LONA - Edição nº 993

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Ano XVI > Edição 993 > Curitiba, 21 de novembro 2016

Foto: Pixabay

Em trabalho de parto: A falta de informação está na fonte de diversos tipos de violência obstétrica p. 6 EDITORIAL

HAITIANOS NO BRASIL

ESPIRAIS MUSICAIS

MAQUIAVELIZANDO

Com os produtos em vitrine, o eleitor pode escolher qual candidato teria mais a ver com sua necessidade de renovar o guarda-roupa; a escolha foi certeira: a renovação é uma peça de roupa dos anos 90, que por mais que pareça clichê, usada e batida, acabou p. 2 conquistando o eleitor.

Ao ver tanta destruição, os haitianos encontraram aqui no Brasil uma nova chance de começar a vida. p. 2

por Rafaella Silva A banda carioca Ls Jack, formada em 1997, foi um dos maiores sucessos no país no início do ano 2000. Marcus Menna, vocalista da banda, levou sua voz, sua presença de palco e seu amor à música, com shows por todo o Brasil.

por Ágatha Santos A vitória de Trump não é algo isolado. Não é causa, é consequência. Não há coincidências quando falamos de política e, por isso, será preciso engolir a seco o gosto podre do retrocesso voltando a reinar não apenas nos Estados Unidos, mas no mundo. p. 8

DEPRESSÃO Cerca de 350 milhões de pessoas sofrem com a depressão, segundo a Organização Mundial de Saúde. p. 4

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EDITORIAL

O novo de novo

O olhar de esperança de haitianos que chegaram ao Brasil Após a tragédia que devastou o país mais pobre das Américas, aumentou o número de pessoas que buscaram no país do carnaval um novo futuro Brayan da Silva Valêncio, Dieneffer Santos e Giovana Canova

O terremoto de 2010, que vitimou mais de 100 mil pessoas, gerou prejuízos que extrapolaram o PIB do Haiti. Isso demandou a intensificação da cooperação brasileira no desenvolvimento do país que faz fronteira com a República Dominicana. Em meio à destruição, os haitianos encontraram aqui no Brasil uma nova chance de começar a vida. Mas nem todos saíram do seu país de origem somente após o terremoto. Muitos já não viam perspectiva alguma lá e decidiram ir para outros lugares do mundo, incluindo o maior país da América Latina e países vizinhos como Peru e Equador. Patrick Georges, que saiu do Haiti há mais de 15 anos e há dois vive no Brasil, é um desses casos. As dificuldades quando chegam ao Brasil são bem parecidas: eles saem de suas cidades sem saber o que encontrar pela frente, com pouco dinheiro no bolso e sem conhecer uma palavra do idioma local. Historicamente, o Brasil tem sido reconhecido como destino de pessoas das mais diversas nacionalidades e devido aos mais diversos motivos. Apesar da dificuldade da língua e de temperatura, muitos haitianos já conseguiram se estabelecer e estão empregados. A chegada dos haitianos foi num momento econômico e político bem diferente. Era uma fase de ascensão social e econômica, inclusive, com carência de mão de obra. Reitor José Pio Martins Vice-Reitor e Pró-Reitor de Administração Arno Gnoatto Diretor da Escola de Comunicação e Negócios Rogério Mainardes

Eles acharam trabalho como domésticos, babás, cozinheiras e motoristas, mas alguns também conseguiram exercer sua profissão de origem, como Patrick Georges, haitiano, professor de língua francesa que atua numa escola de idiomas em Curitiba. Nesses casos, a adaptação às diferenças culturais e aprenderam o idioma local. A prefeitura de Curitiba atende cerca de 50 por mês, que passam pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos. Muitos gostariam de trazer suas famílias e se estabelecer definitivamente no Brasil. Já outros pretendem fazer suas economias e retornar à sua terra natal. Uma secretária de uma empresa em que Patrick trabalhou o apresentou a um dono de uma escola

de línguas e este o ajudou a abrir seu próprio negócio. Começou a dar aulas em julho do ano passado. O Instituto de Reintegração do Refugiado, a ADUS é uma ONG paulista e que recentemente abriu sede em Curitiba promove a inserção social, cultural e econômica dos haitianos à sociedade brasileira, oferendo orientação cpara que se tornem autossuficientes para encontrar oportunidades e seguir o caminho de sua nova vida. Enfrenta os obstáculos políticos, sociais e jurídicos para a reintegração dos refugiados de modo que possam buscar sua própria inserção na sociedade. Patrick Georges, haitiano que veio para o Brasil em 28 de feveFoto: Arquivo Pessoal

Depois das grandes manifestações de 2013 e do longo processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, imagina-se que a maior parte da população esteja cansada da atual política, cansada do atual sistema, cansada dos mesmo governantes e da forma como a nação é conduzida. Mas, não é exatamente o que a urna vem mostrando: das 38 cadeiras para a Câmara Municipal de Curitiba, apenas 15 serão ocupadas por novos vereadores, ou seja, a renovação do legislativo municipal foi de apenas 39,4%. Percentual menor que em 2012, quando a casa obteve uma alteração de 47%. Fora que se formos calcular o nível de renovação mesmo para o próximo pleito, entraríamos em uma discussão de quantos candidatos realmente tentaram a reeleição, visto que alguns se candidataram a outros cargos ou se quer disputaram essas eleições. Além disso, o prefeito eleito já é um velho conhecido do povo curitibano. Rafael Greca (PMN) foi prefeito de Curitiba e esteve em Brasília como ministro do Turismo no governo Fernando Henrique Cardoso. Ou seja, de novo não se tem nada. De seus oito concorrentes na corrida eleitoral, apenas três eram nomes novos na política, mas a eleição de qualquer um deles mostrou-se inviável: cada um deles fez papel de coadjuvante. Quase figurantes. Outros dois nomes, apesar de já ocuparem cargos políticos, apareceram como alternativas à altura da voz das ruas; mas seus sobrenomes – super explorados por sinal – não negavam: de novo ali não havia nada. Havia também um deputado estadual petista, que só pelo momento histórico viu seu nome perder força. O atual prefeito, que se fosse para renovar, mantê-lo não faria muita coerência, não é? Um deputado estadual bem conhecido do povo curitibano, afinal, foi eleito o deputado mais votado nessa mesma cidade e o ex-prefeito da década de 90 – esse por sinal se saiu vitorioso. Com os produtos em vitrine, o eleitor pode escolher qual candidato teria mais a ver com sua necessidade de renovar o guarda-roupa; a escolha foi certeira: a renovação é uma peça de roupa dos anos 90, que por mais que pareça clichê, usada e batida, acabou conquistando o eleitor com um saudosismo igual ao daquelas músicas de axé chicletes que grudam na cabeça e quando você volta a ouvir relembra de um período que, no fundo, sabe que é diferente, mas que a gente sempre espera que volte a ser igual.

IMIGRAÇÃO

EXPEDIENTE

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Patrick Georges, haitiano e professor de francês

Pró-Reitora Acadêmica Carlos Longo Coordenadora do Curso de Jornalismo Maria Zaclis Veiga Ferreira Professora-orientadora Katia Brembatti

Projeto Gráfico Gabrielle Hartmann Grimm Diagramação Brayan Valêncio Edição Rede Teia


Curitiba, 21 de novembro de 2016

Imagem de Divulgação

Acolhimento de imigrantes por parte da equipe da ADUS (Instituto de Acolhimento ao Refugiado)

reiro de 2014, chegou à cidade de São Paulo, mas logo decidiu, por conselho de um amigo, também haitiano, vir para Curitiba. Porque segundo ele “procurava uma cidade mais tranquila”. Quando o haitiano chegou a Curitiba foi morar na região metropolitana de Campo Largo, mas ele procurava um bairro onde pudesse trabalhar na sua área. Patrick é professor. “Existem muitas instituições engajadas e a prefeitura tem dado muito apoio ao movimento”, conta Martha Toledo, coordenadora da ADUS Curitiba, deixando claro que muitas pessoas de fora têm ajudado o instituto, e que em seu ponto de vista a cidade de Curitiba está muito a frente ao receber haitianos. “É claro que falta muita coisa, pois são muitos imigrantes, mas as pessoas de fora e principalmente a prefeitura tem dado uma ajuda imensa para a gente”. Patrick Georges no início de sua vinda confundia muito os dois idiomas, espanhol que era fluente com o português que estava aprendendo, teve dificuldade de conseguir emprego. Depois de muita procura conseguiu emprego em duas empresas, na linha de produção. Em uma das empresas Patrick ficou 18 dias, porque o trabalho era muito pesado, e como ele mesmo diz “não estou acostumado com trabalho em

que preciso carregar peso, sempre fui professor”. Na outra empresa ele ficou 6 meses, então, uma secretária dessa empresa o ajudou. Com contato a um professor, Patrick começou a dar aulas e logo abriu sua própria escola de idiomas, no bairro Fazendinha, em Curitiba. “Estou feliz e satisfeito com as aulas, com a resposta dos alunos, principalmente” conta Patrick contente com os resultados que sua profissão está lhe proporcionando. Ele ainda destaca que a procura dos alunos por suas aulas e sua escola tem sido sempre boa, mas que houveram muitas desistências por falta de tempo e também pela crise econômica que o país vem sofrendo. Patrick está no Brasil há dois anos, mas há 15 anos já não mora em seu país natal. “Antes mesmo das guerras e destruições não era um bom lugar para viver, sempre houve muita violência e não dava para ter uma vida tranquila e segura” conta Patrick o motivo de ter ido embora do Haiti. Antes de vir para o Brasil, ele passou pela República Dominicana e pelo Equador, já sem sua família que é composta pela esposa e seus 6 filhos, que hoje ainda vivem em seu país de origem. No Equador ,Patrick viveu 3 anos, e foi lá que conseguiu um visto permanente para vir para o Brasil. Ele conta

que mantém contato diariamente com sua família pela internet. “Quero trabalhar para que minha situação financeira permita trazer minha família para viver aqui em Curitiba comigo” conta Patrick, que pretende continuar vivendo em Curitiba e quer sua família junto dele para constituírem uma vida aqui na capital. O haitiano se mostra satisfeito com a cidade e desabafa nunca ter presenciado ou vivido nenhuma situação negativa ou constrangedora aqui na cidade como alguns colegas e amigos haitianos contaram ter vivido ou presenciado em outras cidades do Brasil. “Acho que faz mais de 4 ou 5 meses que um grande número de haitianos estão deixando o Brasil e indo para Chile e também México. E tem alguns também que voltaram para o Haiti porque morar em um país estrangeiro sem ter família no lugar e se a pessoa não está trabalhando é bem complicado porque se tem que pagar aluguel, comer, vestir então para muitos haitianos ficou difícil e complicado mesmo e por esse motivo estão voltando para casa”. Declara Patrick sobre a ida de volta para casa de alguns de seus amigos. Depois de dois anos vivendo no Brasil, Patrick agora tem um ombro amigo fiel na cidade. Seu irmão deixou a família no Haiti e veio viver junto de Patrick, onde trabalha na escola do irmão e auxilia em tudo que pode. Patrick se mostra esperançoso com sua profissão “Essa é a

minha vida, eu sempre trabalhei como professor. Espero que a economia do Brasil melhore, para que assim eu possa continuar meu trabalho e todos possam se sentir bem”, afirma o haitiano. Emocionado Patrick declara “Minha presença aqui vai ser uma oportunidade para muitos amigos e conhecidos haitianos conseguirem trabalho no Brasil, e eu vou ajudar os ensinando as línguas aqui na minha escola”. Martha Toledo conta que os próprios haitianos auxiliam, pois eles ficam responsáveis por atender novos imigrantes “eles se compreendem de forma melhor, entendem mais o que eles dizem, entendem mais as necessidades, e assim conseguem dar o auxílio que precisam e nos ajudar a realizar nosso trabalho”. Atualmente cerca de 50 a 100 haitianos entram por dia no Brasil de maneira indocumentada, pelo Estado do Acre. Segundo o Comitê Nacional para os Refugiados – CONARE – existem oficialmente cerca de 5000 refugiados vivendo em Curitiba hoje.

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VIOLÊNCIA OBSTRÉTRICA

Quando a falta de informação dói mais que o parto Uma em cada quatro mulheres é vítima de abusos no momento em que mais precisam de atenção e cuidados, mostra levantamento Nicole Smicelato e Patrícia Sankari

Com 23 anos, recém-formada, sem emprego e morando com os pais, a última coisa que Bruna Andrade planejava era ter um filho, mas aconteceu. Além dos mais variados obstáculos e problemas de uma gravidez não planejada que ela e o companheiro enfrentaram, a mãe nunca pensou que seu maior trauma seria na hora do parto. Com um sistema de saúde precário, sem informação, sem assistência médica e nem familiar, as horas esperando em trabalho de parto foram os piores momentos do início da vida materna dela. “Depois de esperar comigo seis horas, minha mãe não pode me acompanhar na sala de parto, e eu fiquei sozinha até a hora do nascimento da minha filha, passei todo esse tempo muito assustada e com medo”, relata Bruna.

A falta de informação “é o motivo que mais sustenta os diversos tipos de violência obstétrica”, é o que garante a enfermeira obstétrica, e ativista do parto humanizado, Maria Rita Almeida. “Receber informações precisas sobre os benefícios e riscos de todos os procedimentos, medicamentos sugeridos para uso durante a gravidez, o parto e o período pós-parto faz parte do empoderamento da mãe.” A enfermeira ainda explica que essa violência é categorizada quando há qualquer tipo de descaso, ofensa, proibição de manifestação emocional, humilhação e qualquer outra questão. De acordo com uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo, uma em cada quatro mulheres é vítima de violência obstétrica durante o parto no Brasil. Muitas mulheres não conhecem

seus direitos como mãe e paciente, e acabando aceitando passivamente os procedimentos traumáticos realizados. “Eu não estava com a dilatação total para o parto, então a enfermeira espirrou algo lá em baixo [períneo e canal]. Mal terminei de perguntar o que era aquilo e o médico passou o bisturi, parecia que estavam me queimando e não me avisaram!”, conta a mãe, “comecei a gritar de dor quando a cabeça começou a passar pelo canal, e então me senti sem força e o médico pediu para que duas enfermeiras me ajudassem. Elas subiram numa pequena escada e começaram a empurrar minha barriga, e claro, senti ainda mais dor. Chegou uma hora que uma delas disse que não me ajudaria mais se eu não parasse de gritar”. A falta de informação na maior parte se dá pela banalização do procedimento, que consequentemente se divide em uma linha muito tênue entre o que não é e o que é necessário durante o parto, uma mãe aceita todas as consequências para ter, finalmente, seu filho nos braços, e não entende o grau da problemática. Segundo a coordenadora da subcomissão de Violência Obstétrica da OAB, Sabrina Ferraz, essa forma de violência contra mulher é silenciosa e institucional, e, por isso, acaba sendo naturalizada e mediocrizada. As vítimas não se percebem como vítimas e as causas da violência se confundem com a dor do trabalho de parto, já que há uma cultura de que a dor é componente do parto, mesmo não sendo. Por que é tão comum? Pode não parecer, mas a raiz machista que está enterrada por baixo de nossos pés também é um vetor muito forte para esse tipo de violência contra mulher.

Ínfográfico: Patrícia Sankari

A objetificação da mulher e de seu corpo, o tratamento dele como um organismo meramente reprodutivo e outras características presentes nesse discurso, viajam entre os vários tipos de crime contra as mulheres, e ficam vorazmente violentos quando se trata de uma mulher vulnerável, dentro de uma sala de parto e totalmente dependente de outra pessoa. “Estava sozinha, com dor e com medo. Mas quando minha filha nasceu, eu confesso que nada mais me passou na cabeça. Só queria ir para casa com ela. Eu fiquei muito triste e brava com o que eu passei, talvez se eu soubesse que isso é crime denunciaria, mas eu não sabia. ” Maria Rita relaciona esse problema com a milenar posição machista social. “Esse, como qualquer outro tipo de feminicídio, está vinculado com a cultura patriarcal, que coloca o homem no centro das relações. Como a medicina é uma profissão do gênero masculino, ela incorpora essas características como forma de manter o seu poder e domínio. E no caso da Obstetrícia, a profissão “usa” o corpo feminino como forma de dominação e de garantir o poder econômico.” Para reverter esse mau, o processo de empoderamento feminino é uma saída válida para escapar dessa realidade obstétrica na vida das gestantes. E para que esse escape aconteça é necessário que se compreenda que a confiança de uma mulher e sua capacidade de parir e cuidar de seu bebê estão intrinsecamente relacionados com a forma como os profissionais que estão envolvidos no parto conduzem o seu cuidado e os fazem com qualidade. Segundo Maria Rita, “toda mulher tem o direito de ter uma experiência de parto saudável, prazerosa e feliz para si e para sua família. É necessário parir da forma como a


Curitiba, 21 de novembro de 2016

Inforgráfico: Patrícia Sankari

Como não passar por isso? A partir do momento em que uma mulher não consegue entender e diferenciar um crime de um procedimento necessário na sala de parto, protegê-la se torna muito mais difícil. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, nosso país e a República Dominicana lideram o ranking de cesáreas

no mundo, com 56% dos partos cirúrgicos. Depois, vêm Egito (51,8%), Turquia (47,5%) e Itália (38,1%). Outra pesquisa da OMS diz que atualmente, mais da metade dos bebês brasileiros nascem por meio de cesárea, índice que chega a 84,6% só pela rede particular. Muitas mulheres são desacreditadas por seus médicos a fazerem parto normal, e isso se dá, na maior parte das vezes, porque o médico, tanto no SUS quanto em planos particulares, recebem ser salário pelo número de operações que realizam. Um método que vem se mostrando muito eficiente para fugir dessas agressões e desses traumas é o parto humanizado. O procedimento usa do afeto para que o parto seja uma recordação marcante tanto para a mãe quanto para o bebê, com um ambiente nada hostil, procedimentos que respeitam a saúde da mãe e da criança e suporte para a gestante em todo o procedimento. Para ajudar nesse momento tão de-

Vantagens do parto natural Sob o aspecto emocional, a interação mãe/bebê é muito favorecida. Isso está relacionado aos hormônios do nascimento que favorecem o bebê a poder mamar já na sala de parto, e também da mãe estar mais disposta para à convivência inicial

com o recém-nascido. O parto normal proporciona à mãe uma recuperação pós-parto praticamente imediata, fazendo com que a mulher possa voltar a seus afazeres bem mais rapidamente e com menos riscos de terem uma infecção hospitalar. O método natural também traz benefícios para o bebê: o início das contrações é uma espécie de aviso de que sua hora de nascer está chegando. Assim, ele se prepara melhor para esse momento e terá menos problemas de adaptação na vida fora do útero materno. Bruna diz se sentir mal por não ter conhecimento suficiente sobre o que sofreu “se eu soubesse disso desde o começo, nunca deixaria isso acontecer”.

Foto: Nicole Smicelato

mulher deseja, em um ambiente em que se sinta segura e cuidada, e seu bem-estar emocional, privacidade e preferências pessoais, sejam respeitadas”. A subcomissão de Violência Obstétrica da OAB, trabalha com um plano de orientação materna quanto aos direitos e possibilidades de uma assistência médica de qualidade, e caso isso não ocorrer, existe também a orientação das famílias sobre denúncia, e em casos mais graves a subcomissão orienta quanto à adoção de medidas legais.

licado, a doula é uma profissional capacitada para trazer todo o conforto e proteção para a família. É a doula quem faz o suporte físico, emocional e informativo para a gestante tanto no pré parto, durante trabalho de parto, parto e no pós-parto, sem qualquer tipo de procedimento invasivo. Patrícia Teixeira já está na profissão da obstetrícia há cinco anos como enfermeira, e há dois atende como doula e comenta “Eu sinto que as mães estão perdendo o medo do parto normal, e isso é muito bom. Eu sou apaixonada pelo que eu faço, e é gratificante apoiar essas mulheres e assistir à transformação que elas têm durante todo o processo, as vezes aquelas meninas tão frágeis se tornam mulheres muito fortes”. Maria Rita diz acreditar que é possível transformar esse cenário através da informação e instrução das mães, “o nascimento é um processo normal, natural e saudável. Mulheres e bebês têm a sabedoria inerente necessária para o nascimento. Elas só precisam saber disso, e isso é possível tendo acesso a toda a gama de opções para a gravidez, nascimento e nutrição do seu bebê”, garante.

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SÁÚDE

Do tratamento da depressão ao tratamento de depressivos Como o contato com transtornos da mente transformou a vida profissional de uma psicóloga em Curitiba Ana Clara Faria e Bruno Laurentino

A terapeuta abre a porta e cumprimenta o paciente. Na sala de atmosfera intimista, duas poltronas estão posicionadas uma frente a outra, para o início da sessão. Acomodando-se em seu lugar, a terapeuta começa a ouvir aquele que está onde, há não muito tempo, ela também já esteve. Assim como seu paciente, ela também já precisou de ajuda – e esse é o principal motivo que a levou a acompanhar a jornada de outras pessoas. Giovana Tessaro, psicóloga clínica há dez anos, não estaria nessa profissão se determinados imprevistos não tivessem acontecido em sua vida, durante a fase em que trabalhava no setor de Recursos Humanos de uma empresa. Tendo passado pela primeira experiência traumática aos três anos de idade – por causa de questões familiares –, Giovana cresceu com marcas emocionais que não foram diagnosticadas antes dos 29 anos, quando seu quadro atingiu a fase mais crítica e ela precisou se afastar do trabalho. “Eu sofria de síndrome do pânico, depressão e, também, havia recebido o diagnóstico de estresse pós-traumático e fibromialgia (doença que causa dores em diversas partes do corpo)”, conta. Assim como Giovana, cerca de 350 milhões de pessoas no mundo sofrem com a depressão, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Ainda segundo a organização, o suicídio é a segunda principal causa de morte no mundo entre pessoas de 15 a 29 anos. No entanto, em países emergentes – como o Brasil –, entre 76% e 85% das pessoas que sofrem de algum transtorno psicológico não recebem tratamento.

Mesmo buscando ajuda profissional, os resultados esperados não haviam sido completamente atingidos. “Não sabia o que fazer, porque era um método em que eu acreditava”, afirma ao relatar o tratamento de análise. Foi então que, ao ler um livro que ganhara de um amigo – a obra Curar, de David Servan-Schreiber –, Giovana descobriu uma nova abordagem psicoterapêutica. Apesar de ler pouco por causa da depressão, ela encontrou em um dos capítulos aquela que seria, mais tarde, a alternativa adequada para resolver seu problema. “De certa forma, era o que estava procurando, e a partir dali muita coisa mudou, porque usei a técnica por um tempo e vi que, para mim, fazia a diferença”, conta a psicóloga. Movimentos oculares O EMDR (em inglês, Eye Movement Desensitization and Reprocessing), psicoterapia que despertou o interesse de Giovana, foi criado no fim da década de 1980 pela psicóloga estadunidense Francine Shapiro. Com base científica, o objetivo da terapia é realizar, através de estímulos sensoriais, o processamento completo e adequado de informações armazenadas no cérebro. Dessa forma, a abordagem procura modificar a maneira como o paciente lida com situações ou experiências causadoras de desconforto físico e/ou emocional. “Assim como nosso corpo trabalha para curar ferimentos, nosso cérebro faz o processamento de memórias das situações difíceis pelas quais passamos no dia a dia. Mas, em determinadas situações, o cérebro não dá conta de fazer o processamento to-

tal da informação”, explica a psicóloga Silvana Ricci Salomoni, que utiliza o EMDR no tratamento de seus pacientes há quase dez anos. “Nessa abordagem, nós possibilitamos que o cérebro faça aquilo que ele já faz naturalmente, porém de forma acelerada.” Inicialmente desenvolvido para o tratamento do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEP), estudos posteriores indicaram a eficácia do EMDR também no tratamento de outros quadros clínicos – como transtornos de ansiedade, depressão e baixa autoestima. Silvana explica que alguns distúrbios, aparentemente sem conexão com traumas, têm origem em experiências anteriores causadoras de estresse – mesmo que o paciente não tenha consciência disso. “Muitas vezes a pessoa não sabe que tem memórias traumáticas. Mas, à medida que fazemos um levantamento das queixas, elas aparecem”, diz Silvana. A estimulação sensorial externa, no EMDR, é utilizada como meio de acesso às memórias e informações a serem trabalhadas. “São estímulos bilaterais, ou seja, envolvem os dois hemisférios cerebrais. A estimulação pode ser visual, tátil ou auditiva”, explica Silvana.

Foto: Gerd Altman/Pixabay

Os estímulos visuais são baseados nos movimentos oculares que ocorrem, naturalmente, enquanto estamos dormindo, durante a fase de sono REM (Rapid Eye Movement). O paciente, no entanto, permanece consciente durante toda a sessão. Um dos diferenciais do EMDR é a rapidez do tratamento, que pode ser realizado tanto em crianças quanto em adultos. “Os resultados são mais rápidos, porque [o EMDR] envolve situações que são difíceis de abordar através das terapias verbais. Não é baseado em fala, e sim em processo cerebral”, comenta Silvana. “É de acordo com as crenças da própria pessoa; são os recursos que ela mesma tem, e que não estão podendo ‘conversar’ por conta daquela dificuldade”, conclui. Apesar de já ser reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o EMDR ainda é pouco utilizado no Brasil: atualmente, cerca de 1500 psicólogos e médicos são certificados no país – segundo o EMDR Institute, dos Estados Unidos, mais de 100.000 profissionais ao redor do mundo utilizam a terapia. “O treinamento [em EMDR] é obrigatório. A abordagem só pode ser utilizada por profissionais com essa


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Foto: Nicole Smicelato

Autoajuda

formação. Como qualquer ferramenta que funciona, é preciso saber usá-la”, diz Silvana. Ela acredita que, embora lentamente, essa terapia vem ganhando espaço no país. “O EMDR tem fundamentação; há muitas pesquisas, o que nos dá segurança”, comenta. Mudança de rumo

Infográfico: Ana Clara Faria e Bruno Laurentino

Depois de descobrir e ser tratada com o EMDR, Giovana decidiu mudar de emprego, investindo, após oito anos de trabalho no setor de RH, na psicologia clínica. “Em meu período mais crítico, aconteceram coisas absurdas comigo, e eu estava sozinha, não havia ninguém para me dar apoio. Pensei em quantas outras pessoas deveriam estar sozinhas também”, relata. “E aí eu decidi que tinha que ir para a clínica. Me emociona um pouco me lembrar disso. Foi um momento de muita coragem, mas também de muita loucura, porque era somente eu para me ajudar. Mas deu certo.” Giovana conta que aprendeu muito com suas experiências – pessoais e profissionais – relacionadas à saúde mental. “Apesar de tudo, temos um organismo que consegue se curar, se autorregular, e acho isso fantástico. Está tudo no corpo da gente, mas temos

que saber como mexer com isso”, comenta. Silvana ressalta que, especialmente em abordagens como o EMDR – que envolvem o processamento de memórias perturbadoras –, o papel do terapeuta é essencial na condução adequada do paciente ao longo do tratamento: “Muitas vezes, a pessoa se lembra de coisas muito difíceis, e aí é que está a importância do profissional bem preparado”, diz Silvana. Segundo a Organização Mundial de Saúde, um em cada dez pessoas no mundo sofre de algum transtorno mental. Apesar de casos como o de Giovana serem exemplos de tratamento com bons resultados, dados apontam uma representatividade ainda baixa, no Brasil, de profissionais dessa área. Ainda segundo a OMS, o país apresenta uma média de apenas 3,49 psiquiatras e 3,22 psicólogos para cada 100.000 habitantes. “Existe muito preconceito com relação à saúde mental. As pessoas a consideram muito mais um problema físico do que psicológico. Mas a questão mental exige muito mais do paciente e de quem está perto dele”, diz Giovana, que comenta sobre o aprendizado que adquiriu com seus pacientes: “Eles podem ter insights incríveis a respeito da realidade; podemos aprender muito com eles.”

Hoje, Giovana pode dizer que os problemas psicológicos que uma vez dominaram sua vida ficaram no passado; mas, através de sua experiência, a psicóloga atualmente ajuda aqueles que enfrentam problemas semelhantes no presente. “Me sinto muito contente em perceber que sou uma profissional que está a cada dia se tornando melhor, mais ágil, pegando as coisas com mais rapidez, conhecendo mais sobre a área”, comenta. Giovana recomenda que qualquer pessoa que esteja sofrendo, independentemente do transtorno psicológico, busque ajuda. “Procure terapia o quanto antes, e medicação também, se for o caso. Quanto antes você procura ajuda, menos sofrimento terá”, aconselha. A psicóloga também destaca a importância terapêutica de atividades simples que podem trazer alguma

satisfação pessoal ao paciente; ela cita que, por exemplo, enquanto lutava contra a depressão, procurava fazer uma lista de ações que conseguia realizar no dia: “Eram poucas coisas que eu conseguia fazer. Teve um dia em que consegui estender o lençol, outro em que consegui lavar a louça; em um dia vi duas, três coisas bonitas que anotei, pela capacidade de ver a beleza. Pode ser algo muito pequeno, mas vai te dando a noção de que você pode sentir e fazer coisas boas”, diz Giovana. Ela segue em frente, preparando-se para novas consultas a cada dia, mas sem deixar de enxergar, em cada paciente que recebe, a si mesma. Se antes era uma inimiga, a jovem que tanto sofreu no passado é, hoje, sua aliada. “Eu teria muita coisa para dizer à Giovana lá de trás”, a psicóloga reflete. “Não vou me abandonar, não posso me abandonar. Continuo, então, dizendo que ela tem minha companhia”, finaliza a psicológa clínica.


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Espirais Musicais Rafaella Silva

Lembra dele? Marcus Menna busca reviver seu lado musical

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CARLA. São grandes as chances dessa frase te remeter a uma música específica. Consequentemente, a uma banda e a um cantor. Já vieram nomes em sua mente, né? Carla, Ls Jack e Marcus Menna. A banda carioca Ls Jack, formada em 1997, foi um dos maiores sucessos no país no início do ano 2000. Marcus Menna, vocalista da banda, levou sua voz, sua presença de palco e seu amor à música, com shows por todo o Brasil, para além de aparições nos principais programas da televisão. A banda chegou a totalizar, na época, 200 mil cópias vendidas. No dia 1 de Julho de 2001, ele foi internado em uma clínica, vítima de uma

lipoaspiração mal-sucedida. Ele queria tirar dois litros de gordura da região do abdômen. Durante o procedimento, teve uma parada cardiorrespiratória e passou vinte minutos com pouca oxigenação no cérebro. Ficou dois meses em coma. Os médicos consideravam impossível sua volta aos palcos. Acreditavam e diziam que, se permanecesse vivo, tinha grandes chances de perder todos os sentidos. Menna voltou. Voltou à vida. Voltou à música. De acordo com ele, essas duas palavras são sinônimas. Ele, que já terminou seu tratamento médico e não precisa de nenhum tipo acompanhamento, afirma que sobreviveu e que, cada dia, é um novo dia. Durante nossa conversa, ele citou frases como: “Viver

é preciso. Reviver é fundamental ” e “Viver é um dom. Reviver é uma arte”. Menna diz que está procurando reviver o seu lado musical. “Estou curtindo o momento! A gente começa a focalizar a nossa vida para coisas que realmente valem a pena, como coisas especiais. Esse é um momento que eu estou enxergando a vida de uma maneira bem diferente” revela. A única dificuldade que sente é de memória. “Uma coisa ou outra, não me lembro bem. Mas, acho que a gente viajando ou tocando, as coisas voltam certinho para a minha cabeça. Minha caixinha!” conta, rindo. Ao falarmos da cirurgia, diz que não lembra de nada. “Acho que Deus, nosso pai, não colocou, de volta, para mim. Não lembro mais e também, não quero me lembrar” confessa. “Gosto de lembranças boas e pensar no futuro” reforça. Falando em coisas boas, conta que a recordação mais antiga que ele tem com a música é, aos 14 anos, com sua primeira banda, no Paraguai, a banda “Sandwich de Verdura”. Depois, formou “Dead Season”, tocou para a banda “Dito Cujo” e “Valda”. Já na Faculdade de Musica Estácio De Sá, formou, com seus amigos, a “L’ Acid Jazz” para tocar na noite carioca e depois mudaram o nome da banda para “LS JACK”. Após a

complicação cirúrgica, ficou sem tocar até 2010, quando retornou a última banda. Porém, em 2014, resolvem encerrar novamente. O melhor momento que viveu em toda a sua carreira? Elege o fim do show realizado em um festival em Salvador, em 2000. “Eu acho que foi o momento quando acabamos de fazer o show no Festival de Verão. Foi um momento marcante na minha história! Eram milhares cantando nossas músicas” conta. Sobre o relacionamento com esses fãs, enquanto esteve afastado, afirma que a internet foi e é sua ferramenta principal, para se aproximar deles. “Ela traz todo muito para perto e é algo rápido.” Em 2014 lançou o álbum “Tudo outra vez”. Hoje, Menna está em busca de patrocínios para lançar sua websérie intitulada “NOVAMente” que contará sua história na música. Enquanto isso, outros projetos estão em andamento, como por exemplo, a palestra “VIVAmente” que tem como objetivo incentivar a inclusão social. “Reviver e reviver o lado musical! Estou de volta, a todo vapor, como diria aquele desenho animado, que eu não lembro o nome” disse rindo, fazendo questão de mostrar sua grande vontade de viver. E o melhor: ao lado da música!

Com Trump, atingimos a “burrice máxima”

P

arafraseando Eliane Brum, que disse que atingimos a “burrice máxima” quando a questão que citava Simone de Beauvoir no Enem foi contestada pelos misóginos brasileiros, acho que agora, em definitivo, atingimos o ápice da imbecilidade com Donald Trump. Os norte-americanos compõem a nação que mais estupra mulheres no mundo e elegeram um presidente assediador. A polícia dos Estados Unidos mata negros como se estivesse aniquiliando alguma doença e boa parte da população desse país acredita num falso nacionalismo que entregou o Estado nas mãos de um psicopata fraudulento. Um velho imundo que pretende erguer muros ao invés de construir pontes, como fez Obama.

A vitória de Trump não é algo isolado. Não é causa, é consequência. Não há coincidências quando falamos de política e, por isso, será preciso engolir a seco o gosto podre do retrocesso voltando a reinar não apenas nos Estados Unidos, mas no mundo. O golpe de Michel Temer, por aqui, representa a morte da democracia. Mauricio Macri na Argentina é frustrante. A força de Marine Le Pen na França é a prova de que será preciso surfar essa onda conservadora que engole o planeta.

fomos capazes de eleger um Trump da vida. Por enquanto, Bolsonaro ainda não se criou o suficiente para incomodar – mas os indicativos são péssimos.

Agora o tal do “complexo de vira-latas” – aquele que o brasileiro teria em relação ao norte-americano, como apontam alguns – já pode ser chamado de frustrado porque a população dos Estados Unidos é mais burra do que a gente. Nem aqui no país da bagunça

Quando li um artigo de Michael Moore, no Brasil Post, explicando porque Trump seria, sim, Presidente dos Estados Unidos, eu quis acreditar que o herege documentarista poderia estar errado ao menos dessa vez – mas, a compreensão de Moore sobre a socie-

Ágatha Santos

Maquiavelizando

dade norte-americana vai muito além Tudo isso para falar que o problema não é o Trump ou o Bolsonaro, mas as pessoas que se sentem representadas por esses figurões. A violência gratuita, o discurso de ódio e a falta de empatia que afeta o mundo todo, hoje, é a prova cabal de que a sociedade não caminha para a imbelicidade máxima – nós já chegamos nesse ponto. Por isso, fica difícil fazer piada toda vez que a burrice vence.


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