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Ano XVI > Edição 986 > Curitiba, 08 de julho de 2016
Crise econômica afeta 5ª edição do Festival Olhar de Cinema Crédito: Divulgação
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Ernst Lubitsch apresentou a Curitiba um amor improvável p. 4 ABERTURA Com ingressos esgotados, “Operação Avalanche” marcou início do festival. Crédtio: Divulgação
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RESENHA Confira a resenha do filme Amarcord, p. 6 do cineasta italiano Fellini
RESENHA
Filmes selecionados dos Irmãos Wagner mostram como o Paraná tornouse referência em animação e os curtas do Mirada Paranaense trazem temas diferentes para o cenário.
“Dentre os cineastas homenageados na mostra Olhares Clássicos da quinta edição do Festival Olhar de Cinema em Curitiba, está um dos maiores mestres da história do cinema francês e mundial, Robert Bresson. O longa metragem de Bresson intitulado “Mouchette, a Virgem Possuída” (1967) é um filme consagrado do autor que reúne todas as nuances de seu estilo autêntico, e foi apresentado à capital curitibana.”
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“Esse tipo de cobertura, que o LONA destaca nesta edição especial, aproxima os futuros profissionais do campo da profissão e abre os seus horizontes para o que o mercado de trabalho.” p. 2
CURTAS
A estética revolucionária de Parajanov em “A Cor da Romã” O cineasta armênio Sergei Parajanov marcou a história do seu tempo e conp. 6 tinua influenciando a forma de fazer cinema
Foto: Divulgação
EDITORIAL
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As coberturas extraclasses A cobertura da quinta edição do Festival Olhar de Cinema foi realizada pelos alunos de Práticas Culturais dos cursos de Jornalismo e de Publicidade e Propaganda da Universidade Positivo. Essa cobertura é um dos trabalhos extraclasses oferecidos para fortalecer a formação profissional. Dentro do campo cultural, os alunos também participam da cobertura do Festival de Teatro de Curitiba desde o início da graduação. Dessa forma, os cursos proporcionam aos alunos uma interação prática e real com o trabalho que pretendem exercer no futuro, não deixando de lado o aprendizado e a orientação direta dos professores durante os exercícios. Esse tipo de cobertura, que o LONA destaca nesta edição especial, aproxima os futuros profissionais do campo de trabalho e abre os seus horizontes para o que o mercado de trabalho espera. No curso de jornalismo, por exemplo, a cobertura do Festival de Teatro de Curitiba é uma das primeiras experiências práticas e marcantes que os estudantes têm com a profissão. Todas as coberturas oferecidas fortalecem a formação dos alunos e é por isso que esse trabalho recebe destaque neste Jornal-Laboratório. Quanto mais proximidade com a profissão por meio das coberturas e mais reconhecimento da importância de suas participações nesses trabalhos extraclasses, melhor a mais completa será a caminhada acadêmica dos alunos. É por isso que se valoriza tanto esse tipo de participação dos alunos nos cursos. Coberturas de grandes eventos políticos, acadêmicos e culturais são o grande combustível para a formação de profissionais preparados. Durante o ano de 2016, em outros momentos além desse, o LONA será especialmente produzido com base em coberturas como essa, de grandes eventos e feitas por futuros profissionais que se dedicam a aprender na prática aquilo que se desafiam a fazer para toda a vida. É uma oportunidade, também, de levar informação ao público com mais frescor. É na universidade que se espera que a experimentação seja uma regra. É o espaço para fazer diferente do que é encontrado por aí, em forma de conteúdo pasteurizado.
ABERTURA
“Operação Avalanche” marcou o início da 5ª edição do Olhar de Cinema Hannah Clinton
Com ingressos para três salas esgotados, o filme “Operação Avalanche” abriu a 5ª edição do Festival Olhar de Cinema, que aconteceu entre os dias 8 e 16 de junho em Curitiba. Apresentando mais de 90 filmes, entre curtas e longas-metragens, o tema desta edição foi a celebração dos cinco anos do festival. A obra escolhida para ser a primeira exibida neste ano brinca com elementos de ficção e documentário. “É um filme único, porque é muito divertido e é um filme com uma autoria muito forte do Matt [Johnson, diretor, ator e roteirista], e mesmo assim, dentro dessa autoria, ele consegue criar, fazer uma invenção completamente original dentro da comédia, e eu acho isso brilhante”, conta Antônio Junior, diretor artístico do festival. Agente infiltrado Exibido pela primeira vez na América Latina, “Operação Avalanche” mistura comédia e mistério em uma linguagem de documentário com fotografia do final dos anos 60, época em que se passa a história. Em 1967, no auge da corrida espacial e da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, dois agentes da CIA (Matt Johnson e Owen Williams,
que interpretam a si mesmos) se infiltram na NASA para descobrir quem é o espião que transmite informações para os soviéticos. Disfarçados de equipe de filmagem de um documentário sobre a ida à Lua, os dois acabam fazendo parte de uma teoria da conspiração, com muitas referências a filmes e celebridades da época. O longa é leve e inovador por brincar com diversos gêneros, e levou jovens e idosos para a estreia no Espaço Itaú de Cinema, esgotando os ingressos da única apresentação – que aconteceu simultaneamente em três salas. A edição deste ano do Olhar de Cinema foi dividida em 8 mostras, compostas por filmes que variavam desde os clássicos restaurados, na seção Olhares Clássicos, até a mostra Mirada Paranaense, com o objetivo de apresentar ao público a produção cinematográfica do estado. No Olhar Retrospectivo, o cineasta homenageado foi Luiz Sérgio Person, com toda a sua filmografia exibida no ano do 40º aniversário da sua morte. Durante o festival, o público também pôde participar de seminários, oficinas e debates que envolviam diversos aspectos do cinema, como curadoria, montagem e crítica.
Festival tem orçamento reduzido Fernanda Umlauf e Thaynara Oliveira
Os números da 5ª edição do Olhar de Cinema ainda são grandiosos, como a exibição de filmes de 30 nacionalidades. O saldo positivo, porém, fica só na programação: o orçamento de R$ 470 mil é o menor da história do evento. Ano após ano, a verba tem ficado bem abaixo do necessário, sendo assim mais difícil estruturar o projeto. “Diminuímos algumas atividades e fizemos diversos ajustes, porém o número de filmes continuou igual”, comenta o diretor artístico e produtor do Olhar de Cinema, Antônio Junior. O festival foi financiado pela Lei Rouanet do Ministério da Cultura e contou com o apoio do programa Circula Paraná, da Secretaria de Estado da Cultura – que indica projetos para patrocínio por empresas estatais –, além de incentivos pela Prefeitura de Curitiba. Com o cinto apertado, outra dificuldade encontrada foi justamente a descontinuidade dos patrocínios. Segundo Junior, foi realizado um plano de crescimento para o festival, que se tornou inviável. Mas não só de filmes vive o Olhar de Cinema: a fim de promover a reflexão sobre o cinema e a questão cultural no país, o Seminário de Cinema de Curitiba abriu espaço para o debate. Na mesa Cultura na Era do Golpe, a polêmica envolvendo a extinção do Ministério da Cultura veio à tona. Juca Ferreira, Eduardo Valente e Aly Muritiba participaram da discussão.
Cena de “Operação Avalanche” - Crédito: Divulgação
EXPEDIENTE
EDITORIAL
Reitor José Pio Martins Vice-Reitor e Pró-Reitor de Administração Arno Gnoatto Diretor da Escola de Comunicação e Negócios Rogério Mainardes
Pró-Reitora Acadêmica Carlos Longo Coordenadora do Curso de Jornalismo Maria Zaclis Veiga Ferreira Professora-orientadora Katia Brembatti
Projeto Gráfico Gabrielle Hartmann Grimm Diagramação Luis Izalberti Edição Rede Teia
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RESENHA
Uma comédia pastelão sobre um conquistador pensativo Matheus Sartoni
O filme “Cassy Jones – o magnifíco sedutor” foi gravado no Rio de Janeiro nos anos 70 e destaca as características de Cassy, conquistador de mulheres – enquanto a trilha sobe ao estilo da abertura de desenhos de super-herói. O musical, somado às reações exageradas nas cenas de humor e nudez, indica uma comédia pastelão voltada a adultos. É uma obra de uma hora e 40 minutos do cineasta Luis Sérgio Person, um dos homenageados pelo Olhar de Cinema. Cassy (interpretado por Paulo José) nunca teve problemas em conquistar as mulheres que desejou. Em suas aventuras, sempre está acompanhado de seu melhor amigo, Bubu (Hugo Bidet) que, ao contrário de Cassy, não é tão bom na arte da conquista. O sedutor começa a se incomodar com o interesse das mulheres, chegando à conclusão que elas só queriam sexo e já nem ligavam para a conquista prévia no relacionamento. Cassy então fica doente e começa a ter pesadelos relacionados à perseguição – o filme aborda temas como a violência em relacionamentos e “cantadas”. Esse trecho do filme mostra, e valoriza, a beleza da mulher negra, que é a principal personagem dos sonhos de Cassy. A trama principal do filme começa quando os dois amigos veem uma linda jovem, Clara Mondal (Sandra Brea), em um programa de TV. Cassy se encanta e decide conquistá-la. Clara tinha como antagonista sua tutora Frida, que a repreendia e limitava sua liberdade. O sedutor faz de tudo para se aproximar da moça, até se disfarçar de professor de ballet. Clara, um dia, consegue fugir de Frida e vai para a casa de Cassy, onde passam a primeira noite juntos. Iludida por sua expectativa, ela é mandada embora após expor o desejo de se casar. Clara segue a vida e começa a fazer muito sucesso como vedete, com Bubu como seu agente. Cassy se arrepende do que fez e tenta se reaproximar da bela dançarina. Sem sucesso, entra em depressão e começa a beber até perder todo seu prestígio. Derrotado e desanimado, ele vê sua última oportunidade de conquistar a dançarina antes que ela se mude para outro país, junto com toda a sua equipe. Cassy vai ao aeroporto e faz o que sabe fazer de melhor, traçando assim um final onde o previsível e imprevisível se encontram, tornando a conclusão da trama uma curiosa reflexão sobre a personalidade de Cassy Jones.
A chance de ver Amarcord, de Fellini, na grande tela Lucas Pilatti
Assistir Federico Fellini é sempre uma descoberta. Agora, assistir a um dos maiores cineastas italianos em uma sala de cinema, mais de 40 anos após o seu auge, é ainda melhor. O filme escolhido na mostra “Olhares Clássicos” foi “Amarcord”, de 1973, exibido pelo festival nos dias 09, 11 e 13 de junho. Não é a obra mais famosa do diretor,mas é essencial. 1930, fascismo, infância, desejos e recordações. Em um plano geral, é disso que “Amarcord” – em tradução livre, algo parecido com “eu me lembro” – é feito. O próprio diretor afirmou que não se trata de um filme autobiográfico, mas uma obra repleta de lembranças, sonhos e desejos do artista. Estamos em uma Rimini onírica, ou seja, a cidade da Itália em que Fellini nasceu, mas em um formato fantasioso, assim como a maioria dos acontecimentos do filme que, muitas vezes, são surreais. Aqui vive Gradisca, interpretada sensualmente por Magali Noël (A Doce Vida), a gorda de seios fartos que trabalha na tabacaria (Maria Antonietta Beluzzi), a ninfomaníaca chamada Volpina (Josiane Tanzilli) e a família de Titta (Bruno Zanin) – o garoto central da história. Todos esses personagens citados, além das outras pessoas do povoado, têm alguma conexão com Titta, e o mais interessante é que as histórias são contadas de modo desconexo, o que resulta em um “surrealismo felliniano” – algo bastante presente, também,
em seu filme “Oito e Meio”. Ao mesmo tempo em que é surreal, “Amarcord” é um filme bastante próximo a todos, uma vez que as simbologias de cada contexto estão presentes no nosso dia-a-dia: as brigas familiares durante o almoço, a descoberta do sexo, os desejos carnais, a morte. Fellini conseguiu transpor isso à tela de uma forma surpreendente, o que nos faz sentir parte daquela pequena cidade na Itália. O filme não falha em questões técnicas. É um encanto em cada cena, desde as cores utilizadas até os enquadramentos marcantes; sem contar as belíssimas imagens na neve. A direção de fotografia ficou por conta do talentoso Giuseppe Rotunno, que foi indicado ao Oscar da categoria pelo filme “O Show Deve Con-
Cenas do filme “Amarcord” - Crédito: Divulgação
tinuar” (1979), mas perdeu para o incrível “Apocalypse Now”, de Coppola (com direção de fotografia de Vittorio Storaro). Nino Rota, responsável pela trilha sonora do longa, é um dos principais nomes da música no cinema: “O Poderoso Chefão”, “O Leopardo”, “Oito e Meio”, “A Doce Vida” e “Amarcord” estão entre seus principais trabalhos, que conseguem transpor a essência das cenas para as notas musicais de uma forma completamente única. Da filmografia italiana, “Amarcord” é um filme indispensável, seja por sua estética ou pelas histórias que compõem a vida de Titta. Uma obra que merece ser assistida sempre que possível, mas sempre com novos olhares.
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RESENHA
Festival exibiu um clássico de cineasta alemão: Ninotchka, de Ernst Lubitsch O filme retrata um amor proibido pelo contexto histórico de uma época em que o mundo estava dividico entre o capitalismo e o comunismo Natália Lago Adams
A cidade do amor é palco de um romance à la Romeu e Julieta entre uma agente soviética (Greta Garbo) e um conde burguês (Melvyn Douglas) em “Ninotchka” (1939), exibido pelo Olhar de Cinema nos dias 11, 12 e 13 de junho. Obra do cineasta alemão Ernst Lubitsch, a rivalidade entre capitalismo e comunismo se equipara à dos Capuletos e Montecchios do romance de Shakespeare, fazendo com que os protagonistas vivam um amor tão improvável quanto proibido. Enviados pelo seu governo a Paris para vender joias da antiga realeza a fim de pagar as contas de um país cercado pela fome e miséria, três agentes russos se encontram em solo capitalista pela primeira vez e se veem seduzidos por esse mundo. Ao tentar realizar a transação a que foram incumbidos,
Iranov (Sig Ruman), Buljanov (Felix Bressart) e Kopalsky (Alexander Granach) são impedidos por Leon d’Algout (Douglas), representante de Swana (Ina Claire), ex-duquesa soviética e antiga dona das joias, que reivindica suas peças. Leon tenta convencê-los a chegar a um acordo, corrompendo os enviados soviéticos, que se entregam aos luxos de um hotel de classe, à bebida e às mulheres, indo contra a ideologia de seu país. Ainda assim, sem sucesso, Swana e d’Algout são processados pelo governo russo, e para lidar com a situação, a agente bolchevique Ninotchka (Garbo) é enviada à França. Ninotchka é fria, disciplinada e intimidadora. Ao conhecer d’Algout acidentalmente, a agente resiste aos seus charmes e flertes, mas logo é vencida pelo então desconhecido oponente. Uma vez que descobre que seu novo amante é, na verdade, seu inimigo, ela logo o repreende e deixa-o. O que não durou muito tempo: aos poucos, a personagem de Garbo se rende não só aos encantos do conde – que se vê perdidamente apaixonado por ela –, mas também sucumbe, lentamente, a pequenos caprichos capitalistas, como um chapéu tolo ou algumas taças de champanhe. Em “Ninotchka”, o comunismo é constantemente ridicularizado e criticado, enquanto a
Poster original do filme em cores - Crédito: Divulgação
Cena do filme “Ninotchka” de Ernst Lubitsch - Crédito: Divulgação
cultura capitalista parece superior – o primeiro surge como opressor, enquanto o segundo, é apresentado como libertador. Ainda assim, Lubitsch o faz com inteligência e sutileza, dando toques cômicos que tornam as situações mais leves e disfarçam o que poderia ser um discurso propagandista, por vezes até mesmo criticando, tam-
Ninotchka é fria, disciplinada e intimidadora. bém, a ideologia capitalista. Além disso, o cineasta insere contrastes ao próprio retrato das mulheres da época: todas as personagens do sexo feminino são, a princípio, estereótipos do gênero – como as empregadas promíscuas ou uma típica perua burguesa vivida por Swana –, Ninotchka contraria esses padrões, expressando sua personalidade excepcional com uma de suas primeiras falas no filme: “Don’t make an issue of my womanhood” (“Não me subestimem
pela minha feminilidade”). Não somente o conteúdo da obra merece atenção, sua forma também é digna de elogio. O roteiro de Billy Wilder e a execução de Lubitsch resultam em cenas geniais, como a passagem de tempo e a mudança de comportamento dos três agentes russos marcadas por uma transição em que chapéus simples tornam-se luxuosos, ou quando Leon e Ninotchka simulam uma cena de execução em que o estourar de uma rolha imita um tiro fatal. Nessa história sedutora, em que os opostos se atraem, o diretor faz da comédia urbana uma obra de dicotomias, opondo a primavera parisiense à russa, o capitalismo ao comunismo, a frieza à paixão, o humor das situações ao mau humor da protagonista. Garbo, conhecida por interpretar papéis dramáticos, faz no filme uma rara cena sorridente que rendeu à divulgação do filme a frase “Garbo laughs” (“Garbo ri”) como slogan. E, com essa história, dificilmente o espectador consegue segurar o riso também.
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CURTAS ou PARANÁ NO OLHAR DE CINEMA
Curtas dos Irmãos Wagner mostram a evolução da animação no Paraná Filmes selecionados pelo Festival retratam como a carreira dos cineastas tornaram o Paraná pioneiro no ramo Karin Pfau
Em uma sessão com poucos espectadores, a exibição da coletânea de curtas-metragens dos Irmãos Wagner, no dia 11 de junho, foi uma aula de evolução da técnica dos filmes animados. Filhos do fotógrafo Hemuth Erich Wagner, os irmãos Elizabeth, Helmuth Jr., Ingrid e Rosane Wagner foram os pioneiros neste estilo no Paraná. Eles mostram que a animação começou a ser feita no Paraná desde os anos 70 com a produção de filmes curtos que eram feitos com poucos recursos e de maneira livre, baseados em tentativa e erro. Os curtas exibidos no festival foram recuperados pelo Programa de Apoio e Incentivo à Cultura – Fundação Cultural de Curitiba, com incentivo da prefeitura. A ordem de exibição dos curtas conduziu os espectadores por uma viagem histórica, sendo perceptível a evolução dos filmes dos irmãos, tanto na técnica quanto nas narrativas.
O primeiro curta feito pelos irmãos, intitulado “Ensaios”, é baseado em imagens feitas em acetato e pinturas, de forma muito precária e hoje bastante ultrapassada, com o objetivo de mostrar aos espectadores como funcionam os bastidores de um filme de animação. Já o seguinte, chamado “Metamorfose”, revela como os irmãos Wagner fazem animação de uma forma diferente, usando imagens gravadas com efeitos de aceleração do tempo para mostrar a transformação de uma lagarta em borboleta. Em “A Cidade dos Executivos”, é perceptível a evolução da técnica, uma estética de desenho melhorada foi utilizada, com uma narrativa crítica à sociedade, contrastando as realidades da vida rural com a urbana. A crítica, tanto na esfera social quanto política, é um tema que permeia quase todos os trabalhos dos Wagner, incluindo o curta-metragem “Pudim de Morango”, que foi censurado na ditadura militar.
Cenas do curta-metragem “A Cidade dos Executivos” - Crédito: Divulgação
Cena do curta-metragem MMXII - Crédito: Divulgação
Mirada Paranaense: saiba sobre “MMXII”, “João e Maria” e “O Último Retrato” Roberta Bollinger
Três curtas com temas e abordagens diferentes, mas com algo em comum: feitos por cineastas locais. A exibição fez parte do Mirada Paranaense. Saiba um pouco mais sobre cada uma das obras escolhidas. MMXII Dirigido por Frederico Neto e Alexandre Aguiar, “MMXII” conta a história da reunião da banda “Dorsal”, após um hiato de 12 anos. Em preto e branco, são apresentados cada um dos integrantes, enquanto transcorre o processo da composição de uma música ensaiada pela banda. João e Maria Dirigido por Eduardo Baggio, o curta “João e Maria” mostra a simplicidade de um amor entre duas pessoas idosas. O filme começa com um radialista falando com o ouvinte João. Na ligação, além de pedir uma música, João conta que está procurando uma namorada. Maria ouve o programa e se interessa por João. Eles con-
versam por telefone e decidem se encontrar. Ela florista, ele aposentado. Juntos há quatro anos, o casal estabelece uma ligação muito forte. Ele canta e toca violão, ensaiava músicas com Maria, formando uma dupla de MPB. O filme acaba com o casal ouvindo rádio e a música conta a história de João e Maria. O Último Retrato Dirigido por Arthur Tuoto, o curta “O Último Retrato” transpassa a melancolia da personagem Amanda, após perder o namorado Pedro. O filme começa com algumas fotografias de Pedro sendo vistas por Amanda e logo ela assume a depressão pela falta do namorado. Ela passa a trama toda mantendo as fotos, atualizando os porta-retratos e blogs, mexendo em lembranças ainda que estivesse tentando seguir em frente. O principal objetivo com todas essas atitudes é tentar manter o namorado Pedro vivo com ela.
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OLHARES CLÁSSICOS
O legado de Sergei Parajanov é escancarado no Olhar de Cinema Giovanna Ribeiro Cunha Pereira
Cineasta marcou a história do cinema e continua exercendo influência atualmente. O clássico “A Cor da Romã” foi exibido na quinta edição do Festival em Curitiba Certa vez, o cineasta Sergei Parajanov disse: “Qualquer um que tentar me imitar estará perdido”. Apesar disso, é inegável a influência de sua arte. Nascido em 1924 na República Socialista Soviética da Geórgia, Parajanov ficou conhecido por erradicar o estilo instaurado da época, o realismo socialista, e idealizar seu próprio estilo cinematográfico. Em consequência disso e por seu comportamento controverso, o cineasta sofreu constante perseguição e censura por parte das autoridades soviéticas. Seu filme mais influente, “A Cor da Romã” foi exibido no 5º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba. Originalmente lançada em 1968, é uma obra biográfica não convencional do trovador armênio Sayat Nova, cuja história é retratada poeticamente e de forma não-narrativa.
A estética revolucionária dessa obra serviu como inspiração para inúmeros artistas – mais recentemente, o músico Nicolas Jaar produziu sua versão da trilha sonora. Sobre o trabalho, Jaar escreveu: “Eu assisti-lo e estava pasmo. Senti que o estético fazia todo sentido com os temas desconhecidos que eu tinha sido obcecado por os últimos anos. Eu estava curioso para ver como as minhas músicas soariam quando sincronizados com as imagens e acabei virando dois dias onde eu produzi uma trilha para todo o filme, criando uma colagem misteriosa da música ambiente que eu tinha feito ao longo dos últimos dois anos.” A versão de Jaar tem sido muito bem recebida e o artista mostrou interesse em fazer exibições públicas de sua obra, mas foi proibido por motivos relacionados a diretos autorais. Quanto a isso, o músico escre-
veu: “Não posso culpá-lo, tenho certeza de que Parajanov não gostaria que um cara de NY zoasse com sua obra-prima e chamasse de uma trilha sonora! Ouvi-lo um par de vezes sem assistir ao filme e eu acho que vale por si só, ou pelo menos eu espero que sim!”. Apesar dos diretos autorais, é possível visualizar a versão da obra com a trilha alternativa de Nicolas Jaar no canal de YouTube de sua produtora, OTHERPEOPLE. Não só o músico Nicolas Jaar ficou impressionado com as obras do cineasta. Vários outros artistas como Francis Ford Coppola, Jean-Luc Godard, Frederico Fellini e Michelangelo Antonioni, que disse: “A Cor da Romã de Parajanov, que é, em minha opinião, um dos melhores diretores contemporâneos, arrebata com sua perfeição e beleza”. Só mesmo vendo o filme para perceber a excepcionalidade do cineasta. O cineasta Sergei Parajanov - Crédito: Divulgação
ACONTECEU NO FESTIVAL
Público critica diretor de “Ainda sangro por dentro”ao fim da sessão Elizabet Letielas
O filme “Ainda Sangro por Dentro”, do diretor Carlos Segundo, foi exibido pela primeira vez em Curitiba no dia 11 de junho e, ao chegar no fim, o diretor que estava na plateia sofreu duras criticas do público por abordar assuntos do universo feminino. O curta conta a história de Dora, moça simples que acaba de mudar de cidade. Ela divide uma casa humilde com uma amiga e trabalha como caixa de supermercado. O que Dora faz, morando ali, e seu passado só começam a ser revelados assim que ela começa a se relacionar com um homem, que após ver um feto guardado em sua cozinha passa a ficar curioso sobre a história dela.
“Cidade pequena, sabe?! A gente é violentada e ainda tem que ir embora sendo chamada de puta”, conta Dora quando questionada sobre a sua mudança. Natural de Planura, uma cidade no interior de Minas Gerais, Dora foi embora de lá após ter sido abusada, deixando sua família toda para trás. Seu estupro resultou em uma gravidez, que resultou em um aborto. Mas por que manter esse feto guardado em sua cozinha? “Quero devolver ao dono”, ela explica no decorrer da trama. Dora ainda sangra por dentro, literalmente, por causa do aborto. Para se sentir mais segura andando pelas ruas, ela se convence de que precisa
de uma arma e consegue. Quando é demitida de seu emprego no mercado, Dora comete suicídio. O curta de Carlos Segundo trata de vários temas, como a fuga de uma cidade pequena, o estupro, o aborto, o suicídio, sendo dois desses temas mais voltados ao público feminino. O fato de todas essas questões serem tratadas por um homem contrariou algumas das pessoas presentes. Um adolescente sentado na primeira fila disse: “me incomodou bastante você ser um homem e falar sobre isso”. Após essa declaração, outras vieram, dessa vez de duas mulheres. A primeira argumentou: “é como se eu, como mulher branca, estivesse
falando sobre o filme de uma mulher negra, que poderia estar tratando desse assunto muito melhor que poderia estar tratando desse assunto muito melhor, por já ter vivido isso”. Em contrapartida, uma outra mulher se manifestou a favor: “é questão de humildade e respeito pelo assunto, não há problema [em ser um homem], desde que haja respeito.” Em sua defesa, o diretor e roteirista de “Ainda Sangro por Dentro” explica que desde que começou o filme ele tinha um temor por abordar esse assunto. “Eu estou começando agora a entender os riscos desse filme”, finaliza Carlos.
LONA > Edição 986 > Curitiba, 08 de julho de 2016
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RESENHA
O cinema íntimo de Robert Bresson chega a Curitiba no Olhares Clássicos Mostra trouxe obras de grandes cineastas para os cinemas curitibanos, como “Mouchette, a Virgem Possuída” Natalia Lago Adams
Dentre os cineastas homenageados na mostra Olhares Clássicos da 5ª edição do Festival Olhar de Cinema está um dos principais mestres da história do cinema francês e mundial, Robert Bresson. O longa metragem “Mouchette, a Virgem Possuída” (1967) é um filme consagrado do autor que reúne todas as nuances de seu estilo autêntico. Robert Bresson (1901 – 1999), natural do interior da França e criado em Paris, foi um dos nomes mais importantes do cinema francês e precursor do movimento New Wave. Graduado em Filosofia e Artes Plásticas, Bresson iniciou a carreira como pintor antes de realizar seu primeiro curta metragem, Tarefas Públicas, de 1934, ano em que se tornou cineasta – profissão que o acompanhou pelos quarenta anos restantes, resultando na produção de 13 longas e um incrível legado para a história da sétima arte. Apesar de pouco mostrar sobre sua vida pessoal, os trabalhos de pintura influenciaram os planos e enquadramentos escolhidos pelo cineasta em suas obras cinematográficas; já suas crenças católicas e jansenistas serviram de tema para parte de suas produções, como em Anjos do Pecado (1943); e até mesmo sua experiência de 18 meses como prisioneiro alemão no início da Segunda Guerra Mundial serviu de referência em Um Condenado à Morte Escapou (1956). São fatores como a depravação humana, a predestinação, o bem e o mal, a morte e o suicídio, as doenças, a solidão, o abuso, a transgressão e os demais
assuntos que revelam a alma e a condição humana diante do mundo que a circunda que definem a unidade de temas que percorrem todos os filmes de Bresson. Por partir de experiências próprias, a linguagem cinematográfica construída por Bresson é carregada de intimismo e realismo. O estilo autêntico de suas produções refletem que o cinema em si é puramente uma peça de teatro encenada frente às câmeras, enquanto a cinematografia é Robert Bresson é considerado um dos grandes mestres do movimento minimalista - Crédito: Divulgação a função última deste, por meio da qual é possível criar uma nova plemento imprescindível da ima- repetissem as cenas várias vezes linguagem de imagens e sons – gem, é necessário escolher qual até revelarem-se puramente diano que Bresson fez com maestria. das duas dimensões terá mais te das câmeras. Mesmo mostranSua linguagem minimalista o peso, pois elas se anulam quando do o interior dos protagonistas, o consagrou e o tornou referência igualadas. Já quando o som pode autor jamais apresenta as motivapara outros grandes nomes da sé- substituir a imagem, deve-se neu- ções psicológicas que conduzem tima arte, como Andrei tralizá-la ou suas ações, mantendo assim uma Tarkovsky e Jean-Luc excluí-la, uma ambiguidade inerente à vida tal São fatores como vez que o ouvi- como ela é, dotada de mistérios, Godard. a depravação do se relaciona possibilidades e predestinações, O diretor usou a narracom o interior, pelo menos segundo sua visão. humana, a ção em off como recurenquanto os so para revelar ao pú- predestinação, olhos, com o Na maioria das histórias do artista blico os pensamentos o bem e o mal, a exterior. o protagonista ou morre, ou codos personagens e, ao mete suicídio ou é preso. Fusões mesmo tempo, mos- morte e o suicídio, Para mostrar são usadas com frequência para trar o que não pode as doenças, a o íntimo de exprimir a lentidão do passar de ser visto. Bresson souseus persona- determinado período de tempo e be empregar a música, solidão, o abuso gens, Bresson planos curtos conferem às obras acentuando com ela a e a transgressão os mostrava um ritmo sufocante que repredominante psicológica com frequên- senta, muita das vezes, o estada cena em questão. que percorrem cia em planos do de espírito dos personagens. Mais do que isso, ao todos os filmes de fechados, que Oito dos treze filmes são em preempregar o som de tal colocam em to e branco, o que no início era forma, conseguiu fazer Bresson. evidência suas uma limitação técnica, mas logo do silêncio um elemene x p r e s s õ e s . tornou-se uma escolha estética to dramático. Quanto ao e dramática, principalmente deelenco, usou no lugar de atores, pois que a cor se tornou frequenO autor fez extensivos estudos pessoas que nunca tinham atua- te no cinema. Além de sua vida a respeito do emprego do som do antes, buscando assim não ter pessoal, seus filmes também são em detrimento da imagem, pon- simplesmente encenações. Para baseados em obras literárias e fatuando que se o som é um com- isso, o diretor fez com que esses tos reais.