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Buscar e Irradiar Revista Núcleo de Projetos Sociais - NUPS | Ensino Médio 2018


Muro pixado seu rosto perdeu o nome sem nome, perdeu-se a voz sem voz, até o silêncio cala sem poder ser dita, a palavra maldita berra, urra, revira-se na cripta e esmurra a face dura de um muro da cidade - Paulo Chagas Dalcheco

Ilustrações: Paula Boyago Priore

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Editorial A revista “Buscar e Irradiar”, organizada pelo Núcleo de Projetos Sociais (NUPS) do Ensino Médio da Escola Lourenço Castanho, é resultado de um ano de trabalho, discussões e, principalmente, de variadas relações presentes no ambiente escolar. Alunos, funcionários, professores, estagiários, coordenadores e demais membros da comunidade escolar são corpos que habitam e transformam as formas de aprender, refletir e sensibilizar. Assim, o diálogo e as artes são os instrumentos primordiais para esta construção: integrar, antes de tudo, através de nossas expressões. Pensar e praticar essa forma de educação mostraram-se como um desafio diante de nosso grupo. Debruçar-se sobre a estética e as movimentações da cidade de São Paulo parecera a solução viável, pois o contexto urbano caracteriza-se como o espaço-mor do encontro com o outro. A pluralidade e complexidade de nossa organização social atual refletem-se na cidade. Com isso, o estudo da cidade e observação de suas peculiaridades nos aproximam de um entendimento sobre a lógica de funcionamento presente em nossas vidas. Mesclando debates e produções iconográficas dos alunos em sala de aula, ao lado de excepcional saída para a Vila Madalena, absorvemos maneiras de interlocução e de fazer arte, maneiras de pensar e agir no mundo, união de práxis e poiésis, permeadas sempre pela reflexão urbana.

Conseguimos também, através de encontros, o protagonismo dos alunos em nosso Dia de Integração, mais um episódio de reflexão sobre o ambiente escolar e seu papel no cotidiano daqueles que o habitam. Esta revista apresenta-se como o resultado desse processo, não apenas mostrando nossas práticas ao longo do ano, nossas intervenções e reflexões, mas também a potencialidade da comunidade escolar em, a partir do que foi absorvido, refletir sobre questões (acadêmicas, artísticas, culturais e sociais) que permeiam nossas vidas e que muito interessam à juventude. A revista conta com a participação de diferentes atores dentro da comunidade escolar da Escola Lourenço Castanho. Alunos, funcionários, estagiários e monitores são protagonistas dessa publicação, assim como o são dentro do ambiente escolar.

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Perceber

Cabelo

Meu eu

Seu cinismo me impressiona. A falta do bom dia é estranha. Seus olhos me veem mas não me enxergam. Há algo de errado.

Seja claro, escuro Encaracolado, curto. Seja liso, crespo Longo, espesso.

Eu estou aqui todos os dias. Você me percebe?

Apenas seja!

Corpo, alma e coração desalinhados de tal forma que fica difícil pensar. Hoje, as cores parecem não chegar até mim. Talvez o vermelho. O vermelho do sangue possa me consumir e, ao mesmo tempo, me deixa ir. Ainda assim, nada faz sentido. O mundo corre a 300 km/h Enquanto meu eu não passa de 15 m/s.

Qual será meu nome? Maria, Joaquim, José, Jesé. Por enquanto, sou só mais um funcionário. A escolha é sua. será que mereço sua palavra? Não sei. Ainda assim, deixo aqui meu bom dia. Assinado: todos aqueles que não são percebidos.

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Seja como o conjunto de fios Denominado cabelo; Livre, leve e [se quiser] solto.

- Jamily Barbosa


A mais bela das verdades Um amigo, um estranho Um amor, um acanho Um parente, um farsante Um momento, um instante O tempo muda, o tempo todo Um momento como um açoite A violação de uma vida Em uma ação indevida Uma marca tão profunda Deixada, largada, se sentindo imunda Mesmo que sua a culpa não seja Do homem que o fez malfazeja Queria agora ser tachã Para subir no horizonte e ver que o amanhã Não precisa ser tão sepulcral Mesmo em uma realidade como umbral Mas o dia ainda virá Quando o mundo verá Como isso machucou A mais bela de todas as verdades - Paula Priore

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Heliópolis / Comp-ar te-lhar: Verbo ou prática? Vila Olímpia, 14h. Algum dia de setembro de 2017. No pátio, já vazio, após mais uma manhã de aulas, concentravam-se poucos jovens. Poucos em números, mas com o espírito jovem de muitos. Eles não estavam ali para fazer prova, seminário, lição de casa. O aprendizado, naquele dia, viria do Outro: em termos espaciais e humanos. Nossa expedição não colonizadora (pelo menos uma vez na vida) partia para Heliópolis; em uma van de passeio, a curiosidade, misturada com a apreensão do conhecido escondido, dava o tom da ida. A van, os meninos, as meninas, os professores. Nossos corpos e olhares estranhos. No corredor da escola de poucos muros, as crianças olharam para nós e questionaram: “De qual país vocês são?”. Claro, com a proposta pedagógica revolucionária da Campo Salles, vários europeus progressistas visitaram o local. Não seriam mais uns desses? Se a distância espacial havia sido rompida, as inquietas e imperativas fronteiras sociais se erguiam em nossa frente. Tão próximo, tão distante. As marcas no teto das paredes da escola podem servir como uma bela metáfora. Presença e ausência, palavras de ordem. Caminhávamos, nesse momento, no pátio do CEU da região. Olhos impressionados com o tamanho das edificações e da força que emanavam delas. Força também das novas máquinas que compõem o FAB LAB, técnica misturada com produção, com adições de criatividade e alegria. Potências das máquinas, potência de vida. Pelas ruas da favela, os olhares observadores deviam atentar-se também ao fluxo de carros. Movimento constante entre o centro da rua para as margens das calçadas. Ao chegarmos à rádio, porém, a timidez domava os corpos. Mas quando escutamos o outro, a necessidade de falar surge. Trocas de palavras: O diálogo sempre pressupõe que alguém escute e responda; trocar os presentes linguísticos. Esse ritual, que nos parece cada vez mais exótico, encerrara nossa trip. Na sede da UNAS, os jovens de cá e de lá pareciam falar a mesma língua. Caminho de volta. Sensação de revigoramento e esperança. Reconhecimento e leveza. Embora a efemeridade, a distância parecia se dissolver... - Rodrigo Falcão

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Jardim Ângela A primogênita das nossas Vivências Socioculturais, realizada no primeiro semestre deste novo NUPS, em 2017. Esta saída, apesar de mais simples e mais curta, já contou com aquilo que mostra a importância destes giros pela cidade. Contato com o outro, com uma outra São Paulo, com manifestações culturais urbanas borbulhando nas ruas. Simples, mas forte em seu impacto, abriu caminho para que as próximas saídas fossem, igualmente, um sucesso. Esta saída realizou-se em parceria com a produtora A Banca, grupo que desde 1999 existe para realizar eventos de Hip Hop, dando voz à juventude do até então distrito mais violento do mundo. O Jardim Ângela, desde então, vem se mostrando um bairro com enorme potencial sociocultural. A saída vem, com isso, mostrar o Jardim Ângela diferente daquele bairro da violência, mostrado nas mídias, mas sim o bairro d’A Banca, uma região da cidade que ferve com sua riqueza cultural. Focando-se em uma passagem na Arco Associação Beneficente, encontramos com jovens moradores da região, que mostraram para os alunos da Lourenço um pouco de sua vivência e suas práticas no Jardim Ângela. Ao final de tudo, buscamos em grupos colocar tudo o que foi visto em alguma maneira de expressão artística, de desenhos a letras de músicas.

Uma Vivência realmente curta, mas muito rica em sua mensagem e em tudo o que passou para aqueles que participaram, marcou o início destas vivências extra-classe promovidas pelo NUPS do Ensino Médio, expressando também a força da manifestação artística como transformadora da cidade em que vivemos. - João Abdalla

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Vila Madalena O significado do estudo de campo na Vila Madalena, para nós, tanto no coletivo como no individual, é fenomenal por dois motivos. O primeiro é de natureza empírica, e o segundo é de natureza abstrata. Como empírico, quero dizer tudo o que foi abordado no espaço e no tempo que tivemos naquele sábado. Começando pelo projeto BijaRi, digo que é uma das mais avançadas propostas de integração entre a preservação da natureza aliada à cidadania, aproveitando o espaço público com auxílio de novas tecnologias. O “Beco do Batman” é um show à parte com suas galerias de arte a céu aberto conhecida internacionalmente. Durante nosso trajeto pelo “Beco do Batman”, foi possível ouvir uma boa música, encontrarmos boa culinária, bons livros, vários artistas, pessoas de vários países falando suas línguas. Isso confirma a fama de Vila mais famosa do Brasil. Em 1992, foi fundado o Teatro Dançante, local de apresentação, divulgação e manifestação da cultura nordestina (música, teatro, cordéis, cantorias de viola e poemas), confirmando a fama da Vila Madalena como um local de tolerância e respeito mútuo. Na parte que chamamos de natureza abstrata da Vila (apesar da abordagem bem resumida do assunto) é interessante observar que, dentro da diversidade, existe também uma uniformidade, mas no sentido bem positivo. Essa uniformidade parece, à primeira vista, paradoxal, mas é aí que está a chave para entendermos que ela é no sentido de que todos têm o mesmo objetivo: a liberdade de expressão artística. A “palestra” do artista de rua, conhecido como “Ninguém Dorme”, foi atentamente apreciada por todos, que ficaram admirados com a sabedoria de um cidadão que tenta fazer do mundo um lugar melhor para se viver. A cada palavra que esse artista proferia,

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imediatamente remetia nosso pensamento ao texto do Walter Benjamin, “O Narrador” (uma sabedoria que não é encontrada nas academias, mas que tem a memória como fonte da tradição), exatamente porque a sabedoria está ligada a uma tradição histórica oral (transmitir de geração em geração um conhecimento) e à identidade cultural de um povo. Por último, “Ninguém Dorme” chamou nossa atenção para o uso descontrolado dos aparelhos elétrico/eletrônicos (principalmente o celular), que “tá afastando as pessoas daquilo que é mais sagrado, o contato com o outro - amigos e principalmente dentro das famílias. Não tenho dúvida de que o uso desmedido desse aparelho tá fazendo da gente um robô. Hoje não se olha no olho, não estamos nos abraçando; quando recebemos um abraço, esse abraço é do lado errado. O verdadeiro abraço, aquele que tem a energia universal, tem que ser assim... Vem aqui pra eu te mostrar... Assim. Coração com coração, ou seja, o seu lado esquerdo com o lado esquerdo da outra pessoa. Não é abraçar por abraçar - o abraço de verdade tem que ter significado, certo?”. Com a mesma energia positiva de antes, “Ninguém Dorme” continua dizendo que é preciso entender a natureza em sua amplitude, “o simples gesto de andar descalço numa terra despoluída pode trazer um benefício para sua saúde. Por que as doenças (tanto as físicas como as psicológicas) tomaram conta das cidades grandes? Porque não estamos entendendo a linguagem da natureza, da sabedoria, e essa sabedoria não tem em faculdade não, irmão?! Isso é sabedoria dos nossos antepassados, dos indígenas. É isso... valeu, galera!”. - Severo


Grajaú Sábado, 06 de Outubro de 2018. 5 horas e poucos minutos da manhã. Hoje está mais frio que os outros dias, “botei” duas blusas, comi um pão com mortadela, abri a mente e sai rumo à escola. Chegando no “Graja” vemos que a paisagem é totalmente diferente da escola, muito mais populosa, casas e comércios todos muito apertados, tivemos dificuldades com o ônibus em alguns momentos, não conseguimos subir certas ladeiras muito verticais. Porém, depois de passar por certos apertos, chegamos ao “Parque Linear Cantinho do Céu”, região da represa Billings, vimos que as casas são muito próximas a represa, sofrendo influência da mesma, como a temperatura baixa e os animais, como o sapo, invadindo as casas. Já dentro do ônibus, seguimos em direção a Ilha do Bororé, a atravessamos de Balsa e chegamos a

casa “Ecoativa”, centro cultural de grande preservação artística no Grajaú, comemos um lanche totalmente vegetariano, falamos um pouco da importância da casa e como ela se mantém sem a ajuda do governo, com diversos voluntários e histórias emocionantes. Saindo da Ecoativa deixamos nossa marca com um grafite contendo as regiões de SP, andamos um pouco pela ilha do Bororé, observando o mural que contava a história das tribos indígenas que ali viviam e que construíram esse lugar maravilhoso. Pegando o ônibus novamente, adentramos mais o Grajaú, a paisagem mudou novamente, no lugar de casas e comércios agora há mato, só mato, o chão não é mais asfaltado, a predominância da natureza é inegável. Chegamos no CCA Auri Verde, local onde as crianças e os jovens passam a tarde ou a manhã (antes ou depois da aula), onde o foco é no trabalho de cultura e lazer para as crianças e

adolescentes. Conhecemos o lugar que tem várias oficinas diversificadas e que ajuda o funcionamento da comunidade acolhendo esses jovens. Podemos ver a presença de uma horta na Auri Verde, importante principalmente para as crianças, para que elas possam ver da onde vem o alimento que as mesmas comem e para que consumam mais alimentos naturais. Deixamos nossa marca com diversas mandalas em forma de agradecimento, almoçamos, voltamos para o ônibus e partimos rumo à escola. Olhando da janela, as árvores se transformarem em casas, as casas se transformarem em prédios e os prédios se transformarem em arranha-céus, voltando para nossa escola, abençoados com o saber e a experiência de um dos melhores lugares de SP, GRAJAUEX! - Leonardo Dias

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Outubro Rosa

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Seria bem mais fácil

Manequins

Sorrisos

Seria bem mais fácil Fazer um poema que toque o coração Mas só falar de tristeza Deixar ele com um tom Alasca Mas nesse eu quero deixar essa emoção De trazer algo colorido como a natureza Deixar nele um pouco da minha lasca Pra dizer que O frio passa Quando deixamos o calor passar Quando abrimos as janelas da alma E deixamos outra entrar As cores voltam Quando um olhar nos abraça Quando olhamos pro céu E vemos que somos todos filhos do universo E as estrelas são nossos reflexos Que devemos unir Trocar idéia Amar e sorrir Pra que um dia nosso corpo parta E nossa alma livre de enfermidade Voe para os confins do universo Conectada em laços para a eternidade

Como manequim em uma loja de máscaras Os preços camuflam as farsas Novas máscaras para novas modas A vitrine chama mais atenção Do que o interior da loja Agradar o cliente é o necessário dane-se o funcionário

Vi um sorriso camuflar depressão Vi um sorriso camuflar ódio Vi um sorriso camuflar solidão Vi um sorriso camuflar agonia Vi um sorriso camuflar vingança Vi um sorriso camuflar desesperança Vi um sorriso camuflar medo Vi um sorriso camuflar vergonha Vi um sorriso camuflar desespero Vi um sorriso camuflar perda Vi um sorriso camuflar pesadelo Vi um sorriso camuflar matança Vi um sorriso camuflar cobrança Vi que um sorriso é a melhor das farsas Vi que pode ser um dos melhores venenos Vi que pode ser a cura sagrada De todas essas perguntas Vi ser usado para tudo Menos pela alegria

- Gustavo Jaime

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188 Ligue 188 - Centro de Valorização da Vida


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