Ofensiva Socialista n°04 maio-junho 2010

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Jornal da LSR

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Seção brasileira do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT)

Tendência do PSOL

N° 04 maio/junho 2010

Nem Serra, Dilma ou Marina...

PSOL vai de Plínio! Mas, ainda é preciso... + Insistir na formação de uma Frente de Esquerda! + Construir um programa anticapitalista e socialista! + Organizar uma campanha militante e vinculada às lutas! Depois de muito debate e uma dura luta política interna, o PSOL lançou Plínio de Arruda Sampaio como seu pré-candidato a presidente nas eleições de outubro desse ano. Essa foi a principal deliberação da III Conferência Eleitoral do partido, realizada em 10 de abril no Rio de Janeiro e representou uma grande vitória para a esquerda socialista brasileira. A campanha de Plínio já está sendo construída junto aos ativistas e militantes dos movimentos sociais e da esquerda e pretende denunciar a falsa polarização entre Dilma e Serra, levantando uma alternativa socialista para o país. Um dos desafios centrais agora é convencer o PSTU e PCB a não dividirem a esquerda socialista nas eleições e comporem com o PSOL uma Frente de Esquerda e dos trabalhadores.

Lula garante dinheiro para especuladores, mas não para os aposentados e o funcionalismo Abril vermelho ocupa latifúndio em Fortaleza página 4

Tragédia no Rio de Janeiro página 5

Nenhum passo atrás na construção da nova Central! como a Conlutas e a Intersindical, além de movimentos sociais como o MTST, MTL, Terra Livre e pastoral operária. A construção de uma nova Central unitária independente de patrões e governos é uma necessidade histórica da classe trabalhadora para acabarmos com a atual fragmentação da esquerda e para que os traba-

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O Congresso da Classe Trabalhadora será realizado nos dias 5 e 6 de junho em Santos (SP). Ele reunirá milhares de delegados de todo o país eleitos por sindicatos, oposições sindicais e movimentos populares da cidade e do campo. Este Congresso deve marcar a unificação de entidades sindicais e populares combativas

Belo Monte de mentiras para manter os 500 anos de dominação

lhadores possam retomar a ofensiva. O desafio agora é construir uma base política e organizativa de unidade entre os diferentes setores e garantir que os interesses maiores do conjunto da nossa classe estejam acima dos interesses localizados dos setores envolvidos.

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Aborto: Crime de quem? página 8

Grécia – mais um fracasso do mercado página 11

Alagados do Pantanal ocupam terreno na luta por moradia página 12

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2 • editorial

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om a Grécia a beira da moratória e outros no mesmo caminho, a dívida pública tornou-se uma das bombasrelógio armadas pela crise internacional do capitalismo. Os neoliberais do estado-mínimo convertidos repentinamente em keynesianos perdulários para salvar a própria pele, agora querem jogar nas costas dos trabalhadores a fatura dos pacotes de ajuda a banqueiros e empresários. Apesar de toda a propaganda de que no Brasil é diferente, para os trabalhadores pairam as mesmas ameaças e os mesmos ataques. O próximo governo burguês, seja ele encabeçado por Dilma ou Serra, terá que abrir sua caixa de maldades contra os trabalhadores para tentar garantir os interesses do grande capital. Já hoje, em nome da responsabilidade fiscal, o governo Lula se recusa a aceitar um reajuste da aposentadoria (para os aposentados que ganham mais do que um salário mínimo) igual ao reajuste do mínimo (9,2% retroativo a janeiro). Até mesmo o acordo rebaixado proposto pelas Centrais sindicais governistas (de 7,7%) não é aceito pelo governo. Mas, quando se trata de repassar dinheiro público a banqueiros e empresários, o governo Lula esbanja à vontade.

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través da chamada DRU (Desvinculação das Receitas da União), o governo Lula cortou da Seguridade Social no ano passado mais de R$ 39 bi-

Além disso, um reajuste das aposentadorias seguindo o salário mínimo representaria pouco perto dos recursos que o governo abriu mão ao subsidiar empréstimos aos grandes empresários via BNDES. Para garantir crédito barato aos capitalistas, o governo emitiu títulos do Tesouro, ou seja, contraiu mais dívida, para repassar ao BNDES cerca de R$ 180 bilhões que estão indo de mão beijada para o setor privado.

Lula garante dinheiro para especuladores, E mas não para os aposentados e o funcionalismo lhões. Tudo para garantir a meta de superávit primário, ou seja, pagar aos especuladores e tubarões capitalistas que são credores da dívida pública. Segundo a Auditoria Ci-

dadã, esse montante retirado dos trabalhadores equivaleria a um reajuste das aposentadorias 55 vezes maior do que esse tão temido pelo governo.

m 2008, o pagamento de juros e amortizações da dívida representou 30% do orçamento, enquanto apenas 5% foram destinados à saúde, 3% à educação e 12% para toda a área social do governo. Segundo dados apresentados na CPI da dívida pública (formada a partir de proposta de Ivan Valente do PSOL), o gasto acumulado entre 1988 e 2009 com o serviço da dívida chega a R$ 5,7 trilhões, com uma forte aceleração no último período. Mesmo pagando todo esse montante, quando Lula assumiu o primeiro mandato a dívida pública era de R$ 687 bilhões e hoje já beira os R$ 2 trilhões. Uma alternativa dos trabalhadores nas eleições, como a candidatura de Plínio pelo PSOL, terá que defender a imediata suspensão do pagamento da dívida pública e uma auditoria com controle dos trabalhadores, junto com a estatização do sistema financeiro com controle dos trabalhadores, como bandeiras centrais.

Professores continuam a luta contra os ataques de Serra Os professores da rede pública do estado de São Paulo travaram uma grande batalha contra os ataques neoliberais do governo Serra. Por 32 dias, a categoria enfrentou bravamente tanto a intransigência dos tucanos quanto as mentiras da grande mídia, que blindou os tucanos durante toda a luta. Wilson Borges Filho Oposição Alternativa e Educadores Socialistas na Luta Os ataques contra a educação paulista visavam aprofundar ainda mais a mercantilização e sucateamento da escola pública e a culpabilização dos professores pelo consequente fracasso. Neste sentido, as provas aplicadas para definir emprego e salário na verdade apenas intensificam o problema. A crise que atinge a educação estadual pública está relacionada às condições em que ela é oferecida. Os professores estão abandonados e para os alunos, o simples acesso hoje em dia não é suficiente para afirmarmos que se livraram da exclusão. A falta de recursos é gritante e a realidade é longe da propaganda na TV. O conjunto de ataques, que sintetizam a lógica da aplicação do neoliberalismo na educação, foram motivos mais do que suficientes para que a categoria se levantasse. Recebidos com balas de borracha,

bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo, os professores saíram em luta por uma educação pública de qualidade. A adesão à greve chegou a 60% e foram realizadas manifestações que conseguiram reunir cerca de 60 mil professores na Avenida Paulista. Completamente atrelada ao PT e, portanto, ao governo Lula e sua candidata Dilma, a direção do sindicato concentrou sua munição na candidatura de Serra. As falas do setor majoritário estiveram sempre focados na incapacidade de Serra para ser presidente, uma vez que sequer conseguia cuidar de um estado. Este discurso abriu margem tanto para Serra quanto para a grande mídia afirmarem desavergonhadamente que a greve tinha fins exclusivamente político-eleitorais e que a educação pública estadual melhora cada vez mais.

7 reais por aula Só no final da nossa greve, após fortes mobilizações dos professores, houve algumas reportagens mais imparciais na mídia, mostrando, por exemplo, que professores do estado São Paulo recebem em média R$ 7 por aula e ocupam a décima quarta posição no ranking salarial dos estados da Federação. Não custa lembrar que o estado de São Paulo detém 31% do PIB do país. Além disso, a direção majoritária

é uma publicação da Liberdade, Socialismo e Revolução

Telefone: E-mail: Sítio: Correio: Assinatura: liam

No auge da greve, 60 mil professores tomaram as ruas. não preparou a greve como deveria. A luta deve ser preparada no cotidiano e, para isso, momentos como reunião com pais para entrega de boletins bimestrais poderiam ser alvo de panfletagem didática que explicasse cotidianamente em que situação a educação pública se encontrava. Este movimento permitiria que a sociedade estivesse ligada ao movimento desde a explosão da greve. Assim poderíamos nos concentrar nos comandos de greve sem ter que partir do zero ao discutir com pais e a sociedade. Diante da intransigência e truculência do governo Serra, que sequer abriu negociações durante a greve, deveria ter havido um trabalho me-

(11) 3104-1152 lsr@lsr-cit.org www.lsr-cit.org CP 02009 - CEP 01060970 - SP 10 edições: R$ 20 reais

(Envie cheque nominal p/Marcus WilRonny Kollbrunner à caixa postal)

lhor de coordenar a luta com outros setores do funcionalismo estadual, que enfrentam o mesmo inimigo, como na saúde (que chegou a fazer paralisação), as universidades estaduais, etc. Um elemento positivo foi que conseguimos abrir os olhos de muitos novos professores que conseguiram suas primeiras aulas através da provinha do Serra, como categoria “L” e “O”. Serra usou a prova para tentar jogar o professor novo, feliz por ter conseguido aula, contra o que dá aula há muitos anos, mas não conseguiu passar na prova. Mas, para o professor novo isso é uma vitória de Pirro, já que a regra de quarentena (criada para não dar vínculo ao sis-

tema de previdência para novos professores) faz com que esse novos professores só possam dar aula um ano, depois são barrados por um ano. Infelizmente a direção do sindicato inicialmente caiu na armadilha do Serra, fazendo material que jogava o velho professor contra o novo. Mas pela pressão da Oposição, a direção teve que ajustar seu discurso. Infelizmente, o conjunto de problemas enfrentados acabou por impedir que os professores conseguissem o atendimento de suas reivindicações. As provas não foram derrubadas, os decretos que determinam a quarentena às categorias “L” e “O” continuam em vigor e o reajuste não foi conquistado.

Tirar as lições da greve e preparar a continução da luta Mas a luta ainda não terminou. Na próxima assembleia estadual dia 07 de maio, temos que analisar se houve avanços ou não nas negociações com o governo e deliberar os próximos passos da nossa luta. Os professores deram um grande exemplo de determinação para a luta e as lições deste processo podem ser úteis nos próximos períodos, incluindo o fortalecimento da oposição à direção burocrática do sindicato, mas também a intensificação das discussões com a sociedade para obtermos conquistas para a categoria e para a educação pública.

Colaboraram nessa edição: André Ferrari, Bernardo Mendes Ribeiro, Carlos Alberto Ribeiro, Cristiane Marçal, Eduardo Moraes, Jane Barros, Luciano Barboza, Marcus Kollbrunner, Mariana Cristina, Maycon de Oliveira, Miguel Leme, Paulo Gajanigo, Thais Pacheco, William Rodriques, Wilson Borges Filho.


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Nenhum passo atrás na construção da nova Central! O Congresso da Classe Trabalhadora será realizado nos dias 5 e 6 de junho em Santos (SP). Ele reunirá milhares de delegados de todo o país eleitos por sindicatos, oposições sindicais e movimentos populares da cidade e do campo. Este Congresso tem tudo para ser histórico, pois deve marcar a unificação de entidades sindicais e populares combativas como a Conlutas e a Intersindical, além de movimentos sociais como o MTST, MTL, Terra Livre e Pastoral Operária dentro de uma mesma Central. Miguel Leme Diretor da Apeoesp pela Oposição Alternativa A construção de uma nova central independente de patrões e governos é uma necessidade histórica da classe trabalhadora para acabarmos com a atual fragmentação da esquerda e para que os trabalhadores possam retomar a ofensiva.

A crise do capitalismo trará mais ataques Vivemos uma situação internacional marcada pela crise econômica. Apesar da ofensiva de propaganda da burguesia de que o pior da crise já teria passado, a falência da Grécia e as dificuldades econômicas de países como Espanha, Portugal, Itália e Irlanda mostram exatamente o contrário. FMI e a União Européia têm exigido que o governo grego tome medidas de ataques à população, o que tem provocado a revolta dos trabalhadores através de diversas greves gerais. No Brasil, o governo Lula jogou bilhões de reais no sistema financeiro e concedeu reduções tributárias para a indústria a fim de minimizar os

Seminário da reorganização envolvendo Conlutas, Intersindical e outros setores abriu caminho para o Congresso da Classe Trabalhadora. efeitos da crise econômica em 2010 que poderia atrapalhar a candidatura de Dilma Rousseff. Há uma bomba relógio que poderá estourar logo depois das eleições. Independente de quem ganhe as eleições, Serra ou Dilma, mais ataques virão contra os trabalhadores brasileiros. Num provável governo Dilma, as direções governistas dos grandes centrais continuarão com as suas políticas de colaboração de classe e de afinidade com as políticas neoliberais que vem sendo implementadas. A tarefa de organizar a resistência passará necessariamente pela nova Central.

Que Central precisamos? Defendemos uma Central sindical e popular, com a participação dos movimentos estudantis e de luta contra as opressões de raça, gênero, etc, que adotem uma orientação classista. Uma das tarefas dessa nossa ferramenta é a de conseguir organizar

Manifesto do Bloco de Resistência Socialista ao Congresso da Classe Trabalhadora O Bloco de Resistência Socialista na Conlutas, que inclui os dirigentes e ativistas sindicais vinculados à corrente LSR, apresentou um Manifesto dirigido a todos os trabalhadores nas assembléias que elegerão delegados ao Congresso da Classe Trabalhadora. Os dirigentes e ativistas das seis correntes que compõe o Bloco (ARS, AS, GAS, LSR, MNS, Reage Socialista) com participação em entidades como: CPERS, Terra Livre, Oposição Apeoesp (SP), SEPE-RJ, Sindicatos de Gráficos de MG e DF, Oposição Sintaema (SP), Oposição Sind. Alimentação SJC e região (SP), Oposição Educação do PA, Sindsaúde do Rio Grande do Norte, e muitas entidades estudantis de universidades como USP, Unicamp, PUCCamp, UFF, UFRJ, UERJ, UFC(Ceará), UFS (Sergipe), etc. O Manifesto do BRS chama à construção de uma Central sindical, popular e estudantil, classista, socialista e radicalmente democrática e resume suas principais posições em 7 pontos: 1. Por uma nova central para responder á crise internacional do capitalismo com uma saída socialista; 2. Oposição de esquerda ao go-

verno Lula e à direita tradicional – ela unidade da esquerda socialista nas eleições; 3. Reivindicar a herança da Conlutas e superar suas limitações; 4. Construir uma central sindical, popular e estudantil; 5. Construir uma plataforma de lutas e um plano de ação para o próximo período; 6. Organização pela base e radicalização da democracia no movimento sindical, popular e estudantil; 7. Respeito às diferenças e à pluralidade política em todos os níveis. Você poderá ter acesso à integra do Manifesto na seguinte página na internet: www.lsr-cit.org/doc/ Manifesto_BRS.pdf

todos os explorados e oprimidos que não estão organizados na estrutura sindical, mas que continuam lutando por seus direitos nos mais diversos movimentos sociais. Esta central poderá unificar de forma democrática e conjunta os milhões de trabalhadores registrados, precarizados, desempregados, semterra, sem-teto, jovens, negros, mulheres, homossexuais, comunidades indígenas, enfim todo o conjunto da nossa classe que sofre com as consequências do capitalismo. Entretanto, a tarefa da Nova Central não será apenas a de incorporar esses movimentos sociais, mas participar de suas elaborações políticas e organização. É preciso resgatar as melhores tradições do movimento social e do sindicalismo combativo, democrático e organizado pela base contra a estrutura sindical burocrática e cupulista existente no país. Defendemos uma Central radicalmente democrática, com uma estrutura baseada na participação direta das entidades. Uma Coordenação Nacional formada por representantes das entidades que se reúna periodicamente é uma necessidade para evitar a verticalização e a concentração de poderes numa cúpula restrita. Ao mesmo tempo, é preciso garantir o direito à pluralidade interna, sem a ditadura da maioria, mas sem também o despotismo de uma minoria. Queremos uma Central que tome decisões e funcione de forma democrática e efetiva. Construir essa Central se fará cometendo erros e aprendendo com a experiência. Mas, é preciso começar já.

O papel da Conlutas na formação da nova Central A Coordenação por uma nova Central criada no Seminário Nacional realizado em novembro do ano passado vem se reunindo periodicamente e tem aprofundado o debate sobre os mais variados temas. Apesar de muitos consensos estabelecidos entre os diversos setores, como o de se votar a natureza da nova Central, há muitos outros pontos importantes onde há divergência, como a forma de eleição e a composição da direção executiva e o nome da nova Central. Para nós da LSR, estas diferenças, apesar de importantes não podem co-

locar em risco o projeto de construirmos uma nova Central em junho deste ano. O II Congresso da Conlutas, que acontece nos dias 3 e 4 de junho, imediatamente antes do Congresso da Classe Trabalhadora, deve jogar um papel de armar a Conlutas como força de impulsione a nova Central e impeça qualquer recuo na perspectiva de sua formação. A Conlutas, que foi um dos pólos principais a impulsionar o processo que está culminando com formação da nova Central e deve continuar jogando esse papel. Nossa entidade não pode se transformar num obstáculo à unificação do movimento sindical e popular combativo e independente. Defendemos que muito da experiência construída pela Conlutas deve ser resgatado na nova Central. Ao mesmo tempo, a nova Central deve resultar numa síntese superior às organizações preexistentes. Os limites e erros cometidos pela Conlutas, embora menores do que os identificados na experiência da Intersindical, também não podem ser ignorados. Na Conlutas, nem sempre, a retórica em defesa da democracia e pluralidade interna transformou-se em prática coerente por parte do setor majoritário da Conlutas. Um exemplo marcante foi a composição da Secretaria Executiva Nacional logo depois do I Congresso da entidade, quando o PSTU tentou impor os nomes do organismo usando sua posição hegemônica.

Os interesses da classe em primeiro lugar A nova Central não pode ser palco de uma disputa nociva pela hegemonia interna a qualquer preço. A esquerda socialista não tem o direito de priorizar a construção individual de suas correntes ou partidos em detrimento dos interesses históricos da classe trabalhadora brasileira. Por isso, é preciso garantir um processo negociado de construção das bases políticas e organizativas para a nova Central. Não é possível admitir que temas como o nome da nova Central transforme-se em justificativa para a divisão entre os setores envolvidos no Congresso. Qualquer sectarismo, vindo de onde vier, neste momento, representará um grande atraso no processo de organização e tomada de consciência dos trabalhadores brasileiros.

Protesto contra congelamento de salário de servidores SÃO PAULO Mais de 500 servidores de diversas categorias participaram do Ato Unificado realizado no dia 27 de abril em frente ao prédio do Banco do Brasil, onde funciona o escritório de Representação do Governo Federal. Funcionários do Incra, do Ibama, da DRT, Ipen (Instituto de Pesquisa Nuclear) e do INSS, se uniram aos servidores do Judiciário Federal na luta contra o PLP 549/09, que congela o salário do funcionalismo por 10 anos. Representando os servidores do Incra, Elton Lucinda informou que a categoria decidiu entrar em greve a partir do dia 03. Para ele, essa é a única forma do governo abrir negociação com os servidores, que estão com salários arrochados e defasagem no quadro de pessoal. “Esse é um governo que nunca cumpriu um acordo com a categoria. A greve é o único instrumento para abrir a negociação”, disse. Já no dia 15 de abril, como parte da jornada nacional de mobilização do funcionalismo, dois mil servidores do país inteiro se reuniram em Brasília para protestar contra a PLP 549/09.

STJ concede a casal de lésbicas o direito de adoção LGBTT Pela primeira vez no país, um tribunal superior reconhece o direito de adoção para casais homossexuais. Foi a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que por unanimidade tomou essa decisão no dia 27 de abril. Apesar de o julgamento ter tratado de um caso específico, ele pode influenciar futuras decisões sobre o tema. O casal de Bagé (RS) já tinha obtido o reconhecimento da adoção de duas crianças no Tribunal de Justiça, mas isso foi contestado pelo Ministério Público. As duas crianças foram adotadas ainda bebês por uma das mulheres do casal como solteira. Anos depois, ela solicitou à justiça que a adoção passasse a valer para o casal. O caso ainda vai ser analisado pelo Supremo Tribunal Federal.

Fornecedor da JBS Friboi mantinha 28 escravos ESCRAVIDÃO NO CAMPO Fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério Público do Trabalho encontraram recentemente 28 trabalhadores em condição análoga à escravidão na Fazenda Tarumã, em Santa Maria das Barreiras (PA), da CSM Agropecuária. Os trabalhadores rurais viviam em construções precárias (sem acesso a estruturas básicas de sanitários, acesso à água e luz, dividindo espaço até com cavalos e mulas), eram submetidos a longas jornadas (das 5h da manhã às 18h, sem descansos regulares) e sufocados pelo endividamento (cobranças de "aluguel", de alimentação e até equipamentos de proteção e ferramentas de trabalho). A Fazenda Tarumã atuava como fornecedora da JBS Friboi. Com cerca de 30 mil cabeças de gado, a propriedade dispõe até de pista de pouso, com hangar, para aviões de pequeno porte.


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Luta contra a criminalização de entidades de luta

Uma vitória do movimento estudantil na Unicamp A Unicamp, através de seu reitor, Fernando Costa, e da procuradoria geral da universidade, iniciou no mês de março uma série de processos de sindicância contra estudantes. A acusação era de realização, sem autorização prévia, de festas com consumo de álcool no campus. Esta proibição estaria indicada no regimento interno da Unicamp de 1979, portanto, da ditadura militar. Maycon de Oliveira Campo estudantil Construção –Unicamp Eu fui o primeiro indiciado, na responsabilidade de Coordenador do Centro Acadêmico de Pedagogia. Em seguida, veio uma série de convocações de estudantes de diversos institutos para “prestar esclarecimentos” sobre as festas ocorridas neles.

A criminalização das entidades de luta Na realidade, esta é uma tentativa indiscriminada de reprimir o movimento estudantil, já que os acusados, na maioria das vezes, pertencem aos centros acadêmicos que, no ano passado, foram justamente aqueles que se posicionaram contra a UNIVESP, programa degradante da educação superior que implementa a educação

à distância. A Faculdade de Educação, que alavancou a greve dos estudantes ano passado na Unicamp, também teve o primeiro indiciado. Trata-se de uma tentativa da reitoria de amedrontar os estudantes. Pois punindo pela realização de simples festas, o que poderia ocorrer em relação às manifestações de oposição à reitoria, como atos e ocupações?

versidade, posicionando-se contrariamente à repressão da segurança no campus, e contra o regimento da Unicamp, que data da ditadura militar.

Caráter elitista

A resposta do movimento estudantil Mas o movimento estudantil soube dar uma resposta rápida e organizada aos ataques da reitoria. Reunindose no Centro Acadêmico de Pedagogia logo após o depoimento do primeiro indiciado, os estudantes chamaram uma assembléia geral e formaram um comando de mobilização. Diante da proposta dos companheiros do DCE, dirigido pelo campo Domínio Público, de realizar assembléia somente três semanas depois, com o argumento da dificuldade de se organizar uma assembléia em uma semana, o campo Construção e outros coletivos, junto com a maioria da assembleia, posicionou-se pela organização rápida para responder aos ataques. O resultado da assembleia foi o fortalecimento do comando de mobilização, a organização de um “pula catraca” no restaurante universitário e de um ato até a Procuradoria Geral.

Educação Unicamp: reitoria tentou punir quem primeiro se levantou para lutar. A princípio, a Reitoria não aceitou a da socialização no interior do campus reivindicações do movimento estu- e da ocupação do espaço público. dantil, especialmente o cancelamento Faz parte das lutas políticas no intedas sindicâncias. Mas após um ato rior da universidade, porque, diante em frente à reitoria com adesão dos dessas proibições e tentativas de puestudantes, o Reitor foi forçado a nição, lutar por festas é lutar por voltar atrás e suspendeu os processos democracia e pelo direito de orgade sindicância para negociar os termos nização independente dos estudanda realização de festas. tes. Esta foi uma vitória do Movimento Mas, para uma efetivação dessa Estudantil que mostrou que a luta vitória do movimento estudantil, é organizada é o caminho para res- preciso continuar a organização conponder aos ataques colocados pela tra a repressão no campus, dando reitoria e pelos governos. continuidade aos debates sobre a A defesa das festas é uma defesa utilização do espaço público da Uni-

Este regimento nos mostra, claramente, o elemento repressor na Unicamp e nos oferece ferramentas para politizar cada vez mais o movimento, discutindo o caráter excludente, elitista e autoritário da universidade pública. Só para citar alguns rápidos exemplos, o regimento prevê punições para casos de “desobediência, baderna, má conduta, algazarra, dentro e fora do campus” (esta parte foi utilizada para tentar punir os estudantes pela organização de festas), entre outras coisas muito questionáveis. Cabe questionarmos, por exemplo, o que é má conduta? Outra coisa também apontada pelo regimento é que a “Universidade se reserva o direito de desligar qualquer estudante que ela julgue indesejável”. A reitoria diz que passagens como esta são letra morta, mas bastou à reitoria querer e o regimento ditatorial foi reavivado para acusar de baderneiros diversos estudantes. É preciso fortalecer esse debate através dos CAs, preparando os estudantes para essa luta que apenas se iniciou. Força ao movimento estudantil para avançar nas lutas e nas vitórias!

‘Abril vermelho’ ocupa latifúndio em Fortaleza A jornada do ‘abril vermelho’ foi marcada pela ocupação de um latifúndio em Fortaleza. Cerca de 1,2 mil pessoas, na maioria de Fortaleza, ocuparam o Sítio São Jorge, de 800 hectares, no bairro José Walter, de propriedade da família Montenegro, desde a madrugada do dia 15 de abril. A ação foi organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pelo Movimento dos Conselhos Populares (MCP, integrante da Frente de Resistência Urbana) e por militantes do núcleo do PSOL nos bairros Granja Portugal e Conjunto Ceará. Carlos Alberto Ribeiro Diretório estadual PSOL-CE William Rodrigues Militante do movimento estudantil UFC Segundo um servidor do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) no Ceará, 10 hectares já é considerado latifúndio para uma cidade como Fortaleza. De acordo com dados do NUHAB,

Núcleo Habitação e Meio Ambiente (rede de movimentos populares e entidades com atuação na Reforma Urbana), Fortaleza conta com mais de 600 assentamentos irregulares e mais de 100 áreas de risco. Existem 13 áreas com ameaças de deslizamento, afetando 20.715 famílias, segundo dados da própria Defesa Civil de Fortaleza. Portanto, é um absurdo manter um latifúndio urbano em detrimento do déficit habitacional que só em Fortaleza é de 77.615 e na Região Metropolitana é de aproximadamente 140 mil unidades.

Déficit habitacional poderia ser eliminado Além desse latifúndio da família Montenegro, na capital cearense existem mais de 110 mil imóveis abandonados, segundo levantamento da Secretaria Municipal de Saúde. Ou seja, mais do que o déficit habitacional. Enquanto isso, o governo da prefeita de Fortaleza Luizianne Lins, PT, alega que falta terreno para construção de casas populares. Ora, não custa lembrar que apenas seis construtoras contribuíram com mais de R$ 2,569 milhões (de um total de

R$ 4,7 milhões declarados à Justiça Eleitoral) para a campanha à reeleição de Luizianne em 2008. Para a Defensoria Pública do Estado Ceará, caso as leis fossem cumpridas, não devia haver um déficit habitacional tão elevado, pois o ordenamento jurídico brasileiro reconheceu o direito à moradia como fundamental, incorporando-o na Emenda 26 da Constituição Federal, sendo incluído como direito social no artigo 6º. Em 2001 foi criado ainda o Estatuto da Cidade como marco legalurbanístico, regulamentando em nível federal normas referentes ao planejamento e gestão urbana. No entanto, o capitalismo é um sistema político e econômico que só visa o lucro para um punhado de gente. Mesmo que existam algumas leis para minimizar o sofrimento do povo pobre, estas não são cumpridas. Aproximadamente 8 milhões de famílias vivem sem condições adequadas de moradia no Brasil. Isso porque o Estado burguês, através de suas instituições e poderes executivo, legislativo e judiciário, está a serviço dos ricos. Ocupar e resistir nas terras para quem mora e trabalha é necessário, porém, avançando na luta para construir o socialismo.

Ocupação em Fortaleza: pela reforma urbana e agrária.

‘Abril vermelho’ de ocupações e protestos Todos os anos o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) realiza o “Abril Vermelho”, em memória do massacre de Eldorado dos Carajás em 1996 e para promover a luta pela reforma agrária. Esse ano foram realizadas manifestações em 20 estados, além de Brasília. Foram ocupados mais de 70 latifúndios, a maior parte localizada em Pernambuco.

A maioria das áreas ocupadas já foram classificadas como improdutivas em vistorias do Incra, mas ainda não foram desapropriadas e destinadas à Reforma Agrária. Também foram realizadas ocupações nas sedes do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Piauí, Paraíba, Rondônia, Pará, Maranhão e Mato Grosso.


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Tragédia no Rio de Janeiro

Sofrimento de muitos, lucro de poucos As tragédias causadas pelas fortes chuvas no Rio trouxeram a tona os estragos de outra tempestade, mas essa é permanente, a chuva de ataques e descaso do Estado e do poder público com a população. Foi mais do que evidenciado que os governantes tinham conhecimento sobre o alto risco que as famílias atingidas pela chuva corriam. E porque não foi feito nada para se evitar a tragédia? Mariana Cristina psicóloga e militante do PSOL Niterói Não só sabiam do risco que essas famílias corriam, como também incentivaram a ocupação e permanência nos morros, como no caso do Morro do Bumba, onde morreram mais de 60 pessoas, que se localiza na cidade de Niterói, a mais afetada do Rio, que teve ao todo 165 mortos. Esta favela foi construída em um terreno onde havia funcionado um lixão, no qual além de o solo não ser firme, poderiam ocorrer explosões de gases tóxicos, acumulados com a decomposição do lixo. Em troca de votos e da construção de um curral eleitoral a dinastia PT-PDT, comandada por Jorge Roberto Silveira (PDT), que se alterna no poder e governa a cidade há 20 anos, doou barracos nesta comunidade e fez obras de infra-estrutura, como o programa “Favela-Bairro”.

Governos não priorizam obras preventivas O prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira (PDT), destinou para obras de contenção de encostas a mísera quantia de 50 mil reais. Em contrapartida, para a construção de mais uma obra do “Caminho Niemeyer”, ponto turístico da cidade, uma torre panorâmica, estão previstos 19 milhões de reais. Após a tragédia, o governo municipal precisou solicitar a ajuda do governo federal com 14 milhões, para amenizar os efeitos. Nesta equação a falta de verbas e políticas reais de habitação digna (o município de Niterói gastou 0,01% de seu orçamento de 2009 em habitação) e prevenção de deslizamentos gerou não só um prejuízo de 14 milhões de reais, que sairão dos cofres

FSU: na luta pela reforma urbana RIO DE JANEIRO Entre 22 e 26 de março de 2010 aconteceu no Rio de Janeiro o Fórum Social Urbano (FSU). O FSU surgiu como um ato de resistência e crítica feito pelos movimentos sociais do campo e da cidade ao V Fórum Urbano Mundial, organizado pela ONU. Isso porque, em suas edições anteriores, o FUM se mostrou incapaz de superar a lógica da cidade-empresa competitiva, dos grandes projetos de impacto, que aprofundam as desigualdades sociais e ambientais das cidades. O FSU terminou deixando um saldo muito positivo: durante cinco dias milhares de pessoas se reuniram para debater propostas para uma cidade mais igualitária. Essas propostas serão incorporadas pelos diversos movimentos sociais na luta pela transformação da sociedade. Acompanhe o debate ocorrido acessando a página: http://forumsocialurbano.wordpress.com/

Ex-vereador do PSOL condenado por apoio a sem-tetos Resposta de luta à tragédia social no Rio. públicos, mas sim um sofrimento da população, que é incalculável. Ao total foram 12 mil pessoas desabrigadas no estado, 15 milhões que foram afetadas pelas chuvas e 251 mortos, sendo que mais de 90% eram moradores de favelas. Ainda existem centenas de pessoas morando em escolas públicas, sem água e sem luz, segundo o Comitê de Solidariedade de Niterói, nesta cidade em que os danos são maiores do que a mídia burguesa divulga. Ainda existem muitas casas em risco de deslizamento. O Morro do Céu, também construído sobre um lixão, está com vazamento de gás, correndo o risco de explosões. Nas escolas que servem de alojamento existe uma enorme proliferação de doenças, as diretoras querem expulsar os abrigados e estão ocorrendo casos de desvio de doações de alimentos. O governo está fazendo cadastro das pessoas, para realojá-las em lugares mais adequados, mas não está deixando protocolo, o que implica que não existe validade legal. Na prática a defesa civil não ajuda em praticamente nada a população das regiões ameaçadas. No entanto, o saldo final desta equação é positivo para os governantes e para a burguesia, que poderão utilizar-se da comoção pública para aprofundar a política de marginalizar, removendo a população das favelas, e culpabilizar os pobres,

Desastre no Morro do Bumba: governos são culpados.

atribuindo a eles a responsabilidade por sua condição. Mesmo antes de se ter a dimensão do tamanho da tragédia, com centenas de corpos soterrados e famílias desabrigadas, Sérgio Cabral (PMDB), governador do estado, se pronunciou defendendo a “necessidade” dos muros nas favelas, para impedir que novos “irresponsáveis” ocupem terrenos de risco, afirmando a necessidade de o estado ser ainda mais duro com estas pessoas. Na verdade, sabemos de sua preocupação em segregar e esconder atrás dos muros os pobres. Eduardo Paes, prefeito do rio, assinou um decreto autorizando “agentes públicos” a invadirem a casa das pessoas, moradores de favela, mesmo que à força, supostamente para garantir sua segurança. As favelas que estavam na lista para serem desabrigadas e lançadas para bem longe dos olhos dos turistas e dos centros econômicos e sociais, por conta dos grandes jogos esportivos, agora estão com seus dias contados, pelo que já foi anunciado pelo estado.

Especulação imobiliária O que está em jogo é o lucro gerado pela especulação imobiliária e a valorização de regiões a fim de atrair o turismo e investimentos econômicos. A mídia burguesa já anunciou o interesse de transformar o morro dos Prazeres em um dos pontos de visitação dos transatlânticos que aportam no Rio. Este foi o morro mais afetado pelas chuvas no município do Rio de Janeiro, que teve 30 mortos. Motivo perfeito para remover o quanto antes a favela, liberando para especulação imobiliária e para o turismo este terreno que se localiza no centro do Rio, possui vista para a cidade inteira e historicamente é importante, por ser o primeiro morro a ser ocupado no estado. Mal foi anunciado pelo estado o auxilio aos desabrigados, o miserável aluguel social, de 400 reais, que o valor dos alugueis em Niterói aumentaram cerca de 50%. Se aproveitando desta tragédia para fazer campanha, Sérgio Cabral entregou 90 casas em Niterói, número ínfimo comparado aos 7mil desabrigados. Para conseguir tirar a população

dos morros à força, os lançando em novas favelas, mas desta vez longe dos centros econômicos, o governo e a burguesia aprofundam uma campanha ideológica que associa a imagem dos moradores de favela a vagabundos, bandidos, preguiçosos, etc. Atualmente estão alegando que eles não aceitam sair de suas casas, mesmo que correndo risco de desabamento, pois não querem morar longe do trabalho. Junto a isto vemos a política de criminalização da pobreza se acentuando, quando um ato em protesto contra os efeitos das enchentes, ocorrido em um bairro nobre de Niterói, foi divulgado pela mídia como um arrastão.

Grande ato em Niterói A população pobre que acompanhou e foi vítima dos efeitos desta política de marginalização dos pobres, em prol dos lucros da burguesia, já está se questionando sobre a legitimidade desta política. Em Niterói ocorreu o maior ato dos últimos tempos, com representantes de 15 comunidades, que não tinham organização popular antes destes eventos e mais de mil participantes, que seguravam cruzes, com amplo apoio dos transeuntes. Outras manifestações ocorreram, explosões de raiva e indignação, sem organização prévia, ou direção de entidades, ou grupos políticos organizados. Já existe um calendário de atividades, ocorreu uma audiência pública, na qual as autoridades reafirmaram seu descaso. Esta luta e que cada vez mais ganha novos adeptos, já totalizam 20 comunidades no Comitê de Solidariedade de Niterói. Enquanto milhões de famílias permanecem desabrigadas, dezenas de prédios e terrenos públicos no centro do Rio de Janeiro, Niterói e outros centros econômicos e sociais, encontram-se sem uso. Este é mais um exemplo que aponta o antagonismo entre os interesses da burguesia e dos governantes e a satisfação das necessidades básicas da população. As conquistas que a população tem hoje, mesmo que ainda poucas e limitadas, só ocorrem quando são tomadas com suas próprias mãos.

SÃO BERNARDO No dia 12 de abril, o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou o ex-vereador Aldo Santos a cinco anos de suspensão de seus direitos políticos e pagamento de uma multa equivalente a cinco vezes o salário que recebia à época como vereador. Isso pelo apoio ao acampamento Santo Dias organizado pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) em São Bernardo do Campo. O acampamento Santo Dias teve início no dia 19 de julho de 2003 e contou com a participação de 7 mil pessoas que ocuparam por vinte dias um terreno de 200 mil metros quadrados da Volks Caminhões. Após o fim da ocupação, que foi reprimida duramente pelo governo Alckmin, o ministério público de São Bernardo do Campo moveu uma batalha jurídica contra o MTST e seus líderes. Aldo foi acusado de ato de improbidade por ter colocado seu mandato em apoio à mobilização.

Duas mil famílias ocupam prédios no centro de São Paulo SÃO PAULO Cerca de duas mil famílias ocuparam dois prédios abandonados na região central de São Paulo e um terreno no M’Boi Mirim, na Zona Sul, na madrugada de 26 de abril. Ao mesmo tempo foi organizado um acampamento nas proximidades da Prefeitura para denunciar a falta de moradias na cidade. As ocupações foram organizadas pela Frente de Luta por Moradia (FLM). Um dos principais objetivos é questionar as condições para a participação em programas habitacionais, como os do governo federal, que exigem renda de três salários mínimos. “Para nós aqui em São Paulo não fluem os projetos habitacionais. Não há atendimento para quem ganha até 3 salários mínimos, justamente quem mais precisa. Para essa faixa de renda, não foi assentado nenhum tijolo do ‘Minha Casa, Minha Vida’”, diz a carta de reivindicações da FLM.


6 • especial: PSOL e as eleições 2010

Ofensiva Socialista n°04 maio/junho - 2010

Nem Dilma, nem

PSOL lança Plín Depois de muito debate e uma dura luta política interna, o PSOL lançou Plínio de Arruda Sampaio como seu pré-candidato a presidente nas eleições de outubro desse ano. Essa foi a principal deliberação da III Conferência Eleitoral do partido, realizada em 10 de abril no Rio de Janeiro e representou uma grande vitória para a esquerda socialista brasileira. A campanha de Plínio já está sendo construída junto aos ativistas e militantes dos movimentos sociais e da esquerda e pretende denunciar a falsa polarização entre Dilma e Serra, levantando uma alternativa socialista para o país. Um dos desafios centrais agora é convencer o PSTU e PCB a não dividirem a esquerda socialista nas eleições e comporem com o PSOL uma Frente de Esquerda e dos trabalhadores. André Ferrari Membro do Diretório Nacional do PSOL Além de formalizar o nome de Plínio como pré-candidato do partido, a Conferência do PSOL votou um Manifesto político que reivindica um programa “que parta das demandas sociais e populares, da defesa dos direitos da classe trabalhadora e do povo, e que coloque em pauta propostas que ataquem de frente a hegemonia do capital financeiro, que defendam a soberania nacional, que caracterizem a marca anticapitalista e ecossocialista do nosso projeto de governo e da nossa campanha”. O Manifesto ainda conclama à retomada da Frente de Esquerda com o PSTU e PCB, além de reivindicar uma campanha eleitoral inserida nas lutas sociais, populares e dos trabalhadores, por terra, moradia, direitos sociais e todas as demandas de nossa classe. A campanha também deve contribuir com o processo de formação de uma nova Central combativa, independente e classista. A eleição de parlamentares socialistas tem como objetivo, segundo o Manifesto, construir porta-vozes das demandas populares que denunciem as mazelas sociais e as negociatas dos poderes da República. A campanha eleitoral de Plínio e do PSOL, de acordo com o Manifesto, deve ser de massas, “uma campanha socialista” e baseada nas “bandeiras históricas da classe trabalhadora e do povo”. A Conferência Eleitoral ainda votou resoluções convocando a realização

A escolha de Plínio como candidato do PSOL representou uma dolorosa derrota de todos aqueles (as) que pretendiam levar o partido a uma coligação com o PV de Marina Silva e Zequinha Sarney.

de um Seminário de Programa, com datas indicativas de 26 e 27 de junho, visando construir uma plataforma unitária da esquerda socialista no processo eleitoral. Além disso, foi votada uma Carta Compromisso para todos os candidatos que se apresentarão pelo PSOL. Nessa Carta, entre outros inúmeros pontos, está o veto a contribuições financeiras de bancos, multinacionais e qualquer empresa com contenciosos trabalhistas e ambientais.

O significado da vitória de Plínio A vitória de Plínio na Conferência do PSOL representou uma derrota dos métodos do vale-tudo na disputa política dentro da esquerda. Saíram derrotados da Conferência aqueles que promoveram ações como o seqüestro da página do partido na internet, bloqueio financeiro para inviabilizar reuniões das instâncias dirigentes, irregularidades e até fraudes comprovadas em Plenárias locais, além da ‘guerrilha’ de boatos, calúnias e desinformação pela internet. Mas, a disputa no PSOL não se resumiu à luta contra os métodos golpistas e burocráticos dentro da esquerda. A escolha de Plínio como candidato do PSOL representou uma dolorosa derrota de todos aqueles (as) que pretendiam levar o partido a uma coligação com o PV de Marina Silva e Zequinha Sarney. Foi, portanto, uma vitória do projeto que visa reconstruir uma esquerda socialista no país baseada na independência de classe dos trabalhadores e na defesa de uma alternativa socialista. O projeto de coligação com o PV refletiu a enorme pressão eleitoralista sobre o PSOL, numa conjuntura marcada pela confusão ideológica, ilusões no governo e grandes dificuldades para a generalização das lutas sociais numa perspectiva de transformação radical. Marina não representa alternativa a Dilma ou Serra e não se apresenta como oposição a ninguém. Declara

A vitória de Plínio no PSOL foi uma vitória da esquerda socialista. querer dar continuidade à política econômica de FHC e Lula e aceita a lógica do jogo político dominante. Sem qualquer pudor, seu partido, o PV, fará coligações estaduais com PT, PSDB, DEM e o que mais aparecer. Sua alternativa ambiental se mostra débil e ineficaz ao não questionar seriamente a lógica do mercado. Basta ver sua atuação como ministra de Lula – o governo da privatização e devastação da Amazônia, do enfraquecimento e divisão do IBAMA, enfim, o governo de Belo Monte e o terrível desastre ambiental e social que provocará se não for barrado. Se vitoriosa, a pré-candidatura de Martiniano Cavalcanti teria levado o PSOL a ser uma mera linha auxiliar de Marina Silva nas eleições. Descaracterizaria completamente o partido e faria regredir o já difícil processo de recomposição da esquerda socialista no Brasil. Ao contrário, a vitória de Plínio abre a perspectiva de uma campanha eleitoral vinculada às lutas dos trabalhadores e aos movimentos sociais. Plínio não será candidato para disputar dentro da ordem, mas para questionar a ordem estabelecida e colocar o socialismo na agenda dos debates para milhões de brasileiros e brasileiras.

Lições da crise do PSOL Embora o momento seja de colocar o bloco na rua e partir para a disputa de corações e mentes de milhões na campanha, o processo de recomposição da esquerda só poderá efetivamente avançar com Plínio candidato se os militantes e dirigentes do PSOL e do conjunto da esquerda tirarem todas as lições do que representou a disputa interna no partido.

Aliás, nesse aspecto, houve uma clara e perigosa limitação na Conferência Eleitoral do PSOL. Em meio à crise e à divisão promovida pelo setor que apoiou a pré-candidatura de Martiniano Cavalcanti, a mesa coordenadora da Conferência preferiu suprimir o direito dos militantes defenderem em Plenário as Teses debatidas durante todo o período prévio à Conferência. Isso prejudicou seriamente o debate de fundo sobre a situação do partido e as tarefas para avançar. A crise do PSOL tem raízes numa situação política difícil e uma relação de forças desfavorável para a luta de massas. Mas, isso não explica tudo. Na verdade, se queremos construir um partido socialista é exatamente para poder incidir sobre essa realidade difícil e transformá-la. A justificativa histórica do PSOL só existirá se for capaz de enfrentar essas situações e superá-las. Desde sua fundação em 2004, o PSOL vive um processo gradual de descaracterização enquanto partido militante e voltado à intervenção nas lutas. Cada vez mais, a lógica interna vai se tornando a de um partido para disputar eleições. Internamente isso se reflete no fato de que, em cada novo momento da vida partidária, o que vemos é um grau a mais de diluição do caráter militante projetado na origem do PSOL. No II Congresso do PSOL (2009) sequer os tímidos critérios de pagamento de cotas e participação em pelo menos três reuniões foram exigidos para que o filiado pudesse votar. Houve um inchaço sem critérios na base e um fechamento na cúpula (o II Congresso teve menos da metade dos delegados do I Congresso). A tendência aponta para o terrível cenário petista de filiação massiva,


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especial: PSOL e as eleições 2010 • 7

Serra ou Marina...

nio presidente! despolitizada e sem critérios, utilizada apenas como massa de manobra nas votações internas. Essa dinâmica, apoiada pela grande maioria das correntes da direção do partido, é o que está na base das distorções e práticas degeneradas observadas na Conferência Eleitoral por parte de alguns setores. Junto com a diluição do caráter militante do partido, existe o rebaixamento da linha política sob a forte pressão eleitoralista. Os setores que apoiaram Martiniano não foram os únicos que defenderam a coligação com o PV num primeiro momento. Junto com eles, a maior parte das correntes que compuseram a chapa majoritária no II Congresso do partido, também defendeu o esforço para buscar uma aliança com o PV. A derrota das intenções de coligação com o PV e a vitória de Plínio foram, portanto, vitórias da base militante do partido contra a maioria de seus dirigentes. A vontade da base do PSOL derrotou a posição da presidenta do partido, Heloísa Helena, indicando que não quer um partido com chefes inquestionáveis. Essa mesma base também obrigou outros setores majoritários a mudar de posição. Esses são sinais de que ainda existe uma militância ativa no PSOL e sobre a base dessa militância é que se podem avançar nas transformações necessárias no partido. O eleitoralismo e a perda do caráter militante do PSOL são uma receita acabada para fazer ressurgir entre nós os terríveis e nefastos desvios da experiência petista. É preciso cortar esse mal pela raiz. Para isso, é preciso que todos aqueles que se mostraram indignados com os métodos golpistas no PSOL avancem em suas conclusões e adotem um novo rumo no partido. Para o PSOL, no futuro, só existem dois caminhos. Se não avançar claramente na direção de transformarse num partido militante, democrático, inserido nas lutas e com um claro projeto socialista, tenderá a retroceder cada vez mais na direção das terríveis práticas que observamos nos últimos meses. A formação do PSOL foi um acerto e uma necessidade no processo de recomposição da esquerda. É preciso resgatar seu projeto original e avançar

Apesar do tempo perdido pelo PSOL com a fracassada negociação com o PV, não existe, nesse momento, nenhum argumento minimamente aceitável para que não se forme uma Frente de Esquerda.

na superação da política e dos métodos petistas. As decisões da Conferência Eleitoral e a campanha de Plínio, mesmo com todas as dificuldades, oferecem possibilidades para um avanço do PSOL. Mas, é preciso ir além. É preciso acabar de vez com qualquer possibilidade de coligações com partidos governistas e/ou burgueses nos estados. É preciso construir uma campanha militante que se reverta em organização de base. É preciso aprofundar o programa realmente numa direção anticapitalista e socialista. Uma saída pela esquerda, com a retomada de elementos do projeto original do PSOL é necessária. Sem isso, o que veremos depois das eleições é uma contra-ofensiva de tudo aquilo que abominamos no último período na disputa interna do PSOL.

Acumular forças para a luta socialista A falsa polarização entre Serra e Dilma, insuflada pelos partidos majoritários e a mídia burguesa, não esconde que o projeto de ambos vai na mesma direção: garantir os interesses do grande capital, dos banqueiros, transnacionais, tubarões capitalistas e latifundiários. Mesmo numa conjuntura de ilusões no governo, a campanha de Plínio tem condições de furar parcialmente esse bloqueio. Construindo-se entre os sem-terra, entre os trabalhadores que lutam, os estudantes e a juventude trabalhadora, as mulheres, negros, índios e LGBTT, a campanha de Plínio vai buscar arrancar a máscara de Dilma e Serra. Defendendo uma alternativa anticapitalista e socialista, poderá servir para que acumulemos forças diante dos fortes enfrentamentos que virão. O futuro governo burguês, com

Serra ou Dilma, não hesitará em jogar nas costas dos trabalhadores o peso da crise do capitalismo e o fará de uma forma ainda mais intensa que Lula. A caixa de maldades terá que ser aberta para garantir os interesses das elites e para enfrentar a crise internacional que se mantém. Serra ou Dilma estão comprometidos até a medula com a política de ajuste fiscal, cortes nos gastos, ataques ao funcionalismo, desmonte dos serviços públicos e destruição do meio ambiente. Como serão governos mais frágeis, pois não poderão contar com as grandes ilusões existentes em Lula hoje, o nível de repressão a quem ousa resistir será maior. Mas, o nível das lutas, da resistência e da polarização social e política também. Por isso, é preciso passar pelo teste de 2010, para chegarmos com força em 2011 e na nova etapa que se abrirá. Isso significa combinar a organização da luta hoje, incluindo a formação da nova Central, com a construção da campanha socialista de Plínio.

Um chamado enfático ao PSTU e PCB – reconstruir a Frente de Esquerda! Nesse contexto, a fragmentação da esquerda socialista nas eleições é algo inaceitável. Apesar do tempo perdido pelo PSOL com a fracassada negociação com o PV, não existe, nesse momento, nenhum argumento minimamente aceitável para que não se forme uma Frente de Esquerda e dos trabalhadores nessas eleições. É preciso reconhecer que o erro da tentativa de negociação com o PV foi um grande obstáculo para o aprofundamento das relações entre o PSOL, PSTU e PCB. A responsa-

bilidade do tempo perdido é da direção do PSOL. Porém, esse obstáculo já foi retirado do caminho. A vitória de Plínio não é uma vitória apenas dos setores do PSOL que combateram a linha oportunista de coligação com o PV. É uma vitória do conjunto da esquerda que desde o início defendeu uma campanha classista e socialista. É, portanto, uma vitória também do PSTU e o PCB. Se estes partidos não reconhecem a vitória de Plínio como uma vitória também sua, acabam, mesmo sem desejar, fortalecendo o campo derrotado. Por que o PSTU e o PCB não aceitam participar do processo de elaboração do programa da campanha de Plínio de forma aberta e democrática? Por que o PSTU e o PCB não aceitam sentar para discutir as bases de uma campanha unitária da esquerda? O PSOL está chamando formalmente, a partir de resoluções de sua Conferência e de sua direção nacional, o PSTU e o PCB para a realização de um Seminário de Programa e reuniões para discutir sobre composição da chapa, nomes, eixos programáticos e todos os pontos relacionados à campanha. Por que não aceitar? Mesmo respeitando a autonomia desses partidos, uma recusa não se justifica. O preço a ser pago por todos nós pela divisão da esquerda nessas eleições, recairá com ainda mais força sobre quem responder negativamente a essas propostas. Ainda é tempo. Podemos passar por 2010 com uma significativa vitória da esquerda a despeito das dificuldades e contradições do momento político atual. É preciso unificar a esquerda socialista nas urnas e nas ruas. Vamos juntos construir uma nova central unitária, classista e combativa para organizar a luta direta dos trabalhadores. Vamos juntos também construir uma Frente de Esquerda com um programa e uma campanha socialistas com Plínio presidente!

PCB, PSTU e PSOL: Frente de Esquerda em 2006 – por que não em 2010?.


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8 • saúde/mulheres

Conferência de Saúde Mental: cuidado ou insanidade? Neste ano eleitoral, entre os dias 9 e 11 de abril, realizou-se em Campinas-SP a II Conferência Municipal de Saúde Mental. Esta faz parte do chamado controle social, do SUS, isto é, o espaço “democrático” de proposição e avaliação das políticas públicas pela população. Esse processo deveria incluir ainda a etapa Estadual, que em São Paulo não foi convocada porque o governo do PSDB alegou que a conferência poderia se tornar palanque para o lançamento de Dilma Roussef. A etapa Nacional está prevista para o final de junho deste ano. Mas qual a função das conferências e o que podemos esperar desse processo? Cristiane Marçal Psicóloga Pela etapa municipal é possível perceber que as conferências, inicialmente, funcionam como depósitos de angústias e inquietações e, ao longo do processo, vão se transformado em momentos de grandes exaltações de conquistas parciais, ainda que importantes para a vida de um usuário do sistema de saúde que antes era internado no manicômio e que hoje frequenta um serviço susbtitutivo como o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). É assustador vermos usuários e trabalhadores tomarem esse espaço como a única possibilidade de se organizarem e ficarem horas a fio

debatendo quem erra ou acerta no processo de construção do SUS, mas não debaterem, por exemplo, de onde viria o financiamento para as ações da rede substitutiva ao manicômio da saúde mental ou como o espaço do controle social vem sendo boicotado, com as políticas sendo implementadas mesmo sem a aprovação do Conselho Municipal de Saúde – como no caso da “privatização” do Complexo Hospitalar Ouro Verde em Campinas, que hoje está sob a gestão de uma Organização Social – uma forma de promover a terceirização na saúde. Sabe-se que apenas em 2006 o financiamento dos serviços substitutivos foi maior que o dos hospitais psiquiátricos e que, mesmo estando previsto que para cada 200 mil habitantes já se possa ter um CAPS III (Centro de Atenção Psicossocial 24h), existem apenas 48 CAPS III no Brasil, sendo que 6 em Campinas.

social-democracia “desse certo”, não seria possível dar conta da intensa produção de sofrimento que vemos a cada dia em um mundo capitalista. Vemos este sofrimento brotando aos montes entre os trabalhadores das linhas de produção, dos “call centers”, entre o funcionalismo público cada vez mais punido pela luta por seus direitos, entre outras categorias.

Doenças do trabalho

Conferência de Saúde Mental: vivemos a loucura em mundo são ou adoecemos em um mundo cada vez mais louco?

“Empresas de loucura” O CAPS III é uma das novas formas de se lidar com as pessoas quando entram em crise, surtam, ou pioram seu quadro, pois os profissionais já as conhecem e o serviço está no território no qual vivem. A consequente falta desses serviços vêm mobilizando familiares que são impulsionados por uma onda conservadora que pede o retorno das internações a longo prazo, nos moldes do manicômio. Estes eram e são “empresas da loucura”, pois obtêm grandes lucros, através da exclusão das pessoas do convívio na sociedade,

e retira delas a possibilidade de verem outra forma de cuidado do sofrimento mental. A Lei nº 10216/2001, da Reforma Psiquiátrica, demorou 12 anos para ser aprovada e com importantes alterações. Cinco anos se passaram para que o repasse fosse maior para os serviços que substituem o manicômio. Mas, efetivamente, a mudança impulsionada pelo Movimento da Luta Antimanicomial foi se estacionando, e o que vemos é o desvio da idéia inicial e uma mudança de aparências, no nome e não no modelo implementado. O manicômio ainda

existe, mesmo que em um novo formato. Assim, em 2010, é possível se falar em avanços da Reforma Psiquiátrica para a IV Conferência Nacional de Saúde Mental? Mesmo o Brasil sendo um país capitalista dependente, por si só isso não explicaria nossas dificuldades. Ou acreditamos que se fossemos as grandes potências imperialistas estaríamos com a questão da saúde mental resolvida? Elas não estão. Seja lá qual for a grandeza de recursos e investimentos nessas áreas, dentro do capitalismo, mesmo que a

Milhões são os exemplos de novas doenças do trabalho que surgem – como a Síndrome do Burnout (esgotamento físico e mental pelo trabalho), que tem levado trabalhadores inclusive à morte. Esses códigos de doença, rótulos, escondem por detrás a intensa selvageria na qual trabalhadores submetem suas vidas ao se adaptarem ao mercado de trabalho. Muitas vezes chegam ao limite extremo de se adaptarem a condições de vida extremamente doentias. Ao pensarmos nos processos das conferências de saúde mental vemos um clima de euforia que em muito se afasta das lutas colocadas pelo próprio movimento da Luta Antimanicomial – que não rompia com o status quo, mas pontuava, entre outras coisas, que a loucura era um produto da sociedade que vivemos; que a sua solução deveria vir através da reflexão e mudança da produção da loucura nessa mesma sociedade. Onde os rumos da luta antimanicomial mudaram? Quem esqueceu para onde íamos? Vivemos a loucura em mundo são ou adoecemos em um mundo cada vez mais louco?

Aborto: Crime de q u e m ? No dia 9 de Abril de 2010, cinco mulheres foram condenadas em Campo Grande (MS) por trabalharem em uma determinada clínica clandestina de aborto que funcionava a cerca de 20 anos na cidade. Elas tiveram penas que variaram de um ano e meio a seis anos e meio em regime aberto e semi aberto. A condenação destas mulheres apenas denuncia a falta de política pública em relação ao aborto neste país. Thais Pacheco e Jane Barros Não podemos esquecer que somente recorrem a este método as mulheres que podem pagar. As que não podem, realizam aborto com métodos rudimentares colocando a sua saúde e sua vida em risco. Mesmo as clínicas clandestinas não têm como garantir a segurança necessária por não possuir nenhum órgão de fiscalização diante da ilegalidade de tal ato. Ilegalidade esta que custa a vida de mulheres e garante lucros exorbitantes para os donos deste negócio. Estas clínicas lideraram o ranking das atividades lucrativas ilegais, segundo a ONU, perdendo apenas para o tráfico de drogas e armas. Esta ação em MS evidencia a urgência da organização da nossa luta contra a criminalização do aborto. Por mais

irônico que isso possa ser, muitas destas mulheres que realizaram tal procedimento, podem estar vivas hoje por terem recorrido a uma clínica clandestina. A clandestinidade desta ação só acontece por não ser legalizado o Aborto no Brasil, como já é possível em diversos países, como Cuba, Porto Rico e na Guiana, França, Suécia, México, dentre outros. Em um relatório produzido pela Rede Feminista de Saúde (2004), foi identificado um crescimento do numero de médicos e enfermeiras presas nas clínicas de aborto, assim como também aumentou o número de registro de mulheres na delegacia por aborto provocado, estas denunciadas pelos médicos. Estas denúncias são caracterizadas como quebra de sigilo profissional, sendo prevista penas, prisões e indenizações por danos morais. Entretanto essas sanções aos médicos que denunciam nunca são cumpridas.

Projeto que legaliza o aborto foi engavetado Criminoso é este Estado e este governo Lula que, por conta dos acordos, barganhas de cargo e alianças com as igrejas evangélicas e católicas, engavetou um projeto de lei favorável a legalização do aborto. É importante denunciar os responsáveis e algozes desta barbárie, que prende trabalhadoras, culpabiliza as mulheres por

decidirem sobre seu próprio corpo e por não estarem submetidas a uma concepção de vida cristã, algo que não deveria ser imposto por um Estado supostamente laico. Por isso não é de se espantar que os mais amplos setores da direita, com a conivência do governo Lula, tenham atacado novamente a possibilidade de descriminalização e legalização do aborto no Brasil. Retiraram do III Plano Nacional de Direitos Humanos o item que apontava a revisão da legislação punitiva do aborto. O plano que foi construído com a ampla participação popular, foi barrado pelas camadas poderosas da sociedade, negando dessa forma o direito da mulher sobre o seu próprio corpo.

Luta pela saúde da mulher A defesa da legalização do aborto é parte da luta por uma saúde publica que se atente à vida reprodutiva da mulher, onde nós mulheres, jovens, trabalhadoras, negras possamos decidir se queremos ser mães ou não. Esta é a nossa luta. A decisão por fazer um aborto não pode ser de um ser externo à mulher, ou de algo externo ao seu corpo. Por isso defendemos que a mulher tenha o direito de decidir pelo seu corpo. Como socialistas não podemos nos restringir a uma discussão parcial da realidade. Não podemos ignorar

Crime é permitir que milhares de mulheres morram como conseqüência de aborto mal feito. o fato de que a igreja se utiliza de argumentos infundados e dogmáticos para oprimir ainda mais as mulheres. Independentemente da nossa concepção de mundo e vida, não podemos fechar os olhos para as mulheres que hoje morrem por tomarem esta decisão legitima, de interromper uma gravidez. Não podemos mascarar a realidade de que hoje em dia o aborto é “legal” para quem pode pagar, cabendo às trabalhadoras o “titulo” de criminosas e assassinas. Isso é uma questão de classe. Estamos falando da vida de milhares de mulheres trabalhadoras. Hoje em dia as criminalizadas somos nós, mulheres, trabalhadoras. Entretanto crime é permitir que milhares de mulheres morram como conseqüência de aborto mal feito. Essa é a quarta maior causa de mortalidade materna. É preciso denunciar os responsáveis por este crime: o governo Lula, as igrejas, a direita.

Isso é tarefa do movimento dos trabalhadores, das organizações classistas, e dos partidos socialistas. A luta em defesa da vida das mulheres trabalhadoras é a luta do conjunto da nossa classe!

4 Repúdio total à punição das mulheres criminalizadas no Mato Grosso do Sul! 4 Contra a criminalização das mulheres que abortam e pela legalização do aborto! 4 Aborto: as mulheres decidem, a sociedade respeita, o estado garante! 4 Direito à vida, direito ao corpo, legalização do aborto! 4 Pela autonomia da mulher!


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análise • 9

Belo Monte de mentiras para manter os 500 anos de dominação demanda, ao mesmo tempo cobrando tarifas progressivas dos consumidores residenciais. O processo de instalação da usina já começou com inúmeras irregularidades. Primeiro, as comunidades indígenas não foram ouvidas e o projeto da usina não foi claramente apresentado a elas, como determina a lei. A vergonhosa licença ambiental dada pelo IBAMA autoriza um reservatório de 400 km2, no entanto, o edital do leilão aponta um de 600 km2. Está claro que a usina só conseguirá se efetivar se o governo continuar a mentir e a atropelar a oposição dos moradores da região e até mesmo as leis existentes. Uma expressão da postura do governo se deu durante o leilão. Uma hora antes de começar, o Ministério Público Federal enviou uma liminar suspendendo o leilão, a Aneel simplesmente ignorou e efetuou o leilão às pressas.

No Brasil, há um dia do índio, os outros 364 não o são. No dia seguinte ao 19 de abril, efetuou-se o leilão para definir quem construirá e gerirá a usina de Belo Monte. Lula está decidido a fazer de tudo para garantir a construção da usina, que pretende ser a terceira maior do mundo. Fazer uma hidrelétrica no rio Xingu, na Amazônia, é um projeto antigo da burguesia brasileira. Eduardo Moraes, biólogo Paulo Gajanigo, antropólogo O projeto foi concebido ainda durante a ditadura, em 1979. Fazia parte da política de “desenvolvimento” da Amazônia. Por causa da forte oposição indígena, o projeto foi engavetado em 1989. Agora, sustentado por uma grande aprovação popular, Lula retoma o projeto crente que conseguirá atropelar toda posição contrária, inclusive de 15 etnias do Alto Xingu que já avisaram que lutarão até a morte. Trata-se de uma traição política, como denunciou Dom Erwin Krautler: “O presidente Lula antes de ser eleito manifestou-se contra Belo Monte. Do mesmo jeito vários membros do Congresso Nacional (...) Mas que surpresa para todos nós: depois de eleitos mudaram de posição. O que antes condenaram com veemência, de repente, da noite para o dia, passaram a defender com unhas e dentes. O que estaria por trás dessa repentina metamorfose camaleônica?” (Correio da Cidadania, 18/07/08)

Lula e o PT aderiram ao projeto da burguesia Lula e o PT aderiram ao projeto da burguesia para o Brasil. Justificam a construção da hidrelétrica por uma necessidade do crescimento econômico. Até agora, só os empresários da região e os investidores internacionais esfregaram as mãos com a idéia. Como nos alerta o professor da UFPA Rodolfo Slam, o maior interesse aqui é o das mineradoras: “José Antonio Muniz, presidente da Eletrobras, que já admite que ‘não será preciso uma linha de transmissão somente para Belo Monte, porque a ideia é de que parte da energia da usina fique no Pará’... ‘Como existem no Pará inúmeros projetos minerometalúrgicos, é possível que parte da energia da usina fique no estado’” (Correio da Cidadania, 29/08/09). A questão é clara: Belo Monte é um passo gigante para transformar a Amazônia numa mistura de campos de soja, pasto de boi e zona de mineradoras. O recado para os índios e moradores em geral é: adaptemse a isso ou tchau! Esse terrível episódio, não só, reafirma Lula do lado de lá, com Sarney e os generais da ditadura, como também, infelizmente, o marca como mais um governante que perpetuou a dominação sobre os indígenas na história do Brasil. Não é por acaso que se ouve hoje dos

É possível derrotar o projeto

Belo Monte é um símbolo da traição do governo Lula aos interesses populares que ele diz defender. caiapós que Lula é o pior de todos (FSP 18/04/10). O discurso que busca legitimar a usina, além de fundado na ideia de desenvolvimento econômico, é o de que hidrelétricas são fontes de energia limpa. Taí mais uma mentira: é óbvio o prejuízo ambiental decorrente do alagamento de 500 km2 de área de floresta. Além disso, estudos recentes mostram que as hidrelétricas podem ser mais poluentes que termelétricas: toda a vegetação submersa pela represa apodrece, liberando bastante metano, gás 20 vezes mais potente que o gás carbônico no efeito estufa. Ao se inundar uma floresta, a maior quantidade de vegetação para apodrecer também causará a acidificação da água.

População ribeirinha é afetada Belo Monte também alterará o fluxo do rio por mais de 100 km ao redor da obra, afetando o ciclo de vida dos peixes, acabando com muitas espécies que ali vivem e dos quais a população ribeirinha e indígena depende. Com o rio mais lento e com diversas poças que serão criadas, também se espera a proliferação de mosquitos e doenças. Mas o governo acha que em nome de “desenvolver a Amazônia”, não é um problema acabar com o modo de vida da população ribeirinha, ela poderá ser empregada na construção da usina! E após as obras, o que ocorrerá com as dezenas de milhares de trabalhadores que serão deixados para trás? Enquanto sonha com a construção de hidrelétricas faraônicas, o governo continua a entregar o petróleo do

país. A débil discussão em torno dos royalties nos últimos meses escancarou uma importante questão: para onde vai a renda do petróleo? Independente do estado, o fato é que a renda do petróleo não vai para a população através de saúde e educação nem vai para o meio ambiente (que recebe apenas 5% dos royalties, apesar destes terem sido criados para tal rubrica). Devemos lutar pela estatização total da Petrobras e pela retomada do monopólio do petróleo. A partir daí, podemos destinar a renda de sua exploração em políticas sociais e no desenvolvimento e implantação de energias realmente limpas, como a eólica, a solar ou as pequenas hidrelétricas. É essencial, também, que as indústrias, responsáveis por mais de 40% da demanda de energia no país percam os imensos subsídios que as fazem pagar bem menos que os consumidores residenciais, que consomem apenas 25% da energia do país, o que iria obrigá-las a racionalizar o consumo e diminuir a

Como em 1989, é possível derrotar o projeto. Uma campanha nacional encabeçada pelo movimento dos indígenas e ribeirinhos pode ganhar muita força. O projeto é tão nocivo que a oposição a ele vem atraindo muitos setores e figuras midiáticas (como o diretor de Avatar, James Cameron). A esquerda tem um importante papel a jogar: primeiro, usar sua força na articulação nacional dessa campanha – levando-a para os movimentos sociais, sindicatos, estudantes. Deve também ajudar na clarificação do papel que o governo Lula tem hoje para os projetos da burguesia – qualquer vacilo sobre o caráter do governo Lula como um governo contra os trabalhadores pode significar uma confusão política que enfraquecerá o movimento; Por fim, a campanha eleitoral, que esperamos contará com uma frente de esquerda encabeçada por Plínio, deve ser uma força para denunciar e ajudar na organização da oposição a Belo Monte . Plínio já demonstrou que é o único candidato que está claramente contra o projeto e tem participado das manifestações. Marina Silva, a candidata “verde”, critica o projeto, mas até o momento não se opôs, apenas exige mais discussão, afinal, ela não quer ser oposição ao governo Lula.

Lula não privatiza? Além de todo o impacto que a usina terá na vida dos moradores do local e no meio ambiente, Belo Monte é mais um projeto privatista do governo Lula. Da forma como está definido até agora, o governo, através do BNDES financiará 80% do custo, com juros de 4% ao ano (para nós, um banco cobra por volta de 80% ao ano no cheque especial). Além disso, as empresas que ganharam o leilão contarão com desconto de

75% do imposto de renda por 10 anos, e isenção de PIS e COFINS da obra. Ou seja, estamos pagando para as empresas lucrarem depois, com a venda da energia! Há gente que vem falando que Lula e Dilma defendem o Estado forte, contra o neoliberal Serra. A burguesia não vê problemas num Estado forte se ele existir para garantir seus lucros e expropriar os trabalhadores, como está claro no caso de Belo Monte.

Cadê os Royalties? A aprovação na câmara de deputados federais da emenda do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) sobre a distribuição para todos os estados dos royalties do petróleo, fará a receita dos estados produtores (RJ e ES) diminuir drasticamente. O governador do RJ Sergio Cabral (PMDB) chorou lágrimas de crocodilo na TV e junto aos prefeitos da região petrolífera (Macaé, Campos, Rio das Ostras...) patrocinou um show com artistas da TV Globo para protestar no centro do RJ. Luciano Barboza Historiador especialista em Planejamento Urbano O prefeito de Rio das Ostras Carlos Augusto (PMDB) faz terrorismo com a população afirmando que se os royalties acabarem, encerrará também a parceria com a UFF no PURO (Pólo Universitário de Rio das Ostras) e fechará escolas secundarias como o IMERO. Cabral faz o mesmo dizendo que a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 não saírão do papel. Por outro lado todos os outros estados comemoram a renda extra que virá do petróleo. O debate mais importante para a população é onde tem sido investido até hoje o dinheiro do petróleo e como deve ser investido, ao invés da briga entre os estados. O dinheiro já recebido pelos estados produtores foi investido em questões ambientais e sociais? Será que Campos, município com maior produção de petróleo, é um município com menos desigualdade social depois que recebeu os royalties? Infelizmente sabemos que a resposta é não, e que muitas vezes esse dinheiro desaparece através de uma intensa corrupção.

“Acabar com a caixapreta dos royalties” O deputado estadual do PSOL Marcelo Freixo disse na Assembléia Legislativa do RJ: “Tem que acabar com a caixa-preta dos royalties de boa parte dos municípios do RJ, proponho que a verba dos royalties seja carimbada e com controle social”. Além disso, é necessário amenizar os danos ambientais provocados pela retirada do petróleo e construir infra-estrutura nas regiões produtoras para evitar o processo de crescimento de favelas que está ocorrendo. O investimento em regiões não produtoras é essencial para evitar o êxodo rural e para diminuir as desigualdades regionais, assim como para diminuir a desigualdade social. Somente com uma Petrobras 100% estatal sob o controle dos trabalhadores e com um planejamento regional por parte do governo federal poderíamos enfrentar os problemas regionais brasileiros e a grande concentração de capital na região sudeste em detrimento das demais regiões.


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10 • anti-racismo

Por que os lutadores negros não reconhecem o 13 de maio na novela Sinhá Moça é para que a classe trabalhadora não se identifique e não perceba que a transformação da sociedade só ocorre através da luta. Pelo contrario a intenção da novela conservadora é que os pobres assistam as mudanças da sociedade sem participação, deixando as mudanças para seus governantes. A data 13 de maio de 1888 e a aprovação da Lei Áurea não podem ser representadas pela falsa e inventada bondade da princesa Isabel, pois havia interesses econômicos muito claros em jogo. O movimento negro exige a valorização da luta dos negros por sua libertação e por isso não reconhece o 13 de maio (data construída pela elite branca) como o dia principal de luta dos negros.

Neste 13 de maio de 2010 completa-se 122 anos da abolição da escravatura, um fato histórico, mas que não garantiu a integração do negro na sociedade, pois após a abolição os negros e negras não receberam nenhum tipo de indenização pelos séculos de trabalho escravo. Luciano Barboza Historiador mestrando em Planejamento Urbano A abolição da escravidão não garantiu nem casas para os negros morarem, os ex-escravos saíram das senzalas diretamente para as favelas e periferias. Sendo assim, os negros foram historicamente condenados à marginalidade e negro se tornou sinônimo de exclusão social no Brasil. Por isso esse processo é entendido pelo conjunto do movimento negro como uma abolição inacabada. Percebemos que atualmente a mídia da pouca atenção para a questão da exclusão dos negros na sociedade. E quando a questão negra aparece contém erros sociológicos e históricos graves. Por exemplo, recentemente a novela Sinhá Moça passou a ser reprisada no programa Vale a Pena Ver de Novo da TV Globo.

História inventada O conto fala dos momentos finais da escravidão no Brasil, colocando como a filha de um Barão de café tinha pena dos escravos e lutava pelo fim da escravidão. Assistindo a novela recria-se um clima de politização onde as irmandades repletas

20 de novembro A luta do povo negro melhor se expressa no ‘20 de novembro’, quando Zumbi dos Palmares morreu lutando pela liberdade. de jovens brancos advogados lutavam aumentar o mercado consumidor da perda de mais dinheiro caso sua pelo fim da escravidão por bondade. para consumir os produtos indus- “mercadoria” escravo viesse a morrer. A novela Sinhá Moça tenta apagar trializados frutos da Revolução In- O capitalismo tinha uma proposta a luta dos escravos pela sua liberdade dustrial. Sendo assim interessava para resolver esta situação para o e coloca todos os méritos nos brancos aos ingleses o negro deixar de ser latifundiário, pois caso o trabalhador bons das irmandades abolicionistas. escravo para se transformar em um assalariado ficasse doente seria dePersonagens como a Sinhá Moça trabalhador assalariado. mitido tornando a produção mais reconstroem uma Historia do Brasil econômica. Sendo assim, alguns lafalsa e inventada. Não é verdade tifundiários aderiram ao projeto aboInteresses econômicos que o fim da escravidão tem como licionista para aumentar seus lucros. atrás da Lei Áurea eixo principal à solidariedade dos A Historia é muito diferente dos brancos para com os negros. A hisPor outro lado, o fim da escravidão contos e os interesses econômicos toriografia não deixa margens para interessava também os senhores de superam a suposta solidariedade de duvidas sobre esses eventos históri- engenho mais esclarecidos, pois con- brancos para com negros. Entender cos. O fim da escravidão é marcado cluíram que o trabalho assalariado esse processo é fundamental para pela luta do povo negro por sua li- era muito mais barato que o trabalho combatermos o racismo em tempos bertação e pela pressão inglesa para escravo. O escravo doente era tratado atuais. acabar com a escravidão, pois havia pelo senhor de engenho que assim O motivo do protagonismo da luta interesse por parte dos ingleses em perdia dinheiro, o mesmo tinha medo pela abolição não estar nos negros

O movimento negro não se identifica com novelas como Sinhá Moça, a identidade negra e sua luta está presente em Filmes como Quilombo de Carlos Diegues de 1984, que conta à história de Zumbi dos Palmares como protagonista da luta dos negros. A luta do povo negro se fez durante os 350 anos de escravidão através dos quilombos, da religião afro-brasileira, da capoeira e da música negra, e isso se expressa na comemoração do dia 20 de novembro, dia da morte do líder quilombola Zumbi dos Palmares, que morreu lutando pela libertação de todos os negros e negras. Por isso esse dia foi escolhido para se comemorar a Consciência Negra, representando a luta do povo negro por sua libertação e consciência da sua história no Brasil.

Capitalismo – uma história de enganação O novo filme de Michael Moore, "Capitalismo - uma história de amor" mostra a irracionalidade e a crueldade do sistema capitalista. O filme mostra como o sistema provoca inúmeros sofrimentos para a maioria do povo trabalhador norte-americano. Bernardo Mendes Ribeiro São pessoas sendo despejadas de suas casas pelos bancos (que as haviam convencido de que era uma boa idéia refinanciarem as suas casas próprias); condenação de 6,5 mil jovens inocentes, enviados para o reformatório privado de um sujeito que era sócio do juiz que condenava esses jovens; pilotos de avião vendendo o plasma do seu sangue para ganharem uma renda extra; grandes empresas fazendo seguros de vida para seus empregados e lucrando com a morte deles; abandono da população pobre pelo governo, na época do furacão Katrina. Essas barbaridades são recolhidas por Michael Moore e apresentadas de maneira acessível à essa mesma população abandonada, que, desde criança, vai sendo acostumada à falsa idéia de que o capitalismo deixa as pessoas "livres para lucrar,

sobreviver ou fracassar" - como se todo mundo pudesse sair ganhando com a "livre iniciativa", o "livre mercado" e a desregulamentação financeira! O filme começa com uma comparação entre os Estados Unidos de hoje e a Roma antiga, que também conquistava o mundo graças à força do seu exército, mas que, ao contrário dos EUA, ainda garantia "pão e circo" para sua população, enquanto os Estados Unidos só garantem o circo, com sua programação de TV repleta de tolices.

ponsáveis pela crise mais recente do capitalismo: os executivos das grandes instituições financeiras, que ocupam os postos mais importantes do Tesouro norte-americano e que articularam a entrega de 700 bilhões de dólares do dinheiro público para os especuladores da Bolsa de Valores. Enquanto isso, trabalhadores de uma fábrica de portas e janelas, reais produtores de riquezas, eram demitidos sem sequer receber seus direitos trabalhistas.

EUA SA

Finalmente, o filme mostra do que esses e outros trabalhadores são capazes quando se organizam: ocupam a fábrica, ganham a aprovação da população e até da televisão, que reclamava o pacote financeiro para os especuladores, e conquistam seus direitos. Os trabalhadores indicam, assim, o caminho para resgatar o país do comando de Wall Street e para devolvê-lo aos trabalhadores. Com base na luta organizada dos trabalhadores se pode apresentar a única alternativa real ao capitalismo, uma alternativa verdadeiramente socialista, baseada na democracia dos trabalhadores. Uma alternativa muito mais avançada até que a sonhada por Michael Moore.

É muito oportuna a recuperação do que foi o governo de Ronald Reagan, eleito para ser garoto-propaganda das mercadorias dos Estados Unidos e para consolidar, de uma vez por todas, a subordinação do governo aos grandes capitalistas. Numa cena exemplar dessa subordinação, o maior corretor de ações do mundo manda o presidente acelerar o discurso em que ele dizia que iria soltar o touro de Wall Street. Desde então, os Estados Unidos são administrados como uma empresa. Michael Moore é especialmente competente na localização e na denúncia de alguns dos maiores res-

Trabalhadores que lutam


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internacional • 11

Grécia – mais um fracasso do mercado O principal foco da crise econômica mundial nesse momento é sem dúvida a Grécia. A Grécia vive uma profunda crise financeira e é incapaz de bancar seu enorme déficit orçamentário e pagar suas dívidas. Há um grande temor de que, com o não-pagamento das dívidas, a crise se espalhe para outros países da Europa: Espanha, Portugal, Itália... Marcus Kollbrunner Durante os anos 1980, quando o país entrou na União Europeia, e também nos anos 90, a Grécia foi um dos países que se beneficiou relativamente da participação na UE, recebendo mais do que pagava à UE. A condição imposta para o ingresso na EU foi se adaptar à política neoliberal do bloco. A joia da coroa da UE foi a introdução do euro, uma moeda comum que, segundo diziam, fortaleceria os músculos financeiros da UE. Quando o euro foi introduzido, regras para garantir a estabilidade da moeda foram impostas: a dívida pública não podia ultrapassar 60% do PIB e o déficit no orçamento não poderia ultrapassar 3% do PIB. Mas enquanto países pequenos, como Portugal e Grécia, eram forçados a realizar grandes cortes nos gastos públicos, países como Alemanha e França podiam exceder os limites de déficit sem consequências. A Grécia conseguiu se qualificar ao euro somente usando a “contabilidade criativa”, isto é, fraude das contas públicas. O grande problema da Zona do Euro é que ela junta países com economias muito diferentes. Países com economia forte, como França e Alemanha, se beneficiavam com uma moeda forte e baixos juros. Países mais pobres também podiam usufruir de juros baixos, mas com a produtividade mais baixa, suas mercadorias não conseguiam competir no mercado mundial. As baixas taxas de juros acabam beneficiando mais a especulação imobiliária do que a expansão na produção. Países como Grécia, Itália, Portugal e Espanha perdiam o mercado de exportações e não tinham mais a opção de desvalorizar sua moeda com a finalidade de diminuir os preços de suas mercadorias e torná-las mais baratas (mais tarde, são os trabalhadores que acabam pagando, com a inflação gerada por essa ação).

A crise expõe os problemas A crise econômica afetou duramente a Grécia e o déficit público deste país aumentou rapidamente. Os ataques aos gastos públicos pelo governo de direita anterior, Nova Democracia, fez com que o partido “socialista” PASOK (quem vem implementando a mesma política neoliberal desde os anos 1980) ganhasse as eleições no ano passado, com grande parte da população tentando optar pelo “mal menor”. Pouco antes das eleições em outubro o governo anterior foi forçado a reconhecer que a situação financeira era muito mais grave do que se tinha dito antes. O déficit público para

Demonstração de força dos trabalhadores gregos. Mas, as greves gerais precisam estar vinculadas a uma alternativa anti-capitalista. 2009 foi revisado de 6,7% para 12,7% do PIB. Nessa situação, os especuladores do mercado financeiro começaram a cobrar juros mais altos para investir nos títulos públicos do país e se iniciaram as dúvidas se o país conseguiria pagar as suas dívidas. No começo de março desse ano, o governo, com o objetivo de reduzir o déficit público para 8,7%, anunciou mais uma pacote de cortes nos salários dos funcionários públicos, congelamento das aposentadorias, aumento de impostos de consumo, etc. Todas medidas afetavam duramente os trabalhadores, enquanto os bancos, que receberam grande ajuda durante a crise financeira, lucram com os juros altos que o governo é forçado a pagar para poder adquirir novos empréstimos. Mas a tentativa do governo de criar confiança na sua capacidade de conter a crise fracassou. A reação dos trabalhadores também foi dura, pois eles não queriam pagar por uma crise que não tinham criado. Três greves gerais foram realizadas em quatro semanas e os protestos continuam. A crise grega abriu grandes conflitos entre os grandes poderes europeus. Especialmente o governo alemão exige duras condições para resgatar a Grécia. Salvar a Grécia, que tem uma economia relativamente pequena, é uma coisa. Mas se a crise se espalhar para a Espanha (quatro vezes maior que a Grécia) ou a Itália (seis vezes maior), não será mais possível bancar os resgates. Por outro lado, muito está em jogo. Os principais financiadores da dívida pública grega são os bancos alemães e franceses. A crise grega também fez o euro cair e sua cotação atingiu o menor valor comparado ao dólar no último ano e coloca todo o projeto de uma moeda única

em risco. Deixar de resgatar a Grécia poderia levar a uma crise financeira generalizada. A crise já produziu uma grande derrota ao prestígio da União Europeia. No começo de abril, os governos da UE foram forçados a formalizar a possibilidade de um pacote de resgate, mas também a aceitar que o FMI entraria com uma parte. O pacote seria de 45 bilhões de euros (60 bilhões de dólares), com a UE bancando 30 bilhões e o FMI 15 bilhões. A ajuda do FMI significa admitir que a UE, o maior bloco econômico do mundo, não consegue mais resolver seus próprios problemas. Mesmo assim, a ajuda prometida está demorando para sair. O governo alemão declarou que o dinheiro só sai quando se acertar com o governo grego sobre mais cortes e ataques aos trabalhadores.

O mesmo veneno neoliberal E a situação só piora. O governo grego foi forçado a oficializar o pedido de ajuda no dia 23 de abril, no mesmo dia em que foi revelado que o déficit orçamentário do ano passado era ainda pior: 13,6% do PIB, algo que levou o rebaixamento da nota de crédito do país e novas altas na taxa de juros (que agora superam os juros brasileiros!). O primeiro-ministro grego, George Papandreu, chegou a dizer que o país é “um navio afundando”. Ninguém acredita mais que esse pacote de 45 bilhões é suficiente. Na melhor das hipóteses compraria mais um ano antes da crise da dívida retornar novamente. O próprio FMI está agora falando que pode ser necessário até 120 bilhões de euros. O remédio que os governos da UE e o FMI estão ordenando é o

mesmo veneno aplicado durante a crise asiática de 1997-98 ou na Argentina nos anos antes de 2001. Já que a Grécia não pode desvalorizar a moeda, a receita é a de cortar os custos rebaixando os salários dos trabalhadores e implementar cortes muito maiores nos gastos públicos. Além de ser uma receita para uma catástrofe social, esse remédio vai apenas piorar a situação. A revista britânica The Economist calcula que essa política fará com que o PIB caia em pelo menos 5% até 2014 (há estimativas que o PIB caia 5% já esse ano). A queda do PIB fará com que o peso da dívida, que continuará aumentando, chegue a 149% do PIB em 2013. A ideia central desta política é trocar o consumo interno por mais exportações e reduzir os gastos públicos. Mas a Grécia tem uma indústria fraca e é muito improvável que ela substitua o seu arrasado mercado interno por um mercado externo. Vários comentaristas afirmam que o aprofundamento da crise provocada pelo arrocho pode levar ao mesmo ponto de partida: com a Grécia não sendo capaz de pagar suas dívidas e ter que declarar um default. O economista Nouriel Roubini comparou esta situação com a Argentina, que depois de anos de crise econômica agravada pelo mesmo tipo de política acabou sendo forçada a não pagar a dívida. A diferença, afirma Roubini, é que a Grécia tem um déficit público, déficit na conta corrente, e uma dívida pública muito maiores que a Argentina em 2001! Isso tudo levanta a possibilidade da Grécia ser forçada a abandonar o euro. Seria um cenário de pesadelo para o povo trabalhador. Mesmo se a Grécia, depois de um caos financeiro, conseguisse reintroduzir uma moeda própria mais fraca, isso provavelmente ocorreria depois dos ricos retirarem todo seu capital do país. As dívidas ainda seriam cotadas em euro e muito mais caras para pagar com uma nova moeda fraca.

Construir uma alternativa Um fator negativo é que os líderes sindicais não têm uma estratégia para ganhar essa luta. Foram forçados a chamar as greves gerais pela pressão da base, mas elas foram vistas como um meio de abrir a válvula de escape e, assim, evitar uma explosão fora de seu controle. Isso faz com que muitos duvidem da possibilidade de enfrentar o mercado, a UE, os bancos e seu próprio governo. Mas os ataques continuarão, se aprofundarão e, por isso, os trabalhadores serão forçados a lutar. Os militantes do Xekinima – CIT na Grécia – colocam que é necessário construir a força das greves com comitês de lutas locais, regionais e nacional, ao redor de um programa de resistência aos ataques, de estatização do sistema financeiro, nãopagamento da dívida, etc. Também é necessária uma estratégia política. Os partidos de esquerda, como KKE (partido comunista) e Syriza (uma coalizão de esquerda em que o Xekinima participa), devem construir uma frente única da esquerda, para apresentar como alternativa um governo dos trabalhadores com um programa socialista.

Nova central sindical no Paquistão PAQUISTÃO Em fevereiro desse ano foi registrada a nova central sindical “Federação Progressista dos Trabalhadores do Paquistão”, que reúne 500 mil trabalhadores na luta contra as privatizações e demissões. A nova central surgiu do trabalho feito desde 2005 pela “Campanha pelos direitos sindicais no Paquistão” (TURCP), que surgiu para combater os ataques e privatizações. “Muitos trabalhadores não conhecem seus direitos e a legislação, não sabem o que fazer quando são demitidos. Nós lançamos a campanha para conscientizar e organizar a resistência”, diz Khalid Bhatti do SMP (Movimento Socialista de Paquistão, a seção da CIT no país), que agora é secretário de finanças da nova central. O SMP participou e impulsionou esse processo desde o início e tem vários de seus militantes como os principais organizadores da Central. “Todas as outras Centrais sindicais funcionam como ONGs, envolvidas em projetos financiados do exterior e não tem a ambição de construir um movimento genuíno da classe trabalhadora. Muitas colaboram também com os patrões, para controlar e espionar nos trabalhadores. A TURCP tinha uma reputação de luta, desde que dirigiu a greve dos trabalhadores de telecomunicações em 2005. Também dirigiu uma campanha contra as privatizações, algo que nenhuma Central tinha feito”, continua Khalid Bhatti. São 23 sindicatos nacionais que fazem parte da nova Central, com 500 mil trabalhadores filiados. A nova central está envolvida em três lutas principais nesse momento. Trabalhadores de pedreiras em Sargodha fizeram uma greve por uma semana e conseguiram aumento de salário. Cinco trabalhadores foram assassinados, mas os grevistas conseguiram pressionar para que os patrões responsáveis pelas mortes fossem presos. A central também está lutando contra a privatização das ferrovias e, na região do Punjab, pelo aumento de salário dos funcionários públicos. “A esquerda tem uma forte tradição no movimento dos trabalhadores no Paquistão. A esquerda construiu grande parte das organizações dos trabalhadores e dominava o movimento nos anos 60 e 70. Depois da queda da União Soviética, os líderes sindicais abandonaram as ideias socialistas e se tornaram pró-capitalistas. Isso levou a um colapso do movimento dos trabalhadores. O SMP está engajado em reconstruir e fortalecer o movimento dos trabalhadores. Junto com isso levantamos a necessidade de derrubar o capitalismo e o feudalismo no país, para isso temos que fortalecer a bandeira do socialismo”, diz Khalid Bhatti.

O Comitê por Uma internacional dos Trabalhadores é uma organização socialista com presença em mais de 40 países, em todos os continentes. A LSR é a seção brasileira do CIT. Visites os sites do CIT: www.socialistworld.net www.mundosocialista.net


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N° 04 maio/junho 2010

telefone: (11) 3104-1152

Alagados do Pantanal ocupam terreno na luta por moradia “Aqui estão as famílias vítimas do governador Serra, que na enchente perderam tudo, mas não a coragem”. Essa frase está estampada logo na entrada, numa faixa, no acampamento ALAGADOS DO PANTANAL, uma ocupação de trabalhadores num terreno, até então abandonado, no bairro do Jd. Curuçá, São Miguel Paulista, na cidade de São Paulo. Trabalhadoras/es que foram criminosa e propositalmente alagados, em vários bairros da grande pantanal de SP, impulsionados pelo movimento Terra Livre – Campo e Cidade, ocupam essa área desde a noite do dia 17 de abril, e contam atualmente com cerca de 80 famílias cadastradas e participantes do processo. Uma gente que tem transformado seu sofrimento e tristeza, em indignação, esperança e luta. Will de Siqueira Militante da LSR e do Terra Livre-SP

Indignação: No início de dezembro do ano passado, com as chuvas de verão, ficamos aproximadamente 70 dias dentro da “água” do Tietê (e o que mais estivesse nela), andando em andaimes dentro de casa, com água até o umbigo, peito. Vários perderam empregos, móveis e eletrodomésticos, sem contar aqueles que perderam as vidas. As recentes inundações naquela região ultrapassam em muito a questão ambiental, pois foram causadas diretamente pelo governo Serra que fechou a barragem da Penha e abriu as do Alto Tietê. Intimidando e deixando a população no desespero para forçar a saída de suas casas, tudo isso para demolir essas moradias e “limpar terreno” para a construção do Parque Linear Várzeas do Tietê, importante marco nas campanhas eleitorais e para a Copa do Mundo 2014. Denunciamos esta política fascista de “desenfeiar” a cidade, tirando a pobreza e o povo do campo visual da burguesia e de seus turistas. Numa situação de calamidade pública, em que a imagem dos governos Serra-Kassab poderia sair arranhada, a população é criminalizada pelas

enchentes. Os argumentos na mídia vão desde alegações que a população suja e entope ruas, bueiros e rios e causa a inundação, até o ponto de nos chamar de irresponsáveis por termos “escolhido” locais tão insalubres e perigosos para morar. E justamente essa situação tornase favorável aos governos quando muitos setores da sociedade cobram do Estado uma intervenção para “salvar” as pessoas “que não querem abandonar suas casas”, mas que podem morrer “afogadas” ou com “doenças” nas áreas de risco. Criase assim a legitimidade para a retirada forçada das pessoas de seus lares. O governo Serra inunda a região e Kassab faz o cadastramento para o bolsa aluguel e destrói as casas. Ficamos reféns deles, que nos oferecem uma bolsa-despejo, disfarçada de bolsa aluguel, benefício que já acabou para muitos, que estão retornando ao Pantanal. Não bastasse o terrorismo de Estado aplicado contra os “pantaneiros”, cria-se um quadro capaz de impulsionar dois setores estratégicos da economia burguesa: construção civil e bancos. Explico: o governo está demolindo nossas casas para nos vender “apertamentos” do CDHU. As casas prometidas pelos governos não são para morar, são para comprar. E mesmo o governo Lula sai daí beneficiado, pois é largamente propagandeado o programa “Minha casa, minha vida”. Nossa resposta: “Minha casa, minha luta”!

Luta:

Todo apoio ao Terra Livre – movimento popular no campo e na cidade.

Muitos deixaram suas casas. Outros tantos pegaram o bolsa-aluguel e agora veêm suas moradias sendo derrubadas. A água baixou e as pessoas retornaram e retomaram suas vidas. E à medida que souberam da má-fé dos governos com suas táticas, aumentava também a sua indignação e sede de justiça. Houve reuniões – duas, três, incontáveis. Trabalhadoras/es que viram suas coisas boiarem, alguns após 30 anos no bairro, começaram a organizar uma ação ra-

Ocupação na Zona Leste é exemplo de luta de quem se recusa a se render. dicalizada de luta urbana, a ocupação de um terreno abandonado, ainda na zona leste. Cabem aqui alguns esclarecimentos. Os ocupantes são trabalhadoras/es, empregados e desempregados, donas de casa, além dos apoiadores e dos militantes do movimento. A ocupação de prédios ou terrenos urbanos é historicamente uma forma legítima de luta pela moradia, devido às desigualdades sociais na distribuição do espaço urbano, especulação imobiliária, etc. Não somos invasores, vândalos, somos trabalhadores em busca de condições dignas de vida, que são obrigações do estado fornecer. Não moramos na várzea do rio porque gostamos do cheiro do Tietê, mas porque não há políticas de habitação para quem ganha pouco e somos jogados cada vez mais para as periferias. Além disso, os terrenos são muito caros, os salários muito baixos. Sobre a questão jurídica, tomo a liberdade de reproduzir as palavras do militante Delze Laureano: “juridicamente o direito à propriedade é um direito real oponível erga omnes. Trocando em miúdos, é um direito que ocorre entre um sujeito, aquele que é o titular do domínio, em face de todos os outros integrantes daquela sociedade, que devem respeitar esse direito. Entretanto, para esse sujeito dono é exigido o cumprimento da função social. Essa é a condição sine qua non para que todos os demais, não proprietários, respeitem o seu direito de propriedade. Descumprindo a função social, perde o proprietário o critério objetivo inerente à propriedade que é o direito de posse. Portanto, um imóvel que não cumpre a função social está vazio. Se ninguém tem sua posse, como conseqüência

lógica, não pode o Poder Judiciário, baseado somente no registro, dar as garantias de ação possessória. A propriedade, aspecto subjetivo, somente garante ao detentor do título de domínio, o direito de indenização, nos termos do Art. 5º, XXIV da Constituição. Portanto, errado falar que houve invasão no imóvel pelos atuais ocupantes. Quem é invasor é aquele que se diz proprietário sem legitimidade” (Folheto Terra Livre, Minas Gerais, abril 2009, “Invasão ou ocupação de terras?”).

Esperança: Na noite de 17 de abril, aproximadamente 50 famílias se reuniram. Em meio a medo e incertezas, todas seguiram em frente rumo ao seu objetivo: ocupar um terreno, pressionar o poder público, fazer as denúncias devidas. Naquela noite, materializada na ocupação, tristeza, sofrimento e medo deram lugar à esperança. Um fato que é necessário ressaltar, foi uma interessante questão de gênero na ocupação. No ato de entrada das famílias no terreno, o número de mulheres era visivelmente superior ao de homens. Durante os dias que se sucederam, essas mulheres conseguiram convencer muitos dos seus companheiros que aquela era a resposta para dar a seus problemas, que a solução estava na luta. É vital lembrar do caráter central e do peso que as companheiras mulheres jogaram neste episódio da luta urbana. Na manhã seguinte, após panfletagem e conversa com os moradores vizinhos à ocupação, recebemos amplo apoio: 9 de cada 10 famílias eram simpáticas à ocupação. No acampamento, todo o trabalho

foi divido em comissões. Quase todos os dias há assembléia, começando com o balanço da luta e construção. Percebemos que além de nossas pautas políticas, uma enorme tarefa é a paulatina quebra do individualismo, do personalismo (tão vitais ao capitalismo) e a construção da própria coletividade, das vivências, da partilha. Houve repressão da polícia, que três dias depois do início da ocupação, resolveu não permitir que entrasse água e comida. Um absurdo! Só foi possível amainar esse conflito graças à ação do deputado estadual Raúl Marcelo (PSOL-SP), que intermediou a situação. Nossas pautas de reivindicações são as seguintes: 1) O fim imediato do processo de remoções e de derrubada das moradias; 2) Fim do terrorismo e da falta de respeito aos direitos humanos, nas ações do governo na área inundada; 3) Construção imediata das casas para abrigar as famílias atingidas e concessão sem custo, em troca das casas removidas; 4) Indenização pelos prejuízos causados pela enchente, resultado do fechamento da barragem da Penha e abertura das barragens do alto Tietê; 5) Desapropriação do terreno ocupado na Vila Curuçá e linhas de crédito para material de construção, pois nós mesmos faremos nossas casas! Há muito a ser construído ainda. Há muitos valorosos militantes e apoiadores na luta e quem quiser se aconchegar, será muito bem vindo. Na luta, nós vamos resistir! Pela nossa casa, pela moradia, pela terra livre lutaremos todo dia!


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