começa com o seu próprio conceito de unificar as políticas de transferência de renda e de direcionar o foco da ação das outras políticas complementares e interligadas na família. Esse foco no ambiente familiar poten-
cializa o programa, que desde sua criação vem passando por etapas de aperfeiçoamento, o que possibilitou o alcance de oito milhões de famílias pobres nos dois primeiros anos de existência. As prefeituras municipais são o elo para a distribuição do benefício, descentralizando o programa com mecanismos de controle mais fortes. Para receber o benefício, é necesário comprovar freqüência escolar e acompanhamento da saúde de crianças até seis anos, gestantes e mães em período de amamentação. O professor de Teoria Política Pedro Eloi Rech diz que políticas como o Bolsa Família são necessárias em países que convivem com a fome. Ele ressalta que nossos vizinhos têm a mesma preocupação. O presidente da Bolívia, Evo Morales, criou o plano de aposentadoria, transferindo a renda de royalties. Segundo Eloi, estes benefícios são necessários até certo ponto: “As políticas de distribuição de renda num país capitalista passam pela qualificação do indivíduo para que ele possa se inserir no mercado e enxergar oportunidades. Elas são necessárias, mas futuramente devem ter um ponto final para que a partir daí o indivíduo alce seu vôo próprio”. No ponto de vista econômico estes benefícios acabam mudando um pouco a realidade das famílias, que estavam em situação miserável, mas não tira comunidade alguma do estado de pobreza, como diz o economista José Pio Martins: “Na economia, isso não é fator que vá desenvolver comunidade nenhuma. Vai sim fazer que famílias miseráveis comecem a comprar mais, ou a comer mais. Não tira as comunidades do estado de pobreza, porque têm que vir junto a educação, o trabalho e aí o desenvolvimento autônomo, independente da ajuda do governo”. Moradora da periferia de Curitiba Luciana Simões, 35 anos, recebeu por quatro anos o Bolsa Família. Para ela, a ajuda foi valiosa durante esse período. “Eu trabalhava sem registro na carteira e o dinheiro
Ricardo Vieira/ Lona
Alzira Treziaki: depois de 40 anos de trabalho, única renda vem de programa social não era suficiente. Eu tinha um cartão do Bolsa Família e recebia R$ 15 por mês. Era um dinheirinho que sempre ajudava para pagar uma conta aqui e outra ali”. Este ano, Luciana foi teve a carteira assinada e perdeu o benefício. “Eu refiz o cadastro e estou aguardando para ver se eles me liberam novamente.Mas até agora nada”, afirma. A idéia de que todo cidadão deve ter direito a uma renda mínima, para poder comer, beber e dormir dignamente, é algo muito antigo, vem lá de Milton Fridmann, que era um economista liberal que propôs, por volta de 1948, o que ele chamou de renda mínima garantida por meio do imposto negativo. Era a faixa da população que não tinha instrução adequada ou condições de uma moradia minimamente digna, tendo que receber da sociedade uma proteção para com o tempo alcançar o desenvolvimento. Outra visão econômica deste tipo de política vem do ex-presidente americano, Roosevelt, “a dependência continuada de ajuda induz a uma desintegração moral e espiritual do cidadão e fundamentalmente da fi-
bra da nação.” Em outras palavras, é necessário que a sociedade proteja, ajude, mas que esta ajuda esteja vinculada a alguns compromissos por parte das famílias beneficiadas. O primeiro compromisso é com a educação, o segundo compromisso é com o trabalho, que é a porta de saída.
Pio Martins é a favor da distribuição de renda por meio dos programas do governo ou por iniciativa privada, mas lembra a necessidade de ser temporário, “a ajuda temporária é socialmente desejada, é justa para a coesão da sociedade, mas que a família beneficiada se comprometa a um programa de educação treinamento para que lá na frente ela possa viver com os frutos do seu trabalho”. Segundo o economista, receber ajuda não é agradável, “no fundo a dependência de ajuda é algo humilhante, não tem nada de digno”. Outro programa de distribuição de renda é o Seguro Social do Governo Federal, que garante um salário mínimo as pessoas com mais de 65 anos e que não contribuíram com a Previdência Social. É o caso da dona Alzira Treziaki que trabalhou quase 40 anos como dia-
rista, sempre de maneira informal. Hoje com 68 anos não tem mais saúde para trabalhar e sem esta ajuda do governo dificilmente conseguiria se manter. “Com este dinheiro eu compro os meus remédios e também consigo me vestir, não é muito, mas sem isso não sei como estaria hoje em dia”, disse ela.
Este tipo de benefício atende, em maior número, os trabalhadores rurais que não tinham registro em carteira e não contribuíram para a Previdência Social. Segundo estatísticas oficiais, o número de pessoas beneficiadas pelo programa chega a 300 mil em todo o Brasil.
O professor de teoria política, Pedro Eloi Rech, diz que somente estas ações não são suficientes. “Todas as políticas de assistencialismo existentes no Brasil são essenciais para a distribuição de renda, e garantem ao cidadão um estado mínimo de subsistência. Mas estes programas devem ter como complemento, a educação pública de qualidade e investimentos na saúde. E jamais entrar nos palanques eleitorais, o que aqui acontece com freqüência”, explica Eloi.
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As fantasias do autor de Alice Texto e fotos: Tamyres Antunes
Há quem diga que o livro de Lewis Carroll “Alice no País das Maravilhas” nada mais é do que uma coletânea de suas alucinações após o consumo de LSD. Mas o que Carroll nos mostra é que, em meio à confusão de uma grande cidade, ainda há espaço para lúdicas fantasias e aventuras, em que um camundongo não parece tão intimidador quanto a Rainha de Copas do baralho.
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