Revista NIDP NO 8 - 2018
EXPERIÊNCIAS DE APRENDIZAGEM
Foto: Vivências em família, Educação Infantil.
Inovações e Explorações lúdicas: o que aprender com as crianças? Pág. 22
EDUCADOR,
Estão abertas as inscrições para apresentações de trabalhos do 11º Congresso ICLOC de Práticas na Sala de Aula. Participe!
Inscreva sua pratica letiva até o dia 28 de fevereiro.
Acesse: www.icloc.org.br/congressoicloc
EXPEDIENTE A Revista NIDP é uma publicação anual do Núcleo de Inovação e Desenvolvimento Profissional da Escola Lourenço Castanho. Sócias Fundadoras: Jeannette De Vivo | Marília Noronha | Marilu Aidar | Sylvia Gouvêa Conselho Consultivo do NIDP Diretor Geral: Alexandre Abbatepaulo Diretores de Unidade: EI - Marcia Dalla Stella EFI - Patrícia Rossi Torralba Horta EFII - Antonio Sérgio Pfleger EM - Alexandre Abbatepaulo Diretora Educacional: Karyn Bulbarelli Diretora de Currículo: Fabia Antunes Diretor Administrativo e Financeiro: Ricardo Augusto Yoshimi Goto Diretor de Marketing: Edgar Bim Conselho Executivo do NIDP e Conselho Editorial: Edgar Bim | Fabia Antunes Auxiliar de Eventos: Simone Xavier Projeto Gráfico: Pamela Ferreira Editoração - Escola Lourenço Castanho Revisão: Ariadne Mattos Olímpio Tiragem: 320 exemplares. Distribuição interna e gratuita. Contatos: 11. 2858 8600 nidp@lourencocastanho.com.br www.lourencocastanho.com.br
CARTA 04 CULTURA LC 05 AS MARCAS DA LOURENÇO: A IMPLEMENTAÇÃO DO CENTRO DE MEMÓRIA
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COMPETÊNCIAS ESSENCIAIS 12 10º CONGRESSO ICLOC DE PRÁTICAS NA SALA DE AULA
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INDICAÇÕES LITERÁRIAS
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COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS 16 PROJETO CIENTÍFICO NO ENSINO MÉDIO
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OBSERVAÇÃO, EXPERIMENTAÇÃO E INVESTIGAÇÃO
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INOVAÇÃO 20 A HOME IN TUNE
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(CAPA) INOVAÇÕES E EXPLORAÇÕES LÚDICAS: O QUE APRENDER COM AS CRIANÇAS?
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Carta Chegamos ao oitavo número da nossa Revista do NIDP, sempre fiéis à missão de provocar reflexões que favoreçam o aprimoramento profissional dos educadores e dos demais colaboradores da Escola. Nesta edição, diferentemente do que fizemos nos números anteriores, dedicamos privilegiado espaço para compartilhar a rica produção dos nossos educadores e alunos, apresentando atividades realizadas na Escola e fora dela, um convite à reflexão sob outra perspectiva. Na seção “As marcas da Lourenço”, que traz temas contemporâneos que dialogam com as práticas do passado da Escola, acessadas a partir do acervo do Centro de Memória (CM), apresentamos trechos da entrevista concedida pela bibliotecária Thaís Júlia Rocha ao Programa de História Oral do CM. A seção Competências Essenciais enaltece a participação dos nossos Coordenadores, Professores e Inspetores no 10º Congresso ICLOC de Práticas na sala de aula. A iniciação científica do Ensino Médio é destaque da seção Competências Específicas, projeto que se iniciou como Oferta Formativa Ampliada (OFA) e que tem ganhado reconhecimento em importantes feiras científicas como FEBRACE e MOSTRATEC. Na mesma seção, compartilhamos vivências realizadas pelos alunos da Educação Infantil em um dos campos de experiência na área de Ciências da Natureza, as aulas de “Observação, Experimentação e Investigação”. Na seção Inovação, compartilhamos o projeto realizado pelos alunos da 3ª série do Ensino Médio, durante o ano de 2017, que envolveu os componentes Física e Tecnologia Educacional, intitulado “A Home in Tune”. Finalmente, nossa matéria de capa apresenta a transcrição da palestra “Inovações e explorações lúdicas: o que aprender com as crianças?”, ministrada pela educadora e pesquisadora Edith K. Ackermann. Ackermann foi consultora da LEGO e do LEGO Learning Institute durante mais de 20 anos e trabalhou sob a direção de Jean Piaget, psicólogo suíço, no Centre International d’Epistémologie Génétique. Ela também lecionou em Harvard, no MIT, em Stanford e em outras universidades. Esperamos que desfrutem ao máximo desse rico material. Boa leitura.
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Cultura LC AS MARCAS DA LOURENÇO: A IMPLEMENTAÇÃO DO CENTRO DE MEMÓRIA Entrevista com Thaís Júlia Rocha. por Eduardo Zayat Chammas
Nas cinco últimas edições da Revista do NIDP, publicamos a seção “As marcas da Lourenço”, em que elegemos temas contemporâneos a serem resgatados na história da Escola, em suas publicações, em suas práticas do passado. Para tanto, consultamos o acervo do Centro de Memória, espaço privilegiado de pesquisa e investigação aberto a toda a comunidade escolar. A ideia é que esta seção seja um convite aos educadores para que se aproximem da história da Lourenço a partir do contato com o Centro de Memória. Nas edições anteriores, abordamos a questão da avaliação e do feedback; a importância da educação infantil; as questões políticas e a educação do cidadão; a educação sexual e, por fim, a questão do estudo de campo. Para esta edição, optamos por publicar trechos da entrevista concedida pela bibliotecária Thaís Júlia Rocha ao Programa de História Oral do Centro de Memória. Na Lourenço Castanho, o Programa de História Oral tem como objetivo realizar entrevistas gravadas com pessoas que possam testemunhar sobre acontecimentos, práticas sociais e pedagógicas, transformações significativas ou outros aspectos da história da Escola. Ao lado de outros documentos e registros, tais entrevistas podem ser utilizadas como fontes para a compreensão do passado da instituição. No momento, já há no acervo algumas entrevistas realizadas para o programa de História Oral desde o início do processo de implementação do Centro de Memória. Entre elas, podemos citar as entrevistas realizadas com cada uma das quatro sócias (Sylvinha, Jeanette, Marilu e Marília) e com o “Seu” Argemiro, funcionário mais antigo da instituição. Todas as entrevistas estão disponíveis para consulta . A ideia de publicar a entrevista com a bibliotecária Thaís Júlia Rocha está relacionada ao seu desligamento da Escola: nos últimos sete anos, Thaís foi parte essencial de todo o processo de concepção, criação e implementação do Centro de Memória da Escola. Participou diretamente da organização do acervo e do banco de dados do CM, em parceria com as técnicas responsáveis e com a consultora externa Profa. Dra. Marcia Pazin. Assim, a publicação da entrevista cumpre o papel de colocar em evidência alguns aspectos importantes da própria história e do funcionamento do CM, além de prestar singela homenagem à funcionária que esteve envolvida com o CM desde o início da sua história.
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Centro de Memória – Gostaríamos de começar a entrevista pedindo para você se identificar e contar um pouco da sua trajetória antes de chegar à Escola. Thaís Júlia Rocha – Eu nasci em 1984. Vou fazer 34 anos neste ano. Tenho mais dois irmãos. Meus pais são mineiros, quando se casaram vieram tentar a vida aqui em São Paulo. Meu pai só estudou até a quarta série, minha mãe estudou até a oitava série, mas concluiu o Ensino Médio aqui em São Paulo. Depois de já ter criado todos os filhos, ela voltou a estudar e fez o Ensino Médio. Meus pais sempre trabalharam muito para poder nos dar um bom estudo, que eles não tiveram, e construir a casa onde a gente mora hoje. Eu sempre estudei em uma escola particular católica no bairro do Capão Redondo, e tive um bom desempenho escolar, então consegui bolsa pra me manter naquela escola. Quando eu estudava no Ensino Médio, com 14 anos, eles me chamaram para ajudar na formação da biblioteca da escola. Tinham contratado uma bibliotecária e me chamaram para auxiliar. Eu estudava de manhã, e à tarde ficava lá durante quatro horas. Éramos eu, a bibliotecária e mais duas meninas que também estudavam na escola. Nosso trabalho inicial era fazer a higienização dos livros, e ajudar a fazer as fichas de catalogação. Quando fui prestar vestibular,
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pensei: “Acho que vou fazer Biblioteconomia porque eu já estou trabalhando na área e posso ter um retorno um pouco mais rápido”. Eu queria poder trabalhar, ter uma condição melhor de vida para poder ajudar meus pais, porque nós vivíamos com bastante dificuldade. Passei logo na primeira vez em que eu prestei vestibular e, então, comecei a estudar. CM – Em que faculdade? TJR – Na USP. Ainda continuei trabalhando na minha antiga escola, e foi bom porque eu consegui colocar em prática tudo o que eu via na graduação. Só que como eu queria conhecer coisas novas, comecei um estágio no Senac e pedi meu desligamento da escola. CM – Você acha que foi essa experiência na biblioteca da sua escola que, de alguma maneira, fez você se apaixonar pelo universo da biblioteca e dos livros? TJR – Na verdade, a experiência que eu tive foi mais no Senac. Quando eu fui para o Senac, eu comecei a ver a Biblioteconomia de uma outra forma. Na escola, eu tinha uma visão da Biblioteconomia muito voltada para as crianças, contação de história, não tinha uma noção dessa questão mais profissional da área, talvez porque
eu ainda fosse muito jovem. Minha visão mudou quando eu fui para o Senac, onde eu consegui ver uma biblioteca maior, uma estrutura maior de trabalho. De início, a escolha pela Biblioteconomia não foi uma questão de sonho, mas uma questão de olhar aquele cenário e optar por aquilo naquele momento. Ao trabalhar na área, eu fui conhecendo mais. Fui estudando e ampliando o conhecimento. Eu trabalhava como auxiliar na unidade da Lapa do Senac, mas tinha autonomia para cuidar da biblioteca, já que não havia bibliotecária. Eles falaram: “Quando você se formar, nós vamos te efetivar como bibliotecária”. Então foi no Senac onde eu tive mais liberdade de atuação e, junto com o sistema geral de bibliotecas, eu consegui desenvolver as coisas da Biblioteconomia. Desenvolvi aqui na Lourenço Castanho muito do que aprendi no Senac, graças a essa autonomia que tive. CM – O que mais te marcou em termos de formação e percurso profissional nessa passagem pelo Senac? TJR – O Senac marcou um amadurecimento pessoal. Como eu estudei e trabalhei naquela escola de que já falei, a São Vicente de Paula, lá era praticamente a minha casa, pois todos me conheciam, todos sabiam quem eu era desde criancinha. Não era um vínculo profissional. Quando eu fui para o Senac, teve essa ruptura, essa transição de sair daquele acolhimento e ir para o mercado de trabalho. Eu acho que tive um amadurecimento pessoal. As relações com as pessoas também foram muito importantes porque eu conheci muita gente da área, o pessoal do Conselho de Biblioteconomia, o pessoal da própria USP com quem eu tinha muito contato. Acho que o Senac representou esse amadurecimento não só pessoal como profissional, porque eu estabeleci contatos, estreitei as relações com pessoas da área. CM – Estava em seu horizonte trabalhar em uma escola particular e ser bibliotecária de escola, da educação básica?
TJR – Quando eu estava fazendo a graduação, eu queria conhecer um pouco de cada coisa. Tentava também ir para a parte corporativa, mas como eu já sabia muita coisa de escola, então eu me sentia mais segura indo para uma área que já conhecia. Era uma proposta que me agradava no sentido de que poderia assumir uma coordenação. A escola me pediu — e eu achei isso bem legal, porque ela foi muito aberta — “A gente precisa melhorar, estruturar, esquematizar a questão dos empréstimos e da cobrança”. Eu tinha feito um pouco disso no Senac, então eu falei “Ah, isso aí eu posso fazer!”. E a escola me deu autonomia, sempre me apoiou. CM – Quando você entrou, em 2009, foi como bibliotecária responsável pelas unidades? TJR – Sim, pois não havia bibliotecário. O que havia eram duas funcionárias que trabalhavam no Ensino Médio e no Fundamental II, e eram do quadro de biblioteca, mas sem a formação em Biblioteconomia. No Fundamental I e no Infantil tinha uma professora que ia dar aulas na biblioteca. Eu entrei como bibliotecária, com a ideia de reestruturar essas duas bibliotecas e ir organizando tudo. CM – E como foi esse percurso até o início da construção do Centro de Memória? Quando ocorreram as primeiras reuniões do Centro de Memória? TJR – Em dezembro de 2010. CM – Você estava aqui havia um ano e pouco? TJR – Sim, mas eu já sabia que tinha alguns documentos históricos da escola. Quando eu entrei, a primeira coisa que eu fiz foi fazer um diagnóstico de tudo o que tinha e entregar um projeto, porque foi para isso que a Escola me contratou. Eles queriam reestruturar as bibliotecas, então eu precisava entregar um projeto. Fui em cada uma das unidades, fiz um diagnóstico de como era, quem era a pessoa que estava lá, no Fundamental I, no Fundamental II, no Ensino Médio, e relatei a questão da Memória. Fui colocando no projeto o que eu achava que tinha que fazer em cada
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lugar. De início, tive que mexer no Fundamental II, no Ensino Médio, que era onde tinha gente trabalhando. Não comecei a mexer na Memória, porque o que tinha era um conjunto de documentos que estavam parte no Ensino Médio, parte no Fundamental II, parte no depósito do Conselho. Eu tinha noção do material que tinha ali, mas não trabalhei de início com ele. De início organizei a questão de espaço, de acervo e de processos. Tive que fazer inventário, verificação de acervo, fazer consistência em sistema, fazer a parte sistemática mesmo, de processo de trabalho para essas duas unidades. Durante o ano de 2010, surgiu a ideia de juntar tudo o que tinha nas unidades e trazer para o Ensino Médio. Eu mexi um pouco no layout do Ensino Médio, e consegui abrir um espaço para recolher e trazer tudo o que era documento de Memória para cá. CM – Você sabe quando esses documentos começaram a ser juntados nos espaços da biblioteca? Por que isso foi acontecendo ao longo do tempo? Quando você narra esse processo, ele é anterior ao processo de implementação do atual Centro de Memória. E isso antecede as conversas com a Maria Del Carmen. Quando, de que forma e com que objetivo esses documentos foram sendo recolhidos pelas bibliotecas? TJR – Eu não sei te falar isso com precisão, mas o que eu sei é que já havia uma preocupação por parte da bibliotecária antiga que trabalhava aqui. Ela tinha esse movimento de fazer esse recolhimento ou só processar o recebimento. Na biblioteca do Fundamental II existia um acervo com material audiovisual, fotográfico, que já estava sendo tratado de alguma forma. Só que não era um processo centralizado e unificado, era uma coisa que estava meio dispersa... Na Escola existia um movimento de recolhimento desse material e sabia que havia esse tipo de documentação e que estava dentro das minhas atribuições cuidar. Então, eu passei nas unidades e recolhi tudo o que tinha, o que eu imaginava que era, e trouxe para o Ensino Médio porque a gente tinha um espaço para isso. Antes dessa conversa com a Maria Del Carmen, eu já tinha os estagiários, e eu comecei
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a tratar os documentos e cadastrar no próprio acervo de biblioteca. Mas, nessa época, eu ainda não tinha uma visão de como tratar efetivamente esses documentos da maneira mais correta que eles deveriam ser tratados. CM – Você já tinha ouvido falar de Centro de Memória? Você já conhecia alguma experiência dessa natureza? TJR – Sim. Na faculdade a gente vê, mas não trabalha com muita profundidade. Eu ainda tinha algumas questões com o arquivo, tanto é que quando eu comecei a tratar os documentos daqui eu comecei a tratar como arquivo. Embora seja um arquivo, ele tem uma especificidade. Quando a Del Carmen veio, e a gente conversou, eu falei “ah, agora eu preciso me dedicar mais a esse lado”, porque até então eu estava pensando em estruturar o Fundamental I. E aí, efetivamente, fui atrás, fui visitar os Centros de Memória que eu sabia que existiam, fui ler um pouco, fui buscar documento, algum livro, alguma coisa que me falasse exatamente sobre Centro de Memória em escola e como tratar aqueles documentos. Fiz até um curso de arquivos na PUC. Fui atrás para poder ver o que eu conseguiria fazer. CM – Eu queria que você falasse especificamente de como foi a reunião com a Maria Del Carmen e como se iniciou o processo de implementação do Centro de Memória na Escola. TJR – Num primeiro momento, a Del Carmen veio até a biblioteca, me procurou e me explicou mais ou menos o que ela estava propondo para a Escola, que era reunir toda essa documentação que já existia. Ela explicou também que a Escola estava passando por um processo de revitalização do currículo, e que era importante a gente ter um espaço que conseguisse centralizar tudo o que a Escola já tinha produzido, estava produzindo e que se preocupasse em organizar e armazenar o que iria ser produzido daquele momento em diante. Eu lembro que, em um primeiro momento, comecei a elaborar um documento do que tinha no acervo, como pensava que podia ser feito, e como podia ser processado dentro do que eu tinha na biblioteca.
E aí nós sentamos e conversamos. Apresentei isso para vocês, mas a gente tinha que elaborar um projetinho para apresentar para as sócias. Um projeto que falasse da importância do Centro de Memória, do porquê ter um Centro de Memória aqui na Escola e o que a gente precisava fazer. CM – E quais foram, de início, os principais desafios pra você, pensando nessa parte mais técnica de acervo, de banco de dados? O que você reconhece hoje como os desafios daquele momento e as soluções que você foi encontrando junto com a Márcia e junto da equipe? TJR – De início, a minha preocupação era o cuidado especial de que esses documentos iriam precisar: a parte de conservação e de cuidado com o material para a gente poder mantê-lo em um período maior. Essa foi a minha preocupação inicial: como a gente iria fazer isso? Na faculdade de Biblioteconomia a gente aprende, mas vê isso de uma maneira muito superficial, até porque é diferente a biblioteca de arquivo e o centro de memória. A Márcia Pazin [consultora externa] foi me orientando muito em relação a isso e a gente tinha o trabalho da Adriane aqui também, que ajudou bastante. Além dos cuidados físicos com aquilo, de que forma eu ia montar o sistema, por exemplo, para representar esse conjunto de documentos? Eu sabia que tinha que avaliar os documentos, que tinha que colocar esses documentos separados por série, grupo, toda essa parte de classificação arquivística eu sabia que tinha que fazer. Mas
acho que pelo fato de eu não ter trabalhado nisso diretamente me sentia insegura, essa é que era a verdade. Eu sabia que conseguiria fazer, mas não sabia se estava indo na direção correta. Tanto é que antes de a gente começar esse trabalho, eu tratava os documentos, mas hoje eu vi que do jeito que eu estava tratando não era da maneira mais correta. A necessidade de uma consultoria para orientar os trabalhos na Lourenço foi para dar segurança de que a gente realmente estava caminhando para o lugar certo. CM – E que caminhos você acha que você encontrou junto com a equipe para a organização? Para você, quais são hoje as principais características da organização do Centro de Memória, em termos de classificação, de organização do acervo? TJR – A primeira coisa que nós precisávamos fazer era levantar a documentação que tínhamos e verificarmos de onde essa documentação veio: se da área pedagógica, da área administrativa, e de qual setor, qual departamento. Então é entender o que a gente, na Arquivologia, chama de “teoria dos fundos”: saber a procedência daquele material. Nós fizemos esse primeiro levantamento. Com isso, montamos o “sistema de classificação”. Eu já tinha feito uma prévia, ela avaliou e reorganizou aquilo. Esse é o sistema que vai classificar o assunto dos nossos documentos. Dentro da parte física dos documentos, separamos por uma tipologia que é o suporte (fotográfico, audiovisual, tridimensional)
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e uma base de história oral. O que nós tínhamos, deveria ser encaixado dentro dessas grandes tipologias, deveria ser descrito de acordo com aqueles campos e respeitar a tabela de classificação, que é a organização geral do nosso acervo. Essa tabela de classificação é onde você tem uma visão geral de tudo o que tem ali. CM – E os principais desafios em termos de conservação, higienização, acondicionamento? Que escolhas foram sendo feitas para garantir a preservação do acervo? TJR – Isso foi uma coisa bacana, porque a gente teve esse trabalho todo de ter primeiro uma equipe para poder fazer isso, de ter um sistema para fazer isso, de começar a estruturar um espaço, mas aí agora a gente precisa guardar esses documentos da maneira correta. A Escola sempre foi muito aberta e sempre aceitou o que nós estávamos propondo. Se a gente falava que a
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melhor forma de acondicionar um documento era com um tipo de material, a Escola sempre abraçava a ideia e investia. A gente conseguiu material para fazer o acondicionamento, material para fazer a higienização, conseguiu o arquivo deslizante, nós tivemos essa preocupação toda. Também conseguimos trocar o ar condicionado, que era uma das preocupações na biblioteca. CM – Em termos dessa estruturação mais institucional, como foi o percurso de organização do espaço? TJR – O espaço do Centro de Memória inicialmente era no fundinho da biblioteca, que não é hoje mais a mesma biblioteca, ela mudou. Hoje é a sala de projetos. Lá, a biblioteca dividia uma parte com o Centro de Memória. Em 2014, houve a mudança da biblioteca do Ensino Médio, que foi para o lugar onde ela está hoje, onde antigamente era o auditório. E aí a biblioteca ganhou um espaço
maior e dividiu esse espaço com o Centro de Memória. Formalmente, a gente tem um espaço ali para o Centro de Memória que, embora esteja no mesmo ambiente da biblioteca, tem uma marcação da divisão entre os dois setores. CM – Que tipo de consulta tem acontecido mais frequentemente? Como a equipe recebe isso e opera internamente em relação às demandas da comunidade escolar? TJR – A maior demanda que a gente teve foi efetivamente a comemoração dos 50 anos da Escola. CM – Conta um pouco para a gente como foi a comemoração dos 50 anos em relação a esse trabalho interno do Centro de Memória. TJR – No caso do Centro de Memória, quando nós fizemos a comemoração dos 50 anos, nós tivemos um trabalho grande de fazer um levantamento de um material que ainda estava em fase de processamento. Quando nós comemoramos os 50 anos, não estávamos com tudo pronto. A gente tinha uma parte dos documentos que tinha a descrição daquilo, sabia o que era, mas ele não tinha sido tratado devidamente como deveria ser, até porque não tinha tido tempo hábil para isso. Ainda não era uma pesquisa precisa, era uma pesquisa mais ampla, então isso exigia muito da pessoa que estava lá para avaliar. Quando alguém pede: “Eu preciso achar uma foto que represente a questão dos princípios da Escola”, isso é uma questão muito subjetiva, a pessoa que está trabalhando lá tem que ter um olhar bem diferenciado. Então esse foi o maior desafio na época, atender a essas demandas, tanto da exposição, quanto da elaboração do livro (que era uma ideia que a gente tinha), quanto atender às pesquisas para as palestras, montar as exposições. Depois disso, o que tem surgido são ou pedidos pontuais — como os pedidos para elaborar os textos da Revista do NIDP —, ou então levantamento de fotos de alunos que estão fazendo a passagem do 9º ano para o Ensino Médio, aí a gente faz o resgate histórico daqueles aluno e, nesse caso, trata-se de pesquisas de um caráter mais voltado para o aluno. Às vezes, vêm alunos do Infantil, do segundo ou do sexto ano. Nessas visitas, procuramos saber que temas serão trabalhados nas pesquisas... Tem ex-aluno que liga, e às vezes para encontro de exalunos, a gente faz levantamento de fotos. E tem a parte junto com os alunos dos projetos tentando integrar isso na área do pedagógico. CM – Você acha que hoje o Centro de Memória está plenamente implementado ou você ainda vê em processo de implementação? Você acha que o trabalho atual é mais de manutenção? Como você avalia isso? TJR – Eu gostaria de conseguir fazer uma melhora na parte física e estrutural. Além disso, estreitar as relações com a comunidade, fazer o Centro de Memória ficar mais ativo e ter sempre uma equipe consolidada que consiga dar continuidade ao trabalho.
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Competências Essenciais 10º CONGRESSO ICLOC DE PRÁTICAS NA SALA DE AULA Professores e funcionários da Lourenço apresentam trabalhos em congresso. por Ana Sara Araújo de Souza e Lara Carvalho Spineli A 10ª edição do Congresso ICLOC - Práticas na sala de aula aconteceu no sábado, dia 26 de maio, nas dependências do Colégio Presbiteriano Mackenzie. Organizado pelo Instituto Cultural Lourenço Castanho, o evento tem como objetivo oportunizar o compartilhamento trabalhos e projetos que educadores de escolas privadas e públicas desenvolvem com os seus alunos dentro e fora das salas de aula. O Congresso desse ano contou com mais de 270 sessões, realizadas em três diferentes horários. Professores e funcionários da Lourenço Castanho apresentaram 24 trabalhos. No primeiro horário, duas professoras da Educação Infantil apresentaram o trabalho “OEI (Observação, experimentação e investigação) – A lâmpada de lava”, em que alunos de cinco anos realizaram experimentos para despertar a curiosidade e o olhar investigativo. A atividade foi dividida em quatro etapas:
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Experiência de mistura de óleo e água. Os alunos criaram hipóteses do que poderia acontecer (se os elementos se misturariam ou se separariam); mistura de água, corante e óleo, na qual os alunos tentariam imaginar qual seria o efeito do corante nessa situação; mistura de água e pastilha efervescente, óleo e pastilha efervescente; por fim, a etapa de misturar água, pastilha efervescente, corante e óleo. Viviane Lacerda, professora da Associação Crescer Sempre, de Paraisópolis, conta que escolheu assistir a essa sessão, porque ela tenta atuar dentro desse processo de investigação e experimentação com seus alunos. “Eu acho que esse tipo de trabalho vem acrescentar em nossa prática realizada na Associação”, afirma Viviane. Quatro professoras auxiliares da Educação Infantil apresentaram o trabalho “Ler e contar histórias: A literatura como atividade permanente na Educação Infantil”, que trabalha com diferentes gêneros literários em cada série, além da realização de leituras
e contações de história. Elas utilizam, ainda, diferentes recursos com os alunos, como dramatização, teatro com sombras, fantoches, entre outros. Andressa Santos, professora do Espaço Lúdico, que estava assistindo à sessão, parabenizou a Escola por mostrar a valorização das professoras auxiliares. No último horário, o professor da Lourenço Castanho Roberto Vicente apresentou o trabalho “Lyriteracy” cujo objetivo é compartilhar o gênero lírico para despertar o engajamento com o aprendizado da Língua Inglesa. Roberto conta sobre sua primeira participação no Congresso ICLOC: “Eu estou achando muito interessante a possibilidade de trocar práticas de forma não hierarquizada. Tive a sensação de fazer troca mesmo, não tinha ninguém aqui ensinando o que o outro deveria fazer”. Os educadores da Lourenço Castanho também apresentaram as seguintes práticas letivas: Um barco de histórias: a construção de um projeto com crianças pequenas; Makerspaces: como resgatar conceitos, avaliando os alunos e mapeando as competências do século XXI?; Indicadores de aprendizagem e o processo de metacognição; Paisagens dos meus olhos!; Inclusão escolar de uma aluna com baixa visão; Dia de Integração - Vivência, encontro e reflexão na comunidade escolar; Um pé de quê?; Projeto integrador de série: Qual é a cara do Brasil?; Algoritmo: das estratégias pessoais dos alunos à formalização nas séries iniciais; Construção e programação de uma residência automatizada; Dramatizando a leitura para entender o texto; Recrio, o recreio que crio; REHAB (Rehabilitation Software): utilizando Scratch e Kinect para o auxílio da reabilitação motora; Coco: explorando as manifestações da cultura popular na primeira infância; Que bicho é esse?; Eu queria que essa história não acabasse nunca: a Árabia dentro da sala de aula no 3º ano; A informática transformando as aulas de inglês; Pecha Kucha: desenvolvendo confiança, espontaneidade e oralidade nas aulas de inglês do EF2; Escrever para quem? Concurso de produção textual; Associação de Pais: um canal de comunicação entre pais e escola; Bastidores do Ensino Maker. Ao todo foram apresentados no 10º Congresso ICLOC de Práticas na sala de aula mais de 1.000 trabalhos, que recebeu a visita de aproximadamente 5 mil educadores de escolas públicas e privadas de todo o Brasil.
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INDICAÇÕES LITERÁRIAS Indicação por Katia Arilha Fiorentino Nanci – Coordenadora de Língua Portuguesa do EI e F1 E-book “Brincadeiras africanas para a educação cultural”, Débora Alfaia da Cunha O e-book “Brincadeiras africanas para a educação cultural”, da professora Débora Alfaia da Cunha (2016), apresenta processos e brincadeiras registradas a partir de ações do projeto de extensão Ludicidade Africana e Afro-brasileira da Universidade Federal do Pará. Além das brincadeiras experimentadas em vivências lúdicas realizadas em escolas, comunidades quilombolas, praças públicas etc., o livro traz contribuições como discussões teóricas sobre a dimensão lúdica na educação e a necessidade de superação de estigmas e preconceitos étnico-raciais presentes na escola pela ausência de valorização da cultura negra. A autora propõe a brincadeira como prática contextualizada, preenchida de sentidos para os sujeitos em suas relações com o mundo. Nessa proposta, apresenta as brincadeiras como “elemento motivador para a releitura da cultura e das origens inter-étnicas do Brasil, a partir do encontro com as brincadeiras de origem africana”. O leitor poderá conferir que as brincadeiras convocam escuta, corpo, oralidade, propondo uma participação ativa dos alunos. Ainda, as propostas enredam interdisciplinaridade e intertextualidade, ao trazer relações entre as brincadeiras e informações oriundas de outras áreas, conjugando conteúdos de língua e literatura, história, geografia, educação física e artes.
Utilize o leitor de QR Code do seu dispositivo móvel e acesse o e-book.
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Indicação por Valdirene da Silva de Sousa – Professora do Ensino Fundamental 1 “No seu pescoço”, Chimamanda Ngozi Adichie Imigração, conflitos étnicos, econômicos, religiosos, de gênero, entre tantas outras questões. Tudo isso torna esse livro extremamente rico para pensarmos sobre o continente africano, tão bem discutido por Chimamanda Ngozi Adichie. Em sua mais recente obra publicada no Brasil, uma coleção de doze contos, a nigeriana mantém sua militância em favor da igualdade de gêneros e povos. Embora voltada à temáticas específicas, há a tentativa de atingir o universal que há em cada um de nós, usando de empatia e sensibilidade. Quem já leu algum de seus romances deve saber o quanto o aspecto feminista é presente em sua literatura. Nesse livro, essa característica se mantém. As personagens femininas têm muito a dizer, há grande protagonismo em suas ações na luta pela igualdade em relação à posição dos homens. Outro aspecto bastante abordado é o evidente conflito entre ser negro na África e fora dela. Enquanto em seus países de origem, as personagens são vistas como poderosas, ricas, sábias; fora deles elas são vistas como inferiores, vivem no subúrbio, não têm projeção social. Também vemos a questão dos conflitos entre diferentes etnias, herança de uma retaliação dos territórios africanos no período de colonização pelos europeus, em que houve uma divisão artificial de fronteiras, sem levar em consideração os povos que ali viviam. Há o conflito entre a ancestralidade e a aproximação com a cultura ocidental, os valores que oscilam entre um rigor na forma com que a mulher é tratada, e a permissividade quase total para com os filhos homens universitários. O que fica claro para o leitor é a existência de uma cultura riquíssima, que está em transformação, em um impasse entre a sobrevivência e a resistência. Um livro capaz de provocar reflexões intensas e necessárias sobre os países africanos da contemporaneidade. O livro mostra que o caminho da mudança passa por uma transformação do processo de avaliação, tornando-o uma oportunidade para o aluno ler, refletir, relacionar, operar mentalmente e demonstrar que tem recursos para abordar situações complexas. Em síntese, o aluno deverá demonstrar ter adquirido competência como estudante.
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Competências Específicas PROJETO CIENTÍFICO NO ENSINO MÉDIO Alunos do Ensino Médio desenvolvem pesquisas científicas. por Ana Sara Araújo de Souza A iniciação científica do Ensino Médio, iniciada em 2013, a princípio como uma Oferta Formativa Ampliada (OFA), tem como objetivo a alfabetização científica dos alunos. Em 2015, o projeto foi redesenhado e tornou-se obrigatório para as 1ªs e 2ªs séries. Além de incentivar o protagonismo dos alunos, as pesquisas desenvolvidas têm ganhado reconhecimento em importantes feiras científicas como FEBRACE e MOSTRATEC. Ao longo dos seis anos do Projeto Científico, muitas mudanças aconteceram até chegar ao modelo atual. “Antes, a proposta era uma oficina, depois, passou para optativa, até chegarmos à proposta atual que foi concluída em 2017, com a ideia de que os alunos começassem a pensar nos projetos científicos no último trimestre da 1ª série, podendo desenvolvê-los ao longo de toda a 2ª série”, explica a coordenadora dos projetos científicos, Roberta Alves. Em um primeiro momento, os professores são convidados a apresentarem as ementas que trabalharão com os alunos. “Eles apresentam uma linha de pesquisa que é disponibilizada para as turmas da 1ª série. Posteriormente, é feito um plantão de dúvidas no qual os orientadores atendem os grupos que tiverem interesse nos temas apresentados e que queiram saber caminhos que possam trilhar para realizar suas pesquisas”, comenta Roberta. Feito isso, a dupla ou trio indica até três possíveis orientadores para seu projeto. A coordenação, então, define o orientador que melhor se adapte à linha de pesquisa dos alunos e, a partir disso, começam os encontros para o desenvolvimento do trabalho.
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No último trimestre da 1ª série, os alunos entregam o plano de pesquisa para avaliação. “Nós pedimos um esboço da pesquisa, indicando o que pretendem trabalhar. Os planos serão avaliados por critérios simples, no quais veremos se eles encontraram uma questão investigativa e se já estão lendo algo mais teórico para a construção do projeto”, comenta a coordenadora. Na 2ª série, os alunos continuam desenvolvendo os temas e começam a ter contato com outras pesquisas fora da Escola. “É realizada uma visita à FEBRACE (Feira Brasileira de Ciências e Engenharia), onde os alunos podem ver trabalhos do Brasil inteiro e observar como eles funcionam”, destaca Roberta. No 2º trimestre, os trabalhos são apresentados para uma banca de qualificação e avaliados pelo orientador e por um especialista para que, em novembro, aconteça a defesa final dos trabalhos. Todo esse processo é registrado pelos próprios alunos no diário de bordo. Em junho, alguns dos 32 projetos científicos apresentados foram: “De palavras às cenas: uma análise do processo de adaptação para a construção do filme O Grande Hotel Budapeste”, desenvolvido pelos alunos Daniella Rodrigues e Rafael Aronis e orientado pelo professor de Filosofia Vinícius Soares. O trabalho propôs uma leitura do filme, considerando as escolhas estéticas, como paleta de cores e eixos de simetria, na adaptação do romance para o cinema. A pesquisa “Batman como uma tópica moral no filme Batman: O Cavaleiro das Trevas”, apresentado pelas alunas Jamilly Barbosa e Helena Maudonnet e orientado por Roberta Alves, trouxe um estudo sobre o personagem, analisando sua possibilidade de ser visto como modelo de moral, tanto na perspectiva de fãs, como também no campo da filosofia. As alunas Luíza Franco e Maria Eduarda Mendes, orientadas por Gabriela Cordaro, apresentaram a pesquisa “Inclusão de crianças com deficiência no Ensino Fundamental II”, que pretende estudar como é o processo de inclusão social em escolas particulares a partir da observação de professores em sala de aula e de funcionários no momento do recreio. Por fim, a pesquisa “Prevalência social nas mulheres em tratamento mastológico no Sistema Único de Saúde na cidade de São Paulo”, das alunas
Júlia Pereira, Maria Luísa de Oliveira e Natália Moraes, orientado pelo professor de História Ednílson Quarenta, vem estudando o perfil social de mulheres com câncer de mama e o processo para conseguirem o tratamento. No final, as alunas realizarão um comparativo das políticas públicas com a necessidade das pacientes. Como resultado dos projetos científicos desenvolvidos na Escola, os alunos não são reconhecidos apenas na Lourenço Castanho, mas também em diversas feiras importantes no Brasil e no exterior. O projeto “Gravidez e maternidade na adolescência: mobilidade social e sociabilidade local na periferia de São Paulo”, desenvolvido por Maria Luíza de Oliveira Jorge e Eloísa Maria de Souza Falcão, orientadas pelo professor Ednílson Quarenta, recebeu o 3º lugar na FEBRACE 2018 na área de Ciências Sociais Aplicadas. O projeto “Cartografia dos adolescentes desaparecidos no ‘triângulo da violência’ na zona sul da cidade de São Paulo em 2016” obteve o 1º lugar na área de Ciências Humanas na MOSTRATEC 2017 e na FEBRACE 2018. As alunas Ana Carolina Bueno Gonçalves, Beatriz de Souza Bim e Clara Helena Vicentini Ferreira do Valle, também orientadas pelo professor Ednílson, fizeram parte da delegação brasileira que representou o país na 69ª Intel International Science and Engineering Fair (Intel ISEF 2018). Coordenadora e alunos destacam a relevância da iniciação científica: “Fazer o trabalho é muito bom, mesmo sendo algo contínuo para o qual temos que ter bastante foco, ter essa experiência é maravilhoso”, comenta a aluna Jamilly Barbosa. “Desde o início, não encaramos apenas como um trabalho da Escola, mas sim como algo que queríamos fazer, que tivesse relevância e que queremos levar para vida, compartilhar com o mundo. Por isso que ter essa experiência faz tanta diferença”, diz a aluna Maria Luísa de Oliveira. “Ver os alunos encantados pelas pesquisas, trabalhando seriamente no desenvolvimento, o retorno de ex-alunos que nos contam que viver essa experiência fez diferença na Universidade é um ganho de conhecimento para todos. Também temos o lado das conquistas em premiações, resultados que nos mostram que estamos no caminho certo”, destaca Roberta.
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OBSERVAÇÃO, EXPERIMENTAÇÃO E INVESTIGAÇÃO Alunos da Educação Infantil realizam experimentos no componente de Ciências da Natureza. por Ana Sara Araújo de Souza
Um dos campos de experiência na área de Ciências da Natureza da Educação Infantil é realizado nas aulas de “Observação, Experimentação e Investigação” (OEI). Nelas, as crianças participam de vivências que estimulam a percepção e a indagação de fenômenos naturais. Pensando na importância de atividades experimentais que tenham continuidade, a OEI sofreu algumas adaptações em 2017. “Os alunos realizavam um experimento em uma aula e na seguinte já realizavam outro diferente, sendo que o intuito era de apenas vivenciar essas experimentações. Com isso, começamos a elaborar atividades experimentais que se relacionavam, como se fossem continuidade dos experimentos propostos”, explica o coordenador de Ciências da Natureza da Educação Infantil, Cristiano Guastelli. Com a nova proposta, os alunos são capazes de realizar previsões baseadas nos resultados das experimentações anteriores. “Numa atividade em que a professora mistura água e óleo, os alunos terão uma vivência com esses elementos - o que
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faz com que, em uma outra situação na qual coloquem água, óleo e corante, os alunos já estejam habituados com os dois primeiros elementos e sejam capazes de prever que o óleo ficará em cima e a água embaixo”, comenta Cristiano. Além disso, todas as atividades são pensadas e elaboradas conforme a série do Infantil. “Nós procuramos colocar elementos característicos do fazer científico para todos os alunos, mas sempre tendo um cuidado com cada série. Por exemplo, no Infantil 3, os alunos trabalham com ímãs. Já as turmas do Infantil 4 desenvolvem atividades com plantas, as quais os alunos estudam e realizam experimentos que se interligam”, destaca o coordenador. Ao colocar as atividades em prática, as professoras contribuem e potencializam o olhar das crianças para que possam observar e buscar informações nos experimentos vivenciados que resultam na troca entre os colegas, situação que seria mais difícil de acontecer em suas casas.
Após as atividades, as crianças são estimuladas a registrarem a vivência. “Cada turma se expressa de uma maneira como, por exemplo, os desenhos que retratam o antes e depois, como um registro comparativo, rico em detalhes observados por eles”, explica Cristiano. O coordenador destaca a importância desse processo para as crianças da Educação Infantil. “Naturalmente, eles vivenciam os fenômenos da natureza como a chuva, o dia e a noite, o ato de acender e apagar a luz e tantos outros que acontecem no dia a dia. Então, é importante proporcionar experiências, que são vivências de observação, reflexão e compartilhamento dessas informações e também os experimentos para aproximar isso de um ‘fazer’, de algo mais próximo do cientista, proporcionando mais repertório para os alunos”, diz.
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Inovação A HOME IN TUNE Projeto realizado pelos alunos da 3ª série do Ensino Médio, durante o ano de 2017. por Luiza Regina Branco Fernandes, Jorge Ferreira do Valle Neto e Tatiana de Souza Mendes Garcia Componentes Envolvidos: Física e Tecnologia Educacional Para entender conceitos de eletricidade, os alunos, mediados pelos professores, decidiram trabalhar coletivamente na criação/execução de uma maquete de residência automatizada. A proposta de trabalho utilizou-se da metodologia de projetos e aprendizagem criativa no ambiente maker da Escola, para que os alunos pudessem colocar a “mão na massa” e construir uma maquete com o intuito de facilitar o entendimento de conceitos complexos e abstratos do mundo da Física. Inspirados na Espiral do Pensamento Criativo de Resnick, os alunos foram conduzidos ao caminho da imaginação e da criatividade, da construção e da programação, da colaboração e da reflexão. Ao finalizarem o trabalho, deixaram uma proposta de instalação do projeto no prédio da Escola.
Imagine Again Imagine
Imagine A Home in Tune
Create a Model
Design, build and program
The model becomes a reality on the school grounds
Based on students experiences
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Explore elements: Programming and eletronic components
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New ideas
Play
Tinkering with their creations
Test, Experiment different alternatives
Reflect
Ideas and creations
Share
Etapas do Projeto:
Conceitos de Física x Componentes Eletrônicos:
• Ideação da maquete - construção de casa automatizada com jardim/horta, portão, cerca elétrica e iluminação. • Exploração de componentes e programas - placa arduino e protoboard; programas S4A/mBlock; circuitos com LEDs; sensor de luz, distância, umidade e produção sonora; servo motores e bomba d’água. • Design e construção da maquete, instalação dos sensores e programação. • Finalização - testes, ajustes e apresentação da maquete para a comunidade.
• Corrente elétrica - circuito com LED’S • Luz e sombra - sensores PIR, LDR • Resistência elétrica - sensor LDR e sensor de umidade de solo • Reflexão da luz - espelhos planos • Movimento e rotação - PIR e servo motor • Vazão de um líquido - bomba d’água submersa • Vibração e produção sonora - buzzer
Os participantes da conferência tanto poderão interagir com a maquete (acender/apagar as luzes, abrir/ fechar o portão, acionar o alarme e a bomba d’água), como dispor das programações em S4A e mBlock impressas.
mBlock
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(CAPA) INOVAÇÕES E EXPLORAÇÕES LÚDICAS: O QUE APRENDER COM AS CRIANÇAS? Tradução: Ana Paula Carmona Leme e Luiza Regina Branco Fernandes Playful inventions and explorations: what´s to be learned from kids? Edith K. Ackermann Walker Art Center, Mimeápoli, 22 abril de 2010 http://www.media.mit.edu/~edith Texto transcrito e traduzido da palestra disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=l3jI19vR5bI
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Com sua curiosidade sem limites, imaginação fértil e domínio natural da arte da aprendizagem autodirigida, as crianças têm muito a ensinar aos adultos sobre criatividade e inovação. Isso talvez seja ainda mais verdadeiro com os “nativos digitais” de hoje, afirma a psicóloga desenvolvimentista Edith Ackermann (Suíça, 1946-2016), cujo trabalho explora as interseções de brincar, aprender, design e tecnologia. Educadora e pesquisadora, Ackermann foi consultora da LEGO e do LEGO Learning Institute durante mais de 20 anos e trabalhou sob a direção de Jean Piaget, psicólogo suíço, no Centre International d’Epistémologie Génétique. Ela também lecionou em Harvard, no MIT, em Stanford e em outras universidades. _____________________________________________________________________________________ O título do meu trabalho é Invenções e explorações lúdicas (Playful inventions and explorations), o qual tomei emprestado do Instituto (MIT) e da rede que foi concebida a partir do trabalho realizado inicialmente no MIT Media Lab, por um grupo liderado, entre outros, por Mitchel Resnick e Seymour Papert. O trabalho se expandiu por todo o país e incluiu educadores e pesquisadores, artistas e médicos; numa proposta que visava a incluir crianças em atividades que fossem inovadoras e divertidas. Esse trabalho evoluiu e está acontecendo também aqui em Mineápolis, no Museu de Ciências e no Exploratorium de São Francisco, onde tive a oportunidade de trabalhar bastante.
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Esta noite gostaria de falar um pouco sobre a relação entre “brincar” (play), imaginação e criatividade, inovação e design. Como a Ashley Duffalo disse, existem tantas definições para brincar (play) quanto pessoas nesta sala. Foi muito difícil preparar esta palestra, porque toda vez que se entra nesse domínio, é fácil se perder. Sendo assim, esta é somente a minha percepção sobre o assunto até o momento, uma vez que ele se modifica constantemente; por isso, o que gostaria mesmo nesta noite é de iniciar uma discussão. Vou falar sobre crianças aprendendo, crianças brincando, sobre brincar e sobre criatividade em crianças e adultos.
são experts em aprendizagem autodirigida, o que quer que isso signifique. Gosto de pensar em uma criança como aquele ser que está ocupado em entender o seu lugar no mundo, como um viajante ou um recém-chegado a uma terra estrangeira. Ele precisa transmitir as suas necessidades que precisam ser ouvidas sem realmente falar a língua, sem conhecer os hábitos, tendo que “arar” o terreno sem conhecê-lo o bastante, decidir quando deve continuar, quando ir adiante, quando parar, decidindo o que trazer consigo, o que deixar para trás e decidir em quem ou não confiar.
Brincar para a educação é um assunto difícil, é muito mais do que parece ser. O que poderia ser, então? Falar sobre o futuro do brincar para as crianças que estão sendo chamadas de nativas digitais, e, por último e não menos importante, falar sobre lugares e ambientes que podem estimular esse tipo de aprendizado e brincar (play) do qual quero falar. Vou iniciar falando um pouco sobre o que acredito fortemente, que, aliás, é mais do que apenas crença; na verdade, são algumas das lições que aprendi - especialmente trabalhando com Jean Piaget, mas também com outras pessoas, sobre o que é realmente o aprendizado, ou seja, a ideia de que as crianças não têm tanta experiência ou conhecimento. Em alemão, temos essa linda distinção que não existe em outras línguas, entre “erfahrung” - que significa a experiência que se tem quando se é mais velho e mais sábio - e “erleben” - que é a experiência de como estar totalmente consciente nas situações. As crianças podem não ter muita experiência em relação ao “erfahrung” ou conhecimento, mas certamente nascem com uma capacidade inata de fazer a coisa certa, a fim de aprender mais sobre o que ainda não sabem. Esse é um ponto importante. Uma maneira de falar sobre isso é dizer que elas
De certa maneira, acho que todos nós temos essa experiência quando viajamos, e é por isso que as pessoas gostam de viajar, porque o ato de reaprender, reexperimentar é fundamental para lidar com situações desconhecidas. Algo muito impressionante é que as crianças não somente são muito boas com idiomas, e isso nós já sabemos, mas elas também são surpreendentes, podemos aprender muito com elas, através da maneira como lidam com situações e se desenvolvem num mundo que é, por definição, muito complexo, incerto e imprevisível para elas. Jean Piaget foi meu mentor e um psicólogo suíço que estudou o desenvolvimento do ser humano. Ele teve uma forte influência na educação, mesmo não se considerando um educador. E o meu ponto de partida é que ele define inteligência como adaptação: adaptar-se não é só se acomodar, como costumamos pensar; não é alterar nossas opiniões, nossa maneira de ser, nossos hábitos ou mesmo a nossa aparência, com o objetivo de apenas estar de
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acordo com o que nos rodeia, como por exemplo um camaleão que usa a técnica da camuflagem mudando de cor para desaparecer ou o personagem de Zelig no filme do Woody Allen, que sempre tenta agradar a todos que o rodeiam para ser amado e não excluído, tanto que se transfigura fisicamente. Logo, se pensarmos nas maneiras como as pessoas se adaptam aos seus mundos, especialmente os jovens, que ainda são muito maleáveis porque ainda têm muito a aprender, um aspecto importante, que às vezes é subestimado, é que você tem que se manter inteiro, você tem que resistir, permanecer quem você é, tem que manter a sua identidade, mesmo que seja constantemente colocado em situações que, de certa maneira, requerem que você mude as suas ideias. O que é muito forte é essa noção de que para se adaptar não é necessário controlar o não controlável, ou prever o imprevisível, mas de certa forma a noção de que seja preciso criar um nicho no qual se torna de fato possível viver e se desenvolver de maneira prazerosa, mas também agradável à pessoa que estamos considerando. Toda a teoria de Piaget pela qual sou realmente influenciada é construída a partir dessa noção que significa estarmos plenamente preenchidos, tanto pessoalmente como também intelectualmente, de maneira a termos sucesso ou êxito no mundo. Desde o nascimento, as crianças estão muito fundidas/conectadas com seu mundo, como se não houvesse distinção entre elas e o exterior. Conforme crescem, elas se deparam com uma bifurcação, que sempre acontece ao mesmo tempo, tais como socialização e a individualização, tornando-se agentes e ao mesmo tempo sendo capazes de se relacionar com outras pessoas – o que se pode chamar de apego e desapego. Conforme vão crescendo - e não vou focar tanto nisso -, o campo experimental vai se expandindo. Elas conseguem não somente atuar no aqui e agora, mas também projetam lições do passado para o futuro e vice-versa. As pessoas se movimentam conforme crescem e expandem seu espaço, suas técnicas de movimento e seus sistemas de crenças,
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e se tornam, paradoxalmente, mais estáveis e mais móveis. Sabemos que as crianças aprendem em muitos lugares o tempo todo, dentro da escola e fora dela, através do brincar (play), o que leva os adultos a dizerem que o brincar, para as crianças, é coisa séria. O que eu gostaria de tratar é o que isso significa. Quais são as implicações para todos os que estão interessados em projetar ambientes para os jovens, de modo que eles realmente cresçam, vivam e aprendam? Falando ainda um pouco mais sobre Piaget: ele é mais conhecido pelos estágios do desenvolvimento e por oferecer uma abertura a respeito do que os jovens estão interessados e são capazes de fazer nas diferentes idades ou fases de seus desenvolvimento. Para mim, além das etapas de desenvolvimento, a parte que mais interessa é a noção de que as crianças possuem um sistema de crenças muito coerente e robusto, e que seus sistemas de crenças são inflexíveis, não sendo, portanto, facilmente abaladas, e isso é assim devido à sua incrível habilidade de adaptação. E toda essa teoria mostra que não é que as crianças não mudam, ou não são influenciáveis quando se relacionam com outras ou quando interagem com o mundo, mas sim que suas visões estão em constante evolução: elas se desenvolvem quase que por uma lógica própria. Se os seus sistemas de crenças mudam, é como se fossem “pulos”; em outras palavras, isso significa que não é somente porque se está experimentando algo que se vai aprender “pedaços” de conhecimento. É que por se agir no mundo de maneiras diferentes, começa-se a formar um sistema de crença muito estruturado. Ele (Piaget) chama isso de “estrutura”, e esses “pedaços” de conhecimentos são maneiras de dar sentido ao mundo. Eles estão juntos, têm codependências entre si. Tudo isso tem profundas implicações na educação. A primeira profunda implicação dessas percepções para a educação é que ensinar é sempre algo indireto. Tanto faz se, como educadores, gostemos ou não. Ensinar é sempre algo indireto
porque as pessoas vão sempre interpretar, assimilar o que nós dissermos, ensinarmos e mostrarmos, de acordo com seus próprios sistemas de crenças, experiências – elas sempre irão retraduzi-los.
frações e fazer o Pi, isso não funciona. É preciso toda uma gama de possibilidades de materialização do conceito. É o aprendiz que faz as conexões, quando estiver pronto, entre esses diferentes contextos.
A consequência mais perturbadora disso Piaget costumava dizer de forma provocativa: “Tudo o que se ensina aos estudantes não permite que eles descubram por si mesmos”. A noção de dizer: “Espere aí, não me conte, eu quero descobrir por mim mesmo, eu preciso de dicas, mas quero descobrir por mim mesmo” está relacionada com a noção de que qualquer teoria de aprendizado, que ignora ou não presta muita atenção nas resistências ao aprendizado (aprender e ensinar), perde o sentido.
Quero agora tentar falar mais sobre brincar, já falei bastante sobre aprender.
Outra ideia importante foi desenvolvida por pessoas com as quais trabalhei mais tarde. Passei metade da minha vida tentando entender o desenvolvimento das visões de mundo das crianças em diferentes domínios. Houve uma época em que eu estava envolvida principalmente com as ciências e, quando vim para os EUA, comecei a trabalhar com designers, educadores, pessoas que realmente tentavam projetar ambientes para que esses tipos de aprendizados acontecessem. Uma das ideias importantes, vinda também das experiências de trabalho com Piaget e com o todo grupo (nos EUA), é que existem todos esses paradoxos. Se você realmente quer que as crianças internalizem as suas ações, ou que se tornem pensadores, uma boa maneira de conseguir isso é deixar que exteriorizem o que pensam, porque ao projetar para fora ou se construir ou recriar algo baseado nas próprias ideias, entra-se num diálogo com as próprias expressões e ações, o que permite progredir. Outro paradoxo: por exemplo, se há interesse em que a criança entenda o que são os números e compreendam o conceito de numerosidade ou o número três, existem várias maneiras de demonstrar como se materializa esse fenômeno em diferentes contextos. Você os contextualiza diferentemente, mas nunca somente um; veja, não é como se agora fôssemos falar sobre
Gosto de pensar em brincar como a arte de “fazer o mundo”. Brincar é sobre o inventar e sobre realidades inventadas. É sobre criar um mundo físico ou virtual, habitar esse mundo e, depois, finalmente, tornar-se um habitante dele. Às vezes se é convidado para realidades inventadas, realidades que foram feitas ou projetadas por outras pessoas. Gosto de iniciar com exemplos muito bobos, como um parque de diversões. Acho que é esse o nome do lugar onde tem a montanha russa. Imaginem que a humanidade inventou para si mesma esses dispositivos loucos, aonde as pessoas vão para experimentar sensações como se fossem reais - mas que na realidade seriam realmente perigosas e assustadoras -, ou são levadas a um passeio em que passam por experiências não tão comuns na vida real. Gostaria de tomar como exemplo o parque de diversões, pois nós (adultos) achamos que essas experiências não são de fato relacionadas com o brincar. Mas, de certa forma, é muito interessante entender por que a humanidade inventou esse tipo de coisa. A metáfora do salto/pulo é usada com frequência para capturar a imagem de exuberância e liberdade que caracteriza a brincadeira infantil. E acho que é uma boa metáfora. As pessoas
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pulam/saltam porque querem romper com (ou se livrar de) suas formas habituais de fazer e pensar, querem sair de sua zona de conforto. Então, nós saltamos, por exemplo, quando desejamos ver as coisas de diferentes e por surpreendentes ângulos, quando fazemos o zoom de uma situação, como quando se olha para uma gota de leite através de um microscópio, ou se observa Istambul ou o sul da França através do Google Earth, mas é como se estivesse, de fato, sentado num avião e se visse a paisagem ficando cada vez menor. Damos o “salto” quando atravessamos fronteiras, quando transgredimos, quando andamos por lugares selvagens; nas nossas mentes, damos um “salto” quando nos movemos mentalmente entre reinos que, de outra forma, não estariam justapostos em nossa experiência diária. Esses mundos, normalmente não transversais, são colocados juntos. É mais um modo mental de pensar o que são esses “saltos”. Alguns exemplos são quando se volta ou se avança no tempo, que é o que as crianças sempre fazem em jogos de faz de conta: faz de conta que se é o bebê, o papai e a mamãe. Elas gostam da boneca russa por ser praticamente uma versão espacial disso: a menor se encaixa dentro da maior e depois você as coloca enfileiradas. Todos esses jogos, que falam com nossas bonecas ou amigos imaginários, são brincadeiras de faz de conta. Ao se colocar no lugar do outro, é como se estivessem atuando. Podemos ir mais adiante na metáfora do “salto”, para pensar sobre o brincar. Pessoalmente, eu acredito que a metáfora do “salto” é importante, mas igualmente importante é quando pensamos sobre o brincar, que é o que eu chamo de retorno (come back). É como se fosse uma “calma alegria”, que as crianças pequenas conseguem sentir, e que emerge através da encenação por meio do “retorno”. A razão pela qual isso é importante é que você não pode saltar sem aterrissar, não existe leveza sem gravidade. Portanto, por mais que as crianças gostem de se movimentar, elas também gostam de voltar. E toda a indústria de brinquedos para crianças menores é construída com base
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nessa ideia de que, por exemplo, quando uma criança pequena se movimenta pelo mundo e está desorientada, existe uma razão para ela ter um brinquedo de puxar, porque isso dá um sentido de algo invariante, constante. É a sua distância desse brinquedo que cria essa sensação de algo como um lar efêmero, por algum tempo, e isso é importante. As crianças brincam de casinha. Uma das nossas colegas, a Diana Wilow, colocou uma barraca dentro do Museu das Crianças (Children’s Museum), com uma luz vindo de dentro, e isso se tornou uma exibição muito bonita, pois vai ao encontro do desejo infantil de ter uma casa na árvore, pequenos jardins secretos e assim por diante. Existe uma outra coisa importante, que é o aspecto João e Maria, Hansel and Gretel, ou seja, de que é bom andar pela floresta, é bom esperar pelo momento de magia, é bom ir pegar borboletas, mas também é bom saber que você pode voltar. E toda a mitologia dos labirintos, de deixar um rastro, migalhas de pão, é a ação do desejo - tanto de sair, transgredir, conhecer o lado de fora - como de encontrar maneiras de voltar. E, assim é que as crianças de fato aprendem a falar e a rabiscar, o que acontece ao mesmo tempo. Não é que uma habilidade venha depois da outra, elas aparecem juntas, e novamente aqui existe uma bifurcação. Quando as crianças chegam aos 2, 3 anos de idade, elas adquirem o que se chama de função simbólica, na qual aparecem todas essas manifestações: aprender a falar, a brincar com amigos imaginários, começar a brincar de fazde-conta, encerrar esse faz-de-conta, começar a desenvolver um senso com humor inicial e uma incrível alegria quando conseguem deixar esses “lugares” para trás, quando escrevem, e, quando andam, se tornam interessados em passos. E eu acredito que tudo isso é muito importante. Crianças estão sempre brincando de faz-de-conta, interpretando, assim também os adultos.
Dentre todas as definições do brincar, a de Winnicott é muito relevante: ele fala da importância da zonas de transição, desses objetos pelos quais bebês e crianças pequenas se apaixonam, pois de certa maneira, permitem que naveguem novamente pelo desconhecido e, nesse aspecto, é mais maternal; relaciona-se com o fato de a mãe não ser sempre “boazinha”, pois de vez em quando ela pode “sair ou partir“, e a criança ao manter esse objeto de transição, esse cobertorzinho de segurança ou qualquer que seja o objeto. É uma maneira de realmente dizer “Eu posso sobreviver”, “Posso sobreviver a essa separação”, e as crianças, tratam esse objeto de transição da mesma maneira como pensam serem tratadas pela pessoa que cuida delas ou se importa com elas. Winnicott fala lindamente sobre o fato de que o objeto tem que ser bastante complacente e resiliente para ser amado, mas também odiado, para ser tratado de todas e quaisquer maneiras. Por outro lado, John Holt é um educador que afirma que, quando as crianças brincam e usam suas fantasias, não é para saírem, mas entrarem no mundo. Essa é uma ideia importante, porque quando vemos crianças brincando com videogames não é uma fuga! Se leio um livro, também não é uma fuga da realidade. Isso me dá a possibilidade de, verdadeiramente, estabelecer um diálogo entre o que é e o que poderia ser. Permite inventar diferentes narrativas, diferente das que estou experienciando, sob determinados conjuntos de restrições, mudando esses sets de limitações melhorando-os, ou o oposto, de certa forma dando o tom e o término mais desejáveis.
Outra distinção difícil de fazer é entre brincar e ter criatividade, já que não se expressam da mesma forma em crianças e adultos e não são necessariamente o mesmo nas ciências e nas artes. Ainda assim, têm algo em comum. Muitos estudiosos, e particularmente De Bono, falam sobre o fato de que indivíduos criativos, cientistas, artistas, ou apenas pessoas comuns geralmente fazem melhor uso daquilo a que De Bono se refere como “pensamento lateral”, uma forma de pensar que gera soluções e respostas novas e criativas. Um melhor uso do “pensamento lateral” é o “salto”. Para ele, uma habilidade de se livrar de hábitos mentais adquiridos é olhar para um problema sob diferentes ângulos. De Bono era um pensador profundo e ele diz que “pensadores laterais” tendem a explorar todas as diversas maneiras de se olhar para alguma coisa, ao invés de aceitar sua resolução mais previsível. Os que pensam assim não supõem que as ideias têm precedências até que algo melhor apareça, o que é muito próprio do pensamento de Piaget. Em outras palavras: desde que minhas visões de mundo sejam suficientemente boas, não irei mudálas. Sendo assim, de certa forma, são dominâncias. Algumas pessoas não estão exatamente em oposição a esse conceito de dominância, mas estão mais abertas para não tomar como verdades imutáveis o que conhecem ou aquilo em que acreditam. Noto essa atitude principalmente entre os designers. Uma maneira de pensar sobre isso é sair desse lugar cômodo das certezas; pelo menos na ciência, os cientistas são mais motivados pela curiosidade do que pela ludicidade (playfulness). Pode parecer um pouco superficial separar esses dois conceitos, mas penso que seja, no momento, o que deva ser feito.
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A curiosidade é acionada pela vontade de descobrir como as coisas funcionam, de entender a lógica dos padrões que estão por detrás da superfície das coisas, de explicar as coisas, de corrigir erros, de provar. Elas têm uma função adaptável clara: tornar o não familiar em familiar, o desconhecido em conhecido. A brincadeira (ludicidade) faz algo diferente. É como se fosse acionada pelo desejo de imaginar alternativas, o que os cientistas fazem muito, se eles forem inovadores. O deixar de acreditar na descrença é muito importante, assim como a habilidade de fazer ficção, de dramatizar a realidade, e sua função adaptativa é um pouco diferente daquela de tomar conhecimento de algo. É para se tornar familiar ou tomar por certo o misterioso, o humorístico e o incongruente. Essa é a noção em que é muito importante deixar os objetos falarem, quando se está de fato no processo da brincadeira e também no processo de criação (design - criar e desenhar um projeto). As crianças que brincam ou as pessoas brincalhonas fazem muito isso. Elas deixam os objetos falar para ajudá-las. Existem pessoas que são capazes de resolver problemas de um modo que as faça pensar menos. E essas são as pessoas inteligentes de verdade. O meu exemplo favorito é Gaudí1 e suas maquetes para a construção da Catedral da Sagrada Família. Ele percebeu que se pusesse peso sobre alguns fios pendurados e os colocasse num líquido, de maneira que conseguisse congelá-los e virá-los, chegaria à matemática dos arcos, na direção oposta. Trabalhando com
crianças, eu constantemente encontro aquelas que são boas nisso. Certa vez, nós estávamos brincando com um jogo de troca de volumes iguais de madeira, mas as peças estavam mal cortadas, de tal maneira que tinha uma equivalência entre dois blocos contra três. Então a questão era encontrar a menor propriedade do menor denominador. Ou seja, quantos blocos uma pessoa tem que dar para a outra para que ambas tenham a mesma quantidade de madeira. Houve crianças que iniciaram num certo ponto, arrumaram os blocos e os alinharam. Depois, seguiram em outra direção até que os blocos tivessem outro alinhamento, e então, para nossa surpresa, as crianças seguiram numa terceira direção, até que chegaram à conclusão de que um cubo era igual ao outro, sem nunca antes terem contado ou feito multiplicação. E eu posso multiplicar os exemplos de trabalhar números com crianças pequenas, em que elas são incríveis, são capazes de realmente reconstruir algumas quantidades em outras situações, e não é apenas pela percepção, também nomeando e cantando: “Tem três, tem dois, tem um, tem cinco”. Portanto, elas usam a habilidade de dar nome a pequenas quantidades perceptivamente. Do mesmo modo, elas usam música para se lembrar. É como se fosse a cola entre esses pequenos pedaços de conhecimento, e elas usam todas essas coisas como uma receita para construir uma lógica e equivalências. Para mim, assim também são os indivíduos mais propensos a chegar a soluções criativas, que são inteligentes no sentido de que não se baseiam no pensamento racional e no poder da computação, mas na habilidade de estabelecer uma espécie de dança com esses materiais, usando as habilidades chamadas de senso motoras para ajudar o mundo a fazer a metade do trabalho que as pessoas teriam que fazer.
__________________________________ 1 Antoni Gaudí Cornet (1852-1926) foi um famoso arquiteto e figura de ponta do Modernismo catalão. Suas obras revelam um estilo único e individual e estão, em sua maioria, na cidade de Barcelona.
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O futuro do brincar na educação. O problema com o brincar na educação - eu chamo assim quando a solução se torna o problema. Eu chamo isso de “não mate o brincar adicionando o aprender”. Brincar por definição não pode ser comercializado. E essa é a dificuldade: fala-se muito sobre isso - ganhos acadêmicos e profissionais associados com o brincar e o aprender. O problema, para mim, é que essa lenta infusão de fortes doses de seriedade no brincar pode, na verdade, matálo de uma vez e dificultar o aprender. Em outras palavras, o exemplo de brincar enlatado é comum no campo da educação e também no chamado “edu divertimento”, ou entretenimento educativo. É horrível quando se fala com educadores que querem ensinar de maneiras mais divertidas os conteúdos de um currículo em particular e eles os recebem “em caixas”, como se fossem Cornflakes: dê para as suas crianças e elas vão se tornar inteligentes. Na verdade, o futuro do brincar está na ideia de que hoje as crianças nem sempre brincam, aprendem ou se misturam do modo como esperamos que o façam. E o que aconteceria se o fizessem de uma maneira ritual, que nem sempre se vê? Existem algumas ideias de mudança que são muito claras, mesmo que não se queira exagerar as diferenças entre gerações (generation gaps).
de manter relacionamentos além das fronteiras. Suas identidades também estão mudando, pois as fronteiras entre privado e público estão, de certa forma, mudando. Da mesma forma com relação a maneiras diferentes de se locomover entre locais e o que se considera lar. Existem muitas crianças que querem, caso tenham famílias separadas, ter os mesmos brinquedos em ambas as casas, ou sacolas da tartaruga Ninja, porque, na verdade, querem carregar o brinquedo. E o que as fascina com todo esse brincar é que isso permite planar entre esses lugares. Uma coisa importante também é o relacionamento com a alfabetização, porque as ferramentas que temos atualmente, mesmo pensando em escrita, não separam tanto o escrever do ler. Leva-se uma noite para se ler um livro e um ano para escrevê-lo. Agora elas (as crianças) se encontram “no meio”, aquilo que chamo de anotação, pois a leitura está se tornando cada vez mais ativa, já que se pode cortar e colar, destacar, recontar, qualquer coisa que se empresta e se lê, e também se pode, enquanto se escreve, passar o conhecimento adiante mais rapidamente. Portanto essa circulação e distribuição de ideias meio acabadas é muito característica das maneiras como as crianças trabalham e trazem questões fabulosas para a educação. Isso tudo é verdade, mas talvez uma das coisas mais interessantes é que as crianças de hoje estão reivindicando o seu corpo e reivindicando um sentido de lugar. É como se elas estivessem estado num mundo virtual por um tempo e agora, apesar da emergência de todos esses brinquedos, como a Wii2, as crianças realmente começam a reapreciar outras brincadeiras; mesmo que usem a Web, elas prestam mais atenção ao contexto físico.
As crianças de hoje estão desenvolvendo novas maneiras de se relacionar, porque bairros e comunidades como se conhecem já não são os mesmos. Então elas inventam novas maneiras __________________________________ 2 Wii é uma console de uso doméstico da Nintendo que em 2006 introduziu os controles por movimento a um público vasto que incluía não só fãs da Nintendo como também pessoas sem qualquer tipo de experiência com videogames.
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Um dos slides que tenho mostra um tipo de manifesto da criança digital, aquilo que elas gostariam: “Me dê brinquedos que eu possa carregar. Me dê brinquedos que me façam sentir em casa onde quer que eu esteja. Me dê brinquedos que me ajudem a encontrar os meus caminhos e me orientem”. Isso vai além do pular (leaping): “Me dê pecinhas de montar que eu não perca”. Isso é difícil, pois se você for um construtor em movimento, o Lego não funcionará porque você os perde. Para capturar essa noção, é preciso entender o slide: “Me permita explorar e utilizar minhas habilidades criativas localmente, globalmente, em qualquer lugar, a qualquer hora, mas, por favor, não esqueça: eu tenho um corpo e gosto de utilizálo! Sou exuberante! Sou físico, portanto faça-me voar (transporte-me e teleporte-me), mas também faça-me tocar, sentir, mover, me coloque no chão. ” Existe todo um conceito, material e conjunto, de ideias sobre como projetar (design) ambientes, para que as crianças possam realmente participar do brincar. Uma característica importante e desejável é que o meio ambiente e os artefatos tenham o poder de manter a atenção delas (holding power), para que possam revisitá-los constantemente, e de fato crescerem com eles. É a ideia de que eu cresço com meus brinquedos e meus brinquedos crescem comigo. Existem outras qualidades do ambiente que são importantes, onde as crianças se permitem “mergulhar”, mas também voltar. Esses ambientes são complacentes, mas no sentido de que “nada mata”. E é isso que é tão útil em videogames, pois é possível alterar a perspectiva, mudar a escala das coisas, poder se tornar um gigante e depois uma formiguinha. [A criança] pode alterar a sua perspectiva no mundo, a noção de que esses espaços têm sempre que ser confortáveis de tal modo que muitas vezes são chamados de “terceiros lugares”(third places). Não são como a casa ou o trabalho, mas são como palcos ou cafés, lugares que você sabe que quando entra pode se comportar de forma diferente. Quando entro num bar, passo meu batom vermelho, por exemplo, porque é um
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“terceiro lugar”, e posso expandi-lo e explorar aspectos do meu próprio eu, diferente daquilo que faço se estou num local profissional, numa reunião com executivos. Outra coisa importante que fiquei tão contente em ter ouvido falar por aqui é que não há segregação por idade. Tive a oportunidade de trabalhar por três anos num projeto europeu, cujo título era “Aprendizagem intergeracional” (Intergeneretional learning). O título é meio feio, mas penso que essa é a chave. É disso que gosto em museus. Como sou psicóloga, sempre me perguntam: “Isso é certo em desenvolvimento, esse é o grupo certo para essa atividade alvo? ” E eu digo: “Estou tentando fazer isso corretamente, se você é um arquiteto, tem que funcionar, mas se tem que acontecer alguma outra coisa… Então, sim, tem que ser direcionado, e sabe o que mais? Esses ambientes têm que transcender. E, para transcender, têm que agradar a pessoas de diferentes formações, situações de vida, experiências e idades. ” É preciso ter a integridade de realmente se comprometer com pessoas que têm outros tipos de vida, pensar sobre lugares em que as pessoas, de outra maneira, não se encontrariam, para fazer coisas que normalmente não fariam. Essa é uma boa definição para os tipos de “terceiros lugares”.
Pensando sobre as diferentes fases de aprendizado, ou num processo do brincar, há o que pode ser chamado de “5 Cs”: (connect, construct, contemplate, cast/revisit and collaborate) conectar, construir, contemplar, representar e compartilhar. É preciso se conectar, estar inspirado e concentrado. Esse tipo de espaço, que não é físico, mas um tipo de espaço que se precisa para se inspirar, para se conectar e assim por diante, eu chamo de “imaginarium”. No espaço “exploratorium”, se mergulha inteiramente, coloca-se a “mão-namassa”, se constrói ou se experimentam coisas. Quando se pensa sobre as coisas, quando se contempla, se reflete, esse espaço é mais como um santuário, porque se quer, de certa forma, alguma quietude, a fim de se preparar para fazer o play back das coisas, revisitá-las, dar-lhes forma, dramatizar, é o espaço do palco. Compartilhar, negociar, colaborar, se misturar são o espaço da praça (piazza). Termino aqui. Obrigada.
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