LONA - Edição nº 992

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Laboratório da Notícia - issuu.com/lonaup

Edição 992 - Curitiba, 20 de outubro de 2016 Ano XV > Edição 942 > Curitiba, 04 de outubro de 2014

Crédito: Fotos Públicas

Salário de mulheres negras é menor do que de brancas Estatísticas do mercado de trabalho mostram que a diferença p.4 é expressiva, revelando que o preconceito persiste. COLUNISTAS

Crédito: Adobe Stock by Von Schonertagen

EDITORIAL O LONA se posiciona e prefere Hillary Clinton a Donald Trump.

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CICLISMO O projeto “Pedala Fazendinha” incentiva a prática do ciclismo noturno na capital.

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Endometriose: uma doença moderna

RELIGIÃO

Estima-se que o mal afeta entre 10% e 15% das mulheres em fase reprodutiva. Manifestação dos sintomas ocorre de forma silenciosa.

Embora a região sul tenha a maior concentração de praticantes da Umbanda do país, o preconceito é ainda evidente.

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Vitória Beatriz “A moon shaped pool veio para mostrar que Radiohead não para de surpreender, o que só nos leva a esperar ansiosamente pelas cenas dos próximos capítulos.” p. 6

Vitor Teixeira “Talvez a edição 2017 do festival [Lollapalooza] seja uma das mais surpreendentes de todas pelo fato de haver um número reduzido de artistas p. 5

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Os palhaços dos Estados Unidos não estão só nas ruas E como tudo que acontece nos Estados Unidos da América se espalha pelo mundo, a brincadeira de se vestir de palhaço e sair pelas ruas para assustar as pessoas já foi registrado no Reino Unido e também no Brasil. Mas os norte-americanos tem que se preocupar com algo ainda pior do que lunáticos com bastões e máscaras horripilantes. Por mais que toda e qualquer campanha eleitoral tenha suas bizarrices, o que acontece por lá assusta qualquer ser humano sensato. Donald Trump concorre à presidência do país, e por mais estranho que pareça, tem chances reais de vitória. A última do candidato republicano parece ser uma mentira inventada pela mídia para desmoralizá-lo mais ainda, mas infelizmente não é. Após tentar justificar como apenas uma “conversa de vestiário” os absurdos que disse sobre as mulheres – como a ideia de que por ele ser rico as mulheres se aproximam dele para ter relações sexuais –, ele foi além e em um vídeo que gravou pedindo desculpas pelos comentários. Concluiu dizendo que o marido de Hilary Clinton e ex-presidente, Bill Clinton, também abusava de mulheres e ninguém comentava nada a respeito. São essas atitudes que mostram quão infantil e imaturo Donald Trump consegue ser. É basicamente aquela criança que faz coisa errada, mas diz, apontando o outro, “mas foi ele que começou”, tentando assim se livrar da culpa. Após a declaração de Trump, a imprensa americana resolveu ir atrás de depoimentos de mulheres que têm histórias lastimáveis com o então candidato a presidência, e o resultado é ainda mais assustador. As denúncias vieram aos montes. Desde comentários sobre roupas, aparência até mesmo toques em regiões inadequadas e inapropriadas. Com o crescente empoderamento feminino, é retrógrado imaginar que um candidato à presidência da maior potência mundial seja um homem como Donald Trump, que enaltece e se orgulha de ter todas as características negativas de um machista. Os números das pesquisas, felizmente, mostram que Hillary Clinton está ganhando a confiança dos norte -americanos, mas mesmo assim é preciso mais. É preciso garantia. Não, a candidata democrata não é o ideal e está longe de ser uma solução. Todos sabem disso, inclusive Hillary. Mas aqui a situação não é nem eleger o “menos pior”, é pensar em um futuro mais humano pra América. #WeAreWithHer

LAZER

Projeto de moradores do Fazendinha incentiva a prática do ciclismo com pedaladas noturnas Encontros acontecem às quintas-feiras; outros projetos desse tipo estão acontecendo em Curitiba Gabriel Domingos e Gabriel Belo

Fundado em 2014, o Pedala Fazendinha é um grupo de ciclismo noturno liderado pelo professor Mauro Roberto Juhl. Atualmente, mais de 30 membros, auxiliados pela prefeitura com uma escolta, percorrem diferentes trajetos de cerca de 25 quilômetros. Os encontros são semanais, toda quintafeira às 20 horas. Curitiba tem 84% de áreas planas e conta com projetos de incentivo ao pedal desde os anos 70, como a construção das ciclovias. Hoje, projetos de ciclorotas e vias de tráfego mais lento – como a Via Calma – são propostas que procuram impulsionar a prática do ciclismo na cidade, tanto na forma de locomoção como de lazer. É estimado que Curitiba conte com mais de 50 grupos de ciclismo noturno, auxiliados pelo projeto de incentivo ao esporte da prefeitura, o Mais Bici.

torista de carro infelizmente não respeita o trânsito”, disse Fábio. Neila Wendling, que também é instrutora, diz que a ciclovia de Curitiba serve apenas para o lazer e, ainda assim, peca em diversos aspectos, como na falta de iluminação. Para os instrutores, os grupos de ciclismo noturno são uma organização social que funciona como um transformador cultural, uma maneira de salientar que a bicicleta é uma modalidade de locomoção tão eficaz quanto o carro, além de ser boa para o meio ambiente e para o próprio indivíduo, que foge do sedentarismo. “A organização começou através de professores, que tinham seus grupos, e anunciavam os passeios. A divulgação a princípio era ‘boca a boca’”, disse Leila.

veira encontrou para começar a participar dos grupos de ciclismo noturno. Ela conta que é muito perigoso sair para andar de bicicleta à noite sozinha, salientando que já foi assaltada quando começou a praticar o esporte, e desde então aderiu aos passeios coletivos. “O grupo é muito unido, ajudam muito você no começo, para não desistir. Fiz muitos amigos em todos os pedais que participo e não tenho vontade de parar. Eu nunca fazia esporte, agora até participo de competições. Já faz um ano e meio que estamos aqui”, revelou Jaqueline. Cada percurso de pedalada tem um ritmo, dependendo do nível do grupo. Trajetos com mais subidas ou mais retas são características de cada projeto de pedal. O percurso do Fazendinha é considerado longo e difícil, pois têm muitas subidas.

A fuga do sedentarismo foi o prinA escolta dos ciclistas conta com cipal motivo que Jaqueline de Olium carro da Guarda Municipal. Uma Kombi da assistência social e dois ciclistas experientes, chamados “anjos”, que ajudam os iniciantes. Um desses “anjos” é Fábio Luiz Ribeiro, ciclista há mais de 10 anos, que explica que apesar da lei ser bem clara quanto ao local onde os ciclistas devem trafegar, o desrespeito é algo sintomático. “O ciclista não pode andar na calçada, mas a ciclovia fica junto da calçada e tentar andar junto dos carros é pedir para ser “fechado”. A Via Calma é uma forma inteligente de seguir com a atividade, visto que o mo- Participantes do projeto “Pedala Fazendinha”, que incentiva a prática do ciclismo noturno em grupos. Crédito: Gabriel Belo

EXPEDIENTE

EDITORIAL

Reitor José Pio Martins Vice-Reitor e Pró-Reitor de Administração Arno Gnoatto Diretor da Escola de Comunicação e Negócios Rogério Mainardes

Pró-Reitora Acadêmica Carlos Longo Coordenadora do Curso de Jornalismo Maria Zaclis Veiga Ferreira Professora-orientadora Katia Brembatti

Projeto Gráfico Gabrielle Hartmann Grimm Diagramação Ana Clara Faria Edição Fernanda Umlauf


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SAÚDE DA MULHER

Cólicas fortes e dificuldade para engravidar podem ser sinal de endometriose Apesar de silenciosa, a doença atinge mais de 6 milhões de mulheres no Brasil Kamilla Deffert e Markus Kalebe

Segundo uma pesquisa da Associação Brasileira de Endometriose e Ginecologia, a doença é silenciosa, começa desde a primeira menstruação e atinge – durante a fase reprodutiva – entre 10% e 15% da população feminina. Apesar de invisível, apresenta alguns sintomas, entre eles, dor durante a relação sexual, fortes cólicas menstruais e infertilidade. “Eu sentia dores intensas e fortes que vinham até mesmo fora do período menstrual. Diante disso, fui levada a uma videolaparoscopia de emergência. Mesmo assim, as dores continuaram. Foi então que descobri que precisava passar por um médico especialista e fazer exames específicos como a ultrassonografia com preparo intestinal”, conta Marília Gabriela Rodriguez, portadora da doença e coordenadora de um grupo de apoio a mulheres com endometriose. A endometriose é a doença que se caracteriza pela condição do endométrio (revestimento da parede interna do útero) que em vez de expelir a menstruação, faz o caminho inverso, afetando outras regiões do corpo, como os ovários, útero e intestinos. A doença também está ligada ao sistema imunológico. “Durante o período menstrual, a mulher fica com o sistema imunológico mais frágil”, comenta a ginecologista Rosa Maria Neme. Existem vários estudos sobre o surgimento da endometriose, mas nada ainda foi comprovado cientificamente. O que se sabe é que a doença pode ser hereditária, já que é mais comum e, grupos familiares, portanto a filha de uma mulher que sofre da doença tem 51% de chance de também ter a doença. “Apesar de ter diversos estudos, ainda não se sabe qual é o gene que carrega a doença. É comum em uma única família a doença estar manifestada em mais de uma mulher”, afirma Rosa Maria.

A “doença da mulher moderna”, como é chamada, está aliada a novos comportamentos, como filhos em idade mais avançada e altos níveis de estresse, que contribuem para que a mulher menstrue mais vezes. Antes de ser diagnosticada, a mulher pode perceber alterações, mas nem todas sentem os mesmos sintomas. A dificuldade em engravidar, por exemplo, atinge de 30 a 50% das mulheres. Os exames realizados podem ser o exame ginecológico (toque vaginal) e, para casos mais específicos, uma ressonância magnética e ultrassom. O exame de sangue CA125 detecta a endometriose somente para casos extremamente avançados da doença, como foi o caso da dona de casa Karine Mayer. Tratamentos A ginecologista Rosa Maria Neme, aconselha as mulheres que são portadoras da endometriose que façam acompanhamento regularmente com um ginecologista, com exames de toque semestralmente. O uso de anticoncepcional para controle menstrual também é uma forma de tratamento, e para casos extremos, as cirurgias: “Já fiz 5 cirurgias e dois bloqueios nos nervos para segurar a dor”, conta Marília. A doença dela é grave e atingiu a pelve e os nervos do plexo lombo sacral. Até hoje usa remédios para a dor e já ficou um ano usando morfina diariamente. “Hoje trato suspendendo a menstruação”, completa. A endometriose é uma doença ginecológica, mas muitas mulheres precisam de tratamento psicológico pela dificuldade de engravidar. “Elas são incompreendidas pela família e até mesmo pelo companheiro”. Karine Meyer teve que fazer uma videolaparoscopia para avaliar a sua situação e como não conseguiu engravidar, começou o tratamento para a endometriose. “Um mês

Infográfico: Kamilla Deffert

depois eu engravidei”, comenta Karine, que hoje tem dois filhos. Depois do nascimento do segundo filho, Karine optou por colocar o Diu Mirena, um dispositivo anticoncepcional que interrompe a menstruação. Grupos de apoio O Grupo de Apoio às Portadoras de Endometriose e Infertilidade (Gapendi) atua na Bahia e é um dos que surgiramcom o objetivo de levar informações corretas a mulheres que são portadoras da doença. Segundo Marília Gabriela Rodriguez, que é coordenadora do projeto, o grupo além de trazer informações da doença, apóia, ajuda e orienta as portadoras. Além disso, vários profissionais especializados auxiliam em algumas

Os estágios da doença variam entre 1 e 4. A ginecologista Rosa Maria Neme explica: A endometriose de primeiro grau afeta órgãos como bexiga, intestino e ureter. Alguns dos sintomas são cólica, infertilidade e menstruação irregular. O segundo grau é profundo, devido às queixas de dores fortes relatadas pelas portadoras, além de desconforto nas relações sexuais e sangramentos em outros órgãos. Nos graus três e quatro, formam-se cistos em vários órgãos. O tamanho dos cistos é variável. O diagnóstico é feito por ultrassom, e para esses níveis é necessário o tratamento cirúrgico. questões das leitoras do blog e cedem descontos para as portadoras que não têm condições de pagar o tratamento.


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PRECONCEITO RACIAL

Mulheres negras ganham 52% a menos do que as brancas Dados apontam que, apesar de avanços nos últimos tempos, a condição de inferioridade continua no Brasil Julia Bianchini e Letícia Neco

Pesquisas do IBGE revelam que a média salarial de uma mulher branca é de R$ 1.396,32, enquanto mulheres negras recebem, em média, R$ 726,85. Os dados mais recentes são de 2010 e mostram a discriminação persistente quanto a posição da mulher afro na sociedade brasileira. A atuação das mulheres no mercado de trabalho em áreas onde a população é predominantemente negra é 13% menor do que onde há predominância da população branca. A inserção da mulher negra no mercado de trabalho é um desafio. Há toda uma hierarquia preestabelecida: a desigualdade, tanto racial, como de gênero, está enraizada na construção histórica. São fatores que se tornam base para uma discriminação que, em uma “pirâmide social”, faz com que a mulher negra seja mais excluída socialmente. “Estava limpando a minha casa quando pessoas chegaram no portão e pediram para que eu, por favor, chamasse a dona da casa. Porque uma mulher

negra só poderia estar em uma casa como a minha se fosse a babá ou a empregada”, conta Marcela Ledesma, assistente administrativa, de 35 anos, sobre a inferiorização da imagem da mulher negra. A jornada feminina de trabalho ganhou expressividade por volta dos anos 70. Porém, a negra já tinha um histórico de trabalho muito antes de a mulher branca começar a buscar independência. “Enquanto a mulher branca estava lutando pela autonomia, nós, negras sempre tivemos liberdade para trabalhar. Sempre cuidamos da casa e fomos escravas de ganho no passado. Após a abolição nos tornamos domésticas, babás e até prostitutas, pois não havia para onde ir”, explica a historiadora Heliana Hermetério. Preconceito enraizado De acordo com dados divulgados em 2013 pelo Instituto Paraná Pesquisas, cerca de 20% dos entrevistados afirmam já ter sofrido discriminação racial e 56% são ligados a pessoas que passaram por algum tipo de situação de racismo.

A historiadora Heliana Hermetério afirma que a distinção na jornada de trabalho entre mulheres brancas e negras sempre existiu. Crédito: Arquivo pessoal.

“Era muito difícil ser eu. Era muito difícil ter o cabelo que eu tenho”, conta a estudante de psicologia Edólia Tenoro, de 20 anos. Ela afirma que sofreu preconceito nos seus anos escolares por sua cor de pele e cabelo. “Teve um dia que duas meninas, quando estava só eu e elas, vieram zoar meu cabelo e cantaram aquela música do Assolan, que dizia ‘Assolan, passou, limpou’, e caíram na risada. ”

No Brasil, com a miscigenação de diversas raças, há o pensamento comum de que não existe racismo por aqui e a negação da desigualdade entre brancos e negros. Porém, para Heliana, é necessário o posicionamento e a discussão do racismo por parte da população como um todo. “A sociedade não terá nenhum avanço se os brancos não mudarem suas práticas racistas e se os negros continuarem silenciados, pensando A cantora Beyoncé trouxe o feminismo negro para seu álbum “Lemonade”. que com isso evitam Crédito: Instagram o incômodo que causávamos quancrise e confronto. Estamos em um país racista e o assunto precisa do a família saia junta”, conta Marcela ser falado e discutido. Principalmente Ledesma, sobre como foi crescer em no Paraná, em que há o ideal de Curi- meio ao sexismo que inferioriza e obtiba ser uma cidade branca e europeia. jetifica a negra. Basta uma pesquisa profunda que esse Feminismo negro mito cairá”, afirma a historiadora. A hipersexualização – que consiste na objetificação da mulher em um artefato sexual – e o machismo desumanizam as mulheres. O padrão de corpo midiaticamente exposto da mulher negra dificulta a busca da ascendência social. Segundo pesquisas da Unicef sobre violência sexual, o perfil de exploração está relacionado a meninas afrodescendentes de classes populares e está mais presente no Nordeste do Brasil, onde há predominância da população negra. Como o estereótipo hipersexualizado é forte na sociedade, o fato da mulher afro se casar com um homem branco causa incômodo, pois, no senso comum, é vista como se não servisse para o casamento. “Foi difícil crescer vendo meu pai, que era branco, sendo questionado por ter se casado com uma mulher negra. Era muito perceptível

Atualmente, há diversos movimentos que são protagonizados pela mulher negra em busca de direitos sociais. Desde grupos em redes sociais formados por ativistas negras que lutam pelas causas e desconstroem padrões e preconceitos enraizados, até cantoras famosas, como Beyoncé que teve seu último álbum lançado em 2016, “Lemonade” com o feminismo negro exposto nas letras das canções e nos videoclipes. Segundo a historiadora, o feminismo de Simone De Beauvoir representa as mulheres afro superficialmente por não abranger e não reconhecer questões distintas enfrentadas pelas mulheres negras. O feminismo negro, então, veio a mostrar às mulheres negras o papel e posição na sociedade, diante do não reconhecimento desses tópicos por parte do feminismo.


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PRECONCEITO E RELIGIÃO

Apesar da representatividade da Umbanda no país, adeptos ainda sofrem preconceito Sul do Brasil tem a maior concentração de praticantes da religião, com mais de um terço da população gaúcha Nicole Smicelato

A Umbanda é uma religião de origem brasileira e formada a partir de vários aspectos da cultura, dos ritos africanos e também algumas características cristãs. Foi criada no século XX pelo sincretismo do Candomblé, crença africana, e do catolicismo, e é considerada uma “adaptação” da religião dos escravos, que foram trazidos para trabalhar no país. Apesar de ter seu início registrado no sudeste do país e ser muito relacionada à tradição do Nordeste, a maior concentração de praticantes da religião hoje é no Sul do Brasil. O Rio Grande do Sul tem a maior proporção nacional de adeptos com 34,45% de praticantes, quase cinco vezes mais que o percentual da Bahia, segundo o censo de 2010 do IBGE. No Paraná são 7.021 praticantes (1,72%), segundo a mesma pesquisa – um número relativamente pequeno em comparação ao total da população religiosa do estado. A cidade que lidera o ranking de praticantes da religião umbandista e candomblecista do estado é a capital paranaense, com 5.026 pessoas. Mas mesmo com uma grande abrangência, o preconceito ainda é evidente. Segundo um levantamento informal do Conselho Mediúnico do Brasil, Curitiba tem 7 mil terreiros de Umbanda e Candomblé em atividade, 8 mil na região metropolitana e um total de 25 mil em todo estado. Segundo a pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Luciana de Morais, não há como negar que os terreiros revelam a contribuição do elemento negro na formação de Curitiba, porém, mesmo com uma presença considerável da cultura negra em geral na capital, Curitiba mantém uma postura conservadora por parte da sociedade,

abrigando grupos que disseminam o preconceito e a violência, baseados na defesa da cidade como “capital europeia do Brasil”. Devido à presença da religião de origem afrobrasileira na cidade, o coordenador do Fórum Paranaense de Religiões de Matrizes Africanas, Márcio Marins, comenta que “não é novidade para ninguém que a região de Curitiba é bastante conservadora, Apesar do número significativo de praticantes da umbanda no Sul do Brasil, o preconceito ainda é frequente na região. Crédito: Felipe Tapia - Flickr e tem grupos que propagam a violência para os LGBT’s assim como as pessote de 14 anos foi agredida dentro do lônias do estado, e essas descendênas que trajam turbantes e cordões de Colégio Estadual Alfredo Parodi, em cias são as que ganham mais destaque conta, e isso é a nossa maior batalha Curitiba, por uma colega de sala que na história paranaense, deixando de aqui na capital hoje em dia”. alegava que a estudante era “da ma- lado outras etnias como espanhóis, cumba”. Para Márcio, a violência, a japoneses e, principalmente, os africaO Paraná, atualmente, intolerância e a marginalização das nos. Mesmo com um cenário tortuoso doutrinas de matriz africana, assim em que a crença é colocada na capital, é o estado do Sul com como a cultura negra em geral, pro- os fieis se mostram muito resistentes e vém puramente do racismo. O Para- reconhecem a importância dela para a ná atualmente é o estado do Sul com laicidade do país. maior número de negros, maior número de negros, com 28% da população, segundo o Censo 2010 do Para o estudante Ruan Pires de Lima, com 28% da população IBGE. E a capital paranaense tem 23% de 23 anos, a Umbanda faz parte da da sua população de origem africana. história e da construção do Brasil e ensegundo o Censo 2010. globa muitos povos. “A Umbanda, para Apesar dessa presença forte, o racis- mim, representa a expressão cultural mo e a imposição social contrária à de grupos socioculturais que por muiEm média, a cada três dias chega uma cultura afro são muito fortes e aca- to tempo foram, e ainda são, vítima de denúncia de intolerância religiosa na bam escondendo a presença negra na preconceito em nosso território. IndeSecretaria de Direitos Humanos da “capital europeia” do Brasil. O Paraná pendentemente do aspecto religioso, Presidência da República, segundo o teve uma grande participação italia- a Umbanda tem a cara do Brasil, um levantamento da própria secretaria. na, polonesa, alemã, holandesa entre Brasil que é uma mistura de culturas, e outras estirpes na construção das co- com o qual consigo me identificar“. Em agosto de 2015, uma adolescen-

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COLUNISTAS

Radiohead: uma introspecção radioativa na mente do grande mestre

O

tona músicas que já eram queridas pelos fãs, como “Identikit”, “Present Tense” e “True Love Waits”, mas que ainda não faziam parte de nenhum álbum.

Após apagar todo o conteúdo de suas redes sociais no dia 1 de maio, foi levantada a suspeita de que algo grandioso estava por vir. E veio. Como um furacão. O álbum “A moon shaped pool”, da banda britânica Radiohead, abalou as estruturas das redes sociais no dia 8 de maio, estreou contando com nove faixas, tendo outras duas possibilidades no lado B do disco. A banda trouxe à

Thom Yorke, vocalista e compositor da banda, sempre vai além. Cada expectativa torna-se um “desastre” magnífico desde a primeira nota da música “Burn the Witch”, que foi a primeira a ser lançada, no dia 4 de maio ao meio-dia no Brasil, e foi também o primeiro “gostinho” que os fãs tiveram do que seria o novo álbum, até o conhecimento do agradável “presente” que viríamos a receber com a inclusão de “True Love Waits” – mesmo depois de arrasar com nossas expectativas não incluindo a faixa em outros álbuns. Thom Yorke não desistiu. Lapidou cada detalhe das

s últimos acontecimentos só nos levam a crer numa coisa: eles voltaram. Não sabemos se é o início de algo ou o fim de um ciclo, mas o álbum que começa com a palavra “stay” (fique) e finaliza com a palavra “leave “ (deixe/saia) traz infinitos detalhes do que veio a ser a melhor surpresa do ano até o atual momento.

Vitor Teixeira

MAIS UMA BANDA INDIE...

...entre tiaras de florzinhas e camisetas pretas

S

etembro foi marcado pela divulgação do anualmente aguardado line-up do festival de música alternativa Lollapalooza, com endereço marcado há 3 anos no autódromo de Interlagos em São Paulo. Perry Farrell, vocalista do Jane’s Addiction, é o criador dessa maravilha do século 21. Foi a resposta não popular ao vovô legalzão Rock In Rio, sendo motivo de muita alegria para o pessoal underground.

E desde de 1991 tem sido assim: um festival para celebrar diferentes tipos de estilos, promovendo nomes da música independente para o mundo, dando um rosto para bandas até então desconhecidas. E parece que algumas pessoas vêm se esquecendo dessas características. Ao anunciarem o line-up do evento para o ano que vem, muitas pessoas

MUSICALIDADES Vitória Beatriz

músicas antigas, e acrescentou diversas novas sensações, e até mesmo uma Bossa Nova embalando a faixa “Present Tense”, para que nada se perdesse e que tudo se ajeitasse na mais perfeita harmonia, a fim de nos levar a experiências únicas e jamais exploradas com cada sentimento que esse novo álbum traz. Ocorre também uma imensa discussão filósofica em torno do álbum, especialmente na segunda faixa “Daydreaming”. O clipe tem uma conexão

em uníssono começaram a reclamar “cadê fulano?”, “cadê cicrano?”. A ausência de bandas alternativas conhecidas mundialmente, ou que aparecem no topo das playlists “moderninhas” do Spotify, foi motivo de muita revolta nas redes sociais. E qual era um dos princípios por trás do festival? A divulgação de trabalhos independentes e que não estão por aí no mainstream. Ou seja, conhecer novos sons. Portanto, talvez a edição 2017 do festival seja uma das mais surpreendentes de todas pelo fato de haver um número reduzido de artistas conhecidos. Dando margem até para artistas nacionais, para colocar por terra a ideia de que no Brasil não tem música boa. Agora aproveito para falar sobre outra questão. Ok, podemos contar nos dedos de uma mão quantos rostos familiares irão aparecer por Interlagos ano que vem. Contudo, o Metallica foi a que recebeu a resposta mais ne-

muito forte com “O mito da caverna”, de Platão, o que nos possibilita divagar sobre o banal, e nos atenta mais uma vez aos vínculos dos cuidados de cada composição desse álbum, atrelados aos questionamentos dos pesos existenciais, algo que sempre foi o “charme a mais” do grupo. “A moon shaped pool” veio para mostrar que Radiohead não para de surpreender, o que só nos leva a esperar ansiosamente pelas cenas dos próximos capítulos.

gativa por parte de alguns fãs. Tudo porque, segundo eles, a banda não se adequa à “proposta do festival”. Convenhamos, com tanto tempo fazendo música (quase quarenta anos), eles sabem muito bem como fazer um show. Sem contar que o trash metal, gênero ao qual pertencem, reconhecido por nomes como Slayer e Motorhead, teve seu início no underground, por ser um movimento avesso ao que era considerado comercial nos anos oitenta, o que encaixa com o que muitos afirmam ser a “ideologia do festival”. E será uma experiência a mais pelo fato de que eles estão para lançar um trabalho novo. Então, teremos a oportunidade de conferir material recém-saído do forno. Portanto, minha gente, vai ter headbanger sim! Vai ter florzinha na cabeça sim! E o melhor de tudo, vai ter muita música boa sim! VIVA O LOLLAPALOOZA!


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CONTO

A VIDA EM UM CONTO Sarah Menezes

A incrível jornada de Jacqueline

Ri do início ao fim. “A Incrível Jornada de Jacqueline” conta a história de um camponês chamado Fatah e sua vaca – a Jacqueline. Sempre julguei pessoas que jantam nesse shopping. Ele é pequeno e pouco frequentado. Um casal toma uma sopa tailandesa. O mais novo tem dificuldades para manejar os hashis. Seu companheiro com cabelos grisalhos leva o macarrão à boca com uma exímia delicadeza. Como se fizesse isso todos os dias, há anos. Um segundo casal divide um hambúrguer com batatas. Uma moça sozinha olha séria para seu computador, enquanto alguns jovens farreiam ao seu redor. Alguém começa a tocar Chopin no piano. Meu risoto ao funghi me enche antes mesmo da metade. Me sinto transbordando. Dos risos alheios, da cultura pop carregada de uma vaidade passageira que tomba as nossas vidas. Me canso das horas perdidas.

Uma mãe e um filho jantam McDonalds enquanto conversam. Eu percebo que o relógio marca 21h22. Penso se tenho dinheiro em cédula para o táxi. Percebo que sou mais uma.

Percebo que somos todos mais um. Ocupando um lugar temporário no tempo e no espaço. Sendo vítimas. Dos outros, das ideias. Dos ideais. Eu parto para casa. Outro vem, leva ao lixo minha bandeja alaranjada com meu prato de risoto ao funghi. E ocupa meu lugar.

Uma placa gigante e vermelha grita o nome de uma marca de empadas que existe desde 1954. Penso na vida de quem decidiu fazer empadas. Imagino o Criador do Universo dizendo “esse vai fazer empadas”. Um gordo feliz pega seu hambúrguer no restaurante e sai praticamente saltitando em direção à mesa – como se fosse o momento mais esperado do seu dia. Deleitar-se em uma carniça de gado com alface, tomate e trigo em forma de pão. Me canso das nossas farsas. Do que temos a cara de pau de chamar de vida. Dos despertadores que nos forçam sair da cama. Do trabalho forçado que resulta em um atendimento pífio. Da ausência de vocação. De seres humanos que desconhecem sua origem, seu destino. Um casal de namorados janta com uma amiga. A moça os encara com olhar esperançoso. Invejoso. Transformar um sentimento em poesia é o mais sem vergonha e d e s e s p e r a d o ato. É como gritar no meio de um filme. Fazer todo mundo olhar pra trás no meio do escuro, e procurar de onde veio o grito. Pra quê gritar? Sempre julguei pessoas que jantam nesse shopping. Ele é pequeno e pou-

Crédito: Isabel Fernandez / Pixabay

A

visei que não iria para casa depois do trabalho. Era uma quinta-feira comum – daquelas cinzentas, com nó na garganta e frio na espinha. Minha maior vontade nas últimas seis horas era sentar na minha poltrona de couro favorita e assistir um filme francês. Pouco me importava o filme. Eu só precisava ouvir a melodia das palavras.

co frequentado. Empurro a bandeja com meu prato de risoto praticamente cheio.


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