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Ano XVI > Edição 997 > Curitiba, 16 de dezembro de 2016
Foto: CLydia Liu/ Creative Commons Brasil
MATERNIDADE NO PRESÍDIO: Detentas têm a oportunidade de cuidar dos seus filhos na Penitenciária Feminina de Piraquara (PFP) p. 6
LONA - Edição 997
EDITORIAL
Seis em seis
Quando o inesperado toma conta da vida Desde que Hudson nasceu com hidrocefalia, Stephany passou a se dedicar integralmente para cuidar dele; o auxílio do governo é pouco perto do necessário para uma vida digna para o filho Phaenna Assumpção
“Eu parei de viver.” É assim que Stephany Santos Duarte, de 32 anos, descreve sua atual “vida”. Stephany não trabalha nem estuda. Stephany não se diverte. Stephany não namora. Tudo o que ela faz gira em torno de Hudson Duarte, seu filho que nasceu com hidrocefalia congênita obstrutiva. Há 10 anos ela se tornou mãe. Os médicos disseram que seu pequeno Hudson só sobreviveria por seis meses. Hoje ele está prestes a completar 11 anos. Ele tem uma doença rara, com registro de menos de 150 mil casos por ano no Brasil, segundo dados do Hospital Israelita Albert Einstein. Ela é caracterizada pelo grande acúmulo de líquido cefalorraquidiano dentro do crânio, levando ao inchaço do cérebro. No caso de Hudson, também bloqueia seu sistema ventricular, impedindo que o líquido flua normalmente pelo cérebro e pela medula espinhal. Isso acabou afetando os movimentos das pernas, o que faz ele depender de uma cadeira de rodas. A doença do filho fez com que Stephany passasse a viver para manter Hudson vivo. Ela o acompanha na escola, em sessões de fisioterapia, em todos os lugares. Quando fica “longe” dele, a mãe está atrás de apoio, de remédios, de roupas, de conforto e de uma vida digna para o filho. Reitor José Pio Martins Vice-Reitor e Pró-Reitor de Administração Arno Gnoatto Diretor da Escola de Comunicação e Negócios Rogério Mainardes
Eles moram em uma casa simples, na Região Metropolitana de Curitiba, com mais três pessoas. A única renda da família vem do pai de Stephany, e que muitas vezes não é o suficiente para manter todos da casa. Do pai de Hudson, ela não recebe nada, nem notícias dele. Stephany, assim como outras 522 mil famílias, recorreu à ajuda do governo. Ela recebe R$100,00 por mês do programa Bolsa-Família. “É uma miséria, não dá para nada. Graças a Deus que tenho meu pai”. O auxílio não é suficiente. Hudson necessita de fraldas, alimen-
tação especial, remédios, fisioterapia, acompanhamento médico constante... Mas Hudson e Stephany não estão sozinhos. Existem pessoas preocupadas e dispostas em ajudá-los. Desde a descoberta da doença, mãe e filho recebem auxílio da União Paranaense de Apoio à Criança com Câncer (Unipacc). “Fundamos a Unipacc quando passamos por diversos casos na família de morte por câncer. Quando recebemos outros pedidos de ajuda, como o caso de Hudson, não conseguimos negar assistência”, revela o fundador e presidente da associação benefiFoto: Phaenna Assumpção
Com pouco mais de seis meses de mandato, o presidente Michel Temer parece cada vez mais concordar com os jargões repetidos à exaustão de que seu governo assumiu por meio de um golpe. Ainda enquanto governo provisório, Temer viu três dos seus ministros caírem. O primeiro, Romero Jucá (PMDB-PE), despencou logo na segunda semana de mandato: Jucá, como ministro do Planejamento, foi gravado pelo então presidente da Transpetro, Sérgio Machado, dizendo que o impeachment deveria se consolidar para que a “sangria da Lava Jato fosse estancada”. Em seguida cai o ministro da Transparência, Fiscalização e Controle também em função de gravações de Machado, mas agora em uma conversa com o presidente do Senado, Renan Calheiros, em que criticam a operação Lava Jato. Um mês depois, o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), deixou o Ministério do Turismo por receber informações – privilegiadas – de que os dados de uma de suas contas secretas na Suíça haviam sido repassados para a Procuradoria-Geral da República. Para então diminuir o impacto da revelação iminente de sua conta na Suíça e não levar a Lava Jato para o Palácio do Planalto, Henrique Alves, decidiu pedir demissão. Após Alves, o Advogado-Geral da União, Fábio Medina Osório, foi demitido por estar envolvido em várias polêmicas sobre o impeachment de Dilma Rousseff, com a equipe de ministros do mandato anterior. Osório afirma que sua demissão aconteceu pelo fato de que o atual governo quer abafar a Lava Jato e ele acabou não compactuando com isso. Mais recentemente, Marcelo Calero, o titular do ressuscitado Ministério da Cultura, pediu demissão por estar sendo “pressionado” pelo ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima. Segundo Calero, Geddel queria a liberação da obra de um prédio em que havia comprado um apartamento em Salvador, numa área tombada pelo Patrimônio Histórico. Ou seja, Geddel estava negociando interesses próprios. Marcelo Calero caiu e acabou levando Geddel com ele. Mas, como aconteceu com Sergio Machado, que acabou instaurando a primeira crise do governo Temer e derrubou dois ministros, Calero pode ser o próximo a levar mais de dois braços fortes da administração peemedebista para o buraco. Isso porque, com denúncias graves envolvendo outros ministros e o próprio presidente Michel Temer, a “Crise Calero” aparenta estar longe de acabar. Talvez, dessa vez, estejamos realmente presenciando um crime de responsabilidade por parte de um presidente da República. E para crime de responsabilidade todo mundo sabe qual é a punição.
CUIDADOS ESPECIAIS
EXPEDIENTE
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Hudson Duarte, de dez anos, possui microcefalia,.
Pró-Reitora Acadêmica Carlos Longo Coordenadora do Curso de Jornalismo Maria Zaclis Veiga Ferreira Professora-orientadora Katia Brembatti
Projeto Gráfico Gabrielle Hartmann Grimm Diagramação Brayan Valêncio Edição Brayan Valêncio
Curitiba, 16 de dezembro de 2016
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Foto: Phaenna Assumpção
“Se não fosse por essas pessoas, eu não sei o que seria de mim. Passamos por um período muito difícil e agora estamos nos reconstruindo” da construção do nosso consultório odontológico, mais equipamentos para fisioterapia. Precisamos de muita coisa ainda”, conta a diretora da Unipacc, Eliane Gusso. A associação existe desde 2005 e conta com trabalho voluntário e doações para se manter.
Fotp: Divulgação
cuidam dos enfermos. “É importante recuperar a auto-estima dessas cuidadoras. Elas se sentem muito sozinhas e angustiadas. Aqui elas contam com o apoio e amizade uma da outra”, conta Carla Damasceno, psicóloga do centro. “Mas acredite, eu aprendo muito mais com elas do que elas comigo. É impressionante a força dessas mulheres guerreiras”, ela complementa, emocionada. “Nosso sonho é ter a sede própria, em um lugar plano, conseguir a liberação Com certeza, se não fosse esse auxílio, Hudson, Seu Betinho e tantos outros teriam condições de vida piores. Hoje, graças à fisioterapia, Hudson consegue movimentar a própria cadeira de roda e seu Betinho consegue se expressar. Ainda há muito a melhorar, a esperança de dias melhores é o que move voluntários e cuidadores. “Acho que nasci com esse papel, ser mãe do Hudson, esse é meu destino. Deus não dá uma cruz maior do que a gente possa carregar”, comenta Stephany.
cente, Edson Macedo. Além de atender crianças e adolescentes com câncer, a Unipacc dá assistência a pessoas com alguma deficiência e de baixa renda. Ao todo, a associação consegue prover uma vida melhor para 40 famílias. “Gostaríamos de atender mais pessoas, mas não temos dinheiro o suficiente. Para as poucas pessoas que ajudamos, fornecemos tudo o que podemos. Prezamos pela qualidade”, revela a fundadora e vice-presidente, Beatriz Lima. A associação também ajuda Roberto Santana, aposentado de 60 anos, mais conhecido como Seu Betinho. Há dois anos ele sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC), o que o fez perder a fala e alguns movimentos. Com as sessões de fisioterapia semanalmente que faz
Foto: Phaenna Assumpção
A Unipacc é hoje uma das associações que apoia pessoas com algum tipo de deficiência
na Unipacc, seu Betinho voltou a se comunicar através da escrita. “Se não fosse por essas pessoas, eu não sei o que seria de mim. Passamos por um período muito difícil e agora estamos nos reconstruindo” conta a esposa, Aparecida Santana. Além de fornecer medicamentos, suplementos alimentares, leites espe-
“Gostaríamos de atender mais pessoas, mas não temos dinheiro o suficiente. As poucas pessoas que ajudamos, fornecemos tudo o que podemos” ciais, cestas básicas, fisioterapia, a Unipacc dá apoio para os familiares que
Roberto Santana de 60 anos, o seu Betinho, é um dos auxiliados pela Unipacc.
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DEBATE
Aborto: Lona apresenta dois pontos de vista distintos sobre o assunto No Brasil acontecem 1 bilhão de aborto por ano realizadas em clínicas clandestinas e 250 mil internações por complicações abortiva Nicole Smicelato e Patrícia Sankari
Desculpe-me, mas precisamos falar sobre meu corpo “Eu tinha certeza que estava grávida antes mesmo da minha menstruação atrasar. Não sei porque, mas eu sentia. Quando minha menstruação atrasou três dias, eu comprei um teste de farmácia e deu positivo. Meu namorado estava junto comigo e nós ficamos desesperados. Compramos mais um teste de farmácia que era “leve 2, pague 1”. Ao todo, foram 3 testes de farmácia e 3 positivos. No dia seguinte fui até um laboratório e fiz o exame de sangue. O resultado saiu no mesmo dia e apontou 3 semanas de gravidez. Eu não sabia o que fazer porque ao mesmo tempo que o maior sonho da minha vida era ser mãe e ter uma família, com 18 anos não era o momento.” O relato de L.M é mais um dentre os diversos casos de gravidez indesejada, principalmente na juventude. O que fazer? Para quem eu conto? Como arcar com essa responsabilidade? Essas e outras demais perguntas rodeiam a cabeça dos jovens que se encontram nessa encruzilhada e que, em grande parte dos casos, acaba escolhendo um caminho sem volta. “Descobri o aborto pesquisando muito na internet. Primeiro eu tomei todo tipo de chá que você possa imaginar. Na hora do desespero, a gente acredita em tudo. Até que um dia achei uma mulher dizendo que tinha o contato de uma enfermeira que vendia misoprostol (Cytotec), entrei em contato com a enfermeira e ela me cobrou R$100 cada comprimido. Eu precisava de seis. Consegui conversar com a enfermeira e ela acabou me fazendo os 6 comprimidos por R$450”, explica a jovem pró-aborto. Segundo o censo 2010 do IBGE, no período de
2011 e 2012, o total de filhos gerados quando as mães tinham entre 15 e 19 anos quase dobrou: de 4.500 para 8.300. E para agregar mais tensão ao assunto, nessa faixa de idade, cerca de 18% das mulheres já engravidaram ao menos uma vez. A pesquisa do Fundo de População das Nações Unidas diz que em todo o mundo cerca de 16 milhões de meninas com menos de 18 anos dão à luz e outras 3,2 milhões se submetem a abortos inseguros. E aqui no nosso país cerca de 700 mil meninas se tornam mães todos os anos e desse total pelo menos 2% tem entre 10 e 14 anos. Além disso, em 2012, as adolescentes respondem por cerca de 31% do total de partos realizados nos hospitais do SUS e cerca de 300 mil mulheres nessa faixa de idade foram submetidas à curetagem pós-aborto. Com todos esses dados alarmantes, vem junto uma consequência da falta de recursos do poder judiciário e a legalização do procedimento: o feminicídio.
“Descobri o aborto pesquisando muito na internet. Primeiro eu tomei todo tipo de chá que você possa imaginar. Na hora do desespero, a gente acredita em tudo” Como gênese, segundo o dossiê “Violência Contra Mulheres”, esse termo significa o assassinato de uma mulher pela condição de ser pura e simplesmente mulher. Suas motivações mais usuais são o ódio, o desprezo ou o sentimento de perda do controle e da propriedade sobre as mulheres, comuns em sociedades marcadas pela
associação de papéis discriminatórios ao feminino. Ainda sobre a pesquisa do UNFPA, nos países em desenvolvimento cerca de 7,3 milhões de meninas com menos de 18 anos dão à luz e 70 mil morrem em decorrência de complicações da gravidez ou parto. Toda essa realidade se dá por vários vetores e complicadores sociais: a falta de informação, classe social e poder econômico e político. Como consequência, o grupo feminino que mais sofre com os casos de feminicídio por aborto é a camada mais pobre social. As negras e pobres são mais atingidas pela criminalização do aborto, pois são elas que buscam as clínicas clandestinas e acabam com as vidas numa mesa de “açougue”, ajudando o número estatístico de 1 bilhão de abortos por ano e 250 mil internações por complicações abortivas. “Quando consegui juntar o dinheiro, já estava quase fechando a quinta semana de gestação e, no dia que completou as cinco semanas, eu fiquei com muito medo, mas, abortei. O meu maior medo era por causa do Cytotec que é um remédio fortíssimo para úlcera e eu poderia ter sofrido uma intoxicação”, conta L.M. É um número monstruoso de óbitos de mulheres negras, pobres, adolescentes e sem apoio do parceiro ou pai da criança contabilizados no SUS por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 47 mil mulheres morram todos os anos no mundo por complicações relacionadas a abortos clandestinos. Além de todos os medos e sentimentos que envolvem a situação em que a mulher se encontra, existem pessoas que se aproveitam da condição psicológica da mãe e da falta de capacidade jurídica do Estado sobre o procedimen-
to, e jogam com a vida das mulheres desamparadas “esse comprimido tem venda proibida. Ele só é entregue dentro de postos de saúde e hospitais para pacientes em tratamento. Por isso é tão difícil conseguir. E a mulher, sendo enfermeira, tinha fácil acesso. Por um lado ela era malandra e ganhava um dinheiro por fora, e pelo outro, me ajudou a fazer o que eu queria”. Explica L.M ao relatar detalhes do procedimento abortivo.
“Quando consegui juntar o dinheiro, já estava quase fechando a quinta semana de gestação e, no dia que completou as cinco semanas, eu fiquei com muito medo, mas, abortei” A jornalista e ativista pró-legalização Vanessa Fogaça afirma que criminalizar o procedimento não impede que as mulheres abortem, e além de não ser eficaz nesse objetivo, leva a morte de mulheres a acima do esperado pelo controle de óbito do país, como mostram os dados da Organização Mundial da Saúdede que mais de 2 mil mulheres abortam todos os dias no Brasil. “O direito penal não consegue dar conta dos problemas que a criminalização causa. Isso foge da esfera punitiva”. Vanessa comenta sobre os dados de países legalizados, como nosso vizinho Uruguai, que descriminalizou o procedimento em 2012, e em uma pesquisa realizada entre 2013 e 2014 mostra que houve uma desistência de 30% nos abortos em relação aos anos anteriores, e com isso, não registrou mais nenhuma morte em decorrência dessa prática e reduziu de 33 mil para 4 mil o número de abortamentos anuais.
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Foto: Pixabay
cidades do país, a Marcha Nacional da Cidadania pela Vida, também chamada apenas de Marcha pela Vida. O Brasil Sem Aborto também teve uma participação forte na elaboração do Estatuto do Nascituro, projeto que pode blindar o país contra uma possível legalização do aborto. Mesmo que na maior parte das vezes, esse tipo de grupo seja completamente ligado às questões católicas e religiosas em geral, L.S, que é parapsicóloga e ativista próvida pela Casa Pró-Vida - Mãe Também falou sobre a expectativa caso o procedimento fosse legalizado aqui. “A tendência é que a média de abortos feitos a cada ano, que pode chegar a mais de 1 milhão, diminui, pois o Estado passa a conhecer essas mulheres e a ampará-las melhor, propondo alternativas para as que não gostariam de abortar, minimizando as chances de que voltem a engravidar de forma indesejada. É saúde pública, é luta contra o genocídio e o feminicídio”. Aqui no país o aborto não é qualificado como crime quando praticado por médico capacitado em três situações: quando há risco de morte para a mulher causado pela gravidez, quando a gravidez é resultante de um estupro ou se o feto for anencefálico (má formação fetal no cérebro). Nesses casos, o governo brasileiro providencia gratuitamente o aborto legal pelo SUS. Desculpe-me, mas eu preciso nascer De fato, esse assunto ainda é um tabu no Brasil. E como todo bom tabu, divide e polariza muitas opiniões. Existe em grande grupo espalhados pelo
Brasil que se denominam pró-vida, ou seja, são contrários a todo tipo de intervenção que interrompa uma gestação. Em sua grande maioria, o movimento está ligado à religião. Seus ativistas costumam realizar intervenções pacíficas, como grupos de orações, manifestações e grupos de apoio e auxílio às famílias e às mulheres em situação de desamparo. A estudante E.N, de 19 anos, é um exemplo de como esses grupos podem agir na vida das jovens e mulheres que procuram essa saída para seus problemas “Eu descobri minha gravidez com 15 anos. Lembro de me olhar no espelho e estar branca quando vi o resultado daquele exame de farmácia. Eu não sabia o que eu deveria fazer. Namorava há uns 6 meses, tinha acabado de entrar no ensino médio e estava com muito medo dos meus pais. Falei com uma amiga e depois de conversar com ela, decidi abortar. Foi quando meu namorado me levou em um grupo de apoio e lá me fizeram mudar de ideia”. A ONG Brasil Sem Aborto foi uma das instituições criadas no Brasil. A instituição promove anualmente, em várias
Imaculada em Curitiba, explica que a luta desses grupos é puramente pelo direito da vida do feto que está sendo gerado dentro da mulher “As pessoas que apoiam esse procedimento tentam derrubar nosso argumento sobre o direito da vida dizendo que, cientificamente, só existe vida a partir do momento que o sistema nervoso está formado. Mas nós não acreditamos nisso, acreditamos que desde o momento da concepção há vida, e essa nova vida não tem o direito de nascer, crescer e viver”. Ela diz que a Casa reconhece o problema do estupros e violência contra a mulher, e nesses casos há um acompanhamento mais aprofundado, principalmente psicologicamente. No processo de acolhimento de casos, as mulheres passam por avaliações médicas, físicas e psicológicas para que possam ser encaminhadas para o caminho mais correto em cada caso. E como é de se esperar, a faixa etária mais atendida pela instituição é de menores de 18 anos e em condições
sociais desfavorecidas. Atualmente, a Casa atende em média cinco famílias por semana, e conseguem convencer as mulheres e meninas a não interromper suas gestações com uma eficácia de 50% dos casos atendidos por mês. L.S diz que a instituição sofre bastante ameaça de grupos pró-aborto e que o endereço do local nunca é divulgado, um dos motivos pelo qual ela preferiu o anonimato aqui, mas mesmo assim, prosseguem com as iniciativas, palestras e eventos de conscientização. O objetivo do auxílio que oferecem, segundo L.S, é o de que a mulher mantenha a gestação e dê a luz, mas ela não é obrigada a permanecer com a criança. Caso ela não tenha condições financeiras, social ou psicológica de criar o filho, existe o apoio jurídico oferecido pela Casa para encaminhar a criança para a adoção. Caso a mulher opte por permanecer com a criança, existe o acompanhamento médico com o pré-natal e apoio psicológico. “Quando cheguei lá, minha mãe já estava sabendo da situação e concordou com minha decisão de manter o bebê. Mesmo assim, tive muito medo por ser uma criança, mas estava convencida que eu não podia interromper aquela vida. Mas, infelizmente, tive uma vaginose bacteriana na minha quinta semana de gestação, o bebê não aguentou e tive um aborto espontâneo”. Diz E.N, e depois complementa “Eu entendo a luta pelos direitos das mulheres, mas não tenho coragem de interferir na vida alheia dessa forma. Eu não quero essa responsabilidade para mim”. L.S diz que a maior luta é mostrar para as futuras mães que há uma saída menos traumática para esse problema e que toda vida tem o direito de viver.
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PRESÍDIO FEMININO
Maternidade na prisão: do ventre ao cárcere Na Penitenciária Feminina de Piraquara, 26 crianças acompanham suas mães na espera pela liberdade Camila Abrão e Gabrielly Domingues Foto: Consulado da Mulher/Divulgação
Quatro quilômetros separam o centro da cidade de Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba, da Penitenciária Central do Estado do Paraná. A estrada de chão mal cuidada forma o caminho tortuoso que parece mais longo do que realmente é: uma premissa das histórias de quem agora responde pelos crimes que cometeu. Ao chegar lá, a sensação é de estar distante do mundo real. A placa indica que os visitantes devem deixar seus veículos do lado de fora. Junto com os carros fica o sentimento de liberdade. Keyla Borges Matias, de 22 anos, nascida e criada em Nova Londrina, município do Norte do Paraná com pouco mais de 13 mil habitantes, jamais imaginou que seria uma das 370 detentas. Aos 19 anos ela foi condenada a 17 anos e 6 meses de prisão com base no artigo 157 (Lei 2848/40) do Código Penal, por assalto à mão armada com o agravante de formação de quadrilha. Depois de um ano e cinco meses presa em Nova Londrina, ela engravidou. Apesar de não entrar em detalhes, Keyla dá a entender que o pai da criança também cumpria pena na mesma comarca. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional, a população carcerária feminina era de 36.495 pessoas em 2014. Desse total, cerca de 21% (7.855), estava na faixa etária de Keyla, considerada a mais representativa, entre 18 e 24 anos. A mesma pesquisa mostrou que existiam 534 grávidas no sistema. A penitenciária do Estado é uma entre outras seis no país que dispõe de creche e estrutura adequada para receber os filhos das presas. Por isso, com 39 semanas de gestação, ela foi transferida para o Complexo Médico Penal de Piraquara, já que a gravidez não foi o
suficiente para que a juíza concedesse prisão domiciliar para Keyla. A jovem de tatuagem no pescoço encoberta pelas vestimentas do presídio, carrega no corpo as marcas de uma infância difícil: com três anos foi diagnosticada com meningite, passou 25 dias internada na UTI e sofreu com sequelas da doença. Durante algum tempo não conseguia andar e ficou com cicatrizes nas pernas. Pensou que não poderia engravidar, nem mesmo o atraso no ciclo menstrual fez com que Keyla acreditasse na possibilidade de ser mãe. Com 12 semanas e seis dias, ela ouviu pela primeira vez o coração de seu bebê bater. Cantinho Feliz Há dois anos a creche da Penitenciária Feminina de Piraquara é administrada pela Rede Marista. O local, chamado de Centro Social Marista Estação Casa, abriga os filhos das detentas. Os bebês com até seis meses podem ficar com as mães na galeria materno-infantil, que
tem 23 vagas. Depois de seis meses, as crianças passam por um período de adaptação, no qual ficam com as mães durante o dia e, quando anoitece, dormem na creche acompanhadas de uma cuidadora e uma agente da própria penitenciária. A filha de Keyla é uma das 26 crianças que moram junto com suas mães, dentro da penitenciária. Lá, cada uma tem a sua própria cama e todas são identificadas de longe pelas colagens coloridas na parede. Os três quartos da creche carregam um ar infantil que parece estar fora da realidade de uma prisão. O banheiro compartilhado tem azulejos brancos, impecavelmente limpos. Na cozinha, o cheiro é como os almoços de família na casa da avó, mas por lá, quem comanda as panelas são duas detentas e uma funcionária da Risotolândia. Os legumes no armário são tão frescos que parecem ter sido comprados no dia. No refeitório, as cadeiras coloridas fixadas em cada uma das parede esperam pelos pequenos, que se reú-
nem para o almoço perto das 11 horas. A limpeza é um dos princípios da creche e a lavanderia revela todo o cuidado das detentas com o lugar. São quatro máquinas de lavar roupa e todas parecem ser daquelas de última geração que ficam expostas nas vitrines das lojas de eletrodomésticos. A área para os varais é pequena, com um pouco de grama desgrenhada no chão. Para facilitar a vida das mães que passam o dia com seus filhos, a creche também conta com uma sala específica para o preparo das mamadeiras. E o conforto não é só para as crianças e detentas. As agentes penitenciárias responsáveis pelo local contam com um alojamento com duas camas de solteiro. Na parte externa, as crianças podem experimentar o gostinho do mundo fora da penitenciária. Árvores com apanhadores de sonhos feitos com lã pendurados bem no alto, balanços coloridos, banquinhos de praça e escorregadores compõem o cenário, que parece tão natural como qualquer
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plicou que a fase de implantação do projeto foi difícil e que a equipe foi se adaptando aos poucos ao cotidiano da unidade. Universo particular Apesar de o lugar destinado às crianças parecer um mundo à parte, a realidade da situação não deixa de ser complicada para todos os envolvidos. Sandra Rocha Loures Ramos, assistente de direção da instituição, diz que toda uma rede de apoio é montada para fortalecer os laços familiares em prol da criança através das assistentes sociais. Com isso, a intenção é que, se possível, a criança saia junto com a mãe, nos casos de sentenças breves ou mudança para o regime semiaberto. Vinda de uma família
grande, Keyla tem quatro irmãs e onze sobrinhos. Um deles também nasceu enquanto sua irmã cumpria pena. Os dois já voltaram à vida normal em Nova Londrina. Apesar do tamanho da família, Keyla e sua filha nunca receberam visitas na penitenciária. A criança é tão acos-
Foto: Pixabay
outro parquinho infantil da cidade. A brincadeira não fica restrita somente ao parquinho. As crianças também podem assistir desenhos e ouvir músicas infantis na sala de televisão ou até brincar com os tecidos e brinquedos doados pela comunidade e pelo Marista na sala do “Direito de Brincar”. Para manter a creche funcionando, a Rede Marista é responsável pelo investimento financeiro e também por contratar a equipe pedagógica, formada por uma assistente social, uma psicóloga, uma enfermeira, três educadoras sociais e duas cuidadoras noturnas (que se revezam – uma por noite – e cuidam das crianças com uma agente penitenciária). Janaína Fátima de Souza, assistente social e coordenadora do projeto, que trabalha há 15 anos com educação, afirma que o foco principal da ação são as crianças em situação de invisibilidade. Apesar de não existir uma grade fixa de atividades, as educadoras trabalham sempre pensando no desenvolvimento psicomotor e pedagógico. Janaína ex-
tumada com a presença da mãe que não se habituou com as demais detentas. Apesar disso, no refúgio do colo de Keyla, ela sorri quando vê pessoas desconhecidas. A pequena menina também não conhece o pai, que até agora só mandou uma única carta. A mãe que criou a filha sozinha dentro de uma penitenciária é reticente ao falar do assunto. Com o primeiro aniversário da filha no dia 26 de setembro dentro da prisão, Keyla ganhou um presente antecipado. Com os olhos brilhantes, ela conta que vai para o regime semiaberto com a menina assim que surgir uma vaga. A condicional dela está prevista somente para 2019. Enquanto isso, a jovem planeja os próximos passos, já que a vida não para. Quer arrumar um trabalho, retomar os estudos que abandonou na sexta série, e voltar para a casa da família. Ser parte de um todo no qual se sente à vontade. Quando fala do que espera para o futuro da filha, o sorriso fácil some por um instante e tudo que sobra é uma mãe preocupada: “Quero que ela seja o oposto de mim”.
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INCLUSÃO LGBT
A igreja do século XXI: o pastor da diversidade A mistura da fé e da aceitação fizeram de Cristoffer Zilotti o primeiro pastor de uma igreja para LGBT’s de Curitiba André Slosavski e Estela Cruz
amigos foram passar as férias em Londrina. A cidade que fica a 381km de Curitiba reservava ao jovem pastor desígnios dos quais ele já havia esquecido. Durante a viagem, uma das paradas do grupo foi na igreja Espaço Cristão, um local onde a diversidade é sinônimo de amor. Cristoffer não conhecia muito bem a ideia daquele projeto, ou pelo menos, nunca tinha visto um que tivesse dado certo. Embora tenha tentado colocá-lo em prática no ano de 2011, os planos de abrir uma igreja inclusiva em Curitiba não deram certo. Passado algum tempo da viagem, Cristoffer recebeu uma ligação. Do outro lado da linha, o pastor fundador da igreja inclusiva em Londrina, Marcos de Lima, descrevia ao jovem a quantidade de pessoas de Curitiba que estavam o procurando para aconselhamento. Pela distância, os atendimentos tornavam-se quase impossíveis. Cristoffer não se sentia preparado para orientar espiritualmente gays, lésbicas, transexuais e todos aqueles que eram rejeitados, de certa forma, pelas igrejas tradicionais. Mas disse sim. Os primeiros encontros aconteceram na cidade de Almirante Tamandaré, em pequenos grupos, conhecidos como células. A ideia das reuniões consistia na leitura da Bíblia, sua reflexão e algumas músicas. Foram cerca de 6 meses assim, até que o número de participantes cresceu de tal forma que era hora de procurar um lugar fixo. Cristoffer fez algumas pesquisas de preço, e inacreditavelmente a frase “para o público LGBT” encarecia o valor dos imóveis. O preço das salas para a realização dos encontros variava de quinhentos a dois mil reais,
Foto: Arquivo Pessoal
No dia da semana dedicado à fé, as portas da pequena sala no bairro Rebouças se abriam para aqueles que desejavam recarregar suas forças. As paredes brancas davam ao ambiente a essência necessária para a realização dos cultos. Mas essa mesma alvura, opaca e sem vida, pouco refletia as pessoas que estavam ali. Talvez representassem aqueles que pela primeira vez participavam dos encontros, para diminuir a dor e a indiferença que experimentam fora dali. Em pouco tempo a sala está cheia. São pessoas vindas de todos os lugares da cidade, que tornam-se semelhantes pela diferença. O culto começa. O ministério de música canta, seguido pela leitura de uma passagem da Bíblia. Os que se encontram ali permanecem em silêncio, onde buscam compreender os mistérios da fé e de sua própria existência. Muitos parecem envergonhados, deslocados e acreditando que essa é mais uma tentativa frustrada de se sentir parte de algo muito maior. Logo, um jovem pastor começa a pregar sobre o amor, a igualdade e a autoaceitação. Suas palavras carregam marcas tão profundas como os estigmas de Cristo. Porém, seu discurso não é triste: a energia de suas palavras mostra aos jovens que se encontram na sala a possibilidade de renascer sem matar o velho homem. As luzes se apagam e de repente uma fumaça toma conta do ambiente, em meio a flashes azuis, vermelhos e verdes o ministério de dança move-se conforme as batidas da música. Mais uma vez o culto se encerra. O jovem pastor não poderia imaginar que uma viagem de férias o levaria até ali. Livro do Gênesis, o começo de tudo. Em 2014, Cristoffer Zilotti e alguns
Pastor Cristoffer Zillotti, fundador da Comunidade Cristã Abraça-me, localizada na Rua Lamenha Lins nº 2021, no Centro de Curitiba.
um valor que fugia de qualquer orçamento, ainda mais do jovem pastor que nem mesmo queria assumir essa responsabilidade. Como um sinal divino, um dos tantos e-mails enviados solicitando orçamento retornou com uma proposta irrecusável! Um hotel localizado no centro de Curitiba alugaria a sala por cento e dez reais, com água e café incluídos no preço. Cristoffer aceitou e logo viu que o lugar ficaria pequeno. O público mais que dobrou, obrigando o pastor a dividir os encontros entre sábado e domingo. E logo era hora de buscar um novo lugar. Após algum tempo de procura, a comunidade “Abraça-me” encontrou no bairro Rebouças seu novo endereço. Como muitas crianças e adolescentes, Cristoffer foi levado para a igreja pela sua avó. Seguindo as tradições, ele ia
à missa, fazia catequese e até chegou a fazer a primeira comunhão. O desejo de sua avó era que ele fosse para o seminário. Mas Cristoffer não queria. Aos doze anos mudou a homilia do padre pelos sermões do pastor, influenciado por sua mãe, que havia se convertido para outra religião. Nela, o adolescente cuidou de crianças, participou de grupos de jovens e cultos de libertação. Acreditou que finalmente havia encontrado um lugar que pudesse o acolher. E não estava errado, desde que Cristoffer não fosse Cristoffer. Desde a infância sentia atração por meninos. Mantinha-se em silêncio por saber que os pastores de sua igreja categorizavam a homossexualidade como algo condenável. Com dezesseis anos deu seu primeiro beijo. Tal qual o beijo de Judas que entregou Jesus aos romanos, Cristoffer acreditava que o
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Foto: Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo/Divulgação
O relacionamento acabou, mas tempos depois surgiu outro. Nesse, Cristoffer teve a oportunidade de conhecer a Umbanda, talvez a religião que tem mais abertura ao público LGBT, segundo o jovem pastor. Mas ainda assim, aquele não era seu lugar. No fim da peregrinação por um lugar em que pudesse expressar sua religiosidade, sem esconder quem era, Cristoffer retornou à igreja evangélica. Lá o pastor tinha alguns amigos gays, que entendiam o que ele passava. Após o culto, os amigos esticavam a noite em baladas. Foi nessa caminhada que conheceu a igreja que o aceitou como é e começou a atender o público LGBT, tornando-se pastor da primeira igreja inclusiva de Curitiba. Enquanto pastor, Cristoffer adotava uma visão diferente das pregadas tradicionalmente. Acreditando que a igreja não é capaz de salvar ninguém, a sua mensagem para aqueles que se encontram no culto era transmitir o amor ao próximo. Em suas palavras buscava mostrar a Bíblia de forma equilibrada, sem pescar versículos soltos e os traduzir de forma tendenciosa. As experiências de sua vida e o contato que teve
com outras religiões abriu sua mente para novas percepções de uma fé que sempre esteve ao seu lado, e isso permitiu questioná-la. O jovem pastor não acredita mais naquele diabo que poderia delatá-lo. Aquele assombro ficará no passado. Cristoffer combateu o preconceito dentro de si para que pudesse trabalhar com aqueles que passavam pelas mesmas provações que um dia ele passou. Atualmente a igreja inclusiva que criou não existe mais. Ele deixou esse projeto, que ori-
ginou mais duas igrejas em Curitiba, para assumir a Diretoria da Federação Nacional em Graça, que busca tirar da clandestinidade as comunidades inclusivas. Já são mais de 10 mil pessoas dentro desse novo modelo de igreja em todo o Brasil. Gays, Lésbicas, Transexuais, filhos de pastores ou ex-seminaristas não precisam mais sentir o medo e a solidão por não estarem nos padrões estipulados pela sociedade. O cansaço de Cristoffer na busca por aceitação deu lugar a um projeto de amor ao próximo e a si mesmo. Foto: Pixabay
diabo poderia falar por meio de algum irmão possuído, o que o jovem obreiro havia feito. Ele não queria mais isso, queria gostar de meninas. Começou então a jejuar e a orar na esperança que Deus pudesse mudar sua essência. Durante esse período chegou próximo de se tornar um pastor, mas para isso precisava se casar. Os jejuns, a oração e o choro não podiam “curá-lo”. Deus não podia, simplesmente porque essa era essência de Cristoffer, imutável e eterna. Cansado de negar sua própria verdade, conheceu um rapaz com quem teve um relacionamento relativamente duradouro para os dias de hoje. Por ele, o jovem pastor conheceu o espiritismo, sua doutrina e a possibilidade de ser ele mesmo dentro de uma instituição religiosa, mas estava enganado. O discurso de que todos eram bem-vindos ali era apenas mais. O espiritismo prega a evolução da alma, ou seja, se hoje um gay é assim é porque sua alma feminina encarnou num corpo masculino, e deve-se fazer um trabalho espiritual para que o espírito entenda que mesmo sendo feminino, ele deve se comportar de acordo com a sua encarnação, neste caso, no corpo masculino.
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REFORMA DA PREVIDÊNCIA
A reforma da Previdência e o bolso do cidadão Polêmica, a proposta de reforma da Previdência é uma das medidas em pauta mais discutidas do governo Temer Ana Clara Faria
neste ano. A discussão e a votação do projeto, no entanto, está prevista apenas para 2017. “Todo sistema previdenciário é um mecanismo de seguro social a todos os indivíduos da sociedade, mas isso tem um custo”, comenta Luís Eduardo Afonso, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP). “Não podemos oferecer um conjunto de benefícios que sejam caros demais para a sociedade e, ao mesmo tempo, não ter os incentivos adequados aos indivíduos e, principalmente, à oferta de trabalho”.
Foto: Ana Clara Faria
“Concordo, de modo geral, com a proposta”. O aposentado Marco Antônio Busnardo, de 57 anos, passou de contribuinte para beneficiário da Previdência há pouco mais de um ano, quando encerrou seu trabalho em um banco. Ele acredita que a proposta de reforma da Previdência – tão divulgada pela imprensa, atualmente, como uma das principais medidas a serem tomadas pelo governo de Michel Temer – é válida, apesar das prováveis resistências. “Na minha opinião, o Brasil tem que fazer a reforma sob pena de comprometer o recebimento normal das aposentadorias nos próximos anos, a exemplo do que aconteceu na Grécia”, comenta o aposentado. “Em algum momento tem que ser feito, e rápido”. Busnardo é um dos 30 milhões de beneficiários da Previdência Social do país. Para que os aposentados tenham acesso aos benefícios, cerca de 70 milhões de trabalhadores do setor privado são contribuintes do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). O sistema previdenciário, nos últimos anos, tem gerado altos custos às contas públicas e consecutivos saldos negativos – isto é, a diferença entre as despesas e o valor arrecadado – a cada ano. Em 2015, o déficit na Previdência foi de cerca de R$ 86 bilhões, o que corresponde a um aumento de 50% no déficit com relação a 2014. As despesas no setor correspondem a aproximadamente 8% do PIB (Produto Interno Bruto) do país. A proposta de reforma na Previdência, segundo o Governo, seria a melhor alternativa para minimizar os custos e reequilibrar as contas. O presidente Michel Temer e o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmam que o texto da proposta será encaminhado ao Congresso ainda
Mudanças urgentes Embora o governo ainda não tenha divulgado o texto oficial da proposta, a imprensa tem divulgado algumas das prováveis medidas a serem sugeridas ao Congresso. A previsão é de que a reforma compreenda mudanças na idade mínima de aposentadoria e no tempo de contribuição para o sistema. A expectativa é que a idade sugerida a longo prazo, para homens e mulheres, seja de 65 anos, e o tempo mínimo de contribuição para a Previdência – que atualmente é de 15 anos – aumentaria para 25 anos. “Temos que esperar para ver quais medidas, de fato, o governo irá propor – não só em termos qualitativos, mas também em termos quantitativos”, diz Luís Eduardo Afonso, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP). “Mas, a princípio, elas são necessárias e são da maior importância para a economia do país”. Outro ponto a ser discutido é a unificação do regime previdenciário para
Uma das principais propostas do Governo de Michel Temer é alterar as regras da Previdência.
todas as categorias trabalhistas; atualmente, há diferenças no tratamento entre trabalhadores do setor privado e funcionários públicos, políticos e militares. “No setor público, temos uma série de regras diferenciadas que são incompatíveis com as características do país”, exemplifica Afonso. “Também concordo com a unificação dos regimes”, comenta Busnardo. “Atualmente, não há mais espaço para privilégios para categorias”. Alterações na pensão por morte também podem ser incluídas no texto da proposta elaborado pelo Governo Federal. A ideia é de que o benefício seja reduzido para 50% do valor integral, mais 10% para cada dependente do contribuinte falecido. Segundo Afonso, o Brasil é um país isolado em relação ao restante do mundo na questão da pensão por morte: “Todos os países do
mundo colocam alguma restrição ao valor ou à duração das pensões base na idade do cônjuge, na inserção no mercado de trabalho, inexistência de outras fontes de renda ou de filhos menores de idade”. Regras de transição O objetivo é que as medidas não sejam implementadas, por completo, a curto prazo. O governo propõe a implementação de regras de transição para que as mudanças no sistema ocorram, gradualmente, ao longo cerca de 15 anos para os homens e 20 anos para as mulheres. As regras flexibilizariam o tempo e o valor da contribuição para o INSS. Afonso afirma que a transição é o “ponto-chave” da reforma: “Se fizermos uma regra de transição muito lenta, ela preserva mais a expectativa de
Curitiba, 16 de dezembro de 2016
direitos, mas ao mesmo tempo demorará muito para fazer efeito”, explica. O professor acredita, no entanto, que uma transição mais imediata geraria maior resistência popular e política. “Se fizermos uma transição muito rápida, a percepção eventual de perda de direitos vai ser mais notável na população e, muito provavelmente, haverá reações maiores – o que reduz a probabilidade de aprovação”. Impacto na economia
Direitos do trabalhador Apesar das mudanças previstas na proposta, os atuais aposentados não serão afetados pelas novas alterações que eventualmente aconteçam. O advogado Luís Felipe Martini, especialista em Direito do Trabalho, afirma que a legislação garante a manutenção do atual regime de aposentadoria ao segurado: “Essa mudança repentina determinada pelo governo não terá prejuízo aos atuais aposentados e pensionistas, pois estes já possuem direito adquirido e não podem ser prejudicados por uma eventual reforma”, explica Martini. “Trata-se de uma garantia prevista no artigo 5º da Constituição Federal”. Diálogo e monitoramento O governo promete que, além da discussão no Congresso, as centrais sindicais também serão consultadas
no processo de votação da proposta. “Os sindicatos, de uma maneira absolutamente natural, devem ser ouvidos, porque querem influenciar no processo de alteração das regras”, comenta Afonso, que ressalta a importância do esclarecimento da população, por parte do Governo, para que a sociedade compreenda os efeitos de uma alteração no sistema previdenciário. “Não estamos falando de medidas de curtíssimo prazo; estamos falando de efeitos que vão afetar as gerações seguintes, nossos filhos e netos”. Busnardo tem consciência de que uma reforma causaria impacto po-
pular, mas defende a adoção de medidas para minimizar os problemas atuais: “Sei que haverá resistência, mas ela precisa ser feita rápido”. Afonso destaca que a negociação no Congresso é, naturalmente, um momento delicado: “Toda reforma previdenciária é custosa, dura, é um processo de negociação muito difícil, e o Brasil não é exceção nisso”, pondera. Na incerteza de nosso futuro como contribuintes ou beneficiários, a alternativa é nós, brasileiros, continuarmos observando e questionando as decisões do poder público. Afinal de contas, é nosso trabalho – e nosso dinheiro – que está em jogo.
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Infográfico: Ana Clara Faria/Infogr.am
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou em coletiva que, se a reforma na Previdência não acontecer, o país teria que adotar medidas mais severas de controle da crise – como o aumento na arrecadação de impostos. “Devíamos ter feito esse tipo de reforma muitos anos atrás”, analisa Afonso. “A idade mínima de aposentadoria por tempo de contribuição é algo que havia sido votado e derrotado no governo Fernando Henrique Cardoso. Estamos, na verdade, retomando uma pauta que tem mais de dezoito anos”, pondera o professor. A origem da crise no sistema previdenciário, segundo Afonso, vem desde a elaboração da Constituição de 1988, quando a política atual de benefícios ao aposentado entrou em vigor: “Há incentivo para que as pessoas se aposentem muito cedo, e a manutenção de uma série de privilégios que vieram ao longo do tempo”. Outra característica econômica do país que, segundo o professor, contribui para o déficit previdenciário é a política de valorização do salário mínimo. “Nos últimos vinte anos, o salário mínimo teve um aumento de em torno de 150% acima da inflação. Isso significa que, toda vez que o salário mínimo sobre, 70% dos benefícios da Previdência também sobem junto”, avalia Afonso.
O rápido envelhecimento da população do país também é um fator de peso na crise do sistema previdenciário; com o aumento da expectativa de vida – que, hoje, é de cerca de 74 anos – e o trabalhador se aposentando com cerca de 57 anos, o aumento dos gastos com seguridade social é uma consequência inevitável. “Há um evidente processo de envelhecimento da população brasileira, com aumento da participação da população acima de 20 anos de idade, sobretudo na faixa de 30 a 35 anos”, explica Gustavo Coelho de Souza, professor do Departamento de Geografia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Tal aumento da participação de adultos implica que nos próximos trinta anos teremos um grande contingente demográfico em idade de aposentadoria, segundo as regras atuais”.
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Mais Uma Banda Indie... Vitor Teixeira
Protestar agora é “mimimi”?
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urante muito tempo se falou que não existem bandas de cunho ideológico, que a música denominada de “atitude” já não existiam mais. Que as músicas são para os pés e não para a cabeça. Pois bem, nos últimos anos temos vivido “climões” políticos dignos de inspiração para a maioria dos artistas no mundo todo. Discursos de desaprovação e revolta têm se mostrado cada vez mais presentes nos portais de notícia do meio musical. O que podemos tirar disso? Ora que finalmente o mundo acordou é claro! Músicos dos mais diferentes estilos se uniram. Por exemplo, após Donald Trump declarar sua campanha para as eleições
norte-americanas. Muitas campanhas contra surgiram desde então, começando pelo grupo Prophets Of Rage que reuniu grandes nomes do pós -punk dos anos noventa, até correntes entre bandas e artistas que se dispuseram a criar composições em protesto à candidatura do republicano milionário. No final a decepção predominou e Trump foi eleito, porém os protestos não pararam e nem se calaram por ali. Talvez o grupo que mais tenha levantado a bandeira “anti-Trump” tenha sido os caras do Green Day. Começando pela “porrada” que foi o lançamento de seu décimo segundo álbum, o Revolution Radio. Inteiramente de protesto, Billie Joe e companhia balançaram o cenário já caótico, ainda mais com a
canção “BANG BANG”. Claramente de cunho político, foi com esse single que os californianos se apresentaram na última edição do AMA (American Music Awards), que rolou nesse mês. Não obstantes, resolveram fugir um pouco do script e improvisaram um verso durante a música em que se dizia “No Trump/ No KKK/ No fascist USA”, algo como “Sem Trump/ Sem KKK/ Sem um Estados Unidos fascista”, ou seja, uma crítica bem direta sobre o mais novo eleito presidente norte-americano. O engraçado é que em um universo em que se passaram anos se cobrando bandas com mais atitudes, e com palavras de ordem em suas letras, que unissem a sociedade, a reação das pessoas me pegou de surpresa. Muito se foi dito que tudo aquilo não passava de “mimimi”, e que a banda não passa de um bando de “mimados que não sabem perder e não aceitam a democracia”. Um tanto contraditório, e que me fez pensar: “bem se vivemos numa sociedade democrática por que não podemos protestar através da música?”, afinal era o que sempre foi cobrado frente a aparente apatia dos artistas em voga até então. Não é questão de não saber perder, ali não há crianças e sim pessoas que
tem total consciência de seus direitos quanto cidadãos. Se taxamos artistas que usam de seu trabalho para protestar como “mimados” estamos nos esquecendo da importância social que reside na cultura musical. A estes que realmente não entendem o significado de “democracia” cito aqui um exemplo em contrapartida aos protestos direcionados ao candidato eleito nos Estados Unidos. Há alguns meses atrás a também banda californiana Avenged Sevenfold lançou seu novo disco, o “The Stage”. O single de nome homônimo ao do álbum, ganhou um clipe em que a imagem de Hillary Clinton (concorrente de Trump nas eleições) foi representada como um fantoche ao lado de outros líderes políticos, enquanto em uma apresentação macabra podemos ver as atrocidades que os seres humanos puderam fazer, ou ainda fazem, uns aos outros com o passar dos séculos. A banda claramente se posicionou contra a maré, e sim estão no seu devido direito. Agora, seriam eles “mimados”? “Maus perdedores”? Nem um nem outro. Em ambos os casos temos cidadãos e profissionais exercendo seus direitos de fazer da música uma ferramenta de vigilância sobre aqueles que estão no poder.
Arrombou a festa nº III
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í, aí meu Deus, o que foi que aconteceu com a política atual brasileira? Tá parecendo dança das cadeiras, todo mundo andando em círculos sem saber quem vai ter o privilégio de aquecer a bunda na cadeira. Não tá fácil, meu povo brasileiro. Pata rachada antes era o demônio, e agora? Brasil dividido em casca da esquerda e casca da direita, ambas indo para a mesma direção e com o mesmo cheiro de sola desgastada. A esquerda é florida, festiva e bonita. Uma verdadeira festa em forma de ideologia, tendo como trilha sonora os sambas de Chico Buarque e Caetano Veloso. Veloso? Vocês não entendem nada mesmo! A tropicália se iniciou no meio dos dois extremos, e hoje foi in-
tegrada à ala da esquerda. Realmente, ninguém entende nada. Também, não faria sentido algum Gilberto Gil dividir espaço com Roger do Ultraje a Rigor. Cheiro de cannabis não se mistura com Bom Ar – este só tem a função de perfumar os banheiros dos aeroportos privatizados para esconder o cheiro popular. Mas amigos da esquerda, cuidado. Trotski, Stalin e Mao são coisas do passado, lápides de uma esquerda que… Que era de esqueda? Ditadura e pobreza, dois elementos que eu não vejo nos textos de Gregório Duvivier. Mas tem Clarice! E sabe quem mais tem Clarice? Caetano Veloso no disco Tropicália. Que ano do cão está sendo 2016. Nem deu tempo de perguntar a Da-
A Fossa Nossa
Francisco Matheus
vid Bowie se ele era de esquerda ou da direita. Bem, melhor assim. Prefiro preservar a imagem de extraterrestre do camaleão. Onde eu estava? Ah, sim. Confesso que existem coisas da esquerda que não foram feitas para mim, como andar de bicicleta. Ando por 15 minutos e já sinto vontade de vomitar meu pulmão pra fora. Sinto que conseguir fumar um maço de cigarros por dia e ainda ter condição física é um dos pré-requisitos
para se ser da turma do Caetano, por mais que eu nunca tenha visto o baiano andando de bicicleta. Não tem problema, ainda sim, vejo que ter governo e liberdade em cima de mim é melhor do que uma empresa comandada por homens de terno. Só iria gostar se esses homens de terno fossem os Beatles, porque aí Brasil seria legalize, e teríamos John Lennon como presidente, um cara… comunista? É, imagine como seria.