LONA - Especial Copa do Mundo Feminina de Futebol - Edição 1008

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#JornalismoUP

Edição 1008 | Especial – Copa do Mundo Feminina Curitiba, 23 de julho de 2019

O espaço delas no futebol Americanas são tetracampeãs do mundo p.3

Conheça histórias de mulheres com o esporte p.4

Campeonato de jornalistas motiva a formação de equipes p.6

Cresce a presença feminina em coberturas esportivas p.8


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LONA - Edição 1008

Editorial

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França foi palco da mais importante Copa Feminina da história. O futebol feminino está em um momento crucial de visibilidade. A Copa do Mundo de 2019 será um divisor de águas no que trata sobre respeitar o futebol feminino e mostrar que existe interesse no futebol praticado pelas mulheres. A começar pelos recordes quebrados, a Copa Feminina de 2019 registrou o maior número de ingressos vendidos na história da competição, e, pela primeira vez o mundial foi transmitido ao vivo em rede aberta, nacional. A audiência nos jogos deixou para trás a teo-

ria de que os jogos femininos não eram transmitidos por não ser interessante ao público, o mundial deste ano mostrou que existe sim, interesse pelo futebol feminino. Em campo, as mulheres são símbolos de força e determinação. Sem medo de disputar uma bola que possa ser perigosa e causar uma lesão. Se caiu, levanta e segue o jogo. A cada lance, cada gol, cada hino nacional cantado foi uma vitória para o futebol feminino. Mulheres entrando em campo de batom, mostrando que o importante no esporte não é a aparência, mas sim o talento e habilidade que cada uma tem com a bola nos

Sumário 3

Final

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Sucesso no futebol Jornalismo esportivo

EXPEDIENTE

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Jogar um mundial Sonho de ser atleta

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Acompanhe o curso de jornalismo pelas redes sociais. Caso tenha dúvidas sobre o curso, entre em contato.

www.redeteia.com

facebook.com/RedeTeia youtube.com/TelaUN1 www.mixcloud.com/RedeTeia/ jornalismo@up.edu.br

Presidência da Divisão de Ensino do Grupo Positivo Paulo Cunha

Coordenação do Curso de Jornalismo Maria Zaclis Veiga Ferreira

Editor de texto Johan Gaissler

Coordenação Acadêmica Roberto Di Benedetto

Editor-chefe Johan Gaissler

Equipe de reportagem César Roza, Gabriela Pavanelli, Johan Gaissler, Júlia Wal, Luiz Felipe Cunha. Noêmia Sibele, Sabrina Gregório, Sâmar Mourad e Victoria Sampaio

Reitoria José Pio Martins

tornar mais importante do que agora. As mulheres disputam Copas e Olimpíadas da mesma forma que os homens, então essa visibilidade é necessária e já deveria ter começado antes. A importância de mostrar as mulheres jogando não é apenas para preencher a grade da televisão, é para incentivar cada vez mais as meninas que sonham em ser jogadoras mas sentem que não vão receber o devido apoio. Essa Copa, foi um marco para mostrar ao mundo como essas mulheres merecem mais espaço no futebol mundial e, para deixar de lado todo o preconceito que envolve a figura feminina em campo.

O LONA é o jornal-laboratório do curso de Jornalismo da Universidade Positivo. O veículo integra a Rede Teia de Jornalismo.

Dificuldades desde cedo

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pés. A Copa do Mundo 2019 trouxe para o futebol mundial a maior artilheira de Copas, uma mulher, Marta, é agora a pessoa que mais marcou em Copas do Mundo, com um total de 17 gols. Porém, para a FIFA, a jogadora é apenas artilheira da Copa Feminina. Independente de qual país levantar a taça de campeã da Copa, o mundial de 2019 é uma incrível marca para o futebol feminino, como um todo. A visibilidade inédita dessa Copa do Mundo é a maior conquista do futebol feminino. É claro que existe muito o que melhorar nas coberturas para fazer o futebol feminino se

Professora-orientadora Katia Brembatti

Revisão final Katia Brembatti


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Curitiba, 23 de julho de 2019

FINAL

Americanas comprovam favoritismo e são tetracampeãs Seleção dos Estados Unidos vence a quarta Copa do Mundo em 8 mundiais já realizados

Da esquerda para a direita: Harris, Rapinoe e Krieger na comemoração do tetracampeonato americano. (Foto: Divulgação/Twitter)

Johan Gaissler

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favoritismo foi comprovado. Pela quarta vez, os Estados Unidos venceram a Copa do Mundo Feminina de Futebol. A tradição das mulheres norte-americanas no futebol é percebida nos números: de 8 mundiais disputados na história, o primeiro em 1991, 4 foram vencidos por elas, o último neste ano. No primeiro tempo da grande final contra a Holanda, a bola parecia não querer entrar. Apesar da pressão já esperada do ataque norte-americano, as jogadas

eram paradas na goleira holandesa Van Veenendaal. A partida foi para o intervalo com o placar zerado. A Holanda, que fez uma excelente Copa, na final pela primeira vez, parecia estar satisfeita ao parar as jogadas americanas. Intervalo encerrado. O resultado empatado até então levava a final para a prorrogação. Aos 12 minutos do segundo tempo, a zagueira holandesa Van der Gragt cometeu um pênalti ao atingir com o pé a atacante dos Estados Unidos, Morgan. A confirmação da penalidade máxima aconteceu depois da árbitra francesa Stephanie Frappart consultar o lance no assistente de ví-

Momento em que a taça da Copa do Mundo foi erguida. (Foto: Reprodução/Instagram)

deo (VAR). Rapinoe, atacante e um dos destaques da Copa do Mundo, cobrou o pênalti e abriu o placar a favor da seleção americana. 7 minutos depois, após a seleção holandesa tentar o empate com as jogadoras no ataque, os Estados Unidos aproveitaram o espaço deixado na defesa e Lavelle, meio-campo americana, fez o segundo e último gol da Copa do Mundo da França em 2019. A seleção dos Estados Unidos venceu as sete partidas da Copa, com o melhor ataque da competição e uma campanha inquestionável. As norte-americanas foram as responsáveis pela

eliminação da França, anfitriã e uma das favoritas, em duelo eliminatório nas quartas de final. Uma personagem que ficará marcada na campanha americana é a atacante Megan Rapinoe, que durante o Mundial falou que, se fosse campeã, não iria à Casa Branca para receber os cumprimentos do presidente Donald Trump, por discordar dos princípios dele. O líder americano, por sua vez, respondeu em uma rede social que “ela deveria ser, primeiro, campeã” para depois pensar no assunto. Rapinoe é ativista da causa LGBTI+, capitã da seleção e tornou-se campeã da Copa do Mundo.


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Curitiba, 23 de julho de 2019

DIFICULDADES DESDE CEDO

6 histórias femininas no futebol que valem a pena conhecer Quais as barreiras que as mulheres enfrentam no esporte? Esses relatos vão ajudar a entender Sabrina Gregório e Sâmar Mourad

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preconceito com o envolvimento das mulheres no futebol é grande, mas nem por isso elas deixam de praticar esportes. As seis histórias mostram a busca pelo espaço delas no esporte, que pode começar ainda na infância.

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SARA SOARES, 25 anos, goleira do Guadalcacin e publicitária. “Iniciei minha trajetória no futsal jogando com os meninos. Tinha um irmão mais novo que treinava em uma escolinha de futebol perto de casa e eu sempre acompanhava seus treinos da varanda da minha casa até que um dia disse que queria ir junto com ele. Meus pais sempre nos apoiaram no esporte, mas fora de casa eu ouvia que tinha que estar limpando, lavando, ajudando ao invés de estar jogando.” ela relata. “Meu pai começou a sentir minha dificuldade em trocar de roupa nos vestiários, pois treinava com meninos, e resolveu procurar uma equipe feminina. Após quatro anos recebi minha primeira proposta para morar fora.” Sara acredita que no esporte é preciso inovar sempre e, ter em mente onde quer chegar, por isso, busca referências na internet para se aperfeiçoar.

jogar e sempre funcionava.” Quelli conta que nunca teve uma bola de futebol pois os avós não a deixavam jogar. Ela pegava jornais ou listas telefônicas e enrolava até formar uma bola. “Frequentei o projeto Águias da Bola onde hoje sou voluntária”. Quelli comenta que o futebol a salvou de um momento muito difícil da vida, após sofrer abuso sexual. Ela viajou para a Tailândia, através de um projeto que ensinava crianças a jogarem bola. Atualmente está grávida e confessa sentir muita falta de jogar nos meses de gestação.

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RENATHA CENI, 21 anos. O futebol de salão começou como forma de tratamento a um diagnóstico de hiperatividade e déficit de atenção. Há 10 anos, o futebol conquistou o coração de Renatha. Para ela, a maior dificuldade dentro do esporte foi a falta de apoio ao futebol feminino, apesar da maior visibilidade atual. Renatha cita o time Leoas da Serra, de Lages, Santa Catarina, campeão mundial feminino

de futsal. “Sofri muito preconceito, inclusive por parte da minha família”, lembra Renatha. “Minha mãe dizia que era esporte de homem e que se eu jogasse seria lésbica. Muitas vezes tive que treinar e participar de campeonatos escondido da minha família”, completa. Para ela, o futebol é a maior paixão, como uma válvula de escape para os problemas da vida e o que traz motivação para seguir em frente.

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THALIA TESSMANN tem 17 anos. Começou a jogar futebol com 5 anos, levada pelo irmão mais velho a uma escolinha perto de casa, em Santa Catarina. Thalia conta que era a única menina a jogar e, por isso, sempre treinou com rapazes. Aos oito anos, Thalia participou de campeonatos de futebol e futsal da cidade. Aos 10, representou a escola no esporte. Após parar um tempo, Thalia relata: “Com 15 anos resolvi voltar a jogar, fiz vários testes e entrei no time do Central. Joguei com esse

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QUELLI CRISTINA GONÇALVES tem 23 anos e se declara apaixonada por futebol desde pequena: “Eu lembro que na quarta série comecei a ter minhas primeiras brigas com os meninos porque eles nunca me deixavam jogar. Eu roubava a bola deles e dizia que só devolveria se eles me deixassem

Quelli Cristina Gonçalves no trabalho voluntário que faz no projeto Águias da Bola. Meninas e meninos podem jogar bola. (Foto: Divulgação/Facebook)

time até os 16. E neste ano entrei no time do Flamengo, que é o time do município, um dos maiores daqui. Não é fácil jogar aqui na minha cidade, pois o município é muito pequeno e a exaltação do futebol masculino é muito maior”. O maior objetivo de Thalia no futebol é fazer parte da seleção brasileira de futsal.

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DAIANE SILVA tem 33 anos e conta que jogava futebol com as amigas desde a época de colégio, mas as diferenças com os meninos era um grande problema: “Hoje é normal as meninas jogarem bola, [elas] têm um pouquinho mais de espaço. Me lembro que na época da escola, as meninas não podiam jogar, só os meninos. Então a gente sentava no meio da quadra para não deixar eles jogarem. As meninas também não podiam treinar no colégio, por isso a gente treinava numa cancha de areia. Os meninos eram prioridade”.

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CAMILA VILARDI DA SILVA, 18 anos. “Sempre joguei bola no colégio em que eu estudava, mas comecei jogando em um time masculino e participava de campeonatos masculinos, porque não tinham times femininos e os campeonatos eram muito raros” relata. Camila conta que foi incentivada pelo professor a ingressar no profissional, mas na época tinha muito medo, porque a família não aceitava muito bem. Ela decidiu não jogar profissionalmente pois pensava que não teria futuro com o esporte, pela falta de reconhecimento. Camila começou uma faculdade e atualmente joga futebol por hobby. O esporte ajudou a se aceitar como era, mas prefere não divulgar nas rede sociais a relação dela com o esporte.


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JOGAR UM MUNDIAL

Conheça mulheres que conquistaram destaque no futebol A brasileira Bruna Amarante teve a oportunidade de defender diversos times. Já a argentina Sole Jaimes disputou a primeira Copa do Mundo. Noêmia Sibele e Victória Sampaio

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runa Amarante é brasileira e disputou em 2011 pela seleção de Guiné Equatorial, a Copa do Mundo Feminina de Futebol, realizada na Alemanha. No Brasil, jogou em clubes como Palmeiras e Vasco da Gama. Atualmente, é zagueira do Foz Cataratas. Bruna tem 34 anos e falou sobre as experiências boas e ruins no futebol: “A vida é desta forma, nem tudo são flores. É preciso água para ela crescer. Mas o futebol me traz muita alegria, ele realizou o meu sonho. Joguei a Liga dos Campeões, Li-

bertadores da América, entre outros sonhos. Tudo de material que tenho hoje: um carro, uma casa, entre outras coisas, foi o futebol que me deu, sou muito grata a essa modalidade”. A mulher não tem tanto espaço dentro do futebol quanto deveria. Para a jogadora, há um crescimento nas equipes da Copa do Mundo e o modo de disputa é semelhante ao torneio masculino: “Apesar de alguns contratempos, o Brasil já chegou a uma final. As meninas que estiverem lá, darão o melhor. Afinal, elas representam uma nação com mais de 200 milhões de pessoas, [nós, mulheres] representamos 51,5% desse número e torcemos por outras mulheres”.

Foto: (Reprodução/Facebook Bruna Amarante)

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ole Jaimes joga pela seleção da Argentina, tem 30 anos e é profissional há 4 anos. Atualmente joga pelo Lyon, da França. No Brasil, jogou pelo São Paulo e disputou importantes campeonatos, como a Libertadores da América. Ela vivenciou o preconceito quando criança, mas, com o crescimento do futebol disputado por mulheres, as pessoas acompanham mais a modalidade. Sobre as diferenças do mundial feminino para o masculino, quanto à divulgação, instalações e preparações, Sole diz não saber se os torneios estão com organizações iguais, mas reconhece a evolução comparado à outras edições da Copa do Mundo Feminina.

(Foto: Reprodução/Facebook Sole Jaimes)

Nos clubes e nas seleções, muitos homens treinam e preparam as jogadoras, mas Sole Jaimes afirma que, no país onde mora, a representatividade dentro e fora do futebol acontece: ““Aqui na França sempre tem mulher! ”. Duas jogadoras profissionais que caracterizam a ascensão da mulher dentro do futebol, como nos trabalhos desenvolvidos na coordenação da Federação Paulista de Futebol (FPF), agora feito por Aline Pellegrino, ex-capitã da seleção brasileira que assumiu o cargo em 2016. Além do papel da secretária geral da FIFA desempenhado por Fatma Samoura. Um importante movimento de mulheres de destaque no esporte, com o intuito de impulsionar a visibilidade e o interesse pela modalidade.


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SONHO DE SER ATLETA

Jornalistas criam time para disputar torneio do sindicato "Boleragem FC" foi formado em 2018 e demonstra que o futebol é das mulheres Luiz Felipe Cunha e César Roza

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atia Rubio: “Os meninos, quando nascem, na porta da maternidade já está a bola de futebol ou a chuteira. Diferentemente da menina, que tem que provar o direito dela da prática do futebol, os meninos já ganharam esse direito desde o momento que nasceram!”. A frase da professora de Educação Física da USP, em entrevista à BBC Brasil, em 2017, exemplifica bem a divisão de gênero que existe no mundo do futebol. Considerado, usualmente, como esporte para homens, o futebol feminino já chegou a ser proibido na Era Vargas; hoje os maiores problemas são a falta de investimento, estrutura, prestígio e preconceito. Apesar disso, as mulheres ocupam cada vez mais espaço dentro das quatro linhas – seja no gramado, na grama sintética do futebol 7, ou até mesmo nas quadras de futsal. É grande o interesse das mulheres pelo

futebol. Em uma pesquisa rápida na internet, só em Curitiba, é possível encontrar muitos times amadores feminino. Natanny de Carvalho e Silva é goleira do Boleragem Futebol Clube, um time composto inteiramente por mulheres jornalistas da capital paranaense. Sobre o alto número de clubes amadores femininos, ela disse que é preciso mostrar que o futebol pertence a todos: “Também entendemos de futebol, sabemos jogar”. O Boleragem F.C foi formado em março de 2018 para competir o campeonato do Sindicato dos Jornalistas. Logo na estreia na competição, conseguiram o segundo lugar. Neste ano, o time conseguiu patrocínios para um novo uniforme e a expectativa é que o time se fortaleça. Em contrapartida, por serem jornalistas, é difícil conciliar a correria da redação com a rotina de treinos. “Nós não conseguimos treinar muito por conta do trabalho, cada jogadora tem um horário diferente da outra”, disse Natanny. “No campeonato do ano passado, conseguimos jogar com todas [as

Jornalistas paranaenses jogam por hobby, mas sabem que muitas jogadoras não conseguem ser atletas profissionais por falta de apoio. (Foto: Divulgação/Boleragem FC)

jogadoras]. Esse ano, não”, completou. Algumas das jogadoras desses clubes amadores já tiveram algum contato com o futebol profissional, outras jogam por hobby e têm as pretendem ter uma

carreira de sucesso – há campeonatos de futebol amador em que vão olheiros de times profissionais. Mas isso é difícil, por conta de questões que envolvem a falta de investimentos no futebol feminino.

Atleta pode desistir do sonho de ser profissional por falta de dinheiro

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estudante Emily Rivelo Rigloski, 16 anos, destoa das simpatizantes do futebol feminino: ela admira Marta, mas é fã mesmo da Formiga, a meio campista da seleção brasileira e do Paris Saint Germain. Ela considera que a vida dela é parecida com a da veterana da equipe verde e amarelo no início da carreira. Quando criança, Emily assistia muito futebol (masculino) na TV e imitava os jogadores. Com 9 anos de idade, descobriu que tinha talento com a bola e

ingressou na escolinha do Grêmio. Com 13, já estava na base do Coritiba, que na época era o único time na capital que tinha uma equipe feminina profissional. Passou também pela base do Athletico e ganhou campeonatos e prêmios individuais, como a artilharia na Liga Sul Norte. Por isso, ela foi chamada por olheiros do Santos Futebol Clube para ingressar na base do time e disputar o paulista sub 17. “Jogar o paulista ia mudar tudo. Porque eu ia jogar oficialmente por um time que é reco-

nhecido pelo futebol feminino”. Mas os pais de Emily não tinham condições de comprar a passagem para São Paulo. O pai dela sustenta a esposa e três filhas – sendo Emily a mais velha – com a aposentadoria. Para viajar, Emily vendeu o celular, um tênis e uma caixinha de som. Mas não foi o suficiente. “Caso eu fosse para São Paulo, tudo ia ser diferente. Eu ia morar em alojamento, receberia um salário, ia mudar muito minha vida e da minha família”. Emily vai concluir o ensino médio e procura um emprego para

ajudar no sustento da família. Ela ainda sonha em ser jogadora de futebol, mas tem em mente que é difícil por causa da idade – normalmente na base são aceitos garotos e garotas com, no máximo, 17 anos – e muito mais por ser mulher. “A maioria das garotas não seguem em frente por falta de condições, porque talento tem de monte. Os garotos têm prioridade em tudo, os clubes não valorizam o futebol feminino porque acham que mulheres não têm futuro no futebol”, finaliza Emily.


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CARREIRA NO ESPORTE

8 situações que ajudam a entender as dificuldades de chegar ao sucesso no futebol feminino Jogadoras contaram experiências dentro e fora de campo, mostrando que é sempre mais complicado para as mulheres Noêmia Sibele e Victória Sampaio

A

s mulheres precisam quebrar barreiras para conseguir espaço no futebol. Realizar o sonho de ser atleta profissional e fazer o que gosta nem sempre é fácil e várias situações podem aparecer como empecilhos.

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JOGAR NO TIME MASCULINO Thais Helena tem 31 anos e é jogadora profissional há 16. Thais iniciou a carreira na escola quando jogava handebol. Foi chamada pelo professor, que precisava de uma menina para completar o time masculino de futsal no Interclasses. Foi convidada para jogar na linha, mas teve que jogar no gol. “Busquei sempre desafios, joguei os jogos escolares no gol e acabei me destacando. Edmundo Trevisan acabou vendo e me chamou para treinar com ele e uma menina do meu time da escola me convidou para jogar no time da cidade. Então acabei jogando por 1 ano no time, e o mesmo cara que me viu jogando, me levou para fazer teste no time do Palmeiras, que na época era uma parceria com a cidade de Osasco. Fui fazer teste e passei. Desde então, iniciei minha carreira profissional no ano de 2004”, conta Thais. No primeiro ano como profissional, já no futebol feminino, a jogadora foi convocada para a Seleção Brasileira sub19, que naquele ano ia disputar o Mundial na Tailândia. Era a terceira goleira e, durante a competição, jogou 3 jogos como titular.

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PRECONCEITO As dificuldades por ser mulher no esporte começam muitas ve-

zes pela família. “Eu fui criada pelos meus avós porque minha mãe precisava trabalhar. Meus avós praticamente foram o ícone da nossa educação e não aceitavam porque eram mais antigos e não entendiam [o fato de jogar futebol], então eu saía escondido. Minha família dizia que não tinha como depender do esporte. Sempre há o preconceito. As pessoas me olhavam de forma diferente quando comentava que jogava futebol, às vezes a pessoa não precisava nem falar, eu já via o preconceito na expressão. Hoje em dia pouco, mas ainda existe”, comenta Thais Helena. A jogadora do São Paulo, Larissa Foz, também conta a experiência de enfrentamento ao preconceito:“Sempre joguei no meio de meninos, jogava com meus primos e com meus irmãos. Por conta disso, minha tia tinha muito preconceito, me chamava de mulher-macho. Me diziam que futebol é coisa para homem, que mulher tem que lavar louça, brincar de boneca e fazer brincadeiras de meninas. O preconceito sempre predominou, ainda mais por ser um país machista”.

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FALTA DE APOIO Uma das dificuldades em se profissionalizar no futebol é a falta de apoio, o que faz jogadoras abandonarem a profissão ou serem obrigadas a ter atividades paralelas. Mônica Medina jogou em campeonatos regionais entre 2006 e 2014. É graduada em Administração e Educação Física, tem 31 anos e não seguiu profissionalmente no futebol, apesar de jogar com Thais Helena de 2000 a 2002, e com companheiras de equipe que seguiram no esporte em times como Santos e São Paulo.

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FUGIR DE CASA PARA JOGAR Os times do Brasil mostram muitas histórias como a de Thais Helena,

que explica mais uma adversidade para continuar jogando. Ela teve que sair de casa em Itu, no interior de São Paulo, para jogar na capital até a família entender o sonho dela e que não tinha como impedir. Desde então, aceitaram que fizesse parte do esporte, com apoio e compreensão de que não era um mal. Quando ganhou uma bolsa em uma escola particular por causa do esporte, começaram a vê-lo com outros olhos.

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FALTA DE ESCOLINHA PARA MENINAS No início de carreira, as jogadoras contam que existiam apenas escolinhas para ambos os sexos, o que dificultava a formação. Na base e na formação dos 6 aos 9 anos, não existem escolas de grandes equipes, só para categorias sub 15 e sub 17. Há projetos como o Tupiniquim, para meninas em São José dos Pinhais.

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CHEGADA A SELEÇÃO O sonho de chegar a seleção acompanha muitas das histórias de jogadoras profissionais. A trajetória de Thais Helena exemplifica uma delas: “A primeira vez que fui para a seleção foi com a sub19, disputei o campeonato mundial na Tailândia e fui como 3ª goleira. Depois, fui para a sub 20, subi uma categoria. Acabei saindo por não ter idade para a sub 20 e fui para a seleção principal. Eu era 3ª goleira. Eu, Bárbara Barbosa e Andreia Suntake, que foi goleira da seleção por muitos anos. Participei de alguns campeonatos, mundial sul-americano, alguns torneios na Coreia [do Sul] e Suíça. Tive grandes oportunidades. Isso para mim foi um efeito histórico, porque quando eu ia, não tinha rede social, não era como é hoje. Poucas pessoas conhecem e sabem que a seleção sempre conquistou gran-

des títulos, tanto é que a última vez que a seleção conseguiu uma boa colocação [em Copas do Mundo] foi em 2008, que participei por último na China em que fomos vice-campeãs do campeonato mundial”.

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VISIBILIDADE A visibilidade do esporte feminino hoje, principalmente influenciado por informações como o aumento de audiência da Band para transmissão do futebol feminino, além das redes sociais, facilitam para que consigam clubes, testes, ou uma convocação pela seleção. Thais Helena comenta como funcionava na sua época: “Antes era mais difícil, não tinha acesso das redes sociais, que é uma ferramenta que a gente pode usar muito com vídeos, com fotos, enfim, com várias coisas e antes não tinha. Então era bem mais difícil, o teste tinha que realmente te ver jogando. Hoje tem agencia, todo mundo quer trabalhar com o futebol feminino. Sem comparação, está bem mais acessível conquistar espaço em clube”.

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ESPAÇO PARA MULHERES NA ARBITRAGEM Dos 479 profissionais do apito listados no site da Federação Paulista, só 24 (ou seja, 5%) são do sexo feminino, sendo apenas seis árbitras. Depois de 14 anos, uma mulher voltou a apitar um jogo de futebol da Série A do Brasileirão. A paranaense Edina Alves apitou o jogo entre CSA e Goiás, no final de maio. Antes disso, a última partida da Série A arbitrada por uma mulher foi em 2005, no jogo entre Fortaleza e Paysandu. Edina era bandeira, abriu mão de ser árbitra internacional, porque tinha o sonho de ser árbitra central. Ela já conseguiu alcançar o quadro internacional como árbitra central, hoje, chegou à Série A.


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Curitiba, 23 de julho de 2019

JORNALISMO

Presença das mulheres em coberturas esportivas aumenta Apesar de preconceitos e assédios, as mulheres tiveram destaque no acompanhamento dos torneios Gabriela Pavanelli e Júlia Wal

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presença feminina nas coberturas jornalísticas esportivas tem se tornado mais comum nos últimos anos. Mesmo com o preconceito e assédio nos estádios vindo das arquibancadas, em 2018 e início de 2019 as mulheres tiveram destaque na cobertura esportiva ocupando espaço de comentaristas e narradoras dos jogos de futebol do país. No ano de 2018 as mulheres conseguiram mais espaço nas coberturas esportivas. Antes, a presença delas na narração de jogos e em comentários era quase nula, com a participação na parte de produção de reportagens para passar em um espaço específico da programação. Porém, no ano passado, as mulheres passaram a ocupar funções de comentaristas dos jogos, o que era muito raro. Antes, só os homens davam opinião no futebol. Mas ainda existe o receio de passar qualquer comentário que possa ofender algum clube ou torcida, já que as mulheres têm a consciência de que uma falha cometida por elas é muito mais criticada do que um deslize feito por um homem já bem conhecido dos telespectadores e ouvintes. A jornalista da Gazeta do Povo, Katia Brembatti, já atuou em cobertura esportiva e comenta que é importante que o futebol e outros esportes não sejam como ‘clubes do bolinha’, áreas restritas onde mulher não pode entrar, o ideal é que não seja uma cota, mas sim uma questão de competência e de representatividade da presença feminina nessas coberturas. O esporte é caracterizado por ser interessante ao público masculino. Embora mulheres gostem de praticar e assistir, normalmente

elas são vistas como pessoas que não entendem de nenhuma regra de jogo ou que apenas gostam de assistir para ver jogadores bonitos. Por essas questões, as coberturas jornalísticas das práticas esportivas como os jogos de futebol são, normalmente, feitas por homens. Kátia afirma que algumas vezes já sofreu preconceito por ser mulher e fazer matéria de futebol, como se ela não tivesse credibilidade por ser uma figura feminina e tratar sobre esse esporte que tem um público mais masculino. A jornalista acrescenta que em uma das coberturas recebia cantadas dos torcedores e isso a constrangia. A falta de oportunidade para elas na área faz com que mulheres apaixonadas pelo esporte e que sonhavam em trabalhar com esse conteúdo nas televisões e rádio, desistam de fazer esse tipo de cobertura e buscam um espaço que seja mais receptivo a elas. Além das dificuldades em conseguir um emprego nessa área, as mulheres se sentem pressionadas a ter total conhecimento sobre esporte, coisa que não é questionado quando há um homem na cobertura esportiva. O jornalismo esportivo brasileiro surgiu com a popularização do futebol, no início do século XX, e o primeiro diário totalmente dedicado aos esportes foi criado na década de 1930 no Rio de Janeiro. Mas, no modelo atual, as mudanças só começaram a ser mais positivas a partir da década de 40 e com o passar dos anos 1950 e 1960. Em comparação com o envolvimento dos homens no jornalismo esportivo, as mulheres tiveram uma oportunidade mais tardia para integrar o esporte. As primeiras jornalistas envolvidas na cobertura esportiva começaram a aparecer em 1970. Maria Helena Rangel, jornalista e atleta de

Mulheres ocupam funções que antes eram exclusivamente masculinas. (Foto: Divulgação/ Pixabay)

arremesso de disco, foi a primeira mulher envolvida no jornalismo esportivo. Como fotojornalista, a primeira referência feminina na cobertura esportiva é Mary Zilda Grassia Sereno, ela foi responsável pela imagem de uma

freira italiana na cidade do Rio de Janeiro comemorando o feito da seleção de seu país natal. O Brasil como o país do futebol, teve como pioneira das repórteres de campo Regiani Ritter, marcando a história do jornalismo esportivo.


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