Lona especial diversidade familiar

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especial diversidade familiar

Atualmente, com a mudança nas relações sociais e românticas, o modelo familiar está mudando. E foi pensando nesses novos formatos que os alunos de Jornalismo da Universidade Positivo produziram essa edição especial, não para assumir posições ideológicas, mas para representar as famílias em toda a sua diversidade.

Paraná é o terceiro estado em número de crianças para adoção p. 4 e 5

Em entrevista exclusiva, ativista Toni Reis fala sobre adoção e homofobia p. 9

Casais que optaram pelo poliamor falam mais sobre a experiência p. 20 e 21

Ano XVI > Edição 1002 > Curitiba, 8 de dezembro de 2017


LONA > Edição 1002 > Curitiba, 8 de dezembro de 2017

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EDITORIAL

Uma luta por direitos O direito à vida é imprescindível a qualquer cidadão, e, portanto o direito de viver livremente, independente de cor, profissão, orientação sexual e ideologia deveriam ser também. Cada um é responsável pela maneira como escolhe viver e formar uma família, e isto deveria ser reconhecido pela Constituição do nosso país. Mas as coisas não funcionam assim. O primeiro registro de adoção concedido para duas mulheres foi em 1986, na Califórnia, Estados Unidos. Na Europa, o primeiro país a conceder este direito a casais homoafetivos com união civil reconhecida foi a Dinamarca, em 1999. Apenas em 2011 casais homoafetivos puderam oficializar uma união estável no Brasil, e o direito de adoção foi concedido de forma individual a um casal somente em 2015. Nesse sentido, o casal Toni Reis e David Harrad, juntos desde 1990 e ambos militantes do movimento LGBT, lutam constantemente para formalizar, perante a lei, a família que constituem. Após 21 anos juntos, o casal foi o primeiro do estado do Paraná e um dos primeiros do país a ter sua união estável reconhecida pela justiça brasileira. Eles deram entrada em um longo processo jurídico em 2005, que durou cerca de sete anos, até que pudessem adotar seus filhos, Alysson, Jéssica e Filipe. A primeira adoção foi de Alysson, na época com 12 anos, e a decisão foi tomada de forma individual pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Carmen Lúcia, e apesar do caso não estar previsto em lei, a decisão virou referência para juízes em julgamentos semelhantes.

EXEMPLO

A família como influência na formação da identidade Talita Marchiori

Tudo começa na escolha no nome. Essa é a primeira influência que recebemos da nossa família na construção da nossa identidade. Depois vêm os hábitos, ideologias, rotina e costumes, tudo isso para somar e influenciar quem somos e quem vamos ser. A família é primeira instituição que funciona como referência no início na vida de cada ser humano. Mais tarde vem a escola, os colegas e outros fatores que irão compor essa identidade, porém dentre todas as influências que recebemos, a familiar é a mais significativa. A influência familiar deixou de fazer parte do senso comum e passou a ser uma afirmação cientifica. Segundo a ciência, os primeiros anos de vida são importantíssimos na vida de uma pessoa. É na primeira infância, que vai desde o nascimento até os seis anos, que a identidade de

cada individuo é formada. Essas primeiras relações são fundamentais para que a criança desenvolva autonomia, segurança e autoestima, segundo a psicóloga infantil Gisele Minikoskí. Uma pesquisa feita pela psicóloga comportamental Lídia Weber, com 111 alunos entre 13 e 14 anos de três escolas particulares, revelou que tal interação tem notável importância no processo de formação de qualquer pessoa. A pesquisa também mostrou que a interação familiar de qualidade, com afeto, limite e diálogo contribui muito para o desenvolvimento da autoestima. Esses princípios e valores adquiridos pela criança na socialização primária irão acompanha-la durante a vida adulta também. Segundo a psicologia, é comum que durante a adolescência esses princípios sejam questionados

Foto: Talita Marchiori

Uma pesquisa feita pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) revela que 70% das crianças que apresentam sintomas de estresse têm pais com baixo grau de envolvimento, isso quer dizer que passam pouco tempo se relacionando, brincando ou desenvolvendo outras tarefas com seus filhos. O assunto foi tema do documentário “ O Início da Vida” da diretora Ester Renner. Mostrando na prática como a família é fundamental para a construção da identidade da criança. São famílias de várias partes do mundo que abrem sua casa para ter sua rotina registrada. Pais que, entendendo a importância da primeira infância, deixaram seus empregos para se dedicarem totalmente aos filhos. O documentário está disponível no Vídeo Camp.

Todos os dias o estado e a população devem persistir, para que mais casos como este se repitam, e que a justiça possa alcançar todos os brasileiros. Infelizmente, a história desta família é uma exceção. Esta edição do Lona não se trata de levantar uma bandeira ideológica ou de grupos específicos, mas de reivindicar o direito de todos os indivíduos. Priscila e seu filho, Pedro.

EXPEDIENTE

Hoje, o Cadastro Nacional de Adoção (CNA) conta com 4.828 crianças e adolescentes aptos a serem adotados, e 39.814 pretendentes, ou seja, milhares de famílias em processos jurídicos que talvez se estendam por anos. Não é o papel da justiça trabalhar em prol dessas crianças para que possam ser acolhidas em um novo lar?

e contestados para que o individuo possa conhecer o mundo e assimilar da sua própria maneira, porém quando chega na vida adulta este indivíduo, ainda que involuntariamente, retorna aos valores que aprendeu quando crianças. Luís Machado, 32 anos, chaveiro há 19 anos, conta como se deu a influência familiar na sua vida. "Meu pai sempre me ensinou os valores de caráter e trabalho. A influência da família na minha profissão foi total, não tive escolha. Com 13 anos eu saí da escola para ajudar meu pai como chaveiro e se passaram 19 anos e eu estou aqui”, diz Luís, que é filho, sobrinho e neto de chaveiro.

Presidente da Área de Ensino do Grupo Positivo Paulo Cunha Reitor José Pio Martins Pró-Reitor Acadêmico Carlos Longo Pró-Reitor de Planejamento e Operação Ronaldo Casagrande Diretor de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas

Roberto Di Benedetto Coordenador da Área de Comunicação e Design Marcelo Gallina Coordenadora do Curso de Jornalismo Maria Zaclis Veiga Ferreira Professora-orientadora Katia Brembatti Projeto Gráfico Gabrielle Grimm

Edição Hannah Cliton Luís Farias Capa Luana Chemin Edição especial produzida pelos alunos do 2º ano para a disciplina Redação Jornalística II, orientados pelo professor Felipe Harmata.


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ADOÇÃO

A luta dos casais inférteis Segundo a Organização Mundial de Saúde, 20% dos casais do mundo são inférteis, mas números não assustam as famílias que querem adotar.

Foto: Emelly Ribeiro

Emelly Ribeiro, Matheus Ballan e Rafaella Gorski

Frustação e impotência, duas palavras que resumem a vida de mulheres que tentam engravidar mas não conseguem. O instinto materno é algo que surge com o passar dos anos, mas o desejo de ser mãe é instintivo desde quando as meninas brincam de ninar, alimentar, cuidar e amar bonecas desde os cinco anos de idade. Com Josiane Belo não foi diferente. Após anos tentando engravidar, ela e o marido Clayton Teixeira procuraram vários médicos especialistas em busca de ajuda. Foi constatado que Josiane tem uma trompa interrompida e cistos no ovário, o que dificulta a gravidez, que só seria possível após cirurgia. “Como sou muito medrosa, fui adiando as consultas com especialistas em fertilidade e desmarcando as cirurgias. Não demorou muito para meu marido sugerir a adoção", conta. A adoção é uma das opções que casais buscam para por um fim ao drama de não conseguir engravidar. Outros casais nunca perdem a esperança e gasFoto: Elizandra Nogarotto

Elizandra e sua família completa.

tam milhares de reais em tratamentos, consultas e exames para ter filhos biológicos. A enfermeira Marcia Felipe, do Centro de Fertilidade de Curitiba, aponta que os fatores mais comuns para a infertilidade são causados por problemas na tuba, ovários e endometriose. Ela ressalta que os problemas de infertilidade também são responsabilidade do homem, já que segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) os homens são responsáveis por 40% dos casos. “Muitos pacientes chegam ao consultório já afirmando que é a esposa que tem problemas de infertilidade e ficam abismados quando são pedidos exames para o marido também. E quando chega o resultado apontando que a mulher não consegue engravidar por um problema do marido, não acreditam e vão em busca de uma segunda opinião médica”, explica. Segundo a OMS um casal pode ser considerado infértil a partir de um ano de relações sexuais regulares desprotegidas sem que resultem em gravidez. Segundo a organização, esse problema atinge mais de 20% dos casais do mundo e calcula que, no Brasil, esse problema atinge 8 milhões de pessoas. “Se Deus não quer que você tenha filhos, você não vai poder ter”, era o que a mãe de Elizandra Pellando Nogarotto costumava dizer antes da filha engravidar. “Eu comecei a por isso na minha cabeça, pensava nisso todo dia e meu marido também. Foi quando comecei a cogitar a adoção, mas ele era contra”. Após anos de tentativas falhas de engravidar, Elizandra foi diagnosticada com Síndrome de NK (Natural Killer), que faz

Josiane, Clayton e Daniel: a família está finalmente completa com um filho adotado.

com que o organismo veja o embrião como um vírus, uma célula infectada que logo é expelida pelo organismo. “Depois disso, foram sete tentativas de fertilização in vitro que não deram certo. Tentamos de tudo e tivemos no total um gasto de quase 100 mil reais em exames, consultas e injeções de hormônio para o meu tratamento. Gastávamos muito dinheiro por algo que tinha poucas chances de dar certo e eu estava entrando em depressão”. Para Elizandra, a falta de apoio da família também foi um dos fatores que fez o casal buscar a ajuda de um psicólogo para passar por esse momento tão difícil na vida a dois. "Conforme os meses passavam sem a confirmação de uma gravidez, eu e meu marido nos afastávamos, até que decidimos procurar uma psicóloga para conseguir levar em frente o casamento, com ou sem filhos", lembra. Os anos passavam mas o casal não perdeu a esperança. A família começou a perceber a luta do casal e passaram a apoiar qualquer decisão tomada pelos dois. Foi quando decidiram fazer uma última tentativa, uma nova fertilização in vitro. Mais dinheiro gasto. Mais um tratamento feito. Não demorou muito para o casal ser chamado no consultório

médico para conversar, pois dessa vez havia cinco embriões perfeitos para inseminação mas era recomendada a implantação de apenas três. Após insistir, o casal assinou um termo alegando que estava ciente dos riscos envolvendo a implantação de todos os cinco embriões e que a responsabilidade de qualquer problema de saúde de Elizandra ou de um possível feto, seria do casal. Depois de vários exames a gravidez se confirmou, mas um último exame apontou positivo para toxoplasmose. Essa doença poderia fazer com que a criança nascesse cega, ou com problemas no desenvolvimento do mental. “Com essa notícia meu mundo caiu, depois de tanto tempo e dar errado por causa de um exame de toxoplasmose, não era justo”. Com uma gravidez de risco, Elizandra passou a gestação inteira em repouso, fazendo exames semanais para acompanhar as possíveis consequências da toxoplasmose. “Até que chegou a 37ª semana e marcamos a cesária. Eu não sosseguei enquanto não vi o corpinho dele e o rostinho. Quando vi que ele era perfeito e super saudável, a ficha finalmente caiu. Eu tinha um filho”. Renato nasceu um dia antes do dia das mães, em 7 de maio de 2004. “Ter um filho em meus braços é um presente infinitamente maior do que qualquer pedra brilhante", completa.


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ADOÇÃO

Paraná é o terceiro estado com maior número de crianças para adoção Dados do Cadastro Nacional de Adoção apontam que o Paraná está atrás somente de São Paulo e do Rio Grande do Sul Amanda Andrade e Thais Abicalaf

Entre elas está o futuro filho de João Pedro Schonarth e Bruno Antonio Banzato. O casal, que está em processo de adoção, frequentou durante seis meses – tempo para dar entrada na papelada e conseguir a habilitação para adoção – aulas e palestras obrigatórias sobre o tema, as quais auxiliaram com informações e ajudaram a desmistificar algumas questões. Eles também passaram por acompanhamento psicológico da Vara da Infância. João conta que durante as palestras eles aprenderam os motivos pelos quais as crianças foram recolhidas pelo Conselho Tutelar. Algumas das situações são abandono, maus tratos ou violência sexual – até mesmo todas elas. Além disso, há três categorias de saúde: saudável, doenças tratá-

veis e doenças não tratáveis – aquelas que requerem atenção maior dos pais.

Foto: Thais Abicalaf

Segundo o Cadastro Nacional de Adoção, o Paraná é o terceiro estado brasileiro com maior número de crianças disponíveis para adoção, somando 906 cadastros. O Paraná está atrás somente de São Paulo, em primeiro lugar com 1637 crianças, e do Rio Grande do Sul, com 1131 crianças disponíveis para adoção.

João e Bruno não tiveram restrições em relação à raça ou ao histórico do filho adotivo. “Como iremos dizer que ele deve respeitar todas as diferenças do mundo se seus pais não aceitam algumas características dele?”, questiona o jornalista João Pedro. No entanto, informações do Cadastro Nacional de Adoção mostram que muitos pais que pretendem adotar têm restrições em relação à raça da criança. O casal curitibano não se preocupa com a etnia do filho, mas sim com o seu acolhimento. O menino, esperado há dois anos, já tem o quarto pronto e está presente nos planos dos futuros pais. “Se existe amor, existe família”, diz o jornalista, que aguarda ansiosamente para acompanhar os primeiros passos, palavras e conquistas de seu filho, um amor ainda anônimo. Essa história que começará em breve na família de João e Bruno começou 20 anos atrás com Gabriel Luís da Silva Kern, estudante de biomedicina. Gabriel foi adotado aos três meses de idade no município de Pinhão, Foto: Thais Abicalaf

O casal João Pedro Schonarth e Bruno Antonio Banzato está em processo de adotar uma criança em Curitiba.

Paraná. Durante sua infância, morou em Foz do Jordão, Guarapuava, Irati e, aos 14 anos, a família mudou-se para Curitiba, onde vive desde então. Ao falar sobre sua história, Gabriel explica o quanto é grato aos pais adotivos pelo carinho, atenção e investimento nos estudos. Porém, também relata o outro lado, das dificuldades que enfrenta devido à adoção. “Eu tenho ansiedade, depressão e outras crises como trauma do abandono. Isso me deixa muito mal”, afirma o estudante, alegando que por isso não adotaria um filho, mesmo admirando o ato de adotar. O interesse em conhecer os pais biológicos foi motivo de muitas brigas com a mãe aos 17 anos. “Quando eu disse que queria ir atrás da minha

família biológica, ela falou que eu não a amava e era ingrato”, conta. Mesmo assim, procurou informações na internet sobre os lares de adoção no município de Pinhão. Encontrou três casas, ligou para todas, mas nenhuma quis dar informações pelo telefone, porque esse tipo de esclarecimento só é feito pessoalmente. Sobre o passado, o que sabe é contado pela mãe: como os pais biológicos não compareceram na audiência que definiria a guarda, o juiz a concedeu aos pais adotivos. Gabriel veio de uma família carente que não tinha condições de ter um filho na época. Após perderem uma menina aos 6 meses de idade por problemas na válvula do coração, os pais adotivos passaram por momentos difíceis de brigas. A

“Dos 12.441 pretendentes cadastrados na região Sul do país, apenas 5378 aceitam crianças negras, o que equivale a somente 43% dos pais que estão à espera” Crianças com mais de dez anos são um perfil pouco procurado por pais que pretendem adotar. Por isso, podem participar do projeto de Apadrinhamento Afetivo na Recriar.


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Foto: Thais Abicalaf

Lucianne diz que a ruptura entre família e criança é bruta e drástica, e que as crianças acolhidas pela instituição sentem muita falta do convívio familiar. Mesmo que estivessem em situação de vulnerabilidade, aquela era a única realidade que conheciam. adoção foi um recurso para manter o casamento. Hoje, a família tem dois filhos: Gabriel, de 20 anos, e Amanda, filha biológica, de 16 anos. Recriar Em Curitiba, uma organização que defende o direito da criança em situação de vulnerabilidade social à convivência familiar é a Recriar. Nela, Lucianne Scheidt trabalha como socióloga e coordena o projeto “Afeto que Transforma”, o qual tem como objetivo promover a preparação de famílias para adoção e, também, para o apadrinhamento afetivo. Lucianne conta que nas instituições de acolhimento, onde ficam as crianças que foram retiradas de suas famílias, apenas 10% delas vai para a adoção. Os outros 90% têm possibilidades de retornar à família biológica. “Entendemos que o melhor lugar da criança é na sua família de origem”, diz Lucianne.

“Nós [Brasil] não temos um atendimento que ajude essas famílias a saírem desse problema”, ressalta a socióloga. Ela fala ainda sobre as instituições existentes que poderiam fornecer auxílio para as vítimas do vício, alegando que são caras, que em algumas há falta de vagas e que quando disponibilizam atendimento, ele dura pouco tempo e não é, portanto, eficaz. Apesar dos problemas em casa, as crianças sofrem quando são encaminhadas às instituições de acolhimento. Lucianne diz que a ruptura entre família e criança é bruta e drástica, e que as crianças acolhidas pela insti-

A coordenadora do projeto “Afeto que transforma”, Lucianne Scheidt, trabalha voluntariamente auxiliando pais e crianças que estão na fila de adoção.

tuição sentem muita falta do convívio familiar. Mesmo que estivessem em situação de vulnerabilidade, aquela era a única realidade que conheciam. "Família é quem cria" Alessandra Rodrigues, 22, soube que foi adotada aos sete anos. Na saída da escola, em um dia chuvoso, a mãe conversou com ela dentro do carro

Foto: Thais Abicalaf

O Dia Nacional da Adoção surgiu com o intuito de promover discussões em torno do direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária com dignidade. Esse direito é assegurado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A socióloga conta que, por vezes, professores percebem que a criança está machucada ou apresentando algum comportamento diferente e, por isso, chamam o Conselho Tutelar. A partir daí, a condição da família e da criança é avaliada e, se preciso, o juiz autoriza a retirada da criança de sua família. A maioria desses núcleos familiares têm problema com álcool ou drogas.

estacionado em frente ao colégio. “Eu pedi para ela me contar a história de novo caso eu esquecesse tudo aquilo. Mas é claro que eu nunca mais esqueci”. Alessandra lembra que fez o pedido após o choro de quem não entendia muito bem que a palavra “adotada” poderia ser algo positivo. A estudante de direito mora com a mãe, madrinha, avó e um amigo que, depois de três anos morando junto, já virou irmão. Para a filha única, “família é quem cria, educa, cuida, e não precisa ser de sangue. Família a gente escolhe (ou escolhe a gente) para amar, estar junto, se apoiar e viver”.

No Brasil, algumas instituições surgiram para assegurar que toda criança tenha o direito respeitado. Segundo Lucianne Scheidt, há mais de 170 grupos de apoio à adoção no Brasil, destes, 19 ficam no Paraná. Alessandra Rodrigues soube que foi adotada aos sete anos, e acredita que família não precisa ser de sangue.


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ADOÇÃO

Guia completo da adoção: entenda como é o procedimento Por meio do Cadastro Nacional da Adoção, famílias adotantes encontram crianças aptas a serem adotadas de todo o país Isabella Machado e Pedro Lucena

São mais de 7,6 mil crianças brasileiras, nesse exato momento, esperando uma família para chamar de sua. Em Curitiba, especificamente, 906 crianças aguardam ansiosas pelo acolhimento de uma nova residência. Os dados do Cadastro Nacional da Adoção (CNA) mostram, também, que família adotante é o que não falta: mais de 39 mil grupos familiares querem ser pais adotivos no Brasil, e, no Paraná, o número chega a 4.026. Para cruzar os dados dos futuros filhos com os dos futuros pais, o CNA unifica as informações tanto das crianças em abrigos quanto das famílias adotantes de todos os estados do país – tudo numa única ferramenta digital. O cruzamento de dados se dá quando a criança se torna apta à adoção e ocorre, então, a convocação. A jornalista e professora da Universidade Positivo, Rosiane Correia de Freitas, não considera o processo demorado. "A burocracia do processo adotivo não é realizado para a família adotante, e sim para a criança. É preciso valorizar o trabalho de todas as áreas interessadas no bem-estar do

Foto: pixabay

interesse em uma bebê prematura de 26 semanas", conta. De acordo com o relatório do CNA, 69% das famílias só aceitam crianças que não apresentem doenças – o que pode, dependendo das circunstâncias, prolongar a espera no processo de adoção. Além de ter a idade mínima de 18 anos, o adotante deve ter uma diferença de pelo menos 16 anos da criança a ser adotada. São liberadas para o processo, também, pessoas solteiras, viúvas ou que vivem em união estável. A única ressalva é a de adoção por casais homoafetivos, que ainda não está estabelecida em lei – no entanto, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), alguns juízes já deram decisões favoráveis nessas situações. Ao decidir adotar, o primeiro passo é procurar a Vara da Infância e da Juventude (VIJ) do seu município para descobrir quais são os documentos que devem ser apresentados. "O contato por telefone, na minha experiência, foi demorado para conseguir as informações que eu gostaria. Na segunda adoção, fui pessoalmente e o atendimento foi mais eficiente", conta Rosane do

O trabalho de assistentes sociais, psicólogos e médicos tornam o processo de adoção metódico e repleto de cuidados adotado em sua nova família", afirma. O trabalho de assistentes sociais, psicólogos e médicos tornam o processo de adoção metódico e repleto de cuidados. Rosiane e sua família adotaram, recentemente, uma menina de 5 meses – e, segundo ela, o processo foi mais rápido do que imaginavam. "A expectativa era de 2 a 3 anos de espera, mas conseguimos 'furar a fila', já que tivemos

Carmo Machado, pedagoga que já adotou duas crianças. Em geral, são requisitados o documento de identidade, CPF, certidão de casamento ou nascimento, comprovante de residência, comprovante de rendimentos ou declaração equivalente, atestado ou declaração médica de sanidade física e mental e certidões cível e criminal. Com os documentos em mãos, chega a hora de preparar uma petição para dar início ao processo de inscrição

Cerca de 39 mil grupos familiares querem ser pais adotivos segundo o Cadastro Nacional de Adoção.

para adoção. Com a petição aprovada, o nome do adotante estará habilitado a constar nos cadastros local e nacional de pretendentes à adoção.

entrará em contato com a família para checar se há interesse e, se a resposta for positiva, os dois lados são apresentados.

O próximo passo é a participação da família em cursos de preparação psicossocial e jurídica para a adoção. Em geral, segundo o CNJ, o curso tem aulas semanais durante 2 a 3 meses. Depois, são agendadas avaliações com entrevistas e visitas domiciliares feitas pela equipe técnica. "Durante as entrevistas, já se pode traçar o perfil da criança a ser adotada. A família pode, de acordo com suas preferências, definir o sexo da criança, sua faixa etária, a cor, o estado de saúde, se tem preferência por irmãos, entre outros detalhes", afirma a psicóloga Maria de Carvalho, que já trabalhou em instituições de adoção.

Depois do primeiro encontro, segundo Maria, a criança também é entrevistada, com o intuito de avaliar se ela quer dar continuidade ao processo. E, então, chega a fase preliminar: o estágio de convivência. Monitorado pela Justiça e pela equipe técnica, o estágio de convivência varia de acordo com a idade. "Um bebê, por exemplo, pode ter o estágio de convivência menor do que uma criança mais velha, que necessita de um período maior de adaptação", explica Maria.

O resultado das avaliações, então, é encaminhado ao Ministério Público (MP) e ao juiz da VIJ. A partir dos pareceres, o juiz dá sua sentença – e se a família for aprovada, estará apta a entrar na fila de adoção de seu estado. A espera, então, é para que apareça uma criança com o perfil compatível com o que foi determinado pela família. Quando a criança aparece, a VIJ

E então, se a primeira vivência ocorrer bem, a família adotante recebe a guarda provisória e a criança pode começar a viver na nova residência. A guarda tem validade até o momento em que o juiz profere a sentença de adoção e determina a lavratura do novo registro de nascimento, já com o sobrenome da nova família. A partir daí, a criança passa a ter todos os direitos de um filho biológico. "Para todos aqueles que ainda estão na dúvida: é uma experiência sem igual", declara Rosane. "Vale a pena cada segundo".


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ADOÇÃO DE ESPECIAIS

Adoção de crianças deficientes no Brasil ainda gera insegurança Foto: Natalia Basso

Processo de adoção de crianças com necessidades especiais não é diferente, mas requer mais atenção e cuidados Italo Sasso e Natalia Basso

A adoção e a fila de espera que futuros pais e mães enfrentam não são novidade para os brasileiros. Porém, dentro dos inúmeros casais que aguardam por uma oportunidade de ter a guarda de um novo filho, existem histórias que passam despercebidas; muitas crianças que aguardam por um lar carregam uma característica “especial”: a diferença. De acordo com dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), quase 5 mil crianças estão disponíveis para adoção no Brasil e aproximadamente 12% delas têm algum tipo de deficiência mental. Além dos casos em que a deficiência é comprovada, existem situações em que só é feito o diagnóstico após a adoção. Essa é a história da dona de casa Soeli Aparecida Guechewski, que após três anos na fila de adoção, pôde buscar seu primeiro filho na maternidade. João foi para sua nova casa no dia 16 de agosto de 2000. Depois de alguns meses quieto ou “mamando e dormindo”, como brinca Soeli, João Bernardo Foto: Natalia Basso

começou a demonstrar comportamentos diferentes. “Comparava com os primos da mesma idade e percebia que ele não se comportava da mesma forma. Chorava muito e não dormia a noite”, conta. Aos dois anos, João Bernardo andava, falava poucas palavras e não gostava de contato físico ou visual. Foi por isso que Soeli procurou ajuda e, ao ser encaminhada para um neuropediatra, teve o primeiro diagnóstico de autismo. A partir dali, João Bernardo recebeu todo o tratamento necessário e estímulos que ajudariam em seu desenvolvimento e crescimento. “Quando recebi o diagnóstico, soube que minha vida mudaria. Cheguei em casa e li tudo o que achei sobre autismo”, diz Soeli. Após inúmeros incentivos e acompanhamento de profissionais qualificados, João faz aulas de música e computação e está prestes a terminar o ensino médio. Os inadotáveis Entre as milhares de crianças que vivem em abrigos no país, somente

Clemente (pai), João Bernardo e Soeli em sua residência em Campo do Tenente-PR.

uma parcela está apta para receber uma nova família, já que o vínculo com os parentes biológicos deve estar completamente rompido antes de colocá-la para receber uma nova casa. Porém, ainda assim existem as restrições que fazem com que o novo lar não esteja tão perto. No caso de saúde, os graus podem ser classificados em categorias como saudável, doença tratável, doença não-tratável, deficiência mental ou deficiência física. São essas preferências preenchidas em um formulário inicial no processo de adoção que influenciam no destino de cada uma delas. De acordo com a advogada Thais Pascoaloto Venturi, são poucas as pessoas que aceitam adotar uma criança com necessidades especiais. “Posso afirmar que mais de 80% dos processos que estão na fila de adoção procuram crianças recém nascidas, de preferência brancas e saudáveis", pondera.

João Bernado e Soeli com Kiko, o cachorro da família.

Além disso, existem casos de bebês prematuros, em que as sequelas não podem ser diagnosticadas inicialmente. Assim, os profissionais devem indicar o quadro da criança aos futuros pais e garantir que, independentemente da evolução e das sequelas da prematuridade, o adotado não será rejeitado. Thais explica que todos os casos são tratados judicialmente da mesma forma e que não há como

garantir o futuro após a adoção. “Não podemos dar certeza da saúde e do desenvolvimento nunca. É preciso lembrar que o princípio da adoção é de que ela é irrevogável”, afirma. Uma das fases essenciais do processo de adoção é o período de adaptação. É ali que a justiça observa e avalia a entrada da criança em sua nova família. No caso dos especiais, o acompanhamento dos psicólogos e assistentes sociais na fase da adaptação é maior, já que a aceitação da família e da criança ao novo círculo familiar pode ser mais delicada. “O acompanhamento é maior para a adaptação, e isso é uma adaptação recíproca. Tanto da criança quanto das pessoas que vão receber o especial. E isso não é somente para os pais, mas para quem irá conviver com o adotado”, explica Thais. Nesses casos o juiz deve avaliar todos os pontos, já que a boa convivência não dependerá somente da aceitação da família. “Quando a criança é especial, é preciso cuidados e questionamentos constantes”, reflete a advogada. “A adoção é baseada no melhor interesse da criança, mas o juiz deve ver o todo. Aspecto pessoal, tempo, amor e condições. Os juízes devem ter a sensibilidade para tratar cada caso individualmente, sendo uma criança especial ou não”, conclui.


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ALTERNATIVA

Apadrinhamento afetivo: a opção para quem espera na fila da adoção O apadrinhamento de crianças e jovens que vivem em abrigos é uma prática alternativa à adoção e que contribui positivamente para a construção da ética e social desses indivíduos Emelly Ribeiro, Matheus Ballan e Rafaella Gorski

Em todo o país, existem mais de 580 instituições que oferecem programas de abrigo para crianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou social. De acordo com o levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), sobre os abrigos para crianças e adolescentes da Rede de Serviços de Ação Continuada (SAC), a maioria dos abrigos consultados são instituições não-governamentais, que correspondem a um percentual de 65%. Desses abrigos, 67% têm influência religiosa. Para acolher e inserir as crianças e adolescentes no contato com a sociedade e com os valores morais e éticos, existem programas voluntários e até mesmo abrigos que têm projetos de apadrinhamento afetivo. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o apadrinhamento afetivo é um programa voltado para crianças e adolescentes que vivem em situação de acolhimento ou em famílias acolhedoras, com o objetivo de promover vínculos afetivos seguros e duradou-

ros entre eles e pessoas da comunidade que se dispõem a ser padrinhos e madrinhas. No ano de 2016, mais de 4 mil crianças e adolescentes foram apadrinhados afetivamente no Brasil, segundo a rádio CBN. A perspectiva é que haja um aumento de pessoas que busquem participar dos vários projetos de apadrinhamento espalhados pelas cinco regiões do país. Meri Sbalqueiro, que está dando início ao processo de apadrinhamento, já ajuda uma casa acolhedora junto com sua filha Júlia, de 6 anos. As duas ajudam nas pequenas reformas necessárias da casa, como ajustes em portas de armário e limpar janelas. “Ajudar muda a forma de você encarar seus problemas diários, você agradece pela vida que tem", afirma Meri. Em Curitiba, por exemplo, existe o Projeto Dindo, que tem como objetivo preparar, habilitar e acompanhar pessoas que desejam apadrinhar crianças e adolescentes acolhidos

Foto: Pixabay

“As pessoas preferem doar dinheiro e coisas materiais, mas doar tempo, nesse mundo tão corrido, é o maior dos tesouros”, diz Meri Sbalqueiro em instituições de Curitiba e região metropolitana. Um padrinho ou madrinha poderá também propiciar ao apadrinhado momentos de afeto, lazer e educação por meio de atividades na própria instituição de acolhimento ou com passeios, que podem ocorrer em parques, restaurantes, e outros. Nessa modalidade, poderão ser apadrinhados grupos pequenos de crianças e adolescentes, a depender de cada caso. O padrinho também poderá contribuir financeiramente para o desenvolvimento intelectual do apadrinhado, podendo financiar os estudos ou cursos profissionalizantes que contribuem para complementar a formação e capacitação do indivíduo. Para participar do projeto de apadrinhamento afetivo, as crianças e adolescentes precisam, obrigatoriamente, ter mais de 7 anos de idade, residir em instituições de acolhimento e chances nulas ou remotas de retorno à sua família de origem. Há, ainda, a possibilidade de se apadrinhar grupos de irmãos, de modo que uma das crianças poderá ter idade inferior a 7 anos, a depender de cada caso. Além disso, caso a criança ou adolescente tenha algum comprometimento de saúde, a idade também não será parâmetro para participação no projeto.

Ano passado, quatro mil crianças foram apadrinhadas afetivamente, segundo a rádio CBN.

O público beneficiado, portanto, abrange crianças e adolescentes que sofreram negligência, abusos, maus

tratos, pais usuários de drogas, entre outros, que estão destituídos do poder familiar ou que não foram destituídos, mas que têm chances remotas de retorno à família. Para participar do projeto, o padrinho ou madrinha deve ter no mínimo 21 anos de idade e deverá comparecer à oficina de esclarecimento, ministradas por juristas, psicólogos, assistentes sociais e pedagogos. Após a oficina, caso se interesse por se cadastrar no projeto, deverá preencher o formulário de cadastro no Projeto Dindo e enviar por email a documentação necessária. Após se cadastrar no projeto, o pretenso padrinho será convocado para uma ou mais entrevistas de habilitação, a fim de se tornar apto a iniciar o apadrinhamento. Caso estejam aptos a apadrinhar, será expedido um termo de apadrinhamento. Depois de iniciada a prática, o pretenso padrinho deverá comparecer a oficinas de acompanhamento em que haverá troca de experiências entre padrinhos e temas expostos pela equipe técnica. É importante ressaltar que o processo de apadrinhamento afetivo não dá preferência à adoção de qualquer criança ou adolescente. Se no decorrer do apadrinhamento afetivo se verifique a intenção adotiva ou de guarda por parte dos padrinhos, deverá ser aberto um processo perante as Varas da Infância e da Juventude, as quais verificarão a situação jurídica da criança ou do adolescente e decidirão sobre a viabilidade da solicitação.

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ENTREVISTA

Toni Reis expõe o preconceito e a violência contra a comunidade LGBT Foto: arquivo pessoal

O ativista dos direitos humanos conta sobre a adoção dos filhos e a luta contra a homofobia Gabriela Macedo e Gabrielle Cordovi

Toni Reis, ativista da causa LGBT no Brasil, é coordenador da organização Grupo Dignidade e casado com David Harrad há 27 anos. Da união veio a adoção dos três filhos: Alyson,12; Jéssica,14; e Felipe,16. Em entrevista, Toni Reis fala sobre a necessidade de respeitar as diferenças como seres humanos, sejam elas culturais, religiosas, sejam na orientação sexual. Quais os direitos conquistados? TONI REIS: Uma das conquistas mais importantes é o avanço da legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo. Nós temos todos os direitos conquistados, segundo o artigo 5º da Constituição Federal, mas, infelizmente, a comunidade LGBT tem que lutar para que essa interpretação seja efetiva. A categoria tem muitos direitos básicos que ainda, não são reconhecidos, são poucos os direitos conquistados. E os direitos a serem conquistados? TR: Precisamos ter uma lei que criminalize a homofobia, assim como tem uma lei que protege o índio, a criança e o adolescente, a mulher, o negro. Não temos uma lei que penalize a discriminação.

Como foi o processo de adoção dos seus filhos? TR: O processo durou sete anos. O juiz de primeira instância autorizou a adoção, porém tinha que ser menina, acima de dez anos. Consideramos a medida discriminatória e decidimos recorrer ao Tribunal de Justiça e ganhamos unanimemente. Hoje, temos três filhos. Como ficou definido o casamento estável e homoafetivo? TR: Inicialmente, havia uma barreira para o reconhecimento da união estável homoafetiva, porque a Constituição Federal de 1988 admitia o casamento de um homem e uma mulher. O Conselho Nacional de Justiça editou uma regulamentação determinando os cartórios a registrar as uniões civis entre pessoas do mesmo sexo. Hoje temos o direito à pensão e herança. Como lutar contra o preconceito? TR: É preciso educar que todos são diferentes, todos merecem ser felizes, todos merecem ser respeitados. O projeto Escola sem Partido veta

Foto: arquivo pessoal

Toni Reis é ativista dos direitos humanos e da causa LGBT e criou o Grupo DIGNIDADE há 25 anos.

toda e qualquer discussão de gênero dentro de sala de aula. Na sua opinião, é uma medida coerente? TR: É uma medida inconstitucional. A escola tem que proporcionar reflexões sobre todos assuntos, uma escola plural. O estudante tem que discutir homossexualidade, o respeito ao negro, à mulher, e, sempre, com muito respeito. Qual é a importância da Marcha pela Diversidade? TR: É importante para dar visibilidade à comunidade LGBT. O que o “Café com Diversidade, rompendo com o preconceito” visa debater? TR: Esses encontros, que acontecem uma vez na semana, todas às terças-feiras, pretendem debater a violência, discriminação. O objetivo principal é proporcionar formação para as pessoas, na busca de aprender e quebrar com pré-conceitos.

Toni Reis com o marido David Harrad e os filhos Alyson, Felipe e Jéssica.

Considerações finais. TR: Aristóteles dizia que a finalidade da vida é ser feliz. E eu acredito que a causa perdida é aquela que você desiste. Portanto, nunca desista e creia na sua capacidade de definir seus objetivos.

Nenhum direito a menos A Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, em 5 de maio de 2011, aprovou o projeto de lei que reconhece legalmente o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O projeto de união estável homoafetiva, de autoria da senadora Marta Suplicy (PMDB-SP), possibilita que pessoas do mesmo sexo desfrutem dos mesmos direitos e garantias que eram exclusivos dos casais heterossexuais, como a comunhão de bens, aposentadorias e a possibilidade de adotar. “Não queremos privilégios, apenas que os direitos constitucionais sejam garantidos”, diz Toni Reis, ativista pelos direitos humanos. “O casamento homoafetivo tem proteção jurídica”, finaliza. Toni Reis e seu marido David, fundadores do Grupo DIGNIDADE, em 1992, celebram os 25 anos da ONG. O Grupo tem como missão atuar na defesa e promoção da livre orientação e identidade de gênero, bem como dos direitos humanos e da cidadania de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. O projeto futuro, intitulado “Tudo vai melhorar” , pretende mandar uma mensagem de esperança para os jovens e adolescentes homossexuais que sofrem com o preconceito.


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FAMÍLIA NO EXTERIOR

Intercâmbio também é uma forma de viver a diversidade familiar Três intercambistas da cidade de Curitiba contam suas experiências com famílias fora do país Fernanda Scholze e Valeska Loureiro

Intercâmbio é o ato de trocar e tem relação com comércio ou cultura entre as nações. Foi no século XX, na década de 1960, que o programa de intercâmbio surgiu nos EUA, com a intenção de promover a paz mundial por meio da interação dos povos com suas diferenças culturais e costumes. O Rotary International Club foi a instituição sem fins lucrativos que começou os programas de intercâmbio. A finalidade era a troca de experiências, de forma que uma pessoa de um país viajasse para outro e vice versa, ficando em casa de famílias locais para vivenciar essa diversidade familiar e cultural. Em Curitiba há mais de 30 agências que realizam o intercâmbio para diversos lugares do mundo. Segundo o diretor da World Place Intercâmbio & Turismo, Paulo Grassi, cerca de 180 curitibanos fazem intercambio, seus destinados mais escolhidos são Canadá, Inglaterra, Malta, África do Sul, Estados Unidos e Austrália. Entre esses intercambistas, estão Isabella Domborovski, Gabriela Fernandes e Maria Gabriela Steiner Gusmão, que foram para outros países viver a diversidade familiar de outra cultura. Conheça Foto: Arquivo pessoal

agora as histórias das três estudantes, que trouxeram experiências diversas e novas histórias. Isabella Domborovski Estudante de direito, Isabella Domborovski, 22 anos, fez intercâmbio pelo Rotary Club em 2011 para os Estados Unidos, morou por um ano em Westmont, Illinois, uma cidade no subúrbio de Chicago. Ela ficou em três casas diferentes durante o intercâmbio. Na primeira, sua família era um casal de 50 anos, que não tinha filhos e por isso declarou que foi muito mimada por eles. “Eu era tratada como o bebê da casa, tudo que eu queria e aquilo que eu nem sabia que queria, eu tinha", lembra Isabella. Para ela, no começo foi ótimo, mas aos poucos foi se sentindo sufocada. Porém, ela falou que isso não os impediu de terem um ótimo relacionamento. Na terceira casa, sua família era composta por pai, mãe, filha de 14 anos, filho de 16 anos e outro de 18, que estava na faculdade. Isabella contou que não chamava os de "pai" e "mãe", mas sente que viraram amigos para Isabella Domborovski e seus pais e mães que teve no intercâmbio.

a vida inteira. “Nosso laço foi muito grande, me senti muito parte da família com eles. Eles realmente me trataram como 'filha'”, comenta. Isabella contou que sua criação no Brasil sempre foi muito independente e, na maior parte de sua vida, conviveu apenas com a mãe. “Então é óbvio que eu sofri um pouco ter tanta gente em cima de mim o tempo todo", recorda.

Gabriela com seus pais americanos de intercâmbio.

“No fim das contas, eu voltei pra casa com três mães, três pais e mais cinco irmãos. Hoje em dia mantenho contato com eles, mais com uns do que com outros, mas a lembrança que eu

tenho é cheia de carinho e saudade. Nós criamos um vínculo muito intenso. O meu crescimento como pessoa, a maneira de ver o mundo, tudo muda. Fora que aprendi a ser muito mais tolerante com as diferenças e ter mais paciência quando as coisas não eram do jeito que eu queria”, finaliza. Gabriela Fernandes Estudante de agronomia, Gabriela Fernandes, 17 anos, fez intercâmbio em 2015 por um programa em que não podia escolher nem a cidade e nem a família em que iria ficar. “Quando apareceu pra mim Los Lunas, New Mexico, nos Estados Unidos, num sítio


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Foto: Arquivo pessoal

é diferente e tentar sempre ver os dois lados da moeda. Foi assim que eu consegui manter uma relação quase impecável com a minha nova família. As dificuldades de conviver com pessoas mais de idade e com as suas limitações eram compensadas pela quantidade de sabedoria que eles tinham pra me passar”, ressalta a estudante de agronomia. Maria Gabriela Steiner Gusmão Estudante de Letras Português/Alemão, Maria Gabriela Steiner Gusmão fez intercâmbio durante o ensino médio entre 2013 e 2014, pela ONG curitibana AFS Intercultura Brasil, para o noroeste da Alemanha, perto da fronteira com a Holanda, em um vilarejo chamado Voerde. Sua família era composta pelo pai Arno, mãe Gaby, filho Helge e filha Lara. Ela contou que tinha muitas coisas em comum com eles, como por exemplo, gostos e estilo de vida. “Eles explicaram como funcionava a casa deles e perguntaram como era comigo e com a minha família. Nos demos bem logo de cara e eu os considero de verdade da minha família e eles a mim também”, afirma a intercambista.

Maria ficou bem próxima dos irmãos, principalmente da irmã. “Conversava bem abertamente com todos eles e fiquei sempre muito à vontade”, recorda. Ela lembra que a família sempre se reunia com familiares ou amigos pelo menos uma vez na semana para tomar café da tarde e depois jantar. “Minha família tinha um jeito muito tranquilo de viver e de levar os dias, ela era muito família”, afirma. O local onde morou era bem pequeno e calmo, segundo ela, diferente da cidade grande de Curitiba. “Senti muita falta do barulho do trânsito”. A estudante de Letras ressaltou que a maior diferença entre sua família alemã e a brasileira era a intimidade física que tem com sua família daqui e a liberdade de falar o que pensa de um jeito mais expressivo. “A minha relação com a família alemã é mais profunda do que com amigos, mas não tanto quanto a com a minha família daqui. Mas acho que isso é porque minha família de verdade me criou e faz parte de quem eu sou. É um relacionamento diferente e vínculos afetivos diferentes. Mas nem por isso uma família é menos ou mais família que a outra”, conclui Maria Gabriela.

Foto: Arquivo pessoal

com um casal de 70 anos de idade, eu confesso que fiquei bem surpresa, mas acabou sendo a melhor coisa que poderia me acontecer", lembra. Sua host mother, Gerry, tinha se aposentado recentemente e a principal razão dela receber uma intercambista era para ter companhia. “Para mim foi perfeito, porque sempre fui muito apegada à minha família aqui no Brasil e sempre odiei ficar sozinha, então acompanhar ela nas aventuras que ela queria fazer tornou os meus seis meses fora de casa muito mais fáceis. Óbvio que a diferença cultural era enorme”, destaca. Gabriela conta que em Curitiba mora-

va em um apartamento, estudava no centro, pegava ônibus para se transportar, tinha muita independência, e de repente foi parar em uma cidade rural de 2.000 habitantes, com uma família que valorizava muito a vida no campo. “Tive que acordar cedo para alimentar as galinhas, andei muito a cavalo, cuidava dos cabritos com muito amor e carinho porque esses valores eram importantes pra eles. E com o tempo acabaram se tornando importantes pra mim também”, conta a intercambista. “Acredito que a parte mais importante de um intercâmbio é aprender a se adaptar, abraçar tudo aquilo que

Maria Gabriela Steiner Gusmão com sua família brasileira e alemã em uma churrascaria na cidade de Curitiba.


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VIVER SOZINHO

O desejo de ganhar o mundo está ficando mais tardio para a Geração Canguru Foto: Natalia Basso

Dados do IBGE mostram que os jovens estão adiando a hora de deixar a família e procurar novas oportunidades. Natalia Basso e Italo Sasso

Amanda Ruthes é um dos muitos exemplos de jovens que saem de casa para correr atrás dos sonhos e buscar oportunidades melhores. Ela deixou a cidade de Mafra, em Santa Catarina, aos 19 anos para cursar Produção Cênica em Curitiba e encarar novos desafios. Para a chamada “geração canguru”, como é conhecida a parcela de pessoas entre 25 e 34 anos que moram com os pais, sair do conforto de casa não é algo tão simples e a liberdade adquirida ao deixar os olhos da família é proporcional ao medo de perder seu principal ponto de referência. De acordo com uma análise feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2012, a porcentagem de jovens que ainda vivem na casa dos pais aumentou de 20% para 24% entre 2002 e 2012 e mostra que jovens como Amanda ainda são a minoria que toma coragem para sair de perto dos pais tão cedo.

Uma nova família Aos que saem de casa cedo, sem estabilidade financeira ou independência, resta a companhia de amigos ou até estranhos para enfrentar uma nova fase. Esse é o caso de Amanda. A menina que deixou a cidade de pouco mais de 30 mil habitantes para encarar a vida na capital paranaense divide os medos e desafios com a melhor amiga. Em um apartamento de dois quartos, a vida acadêmica e as tarefas de casa se misturam ao dia a dia. Os afazeres que as mães costumavam realizar tiveram que ser desvendados pelas meninas, que dividem tarefas para manter a casa “aceitável”, como brinca Amanda. “Foi difícil no começo para me adaptar fora de casa, mas nos damos muito bem. Não temos a neura

Foto: Natalia Basso

“Não tenho mais minha mãe para me ajudar a fazer as tarefas do dia a dia. Percebi que agora tudo depende de mim e, se não fizer, ninguém fará”, conta Amanda. Diferente de outros

países, como os Estados Unidos, em que trabalhos como babá, faxineiro e atendente servem para complementar a renda, o Brasil ainda alimenta um preconceito com funções consideradas “inferiores”, mentalidade que dificulta a saída do jovem, já que o primeiro emprego é conquistado mais tarde e exige uma graduação ou especialização.

As amigas dividem as tarefas de casa e ajudam uma a outra com as coisas do dia a dia.

Júlia Kaiss Bonamigo e Amanda Ruthes moram em apartamento compartilhado em Curitiba.

de deixar tudo impecável, fazemos o que conseguimos”, explica. Além da rotina do lar, as angústias e inseguranças também são divididas para aliviar o peso que a distância traz. “Ela se tornou minha família e é para quem eu corro quando as coisas parecem desabar. Viramos a mãe conselheira uma da outra”. O pai, a mãe e os irmãos ainda são peças presentes na vida das meninas e de muitos dos jovens que saem de casa cedo. Porém, a distância faz com que os amigos se tornem o primeiro recurso perto das adversidades e a família, o alicerce que segura de longe. Júlia Kaiss, que deixou a casa da mãe e da irmã para morar com Amanda, conta que, mesmo visitando as duas com frequência, precisa do apoio diário da nova colega de apartamento. “A Amanda é minha referência mais próxima de família aqui em Curitiba. Quando eu chegava da escola, procurava o colo da minha mãe. Hoje chego da faculdade e procuro o dela”. Para os pais também é um desafio ver os filhos deixando o conforto e a segurança em que cresceram. “Quando a Amanda quis estudar fora, quase surtei. A filha mais nova, minha garotinha, também queria ir embora, mas eu não podia impedir que ela crescesse”, conta a artesã

Sandra Mara Ruthes. Apesar de já ter vivido esse momento com a filha mais velha, Ariane, Sandra explica que a saída da caçula não foi mais fácil. “Foi difícil, mas é necessário. Estou segura, acredito na educação e exemplo que sempre dei a elas”. Para a professora de educação física Milene Kaiss, a saída de Júlia é motivo de orgulho. “Penso que quando um filho sai de casa em busca da realização dos seus sonhos, nós, pais, fomos bem sucedidos na educação deles por termos criado de forma com que sejam capazes de serem donos de si e da sua vida”, conta. O apoio essencial Para a psicóloga Ana Paula Maia, a família é quem vai definir a maneira como o jovem irá enfrentar a saída do lar. “Pode ser que a família, mesmo à distância, consiga dar segurança para a pessoa seguir, mas se a pessoa não estiver segura e amparada, nada fará da mudança uma boa experiência”. Ela conta que na própria família viveu dois extremos: casos em que não conseguiram lidar com a independência e a vida longe de casa, como desafios que foram superados. “O apoio da família é o que ajudará a definir a maneira como a experiência será encarada. Quem tem o apoio familiar, não tem o que temer”, conclui.


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LEVANTAMENTO

Famílias que moram na rua revelam a realidade da miséria em Curitiba De acordo com dados de 2016 da Fundação de Ação Social (FAS), há em torno de 1,7 mil moradores de rua em Curitiba. A maior parte não chega a ganhar um salário mínimo Shara Karoliny e Rodrigo Silva

Segundo a Fundação de Ação Social (FAS), 65% dos moradores de rua apresentam um rendimento menor que R$ 880,00, o que equivale a um salário mínimo. A pesquisa também revela que a maior parte da população em situação de rua em Curitiba tem contato frequente com seus familiares, seja semanalmente, ou mensalmente. O levantamento aponta o uso de drogas como a maior razão para que as pessoas migrem para as ruas do município. No mundo todo, estima-se que 100 milhões de pessoas vivam nas ruas, essa estimativa é da Organização das Nações Unidas (ONU), que considera esta questão assunto de crise mundial.

Foto: Shara Karoliny

Silvana, de 38 anos, mora nas ruas do centro da cidade e passou por vários problemas familiares durante a infância, sua família apresentava dificuldades financeiras e seus irmãos eram usuários de drogas. Quando era pequena, presenciou o assassinato de seus irmãos, o que a levou a sair de casa e viver nas ruas da capital paranaense quando tinha 15 anos .

Lar de Adriane e Cleiton

Silvana teve 7 filhos e seu vício foi sendo agravado, chegando ao crack. A partir de certo momento, ela não teve mais condições de cuidar dos filhos, quatro deles foram criados pelos avós e os outros três foram levados pelo Conselho Tutelar quando também começaram a frequentar as ruas. A família de Silvana vivia sem ter onde morar, dormindo nas portas de lojas da cidade e sendo alimentados por doações que recebiam. O Conselho Tutelar de Curitiba costuma fazer uma busca especial por crianças em situação de rua, o que fez com que ela ficasse sozinha. Nas ruas, ela conheceu Alailson, de 40 anos, e hoje os dois ficam sempre no mesmo lugar, mas segundo eles não há uma boa relação com seus vizinhos. Silvana tem uma filha de 15 anos, Luciana, que morou na rua com ela e Alailson, mas para não ser tirada pelo Conselho Tutelar passou a morar com sua avó. “Eu não consigo ficar muito tempo lá, eu odeio ficar lá, minha tia sempre me bate”, afirma Luciana. Ela vive atualmente na casa de sua irmã

Foto: Shara Karoliny

Muitos catadores de materiais recicláveis que vivem nas ruas dormem em seus carrinhos por segurança.

de 23 anos no centro de Curitiba, mas afirma que sente falta da mãe, por ter passado toda a sua infância com ela, portanto sempre vai até as ruas visitá-la. Motivos para se viver na rua O casal Alaílson e Silvana estão na rua há mais de 23 anos, e acreditam que a maior dificuldade são os maus tratos da vizinhança que constantemente implicam com a presença deles e tentam tirá-los de lá. A fome nem sempre é suprida, mas muitas pessoas os ajudam com doações de alimentos e até mesmo de cobertas para que não passem frio no chão gelado da cidade. “Nós queremos sair daqui mas queremos o que é nosso, não o que é dos outros” diz Alailson. O casal fala também que prefere viver nas ruas a serem acolhidos pela FAS, pois, segundo eles, a fundação não oferece um tratamento digno para moradores de rua, que estão sempre em conflito nos albergues da cidade. Adriane, de 26 anos, e Cleiton, de 31, moravam juntos no bairro Parolin em Curitiba, mas começaram a se envolver com drogas, passando a ter

problemas com seus familiares. Com a morte de mãe de Cleiton eles se aprofundaram ainda mais nas drogas e começaram a usar crack, o que prejudicou a convivência com a família. Por isso, tiveram que ir embora de casa, mas não tinham condições de se manterem sozinhos e então passaram a morar nas ruas. Eles têm um filho, mas para não ser tirado pelo Conselho Tutelar, deixaram a criança com a avó de Adriane, que hoje está criando o menino. O casal mora na rua há 2 anos e dizem que sobrevivem também a base de doações das pessoas que se comovem com a situação deles, recebendo cobertas, água e comida. As histórias das famílias que moram nas ruas são quase sempre parecidas, para a FAS. As três maiores razões que levam uma pessoa a migrar para as ruas, são drogas 27%, alcool 24% e os conflitos familiares que somam 22%. De acordo com o Censo do Sistema Único de Assistência Social (Censo Suas) de 2015, estimava-se que haviam em torno de 101 mil moradores de rua no Brasil, número que vem crescendo devido à crise política que o país enfrenta.


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PETS

Crianças estão perdendo espaço para cães na preferência dos casais Foto: Taisa Mara Hembecher

Devido à correria do dia a dia e planos profissionais e pessoais, casais têm escolhido adotar animais pela facilidade de adaptação. Henrique Romanine e Taisa Mara Hembecher

Amanda Claudino de Camargo e Tiago da Rocha Oliveira estão juntos há cinco anos. Não são casados, mas moram juntos. Seria comum esperar deles o discurso de que planejam construir uma família nos moldes normais, mas não é isso o que acontece. Como parte de um fenômeno não tão recente, mas que anda crescendo a olhos vistos nos últimos anos, o casal decidiu ter um filho, mas não da maneira comum. Eles são pais de Melancia, uma cachorrinha. Com a vida moderna e cada vez mais corrida, não é de se espantar a pluralidade no que se refere ao significado da palavra família. Muitos casais estão abdicando daquele sonho comum a todos os românticos, de gerar o próprio filho. Pelo contrário, muitos deles estão optando pela adoção e criação de animais de estimação.

Foto: Taisa Mara Hembecher

Segundo um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2013, foram compu-

Melancia, a "filha" do casal

tados 52 milhões de cães criados por famílias, contra 45 milhões de crianças. Resumindo: analisando um grupo de cem famílias, 44 possuem cachorros e 36, crianças. Amanda e Tiago estão dentro dessa estatística. Ela é biomédica e ele é designer e, segundo Amanda, por causa da correria da vida cotidiana e dos planos de vida de ambos, um filho está, por enquanto, fora de cogitação. "Nós ainda não somos casados e temos uma rotina bem agitada, com uma criança ficaria muito mais difícil nos adaptarmos. Enquanto trabalhamos, a mãe do Tiago cuida da Melancia, não sei se iria ser assim com um humano”. Questionada se pretendem ter um filho no futuro, Amanda é categórica. “Não podemos dizer nunca, mas por enquanto isso não passa pela nossa cabeça. Sempre que conversamos sobre isso, não nos vemos como pais, e também temos planos para o futuro que não conseguiríamos realizar com uma criança. Então no momento a resposta seria não”, afirma. Melancia é uma pet model e faz muito sucesso nas redes sociais. A facilidade em cuidar da cachorrinha e as adaptações feitas na vida a dois para recebê-la contaram muito na decisão do casal. Eles levam uma vida saudável e não deixam de fazer as coisas por causa de Melancia, e sempre analisam se é seguro levá-la em um passeio ou em uma viagem, por exemplo. Amanda diz que a maior vantagem em se optar por um animal no lugar de um filho é a facilidade na criação. Segundo ela, como muitos valores estão perdidos, a educação de um cachorro se torna me-

Animais dominam o cenário familiar) Melancia com seus pais Thiago e Amanda

nos problemática do que a de um ser humano. Mas engana-se quem pensa que a opção por ter filhos animais na família se restringe apenas aos casais heterossexuais. Essa nova constituição familiar também encanta e seduz alguns casais homoafetivos, como Luiz Henrique e Auderico Junior Trassi, pais do cachorro Harry Dhior. Juntos há 3 anos, eles adotaram o cão em 2015 e, assim como Melancia, Harry

A psicóloga Samarah Freitas, da Universidade Positivo, explica esse fenômeno. Segundo ela, a correria do dia a dia e a fácil adaptação do animal à rotina do casal são fatores preponderantes nessas escolhas. “Essa flexibilidade nas relações familiares surgiu com a geração Z, que se iniciou nos anos 90 e se consolidou nos anos 2010. Mesmo com gastos altos em relação aos animais, como boa parte

“Nós ainda não somos casados e temos uma rotina bem agitada, com uma criança ficaria muito mais difícil nos adaptarmos”, diz Amanda. também é destaque em algumas redes sociais. Mesmo com a pretensão de, futuramente, adotarem uma criança, eles alegam que mesmo com todas as dificuldades, cuidar de Harry é sempre uma alegria. A experiência em cuidar do cão também serviu para que Luiz e Auderico aprendessem bastante sobre o cuidado com o próximo. E isso se reflete nas amizades do casal. Como muitos dos amigos têm crianças, Harry acabou se tornando companhia para elas, o que estreitou os laços de amizade.

dos casais mora em apartamentos pequenos, a facilidade na educação dos pets facilita a dinamização do tempo do casal.” Casais que já criaram seus filhos e agora vivem sozinhos, depois que esses filhos decidem morar sozinhos ou se casarem, também estão inseridos nessas estatísticas, pois os animais servem como uma nova forma de agregar valores e criar novas maneiras de convívio, o que os aproxima como seres integrantes da família, diz Samarah.


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PESQUISA

Novas gerações de pais têm a mente mais aberta quando o assunto é o uso de drogas Segundo o relatório Global Drug Survey, feito em 28 países, álcool e maconha foram as drogas mais usadas pelos participantes da pesquisa Marcos Guérios e Antonio Steffen

As drogas sempre geraram um grande tabu dentro das famílias brasileiras. Os anos se passaram e a população pode perceber que não é bem assim. O Global Drug Survey é o maior estudo sobre drogas que existe no mundo, e em 2017 a pesquisa juntou 115.523 mil pessoas de 28 países, e levantou dados a respeito de todas as esferas afetadas por substâncias lícitas e ilícitas. O tema drogas é algo comum entre os jovens, pelo menos é isso que aponta o estudo. Ao todo, 46,7% dos entrevistados têm menos de 25 anos, aproximadamente 54 mil pessoas. Outras 28 mil pessoas com mais de 35 anos também responderam à pesquisa. Analisando esses dois números podemos chegar à conclusão de que as novas gerações de pais têm uma mentalidade mais aberta com relação as drogas do que outras gerações. Para a estudante de direito Ana Julia Cabral, 22 anos, o relacionamento que ela e o irmão sempre tiveram com a mãe facilitou o debate dentro de casa. “A minha mãe é totalmente liberal, ela conversa muito com a gente, é nossa amiga. Temos muita liberdade para beber ou fumar maconha, mas claro que tudo é bem conversado, temos nossas responsabilidades e ela cobra isso da gente”. Ana Julia explica que sua mãe sabe os riscos que as drogas têm e que prefere um relacionamento próximo com os filhos. “Por ela ter sido terapeuta ocupacional durante muito tempo e ter convivido com pessoas viciadas, a estratégia dela sempre foi deixar nossa relação mais clara possível, sem que a gente esconda nada dela”. Porém, a mãe alerta sempre que enxerga algum tipo de exagero. “Ela nunca proibiu, sempre deixou a gente experimentar e depois perguntava o que achamos, mas quando ela vê que estamos exagerando em algo ela fala diretamente”. Ana Julia ainda falou que a mãe usa

Brasil publicou a reportagem “Jovens brasileiros tomam drogas desconhecidas”, que vai a fundo nos problemas de adulteração do MDMA no comércio ilegal do Brasil.

Número de pessoas que ja usaram substâncias ilicitas alguma vez na vida

maconha com eles em algumas ocasiões. “Em algumas ocasiões ela fuma um pouco de maconha com a gente, mas ela acha que dentro de casa é um ambiente seguro para isso. Tudo na nossa casa se resolve na base do diálogo”, concluiu. Muitas pessoas ainda acreditam que as drogas geram um vício irreversível e que são totalmente prejudiciais à saúde. Para a psicóloga Mariana Pereira, o vício que a droga leva normalmente está ligado a alguma questão pessoal ou familiar. "Essa droga é colocada em momentos de felicidade e de tristeza, gerando o círculo vicioso. É importante identificar o porquê se usa a substância e o que ela desencadeia internamente na pessoa, uma relação aberta com a família pode ser benéfica para prevenir um problema no futuro”, comentou. A droga que teve uma maior porcentagem de utilização na Global Drug Survey foi o álcool, licito em quase todos os países do mundo, e muitas vezes consumido em ambientes familiares. Cerca de 98,7% das pessoas responderam que fizeram e fazem uso da droga durante sua vida, logo em seguida vêm a cannabis e o tabaco, com 77,8% e 63,1% respectivamente.

Para alguns, a maconha é inofensiva, para outros ela é a porta de entrada para outras drogas. Segundo Mariana, a maconha deve ser tratada com ressalvas pois tem um potencial destrutivo muito baixo. “É claro que a maconha vicia, assim como a Coca Cola e doces. Tudo pode provocar vícios, e a maconha não é diferente, temos que tomar cuidado quando demonizamos uma droga e incentivamos o uso de outras. Como por exemplo o álcool, que é muito mais danoso ao ser humano, porém é frequente ver pais fazendo o uso junto com os filhos”. O crack, droga muito utilizada no Brasil, tem um índice de incidência mundial muito pequeno, quando comparado a outras drogas como o LSD, MDMA e cocaína por exemplo. Cerca de 5,9% das pessoas responderam que fazem uso do crack durante toda a vida, número distante dos mais de 34 mil que admitiram o uso de cocaína, assim como os 38,7 mil usuários de MDMA (princípio ativo do ecstasy) e os mais de 25,6 mil que se declararam usuários de LSD. Uma grande questão do atual cenário brasileiro de drogas é a procedência dos “produtos”. Recentemente, a VICE

A procedência duvidosa não é um problema exclusivo do ecstasy. A maconha e o LSD também são fontes de adulteração. Um jovem, que preferiu não ser identificado, relatou que faz uso regular de maconha e LSD, e os problemas com o “produto” são constantes, desde erros na quantidade de droga comprada até as temidas bad trips após o consumo. “Com o LSD a gente nunca sente o mesmo efeito, é como se você sempre tomasse drogas diferentes, uma vez eu tive um problema em uma festa. Usei a droga e tive uma sensação de agonia profunda, parecia que meu coração ia sair pela minha boca, foi então que procurei atendimento médico”, concluiu. O fato de não saber o que realmente está sendo utilizado é um problema grave, porém as emergências médicas, decorrentes do uso de cannabis, mostram números que não preocupam. Dos 3 mil brasileiros que participaram da pesquisa, apenas 27 relataram problemas médicos decorrentes do uso da maconha. Se o recorte for ampliado para outros países, a conclusão continua sendo a mesma. Nos Estados Unidos, apenas 0,4% das pessoas que responderam à pesquisa tiveram problemas com a droga. O Brasil tem um projeto sobre a descriminalização da maconha tramitando no Superior Tribunal Federal (STF). Em sua última audiência, o falecido ministro Teori Zavascki pediu vistas do processo, mas já se passaram três anos desde o pedido e o tema voltaram a ser discutidos. Com uma maior quantidade de informações, a discussão sobre drogas está ganhando mais espaço no país e dentro das famílias brasileiras, como é o caso de Ana Julia.


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GRAVIDEZ PRECOCE

A realidade das mães adolescentes No Brasil são aproximadamente 580 mil crianças que nascem de adolescentes grávidas a cada ano, nas quais 28.000 são de meninas menores de 15 anos. Brenda Liliane e Isabelle Marina

Aproximadamente 580.000 crianças nascem de mães jovens com idade de 12 a 18 anos, das quais 28 mil mães não chegaram aos 15 anos. Érica Trindade Ribas tem 17 anos e sua vida sempre foi muito tranquila para uma menina que vive em uma das comunidades escondidas do elitizado bairro Mossunguê, porém mais conhecido por Ecoville. Sua mãe, diarista de limpeza em uma dessas grandes construtoras da cidade, não se mostrou muito abalada ao receber a notícia de que sua filha estava grávida. Mas então Érica explica o porquê disso. Sua mãe também engravidou aos 17. Esse seu primeiro filho está preso por roubo hoje em dia. Além desse irmão, Érica tem mais 3 irmãos, todos esses de um casamento só. Uma irmã já casada e mais dois irmãos pequenos. Há um mês nasceu Pietra Sophie Trindade Ribas, filha de Érica. Ela veio ao mundo sem complicações durante a gravidez, que foi muito tranquila. “Eu Foto: Isabelle Marina

Érica Trindade Ribas e sua filha Pietra Sophie de 1 mês.

não engordei quase nada, ninguém reparou de eu estar grávida até meus 6 meses, eu pouco senti enjoos, dores ou todas essas coisas que acontecem com mulher grávida”, conta Érica. E o parto foi normal. Infelizmente, essa não é a realidade de gestantes nessa faixa etária. No período de 2006 a 2015, no estado do Paraná, quase 27 mil crianças prematuras nasceram de meninas entre 10 e 19 anos de idade. Segundo as informações da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS, a incidência de mortalidade infantil é, em média, quatro vezes maior, quando comparada à de mães com idade acima de 20 anos. A gravidez na adolescência raramente é algo planejado e depois disso sempre surgem certos conflitos, inclusive o preconceito no meio social – escola, amigos, família, vizinhança. Entretanto, Érica comentou não sentir tratamento diferenciado por ser jovem e mãe. “No meu colégio, tinha mais três meninas grávidas. Então, eu acho que nem tinha motivo pra alguém falar sobre a minha gravidez. Aliás, eu era a única que aparecia na aula, eu fui pra escola até os 5 meses”. Érica estuda no Colégio Estadual Domingos Zanlonrenski, no bairro Campo Comprido de Curitiba, e estava no 8° ano. Em países em desenvolvimento, há um número maior de adolescentes grávidas, em média 20 mil meninas menores de 18 anos dão à luz a cada dia, de acordo com o Relatório do Fundo de População da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2013. Mas isso se deve ao fato do grau de escolaridade da população desses países,

Foto: Arquivo Pessoal

Vitória Louise Rigoni, seu filho James Harrison Vasco e seu companheiro Jeison Vasco no aniversário de 1 ano.

de diretos humanos básicos negados, como acesso à saúde e, portanto, acesso a meios contraceptivos e educação sexual. O pai de Pietra Sophie não sabe de sua existência. Érica se mostrou indiferente ao ter que contar sobre a gravidez ao pai. Ela não comentou a idade, mas ele é adolescente também. “A gente ficava, só isso. E eu nem falo mais com ele. Ele também não ia cuidar da criança”. É comum que mães adolescentes acabem tendo que criar os filhos sozinhas. No Brasil, existem cerca de 21 milhões de mães solteiras, de acordo com o Instituto Data Popular.

Em contraponto, não foi essa a trajetória da gravidez de Vitória Louise Rigoni. A jovem de 19 anos viveu praticamente toda sua vida numa cidade do interior do Paraná, Palmeira, mais conhecida por ser o local em que aconteceu a primeira tentativa de implantação do ideário anarquista no Brasil em 1889. Estudante de ballet e em épocas de ensaios intensos, Vitória não tinha se dado conta da gravidez – além de que sua professora tinha falado que poderia vir a ocorrer situações de enjoos e até mesmo menstruações desreguladas por causa da rotina pesada dos

"No meu colégio, tinha mais três meninas grávidas. Então, eu acho que nem tinha motivo pra alguém falar sobre a minha gravidez. Aliás, eu era a única que aparecia na aula, eu fui pra escola até os 5 meses”, lembra Erica.


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Foto: Isabelle Marina.

Os países em desenvolvimento, como o Brasil, ainda têm uma incidência de pobreza e violência e coerção sexual muito altas restringidas ao se tratar de acesso à contracepção e educação sexual.

James ajudando seu pai nos afazeres da fazenda.

ensaios. Foi aos 6 meses que ela descobriu sobre a gravidez. “Foi um susto, porque eu não tinha barriga. E sentia alguns enjoos e tinha sangramentos de escape, por isso ainda não tinha reparado em nada. Mas eu só realmente estranhei quando a minha menstruação estava muito mais desregulada do que do resto de minhas colegas”. E, desde então, ela já se encontrava em tempo para sua licença à maternidade. Portanto, quando contou ao seu namorado, pai da criança, ele a apoiou. "Ele, por incrível que pareça, ficou muito feliz, mesmo que nada tivesse sido planejado”, lembra. O namoro dos dois e o laço forte do relacionamento fizeram com que eles superassem todas as barreiras. A ex estudante de ballet fala entusiasmadamente de como foi importante o papel de Jeison Vasco – atualmente seu marido. “Os nossos pais levaram um susto, ficaram bastante indignados no começo mas, se não fosse essa nossa união e a força de vontade dele, eu não sei se teria lidado tão bem com a situação”. Com o apoio do namorado, vieram os apoios dos familiares e assim foi até James Harrison Vasco nascer. Ele está com quase 2 anos ago-

ra e seus pais jamais pensaram em o deixar para adoção ou em aborto clandestino. Só que essa não é a situação em que muitas adolescentes grávidas se encontram ou a opção escolhida. O número anual de abortos clandestinos e inseguros em países em desenvolvimento é de 3,2 milhões, de acordo com o relatório de 2013. Apesar de ser um dado alarmante, isso é explicado quando se entende um pouco melhor o que se passa na cabeça de um adolescente, principalmente uma adolescente mãe. “Suporte familiar e uma rede de apoio social têm que se fazer sólidos, pois esta fase é cheia de mudanças. Juntamente com as mudanças naturais agora existem as mudanças de uma maternidade precoce, que faz dela não mais uma adolescente normal, mas sim uma mãe adolescente, uma grávida adolescente”, comenta a psicóloga Carlem Borrsuk. Porém, não são todas as meninas que têm apoio familiar. E os países em desenvolvimento, como o Brasil, ainda têm uma incidência de pobreza e violência e coerção sexual muito altas. Além disso, políticas nacionais são

Sobre a violência e a coerção sexual, a realidade e os números – que não chegam a retratar todos os casos, porque nem todos denunciam - mostram que, em 2016, o disque 100 registrou mais de 17 mil casos em todo o Brasil. A gravidez precoce reflete o déficit educacional de um país relacionado ao assunto, a impotência e pressão de parceiros, colegas e famílias. E, em muitos casos, é resultado de violência ou coerção sexual. Apesar de todas essas pressões, Érica está se virando bem com a filha e está feliz. A sua história de vida teve vários momentos de dificuldade. Um irmão que optou pela vida no crime, um pai pedreiro que morreu soterrado em umas das obras que fazia para a Sanepar. E uma grande parcela de tempo gasta de seu dia a dia para cuidar dos seus irmãos mais novos, já que a mãe não tinha esse tempo. Mesmo assim, ela pretende terminar os estudos e prestar vestibular para Psicologia. Segundo ela, depois que Pietra nasceu tudo mudou na sua vida. “Por causa dessa rotina que tinha e tudo isso que aconteceu na minha vida, eu só queria beber,

zoar com os amigos, me divertir, mas a minha filha fez com que eu me tornasse responsável. Quando ela nasceu, eu renasci junto. Só que agora como uma nova pessoa, uma mamãe”. Vitória, por outro lado, tem uma história diferente e conseguiu terminar os estudos. Diferentemente de Érica, ele teve apoio do seu companheiro e os benefícios que a população de baixa renda não tem no Brasil. Só que, assim mesmo, ela e Érica tiveram sorte, diferente da realidade de muitas meninas brasileiras.

Foto: Isabelle Marina.

Pietra Sophie nos braços da mãe.


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TECNOLOGIA

A internet pode, sim, diminuir a distância entre pais e filhos De acordo com o MEC, mais de 15 mil alunos mudam de estado para estudar. Com isso, muitas famílias sofrem por morarem distantes

Foto: Pablo Mendes

Mateus Bueno e Pablo Mendes

Muitos jovens saem de sua cidade em busca de seus sonhos e mais oportunidade de estudo ou trabalho. Alguns motivos que estão presentes na maioria dos casos é de famílias que moram em cidades menores e os filhos acabam saindo de casa para ir em busca de seus sonhos nas grandes cidades. Porém, as redes sociais vêm ajudando a diminuir esse sofrimento.

tância com sua família, porém afirma que utiliza bastante as redes sociais para ajudar a matar a saudade de seus pais e sua irmã. “Realmente não é fácil. Sempre fui muito apegado com a minha família, mas busco conversar todos os dias com eles pelo WhatsApp e até mesmo por chamadas de vídeo, não é a mesma coisa, mas já ajuda um pouco” conta João Paulo.

João Paulo Souza e sua família são de Wenceslau Braz, uma cidade do interior do Paraná. Ele morou até a metade do ensino médio na cidade de 19 mil habitantes e foi embora para Curitiba em busca de um estudo melhor e oportunidades de trabalho na área do curso que pretendia cursar. Após alguns anos na capital paranaense, João Paulo recebeu uma proposta para trabalhar com um primo em Maceió, Alagoas. O estudante de Engenharia de Produção aceitou o desafio e se mudou para o nordeste do país, transferiu seu curso para uma faculdade da nova cidade e foi em busca de um novo desafio.

Morando há 2 anos em Maceió, o estudante de engenharia também conta que para ajudar na distância, tenta ir pelo menos umas 2 vezes para passar um final de semana na sua cidade natal. Seus pais também buscam fazer o mesmo para visitar seu filho. “Sempre que é possível eu consigo guardar um dinheiro, eu procuro ir para lá visitar eles e também rever meus amigos. A rotina aqui vem sendo bastante corrida, mas faço o possível para pelo menos uma ou duas vezes por ano, tentar ir para lá ver eles”.

Após um período de adaptação na nova cidade, João Paulo conta que uma das maiores dificuldades é a disFoto: Instagram – João Paulo

João Paulo e sua família

A internet vem sendo uma grande ferramenta para aproximar mães e filhos. Não importa a distância, a internet e os aplicativos cada vez mais adaptados à tecnologia, possibilita que pais se sintam mais próximos de

Keimilin fala com seus pais pelo notebook

seus filhos. No mundo, segundo dados divulgados pela ONU (Organização das Nações Unidas) já são 3,2 bilhões de pessoas conectadas no mundo, nesse campo virtual que consegue aproximar cada vez mais as pessoas. E de acordo com um estudo feito pelo MEC para entender a movimentação dos estudantes brasileiros pelo país, mais de 15 mil alunos mudaram de estados para estudar. De acordo com a psicóloga Adriane Pschera, muitas mudanças acontecem quando os filhos saem de casa para morar fora. “Esse estágio da família é chamado de ninho vazio. Os pais sofrem pela ausência do filho e, por não estarem mais se ocupando de atender as necessidades dos filho, vem o vazio. Os pais ainda querendo fazer parte das decisões da vida dos filhos e estes exercendo sua autonomia até para se conhecer e experimentar a vida. Pais autoritários e controladores entram em choque com a liberdade dos filhos, momento necessário para eles se definirem adultos no mundo”, explica a psicóloga especializada na área de família. A história de Keimilin Campos é muita parecida com a de João Paulo. Ela é estudante de jornalismo pela UniBrasil, em Curitiba. Em 2015, Keimilin mudou se para Curitiba para realizar

seu sonho: ser jornalista. Há três anos ela vive longe dos pais, que moram em Jaguariaíva, no interior do Paraná. Keimilin se diz feliz por estar realizando seu sonho de criança, mas conta que às vezes se sente sozinha, pois desde que saiu da casa de seus pais só conseguiu vê-los duas vezes, e a internet é algo muito importante nos momentos em que sente sozinha. Keimilin conta que é a primeira vez em que mora longe de sua família e conta que está sendo bem complicado para ela. "Eu gosto de assistir séries e filmes, e eu já fazia isso quando morava com eles, mas na hora de comer é quando eu me sinto isolada do mundo. Hoje às vezes nem como. A comunicação com meus pais é somente pela internet, dificilmente falamos por ligação, eu e minha mãe conversamos praticamente todos os dias por chamadas de vídeo". Para Keimilin, sua mãe é uma grande heroína pois tudo o que sabe e a coragem de prosseguir vivendo longe de casa, aprendeu com sua ela. Os casos de João Paulo e Keimilin estão entre os casos que acontecem com frequência no Brasil e em todo mundo. Estudantes de cidades menores que acabam deixando seus lares para morar em outras cidades em busca de melhores oportunidades que não são encontradas aonde vivem.


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PESQUISA

Mais de 30% das pessoas que moram sozinhas passam por dificuldades financeiras Não ter com quem dividir as contas e a falta de planejamento financeiro são as principais causas para essas pessoas entrarem no vermelho. Segundo uma pesquisa feita pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), mais de 30% das pessoas que vivem sozinhas enfrentam dificuldades financeiras. Um dos motivos para isso é a falta de alguém para dividir as contas. Alisson Stasiak, 23 anos, já se viu em situação semelhante. Após voltar de um intercâmbio, passou a dividir um apartamento com seu irmão, mas quando o irmão casou, Alisson se viu sozinho e só conseguiu dar conta de todas as despesas graças ao que chama de “paitrocínio”.

que não se acostumaria ao dia a dia em família novamente. Às vezes, sente-se sozinho, mas a agitação diária de quem faz estágio, faculdade e um trabalho de conclusão de curso evita que o sentimento tome conta.

De acordo com a mesma pesquisa, 93% das pessoas que vivem só são as únicas responsáveis pelo sustento da casa, os outros 7% dividem os gastos com outras pessoas, tais como pais e familiares. O contato entre Alisson e seus pais se dá duas vezes por semana via Skype, e uma vez por mês pessoalmente, quando os pais vêm para Curitiba ou quando o filho vai para o litoral.

Geração Canguru Em contrapartida temos a Geração Canguru. O termo veio da comparação com os filhotes de cangurus, os quais só saem da bolsa das mães quando se sentem seguros. Essa geração é representada por adultos entre 25 e 32 anos que ainda moram com os pais. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais, pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve um crescimento de 25,3% em 2015 do número de pessoas que optaram pelo prolongamento ou pelo retorno da convivência familiar.

Quando o estudante de design gráfico partiu para o intercâmbio na Espanha, em 2015, ainda vivia com os pais. No entanto, durante o período em que o filho esteve longe, eles decidiram se mudar para o litoral paranaense, onde levariam, segundo Alisson, uma "vida de aposentados". Ao voltar para Curitiba, o estudante deu continuidade à rotina independente que levava na Europa. Alisson conta que depois da experiência que teve morando longe, acredita

Foto: Arquivo pessoal

Amanda Andrade e Thaís Abicalaf

O apartamento vazio, para Alisson, tem suas vantagens. "Saio de casa e, quando volto, está tudo como deixei", diz. Para o estudante, que se define como organizado, a liberdade e a independência são os principais pontos positivos de se levar uma vida tão diferente daqueles que se apegam à segurança do convívio com os pais.

O desejo de morar sozinho e ter uma vida econômica independente é o sonho de muitas pessoas. Porém, a dificuldade de gestão dos gastos pode tornar um sonho em pesadelo, com dívidas em cartões de crédito, condomínio, sáude e apertos no dia a dia. Segundo a pesquisa, a falta de pagamento da fatura do cartão de crédito ocupa um percentual de 36%

93% das pessoas que vivem só são as únicas responsáveis pelo sustento da casa, os outros 7% dividem os gastos com outras pessoas, tais como pais e familiares

Após um intercâmbio e o casamento de seu irmão, Alisson Stasiak passou a morar sozinho. Graças à ajuda do pai, consegue manter todas as contas pagas em dia.

Para Alisson, a liberdade e a independência são os pontos positivos de levar uma vida tão diferente daqueles que se apegam à segurança do convívio com os pais nas dívidas de quem mora sozinho, seguida dos cartões de loja com 20%. Além disso, 40% dessas pessoas têm pelo menos uma dívida financiada ou parcelada, normalmente nesses cartões. Os entrevistados da pesquisa revelaram ainda que essas despesas não foram pagas pela diminuição da renda, desemprego próprio ou de alguém da família, entre outros motivos. Segundo os Indicadores Sociais Municipais do Censo Demográfico 2010, divulgado pelo IBGE, o número de brasileiros morando sozinhos tem aumentado. As residências com apenas um morador passaram de 8,6% para 12,1% num período de dez anos. A mudança ocorre principalmente em locais onde se nota maior envelhecimento da população em decorrência do aumento da expectativa de vida e

diminuição da natalidade. Morar sozinho poder ser uma porta para a depressão De acordo com uma pesquisa desenvolvida no Instituto Finlandês de Saúde Ocupacional e divulgada pelo periódico BMC Public Health, pessoas que moram sozinhas têm até 80% a mais de chances de sofrer depressão em comparação a quem vive com uma ou mais pessoas. Outros fatores contribuem para o desenvolvimento da depressão por pessoas que moram sozinhas. Esses fatores, no caso de mulheres, seriam baixa renda e baixos níveis de escolaridade. Já para homens, seriam estresse, dificuldades de relacionamento e alcoolismo.


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RELACIONAMENTOS NÃO-MONOGÂMICOS

Casal encontra no poliamor a solução para manter relacionamento Após dez anos de casamento seguidos de uma separação, casal de Curitiba retoma relação sem as restrições da monogamia Amanda Andrade

Como o sentimento entre eles prevalecia, começaram a conversar sobre as possibilidades para seu relacionamento. Foi quando Marcos trouxe a palavra poliamor, que significou, para eles, uma nova possibilidade de ficarem juntos, sem as restrições de uma relação monogâmica, mas respeitando um ao outro. “Faz quatro anos que tivemos essa liberação do pensamento”, diz Cyntia. Hoje, Marcos, Cyntia e os namorados

de cada um se relacionam em harmonia e têm boa convivência. Agora, a única regra estabelecida entre os companheiros é a de sempre falar a verdade e nunca esconder nada. Assim como Cyntia, o artesão Re Rabelo, 24, também descobriu outra forma de se relacionar quatro anos atrás. Re é não binário (não se identifica com as definições socialmente estabelecidas de homem ou de mulher) e adepto ao poliamor. Ele conta que aos 20 anos estava infeliz com os relacionamentos que já havia tido e se perguntava o que estava errado, o que deveria fazer diferente. Foi quando começou a ler sobre o assunto e percebeu que o poliamor era, para ele, a escolha certa que lhe garantiria autonomia e liberdade. Re diz que não deixaria de ser poliamor independente da pessoa com quem se relacione. “É um jeito de ser, eu não consigo mais ser de outra forma, faz parte de mim”, declara. Ele diz que as únicas experiências relacionadas a preconceito que sofreu foram virtuais, apenas em fóruns e posts em Foto: Amanda Andrade

Para Re Rabelo, amor e liberdade devem andar sempre juntos. O poliamor, para ele, é um jeito de ser.

redes sociais.

Foto: Arquivo pessoal

Ela, ele, o namorado dela e a namorada dele: essa é a configuração atual dos relacionamentos de Cyntia Grzegorczyk e Marcos Eduardo Mathias. Após dez anos de casamento e o nascimento de uma filha, ambos decidiram não ser mais marido e mulher, mas companheiros que têm a liberdade de se relacionar com outras pessoas. Cyntia conta que Marcos sempre foi, em suas palavras, “muito galanteador”, característica que teve consequências como traições durante o período em que foram casados. Por isso, escolheram a separação, mas continuavam amando um ao outro.

Segundo a percepção de Re, as pessoas, em geral, costumam pensar que ausência de ciúmes significa falta de amor. No poliamor, é exatamente o contrário. “O amor que eu tenho para oferecer para as pessoas é a liberdade delas”, declara. No Brasil, não é permitido o casamento entre mais de duas pessoas. No entanto, “casais” de três ou mais parceiros já obtiveram união registrada em cartório. De acordo com reportagem de Thiago Amâncio para a Folha de S. Paulo, existem ao menos oito registros do tipo no país.

Cyntia Grzegorczyk e Marcos Eduardo Mathias decidiram viver uma relação poliamor depois de passar dez anos casados.

A psicologia do poliamor A maioria dos pacientes atendidos pela psicóloga Normanda Vidal, 28, são pessoas que não se adaptaram a relações monogâmicas. Normanda diz que a maior preocupação deles é a adaptação social e familiar. Ela afirma que pessoas adeptas ao poliamor têm dificuldades em contar para a

família e também para encontrar pessoas para se relacionar, já que a norma social é a monogamia. Normanda é psicóloga forense (especialidade que alia a psicologia ao direito) e trabalha com mulheres e LGBTs vítimas de agressão, além de realizar a reeducação de agressores. Porém, ao perceber a demanda de pessoas po-

No Brasil, não é permitido o casamento entre mais de duas pessoas. No entanto, “casais” de três ou mais parceiros já obtiveram união registrada em cartório. De acordo com reportagem de Thiago Amâncio para a Folha de S. Paulo, existem ao menos oito registros do tipo no país.


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Foto: Amanda Andrade

Muitas das relações não monogâmicas surgem na internet, já que este é um espaço onde há a liberdade para se discutir assuntos pouco abordados no cotidiano, além de ser um lugar que possibilita o encontro de pessoas com ideias e vontades similares. liamoristas, decidiu guiar sua prática a esse público, que hoje é a maioria dos que passam por seu consultório.

ções, não existem formatos cristalizados e novos tipos de relacionamentos podem surgir sempre.

O sentimento de que estava pronta para atender esse novo grupo de pacientes veio após muito estudo, leitura e, também, em decorrência de sua experiência própria. Normanda teve seu primeiro relacionamento poliamor aos 16 anos. Ela não se adaptava aos relacionamentos monogâmicos e não entendia bem o que estava acontecendo, sentia-se perdida com as normas sociais. A psicóloga diz que não quer que outras pessoas passem pela mesma situação, sem ter ajuda ou orientação para entender a si próprio e a sua forma de se relacionar com outros.

Ao falar sobre relações poligâmicas que envolvem quatro ou mais pessoas, Normanda utiliza o termo “constelação”. “Além de ser poético, é mais confortável para a gente tratar as nossas relações”, diz. Ela ainda afirma que o poliamor não é, necessariamente, algo que nasce com cada um, mas pode ser uma escolha.

Normanda explica as diferenças entre os tipos de relações poligâmicas. No poliamor, há regras estabelecidas para o bom convívio. Os dois lados sempre estão de acordo e sabem das relações um do outro. Já no amor livre, se diz que “não há regras para amar”. Não existe a obrigação de contar ao companheiro sobre os outros relacionamentos. Finalmente, no relacionamento aberto, há o casal de origem e os relacionamentos paralelos de cada um, que geralmente não são sérios ou não consistem em envolvimento romântico, apenas sexual. A psicóloga ressalta que mesmo com essas defini-

Poliamores online Muitas das relações não monogâmicas surgem na internet, já que este é um espaço onde há a liberdade para se discutir assuntos pouco abordados no cotidiano, além de ser um lugar que possibilita o encontro de pessoas com ideias e vontades similares. O Pitanga Club, por exemplo, é uma ferramenta de encontros poliamorosos. Segundo informações divulgadas no site, há 13.323 pessoas inscritas nele. Dessas, 7.962 são homens, 3.815 casais e 1.546 mulheres. Em Curitiba, há um grupo no Facebook, com 350 pessoas, que promove encontros para conversar sobre poliamor. Re Rabelo conta que o primeiro encontro foi dois anos atrás, e que agora acontecem a cada dois meses, aproximadamente. Cada encontro

A psicóloga Normanda Vidal atende muitos pacientes que vivem ou buscam relações poliamorosas. Sua própria experiência com a situação foi o que a motivou a guiar sua prática a esse grupo.

reúne de cinco a vinte pessoas. “A gente se sente muito sozinho quando pensa de uma forma diferente”, diz Re. Nesses encontros, os participantes discutem assuntos teóricos, como conceito de família, e trocam experiências. As grandes famílias Cyntia Grzegorczykdiz diz que enquanto a família de seu companheiro aceita a forma como decidiram se relacionar, a sua própria família, que descreve como católica e rígida, não tem a mesma compreensão sobre o assunto. “Para a minha família, eu sou a diferentona, a ovelha negra”, diz. Sua filha, de dez anos, sabe das relações poliamorosas dos pais. Cyntia afirma que a educou para não ter nenhum preconceito e diz ainda que as duas

confiam muito em seu namorado. Para Cyntia, as constelações podem, sim, ser famílias. Quanto a Re Rabelo, o modelo de família que mais lhe atrai é o de relacionamento em grupos ou comunidades. “Gosto de pensar num conjunto de pessoas que moram juntas e criam as crianças juntas”, diz. Para Normanda Vidal, que está atualmente em um relacionamento poliamoroso com sua namorada, que mora no Rio de Janeiro, famílias são simplesmente pessoas que se amam. Uma constelação pode ser uma família como qualquer outra. “Tudo em que existe amor, honestidade e respeito, para mim, é classificado como família, independente da configuração”, diz.

No poliamor, há regras estabelecidas para o bom convívio. Os dois lados sempre estão de acordo e sabem das relações um do outro.


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MORADIA

O conceito de grande família O número de integrantes de uma mesma família morando juntos cresceu nos últimos anos Henrique Romanine e Taisa Mara Heimbecher Foto: Taisa Mara

O fenômeno social que existe por causa da coabitação corresponde a uma sensação de segurança e liberdade por parte dos familiares eles acaba sendo pacífica, pois cada um tem o seu próprio espaço dentro da residência e, com isso, “é como se todos possuíssem a sua própria casa, o que evita maiores desentendimentos”, explica Renata. Natalia e sua bizavó Italia.

O conceito comum de estrutura familiar (notadamente a tríade pai, mãe e filhos) vem mudando ao longo dos anos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nas duas últimas décadas houve uma queda substancial no tamanho da família, ou seja, o conceito “cristão” de família deu lugar a novas estruturas familiares. Assim como na família de Nathalia, a quantidade de pessoas morando em um mesmo espaço mudou consideravelmente e a conjuntura familiar também. Apenas para se ter uma

ideia, entre 1992 a 1999, a quantidade de mulheres sem cônjuge com filhos, por exemplo, atingiu os seguintes índices: no Norte e Nordeste do país, os índices ficaram em 9,68% e 12,20%; no Centro-Oeste, 13,91% e no Sul e Sudeste, 7,50% e 15,33%. Todas essas gerações de uma mesma família, sejam em tamanhos e números diferentes, nem sempre são motivo de discórdia, pelo menos na família de Nathalia. “Todos moram juntos porque acaba saindo mais barato e, além disso, o amor e o cuidado que temos uns com os outros acaba fazendo com que a gente não queira abdicar dessa rotina”, explica. A família de Renata Haboske, de 71 anos, segue o mesmo parâmetro. Aposentada, ela cuida de uma loja de armarinhos na frente da residência, enquanto seu filho Cidinei Haboske, de 48 anos, trabalha como mecânico nos fundos da residência. Junto com eles ainda habitam a mesma casa Maristela Haboski, 50 anos, administradora e a filha de Cidinei e Maristela, Nathalie. Segundo Renata, por se tratar de um tríplex, a convivência entre

Apesar de ainda existir um grande número de famílias disfuncionais na sociedade, Samarah vê com bons olhos esses novos aspectos familiares, nos quais vários integrantes moram sob o mesmo teto. Na opinião dela, os conflitos são administrados de maneira funcional e racional e, caso ocorra alguma ruptura (alguém que venha a se mudar, por exemplo), ela será benéfica para a construção de novas relações. Foto: Taisa Mara

Mãe, padrasto, irmã, avô e bisavó. Várias gerações de uma mesma família morando juntas. Essa é a conjuntura familiar de Nathalia Cossiaki, de 19 anos. Ao lado de sua mãe Simone Cossiaki, de 38 anos, de seu padrasto Augusto Vitcheneczem, de 39 anos e de sua irmã, filha do casal, Laura de 2 anos, Nathalia divide o mesmo espaço com seu avô Tadeu Fernando Cossiaki, de 67 anos, e sua bisavó Italia Cossiaki, de 91 anos. Para quem acha que é impossível tantas gerações de uma mesma família morando juntas no mesmo lugar, saiba que isso é possível e cada vez mais comum.

Segundo a psicóloga Samarah Freitas, o fenômeno social que existe por causa da coabitação corresponde a uma sensação de segurança e liberdade por parte dos familiares. “Seja pelos filhos que demoram a sair da casa dos pais, seja através dos avós que vão morar com os filhos, entre outros exemplos, toda a convivência que deriva desse processo fornece condições financeiras e psicológicas para a subsistência dos integrantes dessa família. Com a instabilidade que o mundo e a sociedade apresen-

tam, essa conjuntura familiar, em que vários membros dividem o mesmo espaço, se não é algo que possibilita a liberdade de todos os integrantes no seu conceito mais avançado, estrutura a segurança necessária para que eles possam construir um convívio mais coeso em sociedade.”

Renata trabalhando em seu armarinho - Creditos Taisa Mara


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VIAGENS

A experiência de viver em casas móveis Quatro pessoas que moram ou já moraram em trailers com suas famílias contam como é a experiência e como a diversidade familiar é representada nessa forma de viver Fernanda Scholze e Valeska Loureiro

Segundo a Associação Brasileira de Campismo, existe no país cerca de 3,8 mil pessoas que moram em trailers, motor homes e kombi homes. E o principal motivo para comprar um é para conhecer outros lugares e levar a casa consigo. Gabriel Lourenço Estudante de aviação, Gabriel Lourenço, 21 anos , morou em um trailer com sua família, que é composta por mãe, pai e irmão. Ele contou que escolheram essa opção porque tinham amigos e familiares que tiveram experiências fantásticas com isso e queriam também ter esse gostinho. Na opinião do estudante, as principais diferenças da casa para o trailer são que a casa é ancorada permanentemente e o motor home permite que as pessoas façam viagens para onde quiserem e quando quiserem; a casa tem mais espaço e acesso a internet; trailer tem que limitar seus itens, “não tem aquele quartinho da bagunça que se tem nas casas, então tem muito desafio”, conta. Para Gabriel, os donos de trailers são extremamente amigáveis e companheiros. “Não tem um vizinho que você não faz amizade que leva pra vida toda”, ou seja, a diversidade

familiar passou a existir a partir do momento em que decidiram moram em um trailer e logo em seguida, quando seus vizinhos de motor home passaram a ser parte da família de Gabriel. “Mesmo eu sendo jovem e sem experiência pude ver pelos meus pais e tios que não tem um ponto negativo nessas aventuras, imprevistos como pneu furado ou a geladeira abrindo no meio de uma curva e derrubando todos os ovos no chão, são todas histórias pra contar e motivos de muita risada. É uma experiência extremamente rica, você conhece muitos lugares, pois imagine a diferença de viajar de Curitiba a Recife de motor home em vez de avião”, finalizou Gabriel.

Foto: Vanessa Tiburski

A diversidade familiar pode ser colocada em prática de diversas formas, uma delas é morando em trailers. As pessoas decidem trocar o conforto de uma casa normal para se aventurar e viver novas experiências na casa motorizada. Falar sobre pessoas que moram em trailers, motor homes, kombi homes é a mesma coisa, pois todos vivem em uma casa móvel. Com ela, a família pode estar em vários lugares sem sair de casa. E, conhecendo quatro pessoas que moram ou já moraram com suas famílias em algum desses meios de transporte, pode ser uma forma de descobrir como a diversidade familiar se encaixa nesse assunto.

Vanessa, seu marido, suas duas filhas e seu cachorro junto com a casa móvel.

Sérgio Luiz Calado Sérgio Luiz Calado, corretor de imóveis e aposentado, de 64 anos, morava com sua esposa no trailer, mas após a morte dela, ele passou a morar sozinho. Ele conta que mora no motor home há 16 anos porque é apaixonado por campismo e viagens. “Escolhi morar em trailer em vez de casa por dois motivos, a facilidade, porque vivo viajando e não tenho a preocupação com relação a roubo em uma casa; e a comodidade, pois levo sempre minha casa comigo”, contou Sérgio. Para ele morar em um trailer é muito bom, pois tem todo conforto de uma casa. O aposentado declarou que a diferença entre morar em uma casa e um trailer é que quando sai para a estrada não tem outra preocupação a não ser curtir. “A experiência é a melhor possível para quem gosta do campismo. Fazer amizades, que podem se tornar tão importantes quanto família, e curtir o que tem de melhor em nosso país”, relatou Sérgio. Solange Zanchettini Solange Zanchettini, circense de 51 anos, mora em um trailer porque trabalha no circo e para ela o trailer sem-

pre foi sua casa. “O circo é itinerante e o trailer se adapta ao meu trabalho e a minha família”, afirmou Solange. Ela disse que morava com sua família em barracas, que precisavam ser montadas e desmontadas debaixo de chuva e sol para carregarem suas coisas. Então decidiram morar em um trailer por conta do conforto e a facilidade de levar para onde quiserem as coisas do circo. “Para nós, do circo, o trailer é mais aconchegante que uma casa, estamos sempre perto do nosso trabalho”. A circense declarou que a experiência é maravilhosa, porque possuem tudo que precisam, mas tiveram que se adaptar ao espaço reduzido. “A oportunidade de conhecer o mundo, culturas e costumes diferentes, mostra que há diversidade familiar e cultural e que elas são grandes”, afirmou. Vanessa Tiburski Vanessa Tiburski, artista de rua de 33 anos, mora há 7 meses em uma kombi home com sua família, que é composta por marido, duas filhas e cachorro. Eles estão viajando com o objetivo de realizar um projeto de dar a volta na

América do Sul, América do Norte e Europa, para dar continuidade ao trabalho de fazer espetáculos de música de rua em vários lugares. A família saiu de Porto Alegre e já passou por cidades do estado do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro. “A diferença entre a casa e o trailer, é que a kombi home tem menos espaço, porém você tem o mundo na tua mão, pode estar em qualquer lugar dentro do teu cantinho”, contou Vanessa. “A gente teve que aprender a ser minimalista, ter exatamente o essencial”, afirmou a viajante. Ela relatou que quando chove os dias são difíceis, porque ficam presos dentro do trailer, sem poder fazer muitas coisas, mas sempre dão um jeito de fazer algo. “Temos muitas culturas para conhecer, e a experiência está sendo maravilhosa. A dificuldade maior é de encontrar lugares com banheiros para tomar banho e fazer nossas necessidades. Pagamos para usar o banheiro de algumas pousadas e também usamos banheiros de comunidades de igrejas que recepcionam viajantes”, finalizou Vanessa.


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FORMAÇÃO

Pais e mães solteiros, um desafio da nossa era Sentimento de dó não faz parte da rotina de quem precisa criar os filhos sem o auxílio de um companheiro ou companheira

Foto: Ana Tereza May

Gabriela de Lara, Pablo Mendes e Ana Tereza May

José Luís da Costa e seu filho, Samuel da Costa.

Segundo pesquisas do Instituto Data Popular, em 2015 o Brasil contava com 20 milhões de mães solteiras. Pergun-

te a algum conhecido e ele certamente conhecerá duas ou três pessoas nesta situação. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o número de pais solteiros aumentou em 28% na última década, mas como minoria. Os pais solteiros ainda são vistos com um certo heroísmo, resquícios de uma sociedade patriarcal que determinou tarefas durante anos. Muitas vezes tornar-se um pai ou mãe solteiro(a) não é uma opção e acaba se tornando um dos maiores desafios de uma vida. A seguir contaremos três histórias de famílias que aprenderam a se estabelecer apesar das circunstâncias, e hoje exalam amor e responsabilidades.

formatura foi motivo de alegria para toda família, principalmente para sua mãe, que cuidava de Luís enquanto ela ia às aulas.

Depois de muitas desavenças, hoje Amanda mantém uma relação amigável com o pai de seu filho, o que por algum tempo foi um conflito. O pai vê o garoto cerca de 2 ou 3 vezes por mês, mas durante a maior parte do tempo, nos eventos e reuniões escolares, consultas médicas e demais tarefas, é Amanda quem desempenha o papel de mãe e pai.

“Só eu e eles” José Luís da Costa hoje trabalha como pedreiro em Curitiba e região metropolitana para manter seus dois filhos, Samuel Ferreira da Costa, 12 anos, e Pietra Luisi Ferreira da Costa, de 7 anos. José começou a trabalhar com 12 anos de idade em Santos, litoral de São Paulo, onde nasceu e foi criado. Filho de mãe solteira, veio para Curitiba aos 15 anos brigado com a mãe, para conseguir um emprego. Aqui conseguiu manter a qualidade de vida para o nascimento de Samuel, mesmo

Após o nascimento de seu filho, Amanda precisou adiar em um semestre sua entrada na universidade, e a

Hoje formada, Amanda trabalha na região metropolitana de Curitiba. Luís Guilherme ainda passa boa parte de seu tempo com as avós, mas agora estão prestes a se mudar para seu apartamento, apenas ela e o filho. A responsabilidade de cuidar e prover o lar agora é apenas dela, o que, segundo Amanda, é uma das maiores dificuldades em ser mãe solteira. “Saber que em uma necessidade eu não vou poder recorrer a outra pessoa, sou eu e somente eu”, conta.

Foto: Pablo Mendes

No censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pais e mães solteiras não são diferenciados de um núcleo familiar composto. Contudo, cuidar de uma ou mais crianças, financeira e emocionalmente, pode ser uma responsabilidade a mais. Além do peso de ser responsável pela educação de uma criança e pelos cuidados de uma casa, ser pai ou mãe solteiro(a) é motivo de estranhamento para muitas pessoas. É difícil dar conta da vida profissional, financeira, doméstica, ir a reuniões escolares, levar às consultas médicas de rotina e ainda conseguir algumas horas da semana para manter seu círculo de amigos e vida social.

em 1991, e por 7 anos foi filha única. Durante a sua adolescência seus pais se divorciaram, porém a figura do pai, para ela e suas duas irmãs mais novas, nunca deixou de ser presente em todos os momentos, mesmo não morando na mesma casa. Aos 16 anos Amanda descobriu sua gravidez, durante o último ano do ensino médio. Ela e o então namorado se viram com medo do que estaria por vir, um começo difícil, mas aos poucos o apoio da família foi sendo conquistado. Ver a garota casada aos 16 anos nunca foi uma opção para os pais, então a casa da mãe foi o local onde sempre criou seu filho Luís Guilherme Lourenço Silva, hoje com 8 anos.

“Sou eu e somente eu” Amanda Lourenço de Lara nasceu

Segundo pesquisas do Instituto Data Popular, em 2015 o Brasil contava com 20 milhões de mães solteiras. Amanda Lourenço de Lara e seu filho, Luís Guilherme Lourenço.


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Foto: Gabriela de Lara

mantém contato com eles e nem José com a família em São Paulo. Para isso, mesmo que possa contar com os dois nas tarefas da casa, como lavar a louça e arrumar a casa, ele teve que se reajustar no trabalho. Deixou o antigo emprego por conta do horário escolar das crianças.

Além de Naiely e Gabriele, Valmir Paranhos tem mais dois filhos.

que no susto. A bolsa da mãe rompeu após vários alarmes falsos e idas ao hospital. O nascimento de Pietra também foi um susto. Por ter sido uma gravidez de risco, precisaram operar a mãe às pressas após um exame do coração, ou a criança morreria. Sem dinheiro, José foi acalmado pelo médico que lhe deu de presente os serviços da instrumentadora e a cirurgia. Como fruto disso, nasceu uma menina que até hoje chora emocionada quando o Foto: Pablo Mendes

pai canta para ela. Entre o nascimento dos dois filhos, Samuel e a mãe das crianças voltaram para Santos, mas pela falta de costume a mãe decidiu voltar para a capital paranaense com o filho. Para não ficar sem ver o menino, José ia e voltava de Curitiba. “Eu tinha que ter meu filho perto de mim. Como eu cresci sem um pai, eu ficava pensando 'o que vai ser dele? Como ele vai me ver?'”, diz. Hoje são apenas os três. A mãe não

Segundo Costa, não há diferença entre ser um pai ou ser uma mãe solteira, a não ser os olhares de dó e de compaixão mais recorrentes, afinal é mais comum vermos mães solteiras. O fato de ser um pai presente e amoroso faz com que as crianças não sintam falta de uma segunda figura, e quando questionadas sobre a criação do pai, asseguram que é “muito bom, porque ele é bonzinho. Ele comprou bombom hoje, ele abraça e canta música”.

Valmir conta que a família sempre foi unida. “Eu fui, sem dúvida nenhuma, o homem mais feliz do mundo todos os dias que estive ao lado dela”. Valmir e Neuci foram casados por 26 anos, e ambos eram missionários na igreja, por isso viajavam muito, viviam “uma vida em prol da missão” e moraram em diversos lugares. Para as filhas Gabrielle e Naiely, viver sem a presença, a amizade e os puxões de orelha da mãe sempre será difícil, mas os esforços do pai para suprir a ausência e vê-las sorrir todos os dias é o que mantém a base familiar forte, como sempre foi. “Minha mãe é insubstituível, assim como meu pai”. A família ainda está se reestabelecendo depois da perda, mas Valmir já começa a sentir o peso das novas responsabilidades. Para ele, a força para seguir o exemplo da esposa vem dos filhos, que o mantêm confiante e acreditando sempre em dias melhores, apesar da responsabilidade de ser pai e mãe ao mesmo tempo.

“Uma vida em prol da missão” Neuci, mãe de quatro filhos, casou-se com Valmir em 1992. O casal teve seu primeiro filho, Geniton Paranhos em 1994, cinco anos depois veio o segundo, Gediel Paranhos, hoje Foto: Ana Tereza May com 18 anos. Em seguida veio Naiely Paranhos, e 4 anos depois o casal teve a última filha, Gabriele Paranhos, hoje com 12 anos. “Eu e Neuci éramos mais que um casal, nós éramos companheiros um do outro, eu cuidava dela e ela cuidava de mim, ela sempre foi minha paixão”. Em setembro de 2016, Neuci descobriu que estava com três tumores no cérebro, após ter lutado contra um câncer de mama em 2009, passando pelo tratamento que durou quase 3 anos. Devido à gravidade da cirurgia para a retirada dos tumores, Neuci não resistiu e faleceu no dia 30 de novembro de 2016.

Luís Guilherme tem oito anos.

Samuel Ferreira da Costa de 12 anos e Pietra Luisi Ferreira da Costa de 7 anos. Ambos filhos de José Luís da Costa.


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TERCEIRA IDADE

Idosos contam histórias de como passaram a viver nos asilos Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 71 % dos municípios não têm instituições especificas para idosos

Foto: Shara Karoliny

Shara Karoliny e Rodrigo Silva

O envelhecimento populacional tem se acentuado como um fenômeno mundial. A casa de repouso Lar de Maria foi criada para atender aos anseios da população idosa e oferece diversos tipos de auxílio, como assistência gerontológica, exercícios para que o idoso melhore sua capacidade cognitiva, física, entre outros. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), colocam a expectativa de vida no Brasil em 75,5 anos ao final de 2016, o que representa um aumento se comparado aos 75,2 anos do ano anterior. As estatísticas também mostram que a esperança de vida das mulheres é maior que a dos homens, sendo 79,1 anos, contra 71,9 anos. O governo brasileiro realizou, nos últimos anos, algumas políticas públicas voltadas para o bem-estar do idoso, como o Pacto pela Vida em 2006 e o Estatuto do Idoso em 2003, que garante inclusive atendimento domiciliar para a pessoa idosa.

O asilo é só para mulheres e realiza atividades como fisioterapia, psicoterapia, pilates e outros exercícios que acabam fazendo parte da rotina de todas que residem no lar. De acordo com os funcionários, Maria apresentou grande evolução desde que passou a morar no local. “Quando ela chegou, ela gritava e dizia que estavam prendendo ela. Agora ela gosta de ficar aqui e conversa com todo mundo” diz Rosangela Sambati, dona do estabelecimento. Devido à doença, Maria não se lembra de inúmeros acontecimentos que ocorreram em sua vida, porém ela salienta que gosta muito de morar no lar, pois conversa com todos os outros residentes e faz novas amizades. Ela

Foto: Shara Karoliny

Maria de Lurdes tem 86 anos e mora no Lar de Maria há 7 meses. Ela nasceu em São Paulo, mas veio para Curitiba morar com seus filhos. Quando come-

çou a envelhecer, Maria passou a apresentar alguns sintomas de Alzheimer. Sua família buscou ajuda médica, mas os medicamentos que eram receitados para ela não eram aplicados corretamente pelos médicos, o que fez com que a doença piorasse e com que a família não soubesse mais como cuidar dela. Então eles encontraram o Lar de Maria, localizado no bairro Água Verde em Curitiba.

No Lar de Maria, que atende mulheres idosas, as residentes fazem a maior parte das refeições juntas.

O cotidiano no lar para mulheres idosas inclui atividades como fisioterapia, pilates, psicoterapia e momentos de lazer.

recebe visitas de sua família e do coral de sua igreja, que sempre prepara algumas músicas para que passem o fim de semana cantando com ela. Nem todas as situações são como a de Maria de Lurdes. Iracema Ferreira, de 82 anos também tem Alzheimer e está morando no Lar de Maria há 2 meses. Sua família dificilmente a visita e, mesmo não se lembrando de muitos acontecimentos de sua vida, Iracema recorda que passou a morar no asilo depois que perdeu sua filha. Depois disso, ela relata que não comia direito, ficou muito fraca, constantemente nervosa e chegou a ficar depressiva. Sua família passou a não conseguir prestar os auxílios de que ela necessitava e a levaram para o Lar de Maria. Iracema afirma que já se sente adaptada ao lar, apesar do pouco tempo. "Eu gosto de ficar aqui pois assim não me sinto sozinha, o tempo passa mais rápido e não lembro de coisas ruins”, salienta. Nessa casa de repouso para idosas, grande parte das residentes têm Alzheimer, mas algumas não gostam de falar sobre o motivo pelo qual foram morar lá, por se lembrarem da doença. A maioria delas prefere dizer que só está passando um tempo ou que foram para fazer exercícios, outras

esquecem que moram na casa de repouso e não conseguem conversar. Idosos no Brasil De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), são mais de 20 milhões de idosos em todo o país, mas o Brasil apresenta apenas 218 asilos públicos. As instituições públicas e privadas do país abrigam 83 mil idosos, sendo a maioria mulheres. A maior parte das instituições brasileiras hoje é de natureza filantrópica, 28,2% são privadas e as públicas correspondem a 6,6%, com predominância nas municipais. Diante de um cenário onde o país apresenta cada vez mais idosos, a demanda por uma política estruturada é cada vez maior, e por essa razão é essencial que o Estado preste auxílio à família do idoso. De acordo com o livro "Cuidados de longa duração para a população idosa: um novo risco social a ser assumido?", lançado pelo Ipea, cerca de 4,5 milhões de idosos terão dificuldades para as atividades diárias da vida em 2020. Por meio desses dados, é nítida a necessidade do aprimoramento de medidas para inclusão do idoso na sociedade. Com o aumento da expectativa de vida, a tendência é que mais pessoas necessitem de cuidados especiais.


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ESPORTE

A pressão de ser filho de um astro do futsal e o sonho de seguir o mesmo caminho Pedro Goes, jogador de futsal do Capinzal de Santa Catarina, busca trilhar uma carreira de sucesso no esporte. Ele conta com a ajuda e a pressão de ser filho de um ídolo, o ex-jogador Fininho Mateus Bueno

Alguns filhos buscam seguir a carreira do pai, outros decidem seguir outro caminho. Pedro Goes, 20 anos, escolheu o futebol de salão com total apoio e conselhos do pai, seguir a mesma profissão no esporte, porém afirma que mesmo com a cobrança sempre existindo, chegou a hora de fazer a história dele. Jogando atualmente no Capinzal de Santa Catarina, sonha em seguir a mesma carreira do pai Fininho, atual treinador do clube e ex-jogador da Seleção Brasileira de Futsal. "Eu sempre gostei de jogar futsal e sempre quis seguir a carreira do meu pai. Sempre recebi muito apoio dele para seguir meu sonho. E vendo a carreira brilhante que ele teve, eu sempre tive certeza de que era isso que eu queria para a minha vida. Sei que a pressão e a cobrança sempre vão existir em cima de mim, devido a história do meu pai no futsal mundial – contou o camisa dez do Capinzal de Santa Catarina. O jovem jogador contando com toda a Foto: Arquivo pessoal

Pedro e o pai, Fininho, um exemplo dentro e fora de campo.

experiência e incentivo de seu pai para construir seu sonho, também conta com um grande ponto para sua carreira: ter o pai como seu treinador. Com a grande história de Fininho no futsal e chegando no clube sem conhecer os novos companheiros de equipe, Pedro conta que não existiu tratamento diferenciado dos seus companheiros com ele por seu filho do ex-jogador e agora treinador da equipe. “Um ou outro até ficaram surpresos por ser o Fininho, mas eu sempre fui tratado naturalmente. Sou o filho do Fininho fora de quadra, dentro, ele é só meu treinador.” O ex-craque da Seleção Brasileira afirma que vê o filho preparado para superar a pressão de ser filho de alguém que marcou história no esporte, e conta com muita conversa e muitos conselhos para o novo sucessor da família nas quadras. “Vejo ele com a cabeça muito boa. Precisa se preparar muito, não dar ouvido ao que muitas pessoas falam. Porque sabem que quando é filho do Fininho, já esperam que faça a mesma coisa que o pai.

"Um ou outro até ficaram surpresos por ser o Fininho, mas eu sempre fui tratado naturalmente. Sou o filho do Fininho fora de quadra, dentro, ele é só meu treinador", diz Pedro Lembram do que eu fiz dentro da quadra, e assim por diante. A gente sabe que algumas pessoas fazem uma cobrança muito errada. Eu fui uma coisa e ele vai ser outra”. Na infância, mesmo tendo vivenciado a parte final da carreira do pai e sempre ter tido contato com o futsal, Pedro poderia ter escolhido outro caminho, porém Fininho conta que mesmo que se ele tivesse feito outra escolha, não teria ficado frustrado “Isso poderia acontecer, tem alguns exemplos de atletas que fizeram histórias e de filho que não queria seguir no esporte. Claro, eu iria entender, ficaria um pouco triste porque a minha vontade sempre foi de que ele seguisse no esporte, mesmo no futsal ou outra modalidade”. Como pai, Fininho buscou sempre manter todos estes pensamentos em que trata como de grande importância, e vendo a capacidade e potencial do filho, sempre procurou incentivar a fazer esporte. Preza para além de que seu filho seja um bom atleta, seja um bom ser humano. Na história dos dois no esporte, o que contou muito para o Pedro foi a importância de crescer vendo a parte final da carreira de seu pai. “Ele era muito novo, mas pegou um pouco da minha carreira. Ele era pequeno mas foi convivendo nesse meio, em ginásios, jogos, Seleção Brasileira. E conforme foi crescendo, tomou noção da coisa. Sempre procurava levar ele, e sempre gostou de

brincar com bola. Vi que levava jeito. Pela história que eu tive, ele também quer fazer a dele. Claro, sempre vai existir cobrança pelo o que eu fui, mas ele sabe diferenciar isso. A importância pela história que tive, ele acompanhou desde pequeno e quis seguir o mesmo caminho” – afirma o pai. Com todo apoio, incentivo e a importância de sua carreira, Fininho hoje é treinador do clube em que seu filho joga e procura muito diferenciar no momento que entra pro local de trabalho. “Eu sei que ele é meu filho, mas busco ser o mais coerente possível. A cobrança sempre um pouco mais até que nos outros, até pela capacidade e potencial que tem. E por ser filho, você sempre quer que faça do jeito mais perfeito possível, mas tenho cuidado e dosar um pouco na hora de cobrar. "Procuro tratar igual, acima de tudo com profissionalismo e respeito. É um fato predominante. Não por ser filho do treinador não pode ser chamado a atenção na frente e vice-versa. Então é preciso um cuidado pra não ultrapassar o poder de cobrança, porque ali é um atleta igual os outros.” Admirando e reconhecendo toda a carreira do pai, Pedro sempre que possível ressalta a importância dele para sua carreira e para o seu atual clube. “A importância do meu pai é grande, ele me aconselha nas minhas decisões e procura sempre passar a experiência que ele teve na carreira, não só para mim, mas para todos meus companheiros”.


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CINEMA

Cinco filmes que trouxeram a diversidade familiar para as telonas Foto: Divulgação

Além de terem sido sucesso de bilheteria, suas histórias tem exemplos de personagens com famílias que fogem do padrão imposto pela sociedade Caroline de Carvalho e Talita Marchiori

Luz, câmera, ação! É assim que todo filme começa. Sempre há uma história a ser contada, seja ela verídica ou ficcional. Cenários encantadores, viagens ao passado, cenas emocionantes; tudo faz com que todos os nossos sentidos sejam despertados. Além disso, o filme pode servir como estudo, documento. Através das brilhantes interpretações, podemos “enxergar” como tudo aconteceu ou apenas ter um momento de prazer ao assistir uma boa história ou um lindo romance.

Foto: Divulgação

O cinema é recheado de filmes que fizeram muito sucesso nos mais variados gêneros. Nos filmes, quase todo personagem principal tem um núcleo familiar e é cada vez mais comum a presença de famílias “diferentes” nos filmes, que fogem do padrão pai, mãe, filhos e cachorro. A nossa geração tem inserido a atual diversidade familiar para dentro das telonas; fazendo com que muitas famílias se sintam bem e se identifiquem com a história narrada.

No filme Doze é demais, o casal Tom e Kate Baker tiveram 12 filhos.

“Os filmes estão aí para abrir a nossa mente para diferentes pontos de vista. Muitos consideram a definição de família como a simples reprodução humana, mas, qualquer um com um pouco mais de visão entende que isso vai muito além das palavras e funções designadas para cada personagem. O cinema é uma das ferramentas mais poderosas para abrir a mente das pessoas e tornar essa diversidade familiar essencial para a criação de pessoas diferentes e com vivências diferentes” declara Felipe Almeida, editor do blog de cinema Stereo Pop do Bem Paraná. Separamos cinco filmes que abordam a diversidade familiar e que são grandes sucessos de bilheteria. Pegue a sua pipoca e silêncio, o filme vai começar. Doze é demais A clássica comédia americana conta a história do casal Tom (Steve Martin) e Kate Baker (Bonnie Hunt). Depois de se conhecerem na Universidade, descobriram um fato em comum: os dois sonhavam em ter oito filhos. O casal se casa e perde o controle da vida e das metas traçadas. Os filhos não param de nascer e a carreira profissional de ambos é deixada de lado. Com 12 filhos e uma família que chama a atenção por onde passa, o filme mostra diversas situações constrangedoras e inusitadas que a família passa. Apesar disso, o amor que sentem um pelo outro faz com que o filme se torne um grande exemplo de companheirismo familiar. Doze é Demais é uma ótima opção para quem adora uma boa comédia e pretende ter muitos filhos. Além disso, é ótimo para ser assistido em

família. A vida é bela Um dos filmes mais lindos dessa lista. A história tem como cenário a Segunda Guerra Mundial na Itália, em plena ascensão nazista. No filme, o judeu Guido (Roberto Benigni) e seu filho Giosué são levados para um campo de concentração. Separado da mulher, Guido faz de tudo para que o filho acredite que está participando de uma brincadeira. Com o intuito de protegê-lo do terror e da violência, o pai demonstra todo o seu amor e esforço.

Em Juno, a garota que dá nome ao filme engravida aos 16 anos de um dos seus melhores amigos.

Toda forma de amor Oliver Fields (Ewan McGregor) é um artista que perdeu a mãe há cinco anos e que acaba de saber que o pai Hal (Christopher Plummer) é homossexual. Além disso, o pai está lutando contra um câncer em um estágio avançado. Junto a isso, Oliver se apaixona e começa a viver um romance dentro da trama. Com o passar do tempo, ele se acostuma com a idéia de ter um pai homossexual e o relacionamento deles se fortalece muito. O pai, doente, vive tudo pela primeira vez e faz com que o filho se orgulhe e aprenda a aceitar as diversidades alheias. Juno Juno vem para quebrar qualquer padrão de filmes de gravidez na adolescência. O filme conta a história de Juno MacGuff (Ellen Page), uma jovem de 16 anos que engravida acidentalmente de um de seus melhores amigos Paulie Bleeker (Michael Cera). Depois de pensar muito em abortar, Juno decide procurar um casal a quem possa entregar seu bebê assim que ele nascer, já que não se considera em condições para ser mãe e criá-lo.

Depois de procurar muito, a jovem encontra Vanessa (Jennifer Garner) e Mark (Jason Bateman), um casal ótimo e que está disposto e muito feliz em receber a criança de Juno. Além disso, a família oferece uma ajuda financeira para a menina, que acaba recusando, mas decide que o casal ficará com seu filho. Um sonho possível O filme, indicado a Dois Oscars, é um dos mais emocionantes da nossa lista e conta a história (baseada em fatos reais) de Michael Oher (Quinton Aaron) um jovem negro, filho de uma mãe viciada e que não tinha onde morar. Certo dia o garoto está andando pelo estádio da escola e é visto pela família de Leigh Anne Tuohy (Sandra Bullock), que ao ver que o garoto está procurando um lugar para dormir o convida para passar uma noite em sua casa. Leigh se apaixona pelo menino e faz ele enxergar o quanto é amado e bem quisto por ela. Com grande vocação para o esporte, o garoto junto com a mãe adotiva, enfrenta muitos preconceitos, mas se torna um grande astro do futebol americano.


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