Ofensiva Socialista n°42 - novembro-dezembro

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OFENSIVA N°42 • novembro-dezembro 2019 Preço: R$2 Solidário: R$4

AMÉRICA LATINA

SE LEVANTA! Todo apoio às lutas de massas contra a direita neoliberal e o imperialismo! Fora Piñera no Chile! Assembleia Constituinte e governo dos trabalhadores e do povo! Abaixo o golpe na Bolívia! Por uma saída anticapitalista e socialista para a pobreza, opressão e destruição do meio ambiente! Por uma federação socialista da América Latina! MEIO AMBIENTE

NACIONAL

INTERNACIONAL

O socialismo ecológico de Karl Marx é um guia para a luta atual

Paulo Guedes: Robin Hood ao avesso

A vitória de Kshama Sawant sobre os bilionários de Seattle

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Ofensiva Socialista n°42 novembro-dezembro 2019

• Editorial

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situação mundial está marcada por uma crise generalizada das instituições, que abriu uma enorme polarização social na qual revolução e contrarrevolução andam lado a lado. Os protestos e levantes populares, mas também a repressão e até mesmo golpes de estado foram a marca nesses últimos meses no Equador, Chile e Bolívia. Isso para mencionar só os nossos vizinhos. Não tem como o Brasil ser uma ilha de tranquilidade nesse mar tempestuoso. Se engana quem acha que a relativa calmaria do segundo semestre seja o novo normal, comparado com os grandes protestos do primeiro semestre. A derrota que foi a votação da reforma da previdência pesou no ânimo nas ruas, mas isso não perdurará. A crise social, econômica e política é tão grave aqui como nos outros países. Além disso temos um governo que tem como método gerar crises. É um governo que responde a cada nova crise e crítica indo ao ataque, sem se preocupar em dar um ar de “governar para todos”.

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m um jantar em março, em Washington (EUA), com figuras dessa nova extrema-direita no mundo, incluindo figuras como Steve Bannon e Olavo de Carvalho, Bolsonaro deixou claro suas intenções: “O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa”. Mas a avalanche de ataques do governo, que ataca e retira direitos, junto com ataques constantes a mulheres, negros e negras, pessoas LGBT e indígenas, acumulará uma raiva, que em algum momento explodirá nas ruas novamente. E existe um notável nervosismo em parte da classe dominante, que olha para as nuvens de tempestade pelo mundo e teme que elas logo cheguem aqui. Um elemento importante foi a libertação de Lula. Vários comentaristas clamavam pa-

A tempestade se aproxima E

to do regime. Isso é uma leitura equivocada, vai na contramão do que vemos pelo mundo. A correlação de forças pode ser rapidamente alterada quando houver uma explosão de massas. E esse tipo de luta explosiva acontece independente da nossas vontades. A questão é de estar preparado para quando ela vier, ter confiança na luta e não se render de antemão.

ra Lula adotar o papel de um Nelson Mandela, um pacificador da pátria, que ajudasse a cicatrizar as feridas históricas. Mas isso não será simples, mesmo se for a intenção de Lula, porque teria que combinar com o outro lado. Apesar do tom elevado de Lula após sair da prisão, xingando Moro e Bolsonaro, ele também fala que “o cara foi eleito, tem que respeitar” e que a saída será por esperar as eleições. Essa política era errada contra Temer, e será mais ainda contra Bolsonaro.

Há também temores de possíveis choques entre manifestações pró-Lula e da direita. Em São Paulo, as cúpulas das polícias Civil e Militar foram orientadas a monitorar convocações de atos, de direita e de esquerda, especialmente na capital, segundo a Folha.

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Folha relata que ouviu governadores temerosos de que uma conflagração nas ruas seja usada pelo governo Jair Bolsonaro como cortina de fumaça para implementar medidas autoritárias. E que em grupos de simpatizantes de militares da reserva, há o debate de que seria necessário responder com força a um levante como do Chile, algo também refletido na fala de Eduardo Bolsonaro sobre o AI-5. A esquerda socialista tem que se preparar para o cenário de explosões sociais, que surge em uma situação complexa. Existe um desgaste em várias das categorias que por muito tempo compõem a vanguarda dos movimentos e dos sindicatos. Foram anos de burocratização e muitas entidades que desmobilizaram sua base durante os governos do PT. Algumas acumularam derrotas, especialmente nos anos de crise profunda, onde houve menos espaço para conquistas econômicas. O golpe de 2016 e a vitória de Bolsonaro também pesam na consciência. Isso faz com que existam aqueles que temem a luta, que acham que é impossível ganhar, que a correlação de forças é demasiadamente desfavorável e que grandes protestos só servirão como desculpas para um fechamen-

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orém, não está nada dado que Lula consiga manter o equilíbrio de agitação para a base enfurecida e canalizar para uma saída institucional. A direita bolsonarista vai querer criar o clima de conflito nas ruas, para desviar a atenção e reagrupar sua base de apoio. Mas também porque os ataques do governo precisam de uma resposta agora, não daqui três anos. O Painel da Folha de São Paulo do dia 19 de novembro reflete o medo e nervosismo de parte do andar de cima. Relata o medo de que algum “gatilho” dispare ondas de protestos e entre na agenda dos governantes. São governadores do Nordeste que fazem tudo para não atrasar o 13°. Outros que pressionam a equipe econômica de Guedes para suavizar os ataques ao funcionalismo. Há governadores e prefeitos que decidiram, como Dória em São Paulo, não aumentar os preços das passagens do transporte público, para evitar a repetição de junho 2013 – ou do Chile 2019.

stamos em uma situação em que a esquerda lulopetista está em crise e desmoralizada, mas ainda com peso nos movimentos e agora reanimada com a soltura de Lula. Em sua maioria não tirou conclusões do fracasso da política de conciliação de classes e deve continuar a cometer os mesmos erros. Já a nova esquerda, principalmente o PSOL, ainda é frágil demais para ser referência. Tudo isso aponta para que as próximas explosões sociais no Brasil tenham uma característica em comum às do resto do mundo neste ano: a falta de referência política socialista de massas, a falta de saída pela positiva. Isso já tem sido uma característica dos protestos no Brasil dos últimos anos. Quando a raiva transborda e arrasta novas camadas à luta, ela foge do controle das organizações e por isso também reflui rapidamente, por falta de referência sobre como avançar. Esse foi o caso em junho 2013, mas também nos atos de mulheres do “Ele Não”, a onda de protestos contra o assassinato de Marielle e e em defesa da educação.

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or isso temos uma tarefa dupla. De um lado construir as lutas unitárias, do modo mais democrático possível, com o máximo de controle pela base. Construindo, assim, referências e exemplos de como conduzir uma luta nacional de forma democrática e sem controle de cúpula. Ao mesmo tempo, é fundamental construir a esquerda socialista como referência de alternativa global à crise e aos ataques do capitalismo, para mostrar que um outro mundo, um mundo socialista, é possível.

O que a LSR defende: • Anulação do teto de gastos e outras medidas que impõe uma política de severa austeridade, que tem como objetivo cortar os serviços públicos, transferindo recursos para os ricos e o setor privado! • Anulação da reforma da previdência que estabelece idade mínima para se aposentar, aumenta o tempo de contribuição e retira direitos. • Não à reforma trabalhista que abre para retirada de direitos conquistados através do negociado prevalecendo sobre o legislado. Não às terceirizações e precarização das relações de trabalho! • Não pagamento das dívidas interna e externa aos grandes capitalistas para garantir os recursos necessários para os serviços públicos e o desenvolvimento econômico com igualdade social! Auditoria das dívidas controlada pelas organizações dos trabalhadores! • Pela taxação das grandes fortunas, dos ricos e dos lucros das grandes empresas! • Por um programa de emergência para combater a crise e gerar emprego baseado em investimentos públicos em infraestrutura, moradia, transporte, saúde e educação. 10% do PIB para a educação pública já! Não à “Escola sem par-

tido”, pela liberadade de expressão no ensino. 10% do PIB para a saúde pública já!

da Penha! Contra toda forma de opressão às comunidades LGBT!

• Pelo direito à cidade para os trabalhadores e o povo! Tarifa zero nos transportes públicos! Estatização do sistema de transporte com controle democrático dos trabalhadores e usuários! Pelo direito à moradia garantido a todos e todas! Nenhum corte nos gastos e investimentos sociais! Mais investimentos na qualidade do transporte e serviços públicos!

• Pelo direito democrático de manifestação! Não à criminalização dos movimentos sociais e à repressão! Liberdade e fim dos processos sobre os manifestantes!

• Reforma agrária controlada pelos trabalhadores com fim do latifúndio! Em defesa do meio ambiente e do direito à terra para as comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas! Fim do massacre dos sem-terra e indígenas! • Aumentos salariais de acordo com a inflação! Congelamento dos preços dos alimentos e tarifas públicas! Redução da jornada de trabalho sem redução de salários! • Pela legalização do aborto! Pelo fim da violência contra a mulher! Contra as propostas de reforma trabalhista e da previdência que visam retirar direitos da mulher trabalhadora! Salário igual para trabalho igual! Por mais verbas para a implementação da Lei Maria

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• Basta de violência policial racista nas periferias! Desmilitarização e controle popular sobre a polícia! Combater o racismo nos locais de ensino, de trabalho e na sociedade. • Reestatização das empresas privatizadas por FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro com controle democrático dos trabalhadores! Estatização do sistema financeiro e grandes empresas que controlam a economia sob controle dos trabalhadores! • Pela reconstrução das ferramentas de luta da classe trabalhadora, independentes dos governos petistas e da direita tradicional. • Construir a CSP-Conlutas como central sindical e popular, democrática, classista e de luta, que sirva como base para a construção de uma nova Central unitária de todos os setores combativos e independentes de patrões e governos.

• Construção pela base de espaços democráticos amplos para unificar as lutas. Por um Encontro Nacional dos Movimentos em Luta! • Pela construção de novas relações entre aqueles que lutam, baseadas na solidariedade de classe, democracia e respeito às divergências. • Por um PSOL afinado com as ruas: de luta, socialista e radicalmente democrático. Por candidaturas do PSOL a serviço das lutas e com um programa socialista. Qualquer representante público do PSOL deve viver com salário de trabalhador. Pela construção da Frente de Esquerda nas eleições e nas lutas. • Por um governo dos trabalhadores baseado na democracia das ruas, na mobilização de massas dos trabalhadores e da juventude e com um programa socialista! • Por uma economia democraticamente planificada, onde a produção e os serviços, preservando o meio ambiente, estejam voltados aos interesses de toda a população e não uma pequena elite privilegiada. • Por uma Federação Socialista da América Latina e um mundo socialista.

Colaboraram nessa edição: André Ferrari, Arne Johansson, Bruna Leão, Eduardo Baracat, Eli Moraes, Fernanda Alencar, Isabel Keppler, Jane Barros, José Afonso Silva, Lee Flôres, Marcus Kollbrunner, Maria Clara Ferreira, Pedro Meade, Tatiana Minchoni

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Paulo Guedes: Robin Hood ao avesso

A reforma da previdência foi só o começo da agenda neoliberal de Paulo Guedes. Em uma série de ataques anunciados nas últimas semanas, o governo pretende implementar uma verdadeira contrarrevolução neoliberal. Ela inclui ataques como diminuir o salário de servidores para cobrir déficit público, taxar desempregados para pagar a desoneração de patrões, desobrigar o setor público de construir escolas, privatizar empresas públicas e muito mais.

Nenhuma proposta atinge os mais ricos, os privilegiados e as grandes empresas. É uma declaração de guerra contra os direitos de trabalhadores e serviços públicos. Foi essa mesma política que, quando aplicada em outros países, teve como resultado os conflitos sociais e levantes que marcaram o mundo esse ano. Precisamos nos preparar para novas explosões sociais também aqui no Brasil. Apesar dos ataques neoliberais desde o governo FHC nos anos 1990, o Brasil ainda tem um setor estatal relativamente grande, servidores públicos com estabilidade de emprego, além de regulamentação de gastos mínimos com saúde e educação na constituição. Mas os ricos e grandes empresas sempre se beneficiaram de impostos baixos, do sistema da dívida pública que garantiu uma redistribuição de renda para os mais ricos e o sistema financeiro, além do fato de que grande parte das empresas, como as construtoras, têm se beneficiado com os vínculos com o Estado. O sistema político fisiológico também dependeu do aparato do Estado para se manter. Tudo isso, junto com a resistência da classe trabalhadora e o risco de grandes explosões sociais, gerou um certo limite nos ataques. Agora chegou ao poder um go-

“Vou baixar seus salários”, diz Guedes ao funcionalismo público.

patrões que contratam jovens (não vão precisar pagar INSS e o FGTS cai de 8% a 2%) e isso vai ser pago taxando quem recebe seguro desemprego! Com a MP volta a liberação de trabalho aos domingos. Também aumenta a carga horária dos bancários de 6 para 8 horas e abre para trabalho nos sábados. Aumentar a carga horária de trabalhadores não aumenta a oferta de emprego, e sim a reduz! Também será diminuído o auxílio-acidente e o reajuste dos débitos trabalhistas, entre uma série de outros ataques.

Acabar com a estabilidade do funcionalismo

O pacotaço de Guedes é uma declaração de guerra contra os serviços e servidores públicos. verno representante de uma ala da elite que quer utilizar a situação de crise econômica, de desemprego em alta e da crise da alternativa reformista e de conciliação de classes do PT para lançar mão de uma série de ataques para diminuir ainda mais a parcela da economia que vai para o Estado e para o povo trabalhador. As PECs do programa “Mais Brasil” visam sacramentar ainda mais uma política de austeridade e transferir recursos ao setor privado. O programa estabelece que qualquer investimento social se limita a quanto é possível aumentar os impostos do povo trabalhador e cortar nos gastos sociais ou servidores. Não há nada sobre a possibilidade de aumentar a arrecadação taxando as grandes fortunas e rendas e os superlucros das grandes empresas.

Os “problemas” e falsas “soluções”

Para justificar esse pacote, são identificados três “problemas”: previdência, juros e funcionalismo. Mas é uma lógica falsa, voltada aos interesses dos mais ricos e das grandes empresas. O “problema” da previdência é o único em que realmente houve um aumento de gastos. Mas esse aumento não é nada mais que natural, já que a parcela da população idosa tem aumentado muito nos últimos tempos. Além disso, a “solução”, a reforma da previdência, cobra a fatura principalmente de quem é mais pobre. Isso vai gerar um problema como no Chile e outros países, onde os idosos sofrem para sobreviver, e limitar o consumo de uma parte já pobre da população. Para o “problema” dos juros a “solução” é privatizar. Porém, mes-

mo se o governo conseguir privatizar tudo o que pretende, isso teria pouco efeito sobre a dívida total (R$ 5,6 trilhões). O resultado da política de Guedes vai ser de entregar empresas lucrativas ao setor privado e, ao mesmo tempo, continuar a ter uma dívida astronômica, que transfere centenas de bilhões anualmente para um punhado de banqueiros e tubarões do sistema financeiro. A única verdadeira solução é a anulação da dívida pública (menos a pequenos poupadores) junto com a estatização do sistema financeiro e controle do fluxo de capitais.

Funcionalismo público na mira

O “problema” do funcionalismo se mostra falso. O próprio gráfico do governo mostra que os gastos com o funcionalismo, como parte do PIB, não tem aumentado nas últimas duas décadas, apesar de ter muito mais funcionários hoje. E se trata de salários que vão para milhões de consumidores e que são sempre inferiores aos gastos com os juros da dívida pública, que só serve para acumular riqueza para um punhado de ricaços. Os verdadeiros privilegiados do setor público (juízes, militares, políticos) permanecem intocáveis. Parte da PEC é intitulada “Estado de Emergência Fiscal”. No caso da União não conseguir pagar as despesas correntes sem fazer empréstimo, ou estados e municípios terem despesas correntes que ultrapassem 95% das receitas correntes, serão acionados mecanismos automáticos. Durante um ano, será possível reduzir os salários dos servidores em até 25%, será proibido realizar concursos, ajustar salários e promover funcionários/as (com exceção de judiciários, diplomatas, militares e policiais). Resu-

mindo, quem paga o déficit é o funcionalismo público. Outro eixo do pacote é “Desobrigar, Desindexar e Desvincular”, quer dizer, diminuir o poder do Estado e abrir mais espaço para o setor privado lucrar. Por exemplo, se propõe desobrigar o poder público de construir escolas em regiões com carência de vagas para estudantes, que ao invés disso seriam atendidos em escolas privadas. Em muitas regiões pobres, isso significaria escolas de péssima qualidade, longas viagens,ou ambos. Em nome do “Fortalecimento da União”, se propõe eliminar pequenos municípios que se dizem “inviáveis”. Cerca de 1,2 mil dos 5,5 mil municípios poderiam ser extintos. Em regiões pobres, onde a prefeitura muitas vezes é quem mais emprega as pessoas, o efeito será grande, já que a intenção é diminuir a transferência de recursos para esses municípios. A proposta também revoga um trecho da Constituição que estabelece como função do Orçamento a redução das desigualdades regionais. Além disso, a União não poderá mais socorrer estados e municípios em crise financeira. Esses serão largados à mercê do sistema financeiro privado.

Uma nova contrarreforma trabalhista

O governo lançou também uma medida provisória (MP905) que, em nome de supostamente gerar empregos, retira direitos. Os mesmos tipos de ataques, quando implementados em outros países, se mostraram ineficazes para resolver o problema do desemprego, mas ótimos para encher o bolso dos patrões. A proposta mais cínica é de diminuir os gastos com impostos dos

O governo prepara também mais um pacote de ataques ao funcionalismo público, uma “reforma administrativa”. Querem assim acabar com a estabilidade geral de emprego e diminuir os salários, especialmente para os recém ingressados. Guedes quer também implementar uma censura política, atacando os direitos de funcionários/ as filiados/as a partidos. O funcionalismo tem sido uma importante vanguarda da classe trabalhadora. Graças à estabilidade de emprego, tem tido mais confiança de lutar pelos seus direitos. Guedes quer diminuir a capacidade desses a resistirem e adaptar o nível do funcionalismo mais ao setor privado, pra baixo. Mas na verdade isso irá empurrar mais pra baixo ainda quem está no setor privado hoje. Por isso é importante que trabalhadores da iniciativa privada e do setor público estejam unidos contra todos esses ataques. O conjunto desses ataques é uma declaração de guerra. O movimento sindical, os movimentos sociais e partidos de esquerda têm que se preparar para uma luta no nível que vemos em outros países hoje. Serão meses de confronto onde só será possível vencer se estivermos unidos/as.

É necessário uma alternativa global

Mas para vencer é também preciso ter uma alternativa global. Esses ataques são o resultado da lógica do sistema capitalista. Precisamos responder que nossa prioridade é outra. É de dar resposta ao “Estado de Emergência Social e Ambiental” que vivemos faz tempo. Isso passa por colocar as grandes empresas e bancos que controlam a economia e riquezas do país nas mãos do povo, sob controle e gestão dos trabalhadores que geram essa riqueza. Com esse controle da economia será possível estabelecer um planejamento democrático da economia para destinar os recursos às necessidades sociais, em acordo com o que é ambientalmente sustentável, e não ao acúmulo de riqueza de uma pequena elite. Marcus Kollbrunner


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• Privatizações

Vamos barrar o projeto privatista de Dória Servidores estaduais e a população em geral de São Paulo serão afetados pelo projeto de Doria de privatizar tudo que pode e entregar parte importante da infraestrutura do estado para o capital estrangeiro! É preciso unificar as lutas em defesa das empresas públicas! O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), já de olho nas eleições presidenciais de 2022, busca se mostrar confiável ao grande empresariado através de um projeto de agressiva entrega do patrimônio público do estado. Em conjunto com o seu secretário da fazenda, Henrique Meirelles (MDB), apresenta um plano de desestatização de empresas e ativos públicos, com a preferência por áreas de infraestrutura como transportes e serviço de tratamento de água. Em um dos capítulos mais sádicos desta política, Doria planeja a entrega de, pelo menos, quatro presídios. Essa medida só visa lucrar com o encarceramento em massa se provou desastrosa em outros estados, levou à piora das condições de custódia dos presos, uma das principais causas das recentes rebeliões violentas.

Doria na prática segue Bolsonaro

Doria não tem um projeto político diferente do Bolsonaro, suas declarações cínicas de que jamais teve qualquer compromisso com o presidente servem apenas para se postular como alternativa de extrema direita mais eficiente nos planos de ataques à população. Na prática segue o Bolsonaro, que já vendeu R$ 91 bilhões em ativos do Banco do Brasil, Petrobrás e Caixa Econômica. Em agosto, Doria foi pessoalmente à China e abriu um escritório comercial da InvestSP, agência da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico em Xangai, para facilitar a atração de capital chinês. Isso significa que as privatizações em São Paulo, assim como na esfera federal, não devem atingir apenas a qualidade dos serviços públicos e condições de trabalho de servidores, mas transferir parte importante da infraestrutura do estado para o capital estrangeiro, um gritante ataque à soberania nacional. A piora dos serviços à população não é uma figura de linguagem, é literalmente uma profunda redução do papel do Estado na economia. De imediato, em maio, o governo extinguiu três empresas: a Companhia Paulista de Obras e Serviços, a Empresa Paulista de Planejamento e a Companhia de Desenvolvimento Agrícola de São Paulo. Elas tinham, entre suas áreas de

Isto tudo para ainda ter panes e falhas nestas linhas frequentemente, enquanto os/as empregados/as vivem em um regime de sobrecarga de trabalho, falta de quadro, condições de remuneração piores quando comparadas à trabalhadores das estatais, e um regime de raivosa perseguição sindical. A estes desvios legalizados somaram-se aqueles efetivados fora dos holofotes no que ficou conhecido como o “propinoduto”. Foi da relação entre empresas de tecnologia e empreiteiras do setor privado e o Metrô de São Paulo que surgiram fortes denúncias sobre os governos tucanos. Recentes delações premiadas de ex-diretores da empresa estatal corroboram o diagnóstico de que privatização e corrupção andam juntas.

Reforma da previdência estadual

Defender os servidores públicos e as empresas estatais é defender condições de trabalho e de atendimento ao povo. atuação, a elaboração de políticas públicas e projetos de desenvolvimento regionais. Sob o argumento do vice-governador Rodrigo Garcia (DEM), de que apenas devem ser fechadas “as empresas que não fazem mais sentido”, planejam a extinção da Fundação do Remédio Popular, maior fabricante pública de remédios do país e responsável pelo programa “Dose Certa”, e o desmembramento da Fundação Oncocentro de São Paulo, que realiza pesquisas e atividades de formação na área do combate ao câncer. Doria declarou possuir atualmente 21 projetos de concessões e Parcerias Público-Privadas (PPP) a serem realizados nos próximos dois anos. O estado de São Paulo possui atualmente 40 projetos do tipo que foram implementados ao longo dos últimos 20 anos. Ou seja, significa uma intensificação ainda maior das políticas privatistas das gestões tucanas anteriores.

Privatização dos transportes

Os serviços de transportes são o carro chefe do plano: 52% dos projetos são voltados para esta área. Dentre estes, os principais incluem a concessão de rodovias, como a que liga Piracicaba a Panorama; a construção e concessão do trem intercidades, entre São Paulo - Campinas - Americana; a concessão de 23 aeroportos regionais; entrega das linhas 8 e 9 da CPTM; e, ainda, avenidas marginais no interior

de cidades podem ser passadas à iniciativa privada. A já conhecida concessão da operação de linhas a concessionárias privadas do Metrô de São Paulo é o melhor exemplo de como a privatização serve unicamente para beneficiar os empresários apoiadores do governo. O poder acionário da empresa é detido quase 100% pelo poder público e, ao contrário da frequente acusação de ineficiência feita pelos defensores de políticas privatistas, ela costuma ter balanços lucrativos. Dessa maneira, a companhia do Metrô não recebe qualquer tipo de subsídio do estado, não representando qualquer prejuízo aos cofres do governo.

O estado garante o lucro privado

É exatamente por isso que o empresariado do ramo deseja tanto pôr as suas mãos sobre ela. E mais, as Linhas 4-Amarela e 5-Lilás, já operadas por concessionárias privadas, através do depósito da arrecadação das tarifas do sistema metroferroviário em um fundo único, tem prioridade no saque do dinheiro que lhe é “devido”. Isso significa que recebem antes das estatais (Metrô-SP e CPTM). Além disto, estes contratos estabelecem uma previsão mínima de tarifas a ser arrecadada por estas empresas em determinado período, mesmo que elas não transportem o número condizente de passageiros. Na prática, o governo de São Paulo estabeleceu uma verdadeira política de transferência de recur-

sos das empresas estatais para as privadas, já que o transporte real de passageiros realizado pelas últimas é sempre abaixo do mínimo, sendo a diferença subsidiada pelos cofres públicos. As licitações no setor são conhecidas como um jogo de cartas marcadas. Em todos os processos, apenas uma empresa conseguiu o direito de cuidar da operação de linhas concedidas. A CCR, ainda que com diversos “nomes fantasias”, que já possui inúmeros trechos de rodovias no estado, adquiriu os direitos de operar as linhas 4, 5, 17 e 15 do metrô. O preço não poderia ser mais amigável. No caso da Linha 5-Lilás e 17-Ouro, concedidas em um único leilão, a empresa pagou R$ 553,8 milhões por um contrato que promete uma receita de cerca de R$ 10 bilhões ao longo dos próximos vinte anos. Estima-se que o investimento do estado para a instalação destas linhas tenha sido de aproximadamente R$ 7 bilhões.

O projeto de ataque aos serviços públicos de Doria é reforçado, por fim, por uma reforma da previdência que pretende seguir os mesmos moldes da recentemente aprovada no congresso federal. Servidores públicos estaduais teriam, a partir de então, teto previdenciário, idade mínima e uma contribuição de 14% sobre seus benefícios já quando inativos. Para os setores da classe trabalhadora diretamente afetados, tanto pela retirada de direitos das categorias que trabalham nas empresas estatais, quanto pela piora dos serviços, a alternativa que resta é se contrapor a todos estes projetos em âmbito federal e estadual. Já está em funcionamento o Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, que tem iniciado campanhas em defesa do patrimônio e da soberania do país. Em São Paulo, é necessário fortalecer a articulação dos setores afetados pela política de favorecimento ao empresariado posta em prática pelo governo. Doria foi derrotado quando tentou atacar a previdência de servidores municipais da capital paulista durante os anos em que foi prefeito. É hora de repetir a dose. Lee Flôres Eli Moraes Eduardo Baracat

O preço não poderia ser mais amigável. No caso da Linha 5-Lilás e 17-Ouro, concedidas em um único leilão, a empresa pagou R$ 553,8 milhões por um contrato que promete uma receita de cerca de R$ 10 bilhões ao longo dos próximos vinte anos.


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Bolsonaro – inimigo da educação Durante a campanha, em 2018, Bolsonaro disse que a educação seria área prioritária em sua gestão. A educação manteve-se em destaque nos primeiros seis meses do governo, foi alvo de um corte bilionário de gastos públicos, o que impulsionou os maiores protestos populares de rua registrados neste primeiro semestre. A redução no orçamento para a área não agradou. Uma pesquisa de opinião divulgada pela CNI/Ibope, aponta que o índice de desaprovação popular com as políticas educacionais de Bolsonaro subiu de 44% para 54% entre abril e junho deste ano, puxando para baixo a aprovação do governo como um todo. A educação, que antes era a segunda área mais bem avaliada da gestão, caiu para a quinta. Em abril, a atenção do país se voltou ao orçamento do MEC, diante da declaração do ministro da educação de que seriam cortadas as verbas de universidades federais que não tivessem desempenho satisfatório e promovessem “balbúrdia”. Após a declaração, o corte foi estendido a todas universidades federais, inicialmente anunciado como 30% das verbas discricionárias (destinadas a custear gastos como água, luz, limpeza, bolsas de auxílio a estudantes etc).

Efeito dos cortes na educação

O contingenciamento se estendeu também a outros institutos federais de educação, à concessão de bolsas e até a programas ligados à educação básica, área dita prioritária pelo próprio governo. Dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do governo federal, apontam que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), teve congelado quase R$ 1 bilhão, o equivalente a 21% de seu orçamento para 2019. O fundo é responsável por financiar li-

vros didáticos, transporte escolar e auxílio à formação de professores na educação básica. A militarização de escolas públicas, apresentada como alternativa para conter a indisciplina e melhorar os índices de aprendizagem tomou conta de boa parte do debate sobre educação no último período. A proposta foi uma bandeira importante durante a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro em 2018, ganhou uma subsecretaria no Ministério da Educação e foi objeto de um decreto publicado no Diário Oficial já no segundo dia de governo.

A militarização das escolas

O Distrito Federal é o local em que o governo federal testa este modelo desde março deste ano e, além disso, o MEC anunciou que vai destinar R$ 10 milhões para a criação de 36 escolas públicas militarizadas no DF, que se juntam a outras quatro escolas que já adotaram este modelo desde o início de 2019. A meta do governo do Distrito Federal é chegar ao fim do ano com 40 escolas cívico-militares, o que corresponde a cerca de 6% da rede. As estimativas dão conta de que já existem cerca de 120 escolas públicas militarizadas em pelo menos 17 estados. A maior parte delas está em Goiás. A proposta apresentada pelo governo é controversa e a tese que sustenta o modelo é de que a divisão de responsabilidades da gestão entre militares e os educadores promove a pacificação das escolas, melhorando a aprendizagem. Segundo a pesquisa divulgada pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) em 2016, 70% dos alunos de escolas públicas nas capitais investigadas afirmaram que houve violência na escola nos últimos 12 meses. É preciso que se olhe além dos episódios violentos, pois as salas de aulas quentes, sem iluminação e superlotadas também são formas de violência. Há acordo de que os professores não podem ensinar e os estudantes

Escolas não são casernas.

As escolas têm sido um importante palco de ataques, mas também de resistência, esse ano. não podem aprender em um am- um/a aluno/a de escola pública cus- rização da diversidade de pensabiente violento com indisciplina. ta cerca de R$6 mil ao ano, ante mento e de manifestação cultural, Contudo, em nome da busca pela R$19 mil nos colégios militares. prejudicando a formação de sujeiUm aspecto importante na análi- tos autônomos e críticos. disciplina, está sendo proposta como alternativa a adoção de um am- se do desempenho dos/as alunos/as Em Goiás, professores reclamam biente militarizado, coercitivo, que dos colégios de modelo militar é o da interferência dos militares em traz consigo a violência simbólica. perfil do/a estudante, no caso dos sua metodologia, e pelas perseguiDeste modo, há o risco de a for- colégios militares do Exército, ge- ções que têm sofrido por posiciote hierarquia e o controle discipli- ralmente os/as alunos/as são esco- namentos divergentes, o que fere a nar, típicos das estruturas militares, lhidos por meio de processos sele- liberdade de ensino. A proposta do governo Bolsonacriarem um ambiente baseado em tivos e por isso tendem a atrair canordens e imposições, ao invés de didatos/as de nível socioeconômi- ro é de trazer soluções prontas, sem qualquer debate sério que envolfomentar a educação, estimulan- co mais alto. va profissionais de educação, pais, do a convivência respeitosa entre as pessoas, a formação de indiví- Conjunto de fatores sociais mães, demais cuidadoras/es e estuÉ importante enxergar o conjun- dantes, com a análise dos fatores duos autônomos, capazes de reflexão, crítica em meio à diversidade. to de fatores que incidem sobre a que levam as escolas militares a teAs quatro escolas militarizadas educação. Entre eles, as condições rem desempenho superior. A intendo Distrito Federal localizam-se socioeconômicas e culturais de es- ção é que as escolas deixem de cumem regiões vulneráveis e marcadas tudantes são um parâmetro funda- prir seu papel crítico na construção pela criminalidade, um dos pré-re- mental. A precarização da vida de dos saberes. É preciso que se valoquisitos para a instalação das esco- trabalhadores somada a falta de po- rize as/os profissionais de educação, las cívico-militares. Em 2017, nos líticas públicas são agravantes im- que a comunidade escolar particianos finais do ensino fundamen- portantes quando falamos em vio- pe do processo educativo com conselhos escolares democráticos, que tal, o Indíce de Desenvolvimento lência dentro e fora da escola. A legislação educacional brasi- se invista em infraestrutura das esda Educação Básica (Ideb) do Distrito Federal foi 4,9 (inferior à me- leira é outro aspecto que tem orien- colas, na formação dos profissiotado o debate sobre as escolas cívi- nais e, também, nas universidades ta prevista de 5,3). co-militares. Aliás, um argumento públicas,garantindo que se tenha asEscola militarizada usado por críticos do modelo é o de sim escolas públicas de qualidade, recebe mais verba que ele contraria a legislação educa- gratuitas e democráticas. O desempenho dos colégios mi- cional brasileira, pois restringe a delitares nas avaliações oficiais em mocracia, uma vez que acaba com Romper com uma 2017, considerando todo o país foi a eleição direta de diretores e vice- sociedade violenta de 6,5, ao passo que nas escolas pú- -diretores pela comunidade escolar, Sem uma transformação na base blicas a média foi de 4,1. No entan- desrespeitando a lei 4.751/2012 e a de funcionamento da sociedade, de to, resultados como esses não po- Lei de Diretrizes e Bases da Edu- modelos autoritários para democrádem ser interpretados de maneira cação (LDB). Além disso, a mili- ticos e inclusivos, não haverá saíisolada, já que o desempenho de es- tarização desrespeita a necessida- da definitiva ou atalhos para afrontudantes está associado a um con- de de apresentação do plano de tra- tar a violência social (que também junto de variáveis, entre elas, as con- balho pela chapa candidata que na- é reproduzida dentro das escolas) dições e infraestrutura ofertadas, o da mais é que o plano educacional e os governos alinhados com poque está relacionado com os investi- e de gestão. Atualmente coordena- lítica neoliberais, que visam primentos públicos na educação. dores pedagógicos também são elei- meiramente o lucro com acumulaDados oficiais indicam que um/a tos pelos seus pares professores, o ção de renda, à custo da diminuiestudante de colégio militar cus- que também pode ser afetado pela ção da qualidade da educação de ta três vezes mais do que um/a es- militarização das escolas. muitos trabalhadores e de seus fitudante de escola pública: segunEla também coloca em risco uma lhos, e que tratam a vida escolar do o Instituto Nacional de Estudos educação crítica, pois desrespeita como caso de polícia. e Pesquisas Educacionais (Inep), as diretrizes que prevêem a valoBruna Leão


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6 • Internacional

Tudo que é sólido

Revolução e contrarrevol

Três décadas depois do cínico anúncio do “fim da história”, por parte de ideólogos do grande capital embriagados com a queda do muro de Berlim, vivemos um período de dramática aceleração do tempo histórico. Do Sudão e Argélia até Hong Kong; do Chile, Equador e Haiti até a Catalunha; do Líbano, Irã e Iraque até a França, o que vemos são rebeliões populares, lutas de massas e uma resistência heroica contra os governos de plantão, suas políticas de ajuste neoliberal e seu autoritarismo crescente. Em vários países, elementos de revolução e contrarrevolução marcam esses processos. Esse é o caso na América Latina, que volta a estar no epicentro das turbulências e lutas globais. A marca do processo latino-americano é o repúdio às políticas neoliberais adotadas por governos de direita a serviço dos bancos, grandes empresas e do imperialismo. Mas, essa situação também coloca em duro teste histórico os setores considerados “progressistas” que ocuparam governos no último período. O repúdio ao neoliberalismo se expressa nas ruas, nas greves, na mobilização de trabalhadores, da juventude, do movimento de mulheres e do movimento indígena e camponês. Em alguns países, a insatisfação se transformou em explosões sociais de massas colocando os governos contra a parede e abrindo situações revolucionárias. Esse é o caso do Equador durante o mês de outubro e do Chile num processo que continua aberto.

Lutas e eleições – Argentina e Colômbia

Em outros países, como Argentina e Colômbia, a revolta de massas também se expressou na luta direta, como no caso das cinco greves gerais contra Macri na Argentina e a recente greve geral em novembro na Colômbia de Iván Duque. Mas o potencial explosivo dessas lutas foi contido temporariamente pelas expectativas de derrotar essa direita nas urnas.

O atual presidente ultradireitista Iván Duque colombiano e seu mentor o ex-presidente Álvaro Uribe sofreram uma fragorosa derrota nas eleições regionais de 27 de outubro. Em Bogotá, seu partido ficou em último lugar e em Medellín, onde eram favoritos, acabaram derrotados. Na Argentina, a derrota de Macri já no primeiro turno das eleições no mesmo dia 27 de outubro é resultado do repúdio de amplos setores diante de um governo que conduziu o país a uma situação de colapso econômico e social. A fome, o desemprego, o colapso dos serviços públicos se dão em um país atolado na recessão e à beira de um default de sua dívida. O menino-prodígio do neoliberalismo e de Trump, que deveria servir de exemplo para o resto da América Latina sobre como uma nova direita neoliberal “moderna” poderia se consolidar no lugar dos

Cinco greves gerais abriram o caminho para a derrota eleitoral de Macri na Argentina.

governos de centro-esquerda ditos “populistas”, acabou fazendo exatamente o contrário. Macri é a prova viva do fracasso do neoliberalismo como alternativa para a América Latina. As condições sociais para uma explosão do tipo daquela que marcou o “Argentinazo” de dezembro de 2001 estão sendo observadas em países como o Chile e o Equador hoje e também estão presentes na Argentina. O novo governo de Alberto Fernández e Cristina Fernández de Kirchner apostará suas fichas em um novo pacto social para tentar impedir esse desfecho ao mesmo tempo em que mantém o acordo com o FMI e o essencial das políticas de ajuste antipopulares. Até quando conseguirão deter o furacão popular é uma questão em aberto. Mas, uma coisa é certa, não há como melhorar a vida do povo mantendo o acordo com o FMI e continuando a pagar a dívida aos banqueiros e especuladores. A nova experiência do povo argentino com o peronismo e com o kirchnerismo em particular não parte do zero e poderá ser feita de forma muito mais rápida e dinâmica do que no passado. Uma alternativa de esquerda socialista enraizada nas lutas dos trabalhadores precisa ser construída a partir dessa experiência.

Ventos revolucionários vindos do Equador

O furacão popular revolucionário que o pacto social do novo governo Fernández-Fernández tenta evitar na Argentina, já varreu o Equador e o Chile e leva pânico às classes dominantes latino-americanas e ao imperialismo. No Equador, ele foi uma resposta contundente a um governo que foi eleito com uma retórica “progressista”, baseada na continuidade da chamada “revolução cidadã” do ex‑presidente Rafael Correa, mas que no poder aplicou à fundo as políticas do FMI e do imperialismo. O presidente Lenín Moreno se viu diante da fúria popular detonada por seu pacote de medidas neoliberais, em particular o corte aos subsídios aos transportes e aumento dos preços dos combustíveis. O movimento rapidamente se transformou em uma rebelião popular, com forte participação dos trabalhadores, da juventude, mulheres e um papel protagonista dos povos indígenas equatorianos organizados na CONAIE. A brutal e covarde repressão não conseguiu impedir a tomada de Quito pelas comunidades indígenas, os trabalhadores e o povo nas ruas. Lenín Moreno foi obrigado a fugir pa-

No Equador, uma fúria popular enfrentou o pacote d ra Guayaquil e retirar seu pacote antipopular, o que representou uma vitória importante para o movimento. Ao mesmo tempo, o governo abriu negociações, mediadas pela ONU e Igreja católica, com entidades do movimento indígena e popular. O objetivo fundamental era tirar o povo das ruas e evitar que a rebelião popular se transformasse em uma revolução que colocasse em questão o poder político. A estratégia do governo acabou surtindo algum efeito, pelo menos por enquanto. Mas, o governo continua profundamente desprestigiado enquanto o movimento de massas sentiu a força que tem e não aceitará novos ataques. Novas batalhas virão no Equador, mas é preciso que se tire as lições dessa experiência, em particular sobre a necessidade de uma estratégia revolucionária consequente e um programa anticapitalista e socialista como única alternativa possível à crise equatoriana e latino-americana. Uma força política que defenda esse programa e estratégia precisa ser construída.

Chile – terremoto social no “oásis” neoliberal

Poucos dias depois do levante equatoriano, o povo chileno deu uma poderosa demonstração da volatilidade política existente na Amé-

rica Latina e em muitas outras partes do mundo nos dias de hoje. O presidente direitista Sebastian Piñera havia declarado que o Chile era um oásis de estabilidade em uma América Latina conturbada. Poucos dias depois anunciou que o Chile estava em “guerra contra um inimigo poderoso e implacável”. O fato é que a resposta da juventude à política de aumento nas tarifas do metrô em Santiago foi o estopim para uma explosão social de fato “poderosa e implacável”. Mas, como repetiram os manifestantes nas ruas, “Não são 30 pesos, são 30 anos”! São 30 anos de uma transição à democracia que manteve a essência do sistema econômico e político da ditadura de Pinochet: neoliberalismo radical, desigualdade social extrema e autoritarismo. Mesmo com emendas adotadas ao longo dos anos, até a Constituição do país é a mesma da ditadura. Piñera respondeu à rebelião popular com métodos de guerra, dignos de Pinochet: utilização do exército e dos carabineiros em uma brutal repressão nas ruas, prisões arbitrárias, tortura como método. O número de mortos reconhecidos pelo governo chegou a 23. O número de manifestantes que perderam a visão de pelo menos um olho chega a mais de 220, o que significa que houve


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Internacional • 7

desmancha no ar

lução na América Latina so, não poderá aceitar que os partidos da ordem mantenham Piñera no poder e promovam uma mudança constitucional de cima para baixo e controlada por eles.

Bolívia – o chicote da contrarrevolução

de medidas neoliberais do presidente Lenín Moreno. uma orientação deliberada para que se disparasse no rosto. A repressão serviu apenas para radicalizar o movimento de massas. Além das manifestações envolvendo mais de um milhão nas ruas, o movimento contou com um papel decisivo da classe trabalhadora atuando como classe em greves gerais efetivas. A participação da juventude, das mulheres e do combativo movimento indígena Mapuche, entre outros, também foi decisiva. Piñera então decidiu recuar, pediu perdão publicamente, trocou vários ministros e pediu diálogo e a formação de um governo de unidade nacional. Ao mesmo tempo anunciou um pacote com concessões, além da revogação do aumento de tarifas de transporte, que jamais faria sem que fosse colocado contra a parede pela força do movimento de massas. Entre elas está prevista a redução das tarifas de energia, aumento de aposentadorias, estabelecimento de um teto para os gastos com medicamentos e o aumento de impostos sobre os mais ricos. Além disso, anunciou a redução do salário de parlamentares e altos funcionários, além de limitar o número de reeleições etc. Ao invés de conter o movimento de massas, essas concessões apenas comprovaram a força da luta direta nas ruas e o movimento seguiu

crescendo. Piñera então, com a colaboração dos partidos da ordem, promoveu um acordo em torno da proposta de um processo constituinte que começaria com um plebiscito em abril de 2020 em torno de como se daria o processo, por uma Assembleia Constituinte exclusiva ou um Congresso Constituinte. Mas, trata-se de uma manobra uma vez que mesmo no caso de uma Assembleia Constituinte exclusiva ela coexistiria com o atual Congresso e com o próprio Piñera na presidência, ambos repudiados, além de impor aprovação de 2/3 para as propostas o que daria poder de veto à direita. Não pode haver saída para a crise chilena do ponto de vista dos trabalhadores enquanto Piñera se mantiver na presidência. Além disso, uma Assembleia Constituinte legítima precisa partir da mobilização e organização de base e ser eleita de forma livre e soberana para assumir plenos poderes no país refletindo a força e a vontade dos trabalhadores e do povo. Uma Assembleia Constituinte desse caráter pode representar um passo na direção de um governo dos trabalhadores e de todos os setores explorados e oprimidos. A força demonstrada pelo movimento de massas é capaz de arrancar essa conquista histórica. Mas, para is-

O outro lado da explosiva e polarizada situação latino-americana é o golpe de Estado reacionário e pró-imperialista promovido na Bolívia no início de novembro. Esse golpe, nesse momento, não deixa de ser uma resposta aos processos de avanço da luta de massas em outros países. Funciona também na linha de uma “contrarrevolução preventiva” diante do potencial de revolta existente em vários países. Depois de Honduras, Paraguai, Brasil e agora Bolívia, cada um a seu modo muito específico, a alternativa golpista passa a ser considerada de forma cada vez mais explícita em muitos países e não há dúvida de que abre uma nova situação de risco para a Venezuela. O papel de Trump e a vocação autoritária de Bolsonaro são fatores agravantes nessa situação. No caso de Bolsonaro isso vale tanto para fora do Brasil como para dentro do país. O golpe na Bolívia foi construído explorando-se o desgaste de Evo Morales depois de 13 anos no poder em relação a vários setores da população, incluindo parte de sua base social original entre os trabalhadores, camponeses e indígenas que por várias vezes entraram em conflito com o governo de Morales. Um dos marcos desse processo foi a repressão à mobilização indígena contra os planos de construção de uma rodovia no território indígena de TIPINIs em 2011. As eleições de 20 de outubro foram o estopim do confronto aberto. Evo Morales tentou eleger-se para seu quarto mandato presidencial mesmo tendo perdido o plebiscito que permitiria uma nova reeleição. A diferença pequena de votos que garantiria vitória no primeiro turno, junto com a falta de transparência na apuração, criou uma situação insustentável e permitiu que a direita reacionária cinicamente empunhasse a bandeira democrática iludindo setores da população. O que prevaleceu, no entanto, foi o caráter reacionário, autoritário, racista e pró-imperialista da contestação a Evo Morales. O fator decisivo no golpe foi a mudança de lado do comando das Forças Armadas. Isso se deu logo após um motim da Polícia Nacional que se iniciou em Cochabamba e se estendeu a todo o país. Sem o exército e sem a polícia, Evo Morales teria que apostar na mobilização

popular para se manter. Ele preferiu não fazer isso, temendo as consequências. Mas, também é questionável que pudesse fazê-lo, em função de seu desgaste. Acabou por renunciar diante da imposição das Forças Armadas. O fato é que, mesmo depois do exílio de Morales, a resistência ao golpe vem crescendo e é o fator decisivo na conjuntura. O “chicote da contrarrevolução” acabou, mais uma vez, por estimular a “revolução”. A população indígena, camponesa e trabalhadora de El Alto foi a vanguarda do processo de resistência, mas a luta se expandiu na região do Chapare, de onde vem Evo, e entre populações camponesas de várias regiões do país. O golpe não se consolidou e a autoproclamada presidente Jeanine Áñez é odiada pelas massas e não tem base social efetiva. Como presidenta interina, ela é apoiada pela direita tradicional encabeçada pelo candidato derrotado Carlos Mesa e a ultradireita emergente em torno da figura de Luis Fernando Camacho do Comitê Cívico de Santa Cruz (oriente boliviano), figura chave no golpe de Estado. Mas, ela só pode basear-se mesmo na força das armas e numa repressão brutal que pode colocar a Bolívia em uma situação de guerra civil. A realização de novas eleições nesse contexto de golpe, repressão e perseguição às forças de esquerda e populares não teria nada de democrático e não vai estabilizar o país. Assim como em 2003, na guerra do gás, quando o movimento de massas derrubou Gonzalo Sánchez de Lozada, em 2005 quando derrubou o próprio Carlos Mesa e em 2008 quando derrotou o golpe promovido pela direita de Santa Cruz

e da “media luna” boliviana, o movimento de massas pode derrotar mais esse golpe da direita. Para isso, dessa vez, será necessário superar os limites impostos pela direção em torno a Evo Morales que, em todas essas situações, freou o movimento e impediu que fosse até as últimas consequências. Ao mesmo tempo em que toda unidade é necessária para derrotar o golpe, uma nova alternativa de esquerda socialista e revolucionária precisa ser construída a partir da experiência da derrota que o golpe representou e vai ajudar a reverter a situação em favor das massas bolivianas.

Unidade socialista da América Latina

Bolsonaro, junto com toda a direita latino-americana, teme os ventos revolucionários que vem dos países vizinhos. Eles estão preparando-se para situações semelhantes por aqui. É preciso que a esquerda socialista brasileira e o movimento dos trabalhadores também estejam preparados para um novo ciclo de lutas que será decisivo para o futuro dos povos da região. Os limites do “progressismo” latino-americano, que não rompeu com o capitalismo, abriram espaço para um ressurgimento da direita e até da extrema-direita. A crise dessa direita abre novas possibilidades. Não será a velha centro-esquerda, em um contexto ainda mais complexo, que irá apontar uma saída. A construção de uma alternativa socialista consequente que aponte a ruptura com o imperialismo e o capitalismo e levante a bandeira de uma Federação Socialista dos países latino-americanos é questão de vida ou morte. Não há um minuto a perder.

A resposta da juventude ao aumento nas tarifas do metrô em Santiago foi o estopim para a explosão chilena.


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• Opressões

Nossas vidas importam!

20 de novembro – Dia da Consciência Negra O Brasil é o segundo país que mais concentra renda no mundo! Enquanto de um lado vemos uma pequena elite branca concentrando a riqueza e gerando cada vez mais lucro com ela, do outro vemos um recorde no crescimento do trabalho informal entre os ocupados. O presidente Bolsonaro comemora que a taxa de desemprego caiu para 11,8%, no entanto, no último período houve um aumento no número de pessoas sem carteira assinada, trabalhadores por conta própria e de subocupados. No ano passado os dados já mostraram quem são as pessoas que mais sofrem com a precarização do trabalho: quase metade da população preta (47%) estava no trabalho informal, enquanto entre brancos a taxa era de 35%.

Salários mais baixos e desemprego maior

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) deste ano mostram que trabalhadores brancos possuem renda 74% superior, em média, em relação aos negros, que representam 56% da população brasileira. E, mesmo ocupando mais da metade da força de trabalho, são os negros que estão entre as maiores taxas de desocupados e subutilizados, com 66%. E qual a resposta desse governo para esse cenário? Taxar o seguro-desemprego. Outra ação que revela o caráter desse governo, é o pacote anti-crime do Moro, que está em tramitação na Câmara dos Deputados. Exposto sem qualquer debate públi-

co, tal pacote favorece ainda mais as milícias e dá licença para a polícia matar. No projeto proposto pelo ex-juiz Sérgio Moro, os policiais podem ter suas penas reduzidas ou até absolvidas em casos de legítima defesa, quando estão sujeitos a “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”, ou seja, se um policial matar uma pessoa pode alegar que foi por “violenta emoção”.

Pacote anti-preto de Moro

Esse pacote, que está mais para anti-preto do que anti-crime, surge em meio a um crescimento de mortes por violência policial. Em São Paulo com o Governo Dória, somente no 1º semestre de 2019 foram 581 mortes violentas. A cada três mortes violentas ocorridas na capital, uma teve como autor um policial. As pessoas mais atingidas neste contexto de violência são moradores das periferias e jovens negros. Como no caso recente do desaparecimento do jovem Lucas em Santo André (ABC), na madrugada do dia 14 de novembro, em que os principais suspeitos são policiais. E, em meio a protestos indignados da comunidade, policiais ameaçaram moradores e familiares de Lucas na tentativa de impedir as manifestações. No Rio de Janeiro a política genocida não é diferente, o que fica escancarado quando o Governador Witzel demonstra felicidade ao ver que a PM abateu mais um corpo negro. Nos primeiros onze meses de 2019 seis crianças morreram assassinadas em tiroteios e as famílias afirmam que a polícia teve responsabilidade com as mortes. Encarceramento em massa de ne-

No dia 20 de novembro estaremos nas ruas defendendo o legado de luta de Marielle.

gros e negras Além de legitimar e favorecer policiais que matam, o pacote anti-preto de Moro irá encarcerar ainda mais. Hoje o país já é o terceiro no ranking de população carcerária, sendo ela de 65% de negros e negras. Das 812 mil pessoas encarceradas no país, 337 mil não tiveram condenação. Homens negros são a maioria nas prisões, mas entre 2000 e 2016 houve um aumento de 525% de mulheres encarceradas, entre elas, 68% são negras. São as mulheres negras também as que mais sofrem com a forte redução orçamentária nas políticas de combate a violência contra a mulher - segundo os dados do Instituto Sócio Econômico (Inesc) em 2017 houve uma redução de 52% do orçamento para este fim. A taxa de morte de negras é de 5,6 por 100 mil habitantes, enquanto para não negros o índice é 3,2. A situação é grave e o Estado tem participação no aumento das mortes das mulheres, quando demonstra falta de compromisso com investimentos nos equipamentos de combate a violência contra a mulher. E se os cortes que vêm se agravando nos últimos anos são inaceitáveis, é ainda mais absurdo quando esse governo banaliza a violência contra a mulher e faz com que agressores se sintam representados e fortalecidos.

Quem mandou matar Marielle?

A luta por mais condições de vida e trabalho, contra a violência, contra o genocídio e encarceramento do povo negro hoje se expressam no legado deixado por Marielle Franco. A mulher vereadora mais votada do município do Rio de Janeiro em 2016, pelo PSOL, teve sua vida interrompida em 14 de março de 2018 e até hoje não foi revelado quem são os verdadeiros mandantes de seu assassinato. “Quem mandou matar Marielle?” não é apenas um pedido de justiça, é um grito coletivo pela continuação da sua luta e de seu legado de resistência! Nesse dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, iremos às ruas dizer que nossas vidas importam, que chega de morte e encarceramento. Queremos outra política de segurança, queremos viver! E pra isso é urgente derrotar essa política genocida e racista de Bolsonaro e seus representantes, organizar a resistência nos bairros, nos movimentos culturais e onde mais a negritude se reunir. Fernanda Alencar

●● Pela desmilitarização da polícia! Contra o pacote anti-preto de Sergio Moro! ●● Chega de encarceramento e genocídio da população negra! A guerra às drogas é uma farsa e só tem servido para enterrar cada vez mais jovens negros. ●● Quem mandou matar Marielle Franco e Anderson Gomes? Exigimos uma investigação séria e que os mandantes deste duplo assassinato sejam responsabilizados! ●● Contra as reformas de Bolsonaro que têm retirado cada vez mais direitos fazendo com que a população negra sofra ainda mais!


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Opressões • 9

Somos muitas e juntas somos fortes!

Dia 25 de novembro: Pelo fim da violência contra a mulher A morte de mulheres no Brasil em decorrência da violência sofrida, dentro e fora de casa, é um dos fenômenos mais bárbaros presente no cotidiano da sociedade brasileira. Os números são tão expressivos que essas mortes se caracterizam no marco do feminicídio – homicídio cometido contra mulheres de modo intencional, dirigido, resultado do machismo e misoginia - e não é um exagero dizer que este hoje é um dos principais problema sociais. O Atlas da Violência divulgado em 2019 indica 13 mortes de mulheres por dia, 1 a cada duas horas – uma explosão de violência, sendo 66% das vítimas mulheres negras. Entre 2007 e 2017 o aumento foi de 30,7%. Destas mortes 40% aconteceram dentro de casa e com arma de fogo ou objeto cortante. No que se refere a legislação, temos uma das mais avançadas, mas com uma estrutura de apoio que não dá conta da demanda. Em 2018 foram 1.206 casos registrados como feminicídio, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, um aumento de 4% em comparação com 2017. Porém, a lei que define o feminicídio (Lei 13.104) é só de 2015 e ainda há uma subnotificação considerável. Com o Projeto de Lei do Governo Bolsonaro que flexibiliza o porte de armas, esta situação pode ser ainda pior. A indústria armamentista aliada com o machismo produzirá novas vítimas, caso nada seja feito. O machismo mata, e autoriza homens a exterminar mulheres em nome do suposto direito patriarcal e atrasado sobre um corpo que não é dele.

Casos

Esses números revelam histórias e sonhos interrompidos pela violência. No Brasil, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mais de 80% dos crimes foram praticados por alguém próximo, como marido, namorado, pai, ex-companheiro ou até vizinho. 40% dos casos aconteceram no interior da própria casa. Uma jovem de 20 anos foi atingida por 12 golpes de faca pelo namorado em Francisco Morato, na Grande São Paulo, motivo alegado pelo agressor: ela não queria ter filho com o namorado. Em 13 de setembro de 2008, Eloá Cristina Pimentel, 15 anos, estudava com três amigos em casa. Seu ex-namorado invadiu a casa e a deixou 100 horas de cativeiro

“Nada causa mais horror do que as mulheres que lutam e sonham”. e ele atirou contra duas adolescentes, matando Eloá e ferindo Nayara no rosto. Ana Carolina de Souza Vieira, de 30 anos, de Fortaleza/Ceará mudou-se para São Paulo para buscar o sonho de ser modelo. Recebia ameaças do ex-namorado, que morava em Fortaleza e não aceitava o fim do relacionamento, fazia inúmeras ameaças de morte. O corpo de Ana foi encontrado em 4 de novembro de 2015 no apartamento em que ela morava, após vizinhos sentirem um forte cheiro no local. Ele confessou o crime. A advogada Mércia Nakashima de 28 foi morta pelo policial militar aposentado Mizael Bispo de Souza por não querer reatar o namoro. Gisele Santos de Oliveira não queria mais continuar casada com Elton Jones porque o marido era muito ciumento. Ela teve as mãos, o pé esquerdo e parte do direito decepados pelo companheiro. Em agosto de 2013, Mara Rúbia Guimarães, separada havia dois anos do seu ex-companheiro, foi imobilizada pelo mesmo em sua casa, agredida e teve os olhos cortados com uma faca. A fisiculturista Renata Muggiatti namorava o médico Raphael Marques quando despencou de um prédio em Curitiba, ela foi asfixiada antes de ser atirada do alto do edifício. Todos alegaram ciúmes, paixão, terem sido abandonados, quando na verdade expressam de modo contundente o quanto se acham donos e proprietários dos corpos femininos.

Feminicídio e capitalismo: aliados

Na América Latina, nove mulheres são assassinadas por dia, vítimas de violência de gênero. Segundo o relatório da ONU Mulheres esta região é a mais perigosa do mundo para as mulheres, fora de uma zona de guerra. Quase metade das 2.559 mulheres assassinadas só em 2017, ocorreu no Brasil. O aumento dos casos de feminicídio tem relação direta com a piora da condição de vida da classe trabalhadora. O aumento do desemprego, da dependência e vulnerabilidade das mulheres, da inexistência de equipamentos públicos como es-

colas, assistência estudantil, saúde, lazer. Isso num contexto de um governo de extrema direita que marginaliza qualquer política de equidade de gênero, flexibilizando o porte de armas, demonizando a busca por situações de igualdade de direitos, que retire as mulheres da opressão de gênero e possibilite a construção de outro modo de vida. Nos últimos anos, os efeitos da crise de 2008 foram mais duramente sentidos na América Latina. Isso se expressa pelo aumento do desemprego, o ataque a direitos sociais conquistados e a vitória de governos de direita e extrema direita. Este cenário representou um corte draconiano nas políticas públicas para mulheres, no Brasil há um completo esvaziamento do orçamento para esta pauta. O orçamento do programa de proteção à mulher em 2019 é o menor da série. Criado pelo governo em 2012, R$ 48 milhões foram reservados neste ano. Em 2015, o valor foi 6 vezes maior, de R$ 290,6 milhões, algo já irrisório para combater uma política de extermínio. Centros de referência, casas abrigos, delegacias especiais, são parte de uma rede de cuidado e atenção às mulheres que estão sendo fechadas por falta de orçamento à sua manutenção. Isso sem falar de uma política preventiva que envolve uma educação não sexista e campanhas de comunicação que combatam o machismo estrutural.

Nossas vidas importam: A importância do Socialismo nesta luta!

Nunca fez tanto sentido o texto de José Martí que diz: “nada causa mais horror do que as mulheres que lutam e sonham”. Se estas mulheres forem negras e da classe trabalhadora, daí o pavor se materializa em violência como forma de silenciamento e manutenção da ordem. Por isso no Brasil e na América Latina, lutar pela vida das mulheres é lutar pela destruição deste sistema. Não é possível desconectar estas lutas, uma vez que ninguém sente mais na pele a verdade de que o capitalismo mata, o machismo mata. O feminismo socialista não se trata de um debate teórico ou abstrato sobre os conceitos e caracterização, mas da real possibilidade de garantir que nossos corpos não sejam mais marcados pelo extermínio e para que tenhamos condições materiais e subjetivas de vivermos e explorarmos nossas potencialidades, vivas! Jane Barros

Lutar pela vida das mulheres é lutar pela destruição deste sistema.

●● Queremos investimento público para enfrentamento à violência contra as mulheres. 1% do PIB destinado a políticas pelo fim da violência contra a mulher! ●● Delegacias da Mulher aberta 24 horas! Serviço especializado, assistência e acolhimento das mulheres vítimas da violência bem como um espaço adequado para crianças! Essas delegacias precisam ser abertas 24hs e estarem difundidas nas macrorregiões dos Estados, e não só nas capitais, e com atendimento às transexuais e travestis! ●● Combate à violência ginecológica e obstétrica a mulheres, cisgêneras, lésbicas e bissexuais! Por mais direitos reprodutivos! Garantia do aborto legal para os casos de violência sexual! Pela legalização do aborto! Enfrentar a mortalidade materna que atinge em sua

maioria as mulheres negras! Em defesa de um SUS sem racismo! ●● Contra a ampliação do porte e posse de armas! Hoje as armas já são o principal instrumento utilizado em casos de feminicídio dentro das casas, ampliar a posse e o porte só agravaramão esse problema! ●● Contra a violência racista que acomete as mulheres! Vidas negras importam! Pela desmilitarização das polícias e fim do extermínio da população negra. Por uma política de segurança com controle social e sem racismo! ●● Por uma escola sem mordaça! Discussão de gênero e sexualidade nas escolas, sim! Enfrentar a violência sexual contra crianças e adolescentes, que são mais da metade dos casos! Combater desde a infância o machismo, o racismo, a LGBTfobia e todas as formas de opressão!


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• Meio

Ofensiva Socialista n°42 novembro-dezembro 2019

ambiente

O socialismo ecológico de Karl Marx

1865-1866 começou a revisar sua crença anterior mais otimistas nos avanços tecnológicos contemporâneos e a entender como as abordagens de curto prazo do capitalismo para neutralizar o declínio da fertilidade da terra tendiam apenas a criar novas e irreparáveis “rupturas metabólicas” em um nível cada vez maior e até mesmo global.

Em muitos países, a luta pelo meio ambiente tem mobilizado milhares de pessoas às ruas, sobretudo uma nova camada da juventude. Nos dias 20 e 27 de setembro, 7,6 milhões de pessoas em 6,1 mil atos da greve do clima ao redor do mundo. Uma nova manifestação mundial foi chamada para dia 29 de novembro. No Brasil, só esse ano passamos por três catástrofes ambientais: Brumadinho no início do ano, as queimadas da Amazônia e no Cerrado, e o mais recente caso de derramamento de petróleo que já atinge um terço da costa brasileira. O governo Bolsonaro se mostrou cada vez mais ao lado de quem lucra com a destruição do meio ambiente. Corta verbas de fiscalização, nega frequentemente que o problema exista e tenta criar bodes expiatórios cada vez mais imaginários, como as tentativas de culpar as ONGs pelas queimadas e o Greenpeace e a Venezuela pelo vazamento de petróleo. Recentemente, o INPE publicou dados que mostram que a Amazônia teve de julho de 2018 a julho de 2019 o maior índice de desmatamento dos últimos 11 anos, com um aumento de 29,5%. A pauta ambiental precisa ser incorporada na agenda dos movimentos sociais como um dos motivos para derrotar esse governo, construindo uma alternativa ao modelo capitalista de produção que está se mostrando insustentável para nosso planeta.

A ruptura entre campo e cidade

Esse artigo mostra como o socialismo ecológico de Karl Marx pode servir como um guia para a luta atual. Muitos socialistas, mesmo entre aqueles que gostam de se reconhecer como marxistas revolucionários, infelizmente, vem sendo tardios na descoberta e compreensão da análise ecológica da irreparável ruptura metabólica do capitalismo com o planeta e a natureza a qual Karl Marx e Friedrich Engels começaram a trabalhar no século XIX. Com seu livro (“Ecossocialismo de Karl Marx: Capital, natureza e a crítica incompleta da economia política” (Monthly Review, 2017), o pesquisador marxista japonês Kohei Saito fez uma nova contribuição para corrigir essa falha em um momento em que a atitude predatória do capitalismo em relação às pessoas e a natureza está se aproximando de pontos de inflexão que ameaçam tornar grandes partes do planetas inabitáveis.

Grande acervo de anotações não publicadas

Saito baseia-se em grande parte em anotações não publicadas por Marx com as quais ele está trabalhando como um dos editores do Marx-Engels-Gesamtausgabe (MEGA), uma compilação de projetos incompletos dos trabalhos desses dois pioneiros. Uma adição nova a esse material é um relato detalhado de como Marx desenvolveu seu interesse nas pesquisas mais recentes de ciências como biologia, química, geologia e mineralogia. Seu ponto de partida foi a crise criada pelo capitalismo com a industrialização da agricultura e a ruptura que ela acarretou no metabolismo entre homem e natureza, que hoje é conhecido como ciclo ecológico. Não menos que um terço dos cadernos de Marx estão cheios de

fragmentos, trechos e comentários foram escritos durante os últimos 15 anos de sua vida, e destes, quase a metade trata de assuntos científicos. Isso refuta a posição dos chamados “marxistas ocidentais” (da Escola de Frankfurt, entre outros), que a muito critica Engels pela derivação das leis dialéticas do movimento da natureza como uma distorção não marxista e que argumentam que o materialismo histórico de Marx só pode ser aplicado a sociedade humana. No prefácio, Saito elogia os importantes esforços para redescobrir a análise de Marx da irreparável ruptura metabólica do capitalismo que os professores socialistas Paul Burkett e John Bellamy Foster abriram o caminho desde o “Marx e a Natureza” de Burkett (1999) e a “Ecologia de Marx” de Foster (2000). Com a ajuda da revista Monthly Review, do qual Foster é editor, esses dois tem, de maneira eficaz, combatido as visões delirantes de Marx como um defensor ecologicamente ingênuo do crescimento industrial, que por muito tempo se desenvolveu tanto entre teóricos verdes, como também entre “os ecossocialistas da primeira onda”, como Ted Benton, André Gorz, Michael Löwy, James O’Connor e Alain Lipietz.

“Ruptura metabólica”

O fato de que Marx inspira a pesquisa ecológica hoje no mundo é uma importante vitória para esta luta teórica, assim como os ecos disso que estão aparecendo cada vez mais entre os trabalhos de pesquisadores ambientais e debatedores como Naomi Klein, no livro “Isso muda tudo – capitalismo contra o clima”.

A produção capitalista destrói as condições para a vida humana no planeta. Em “Ecossocialismo de Karl Marx”, Saito mostra como Marx desenvolveu gradualmente sua análise da “ruptura metabólica” do capitalismo. Saito admite que a fascinação do jovem Marx pelo enorme desenvolvimentismo das forças produtivas do capitalismo pode as vezes ser percebida como “produtivista”, embora em seus “Cadernos de Paris” e nos “Manuscritos Econômico-Filosóficos”, de 1844, ele descreva a crescente separação do capitalismo entre os trabalhadores e os frutos da produção (alienação), assim como homem do homem e entre homem e natureza, quando os trabalhadores, durante o industrialismo, foram separados da terra.

Restaurar a unidade entre humanidade e natureza

Marx já havia formulado a tarefa do comunismo de restaurar uma unidade completa e racionalmente regulada entre a humanidade e a natureza em um nível superior. Mas foi só depois que Marx através de, por exemplo, “A Miséria da Filosofia”, em 1847, que deu as costas a filosofia abstrata dos jovens hegelianos e experimentou a derrota das revoluções de 1848, que ele começou seriamente a aprofundar seus estudos materialistas do modo como opera o capitalismo. Uma parte central da crítica de Marx às teorias de valor de alguns economistas burgueses clássicos

era que eles consideravam o trabalho como a fonte de todo valor, enquanto Marx apontava com cuidado que eles encaravam cegamente os valores de troca do mercado que eram fornecidos pela força de trabalho. Umas das conclusões a que Marx chegou diante dos seus estudos econômicos foi que eles se esquecem dos valores de uso da natureza, que eles consideravam como “uma dádiva gratuita ao capital”. Isso significa que o capital, com sua acumulação competitiva, prejudica tantos os trabalhadores, quanto a terra, “as fontes originais de toda a riqueza”. Parece que foi por meio de seu contato com o interesse no ecociclo entre plantas e animais do físico socialista e bom amigo Roland Daniel, que Marx notou pela primeira vez o conceito de metabolismo. O homem existe, como Marx explicaria, dentro do “metabolismo universal da natureza”, onde ele pode extrair da natureza valores de utilidade como parte do “metabolismo social”. Porém, foi alguns anos mais tarde, durante seus estudos preliminares para o Capital e no contexto da crescente crise da agricultura britânica, que Marx começou a se interessar seriamente por críticas à pilhagem industrial da terra desenvolvida pelo químico alemão Justus von Liebig. Foi particularmente sobre a influência de Liebig, que Marx em

Saito descreve como Liebig em seu livro pioneiro, “Química Agricultural”, descreveu como o forte crescimento urbano das cidades britânicas durante a industrialização aumentou dramaticamente a demanda pelos produtos agrícolas do campo, enquanto, ao mesmo tempo, os minerais dos alimentos não retornavam a terra como fertilizante, mas em vez disso, através dos novos sanitários de águas de Londres e outras cidades e eram despejados nos rios poluídos e no mar como esgoto. Assim, não apenas a fertilidade do campo britânico foram esgotadas, mas também os países cujo o guano (fezes de aves marinha da América do sul), e até mesmo ossos de campo de batalhas foram importados como fertilizantes. No Capital, Marx resumiu a mensagem de que “todo progresso na agricultura capitalista é um progresso na arte, não apenas de roubar o trabalhador, mas de roubar o solo; todo progresso em aumentar a fertilidade do solo por um certo tempo é um progresso na direção de arruinar as fontes mais duradouras dessa fertilidade” e que, “a produção capitalista, portanto, apenas desenvolve as técnicas e o grau de combinação do processo social de produção ao minar simultaneamente as fontes originais de toda a riqueza — o solo e o trabalhador”.

As guerras do guano e do salitre

A desesperada busca por commodities pela Inglaterra e os Estados Unidos por guano e salitre para seu solo exaurido levou os Estados Unidos a anexarem dezenas de ilhas ricas em guano em 1856. Também conduziu, como aponta Saito, à violenta repressão dos povos indígenas da costa oeste da América do Sul, bem como à Guerra do Guano de 1865-66 e a Guerra do Pacífico 1879-84 por salitre. No Capital, Marx também descreve como a necessidade social de tentar controlar e domar um recurso natural, ao mesmo tempo que tenta protegê-lo da exploração, desempenhou um papel crucial na história. As obras de irrigação no Egito, na Lombardia e na Holanda e canais artificiais como na Índia e na Pérsia, não apenas regaram os


Ofensiva Socialista n°42 novembro-dezembro 2019

Meio ambiente • 11 alemãs de Mark, que em sua opinião eram na idade média “o único foco de liberdade e vida pública”. Em uma carta para a narodnik russa, Vera Zasulich, Marx não descartou que uma revolução socialista na Rússia pudesse se basear em aldeias comunais similares e explicou que o sistema capitalista na Europa Ocidental e Estados Unidos está “em conflito com as massas trabalhadoras, com a ciência, e com as próprias forças produtivas que ele gera – em resumo, uma crise que terminará com sua própria eliminação, através do retorno das sociedades modernas à uma forma mais elevada de um tipo “arcaico” de propriedade e produção coletivas”.

A dimensão ecológica completa o “Capital”

A corrida pelo guano e salitre como fertilizante levou à violenta repressão de povos indígenas e duas guerras na costa pacífica da América do Sul no século XIX. solos, mas também o fertilizaram gia de Marx depois de 1868, Saito do capitalismo entre a sociedade e com minerais transportados como destaca o grande interesse de Marx a natureza não se limitava ao esgosedimentos das colinas. “O segre- pelo debate de vários especialistas tamento do solo. do da indústria próspera na Espa- agrícolas, por exemplo, das escolas “O desenvolvimento da cultura e nha e na Sicília sob o domínio dos “físicas” e “químicas” sobre quais da indústria em geral evidenciouárabes residia em suas obras de ir- as substâncias são as mais impor- -se em tamanha destruição enérgirigação”. tantes para aumentar a fertilidade ca da floresta que tudo feito de moSe antes Marx havia sido capaz do solo, minerais ou nitratos. Ele do para sua preservação e restaurade falar ocasionalmente sobre o pa- observa, por exemplo, a influên- ção parece ínfimo”, Marx também pel civilizador do capitalismo du- cia significativa que parece ter si- notou no manuscrito do Volume 2 rante o colonialismo, ele via agora, do feito sobre Marx pelo químico de o Capital. sem idealizar sociedades pré-capi- James Johnston e em particular, o talistas, principalmente o sofrimen- agrônomo alemão Karl Fraas, que, Criação animal to e miséria nos traços da dissolu- em parte em polêmica com Lie- “abominável” ção das comunidades locais tradi- big, enfatizou o grande papel que A mesma tendência capitalista cionais que romperam a relação ín- as mudanças climáticas desempe- de violentamente explorar a natutima entre as pessoas e a natureza. nham quando o desmatamento re- reza ao seu limite que ele observaQuando o regime britânico duran- duz a umidade do solo e seu supri- va na exploração florestal insuste a era colonial na Índia, de acor- mento natural de nutrientes.’ tentável, ele também percebia de do com Marx, “introduziu uma cauma maneira que achava “abomiricatura da propriedade rural ingle- Desmatamento e nável” na criação animal. Em um comentário à um trecho do elogio sa de grande escala” e abandonou o desertificação Em uma carta a Engels em 1868, de Wilhelm Hamm à criação intensistema de barragens e drenos anteriormente controlado pelo estado Marx descreve Fraas como tendo siva de carne, Marx também quesem 1856, isso resultou em seca e “uma tendência socialista incons- tionou se esse “sistema de celas de uma terrível fome que causou um ciente”. Segundo Marx, em seu li- prisão” e o cruzamento grotesco de vro, “Clima e o Mundo Vegetal ao animais anormais poderia resultar milhão de mortes. longo das Eras, uma História de em “um sério enfraquecimento da O intercâmbio com Ambos”, Fraas mostrou como “o força vital”. a natureza cultivo, quando progride de maSaito explica como o grande inSegundo Marx, em todas as so- neira primitiva e não é consciente- teresse de Marx nas polêmicas enciedades e modo de produção, o mente controlado (como burguês, tre Liebig e Fraas e o rápido desenhomem deve lidar com a natureza é claro, ele não chega até essa con- volvimento da ciência e da tecnopara satisfazer suas necessidades: clusão), deixa desertos no seu ca- logia o levaram à conclusão de que “A liberdade nesse campo só po- minho, Pérsia, Mesopotâmia, Gré- estudos aprofundados eram necesde persistir no homem socializa- cia, entre outros”. sários para ver quanto tempo o cado, os produtores associados, reFraas estava alarmado pelas con- pitalismo poderia evitar sua crise gulando racionalmente seu inter- sequências do rápido desmatamen- ecológica e que essas eram quescâmbio com a natureza, colocan- to em países como Inglaterra, Fran- tões que ele achava necessário dedo-a sob seu controle comum, em ça, Itália, mesmo nas áreas monta- senvolver, o que segundo a opinião vez de ser governada pelas forças nhosas anteriormente inacessíveis de Saito atrasou o trabalho de Marx cegas da natureza; e conseguir is- – o que ele acreditava ter levanta- com os incompletos segundos e terso com o menor gasto de energia do a necessidade de regulamenta- ceiros volumes do Capital. e sob condições mais favoráveis e ção. Através da leitura de Fraas e Além disso, nos estudos do hisdignas de sua natureza humana.” vários outros pesquisadores, co- toriador Georg Ludwig von MauEm seu “manuscritos econômi- mo John Puckett e Friedrich Kri- rer sobre sociedades pré-capitaliscos de 1864-65”, Marx adverte que, chhof, Marx também havia notado tas igualitárias e suas compreencom o capitalismo “em vez de um em seus manuscritos para o Volume sões sobre a necessidade de tentar tratamento consciente e racional 3 de o Capital (o segundo e tercei- regular o metabolismo entre hucom a terra como propriedade co- ro volumes foram publicados após manos e a natureza, Marx obsermunal permanente, como a condi- a morte de Marx por Engels com vou em seus posteriores “Caderção inalienável da existência e re- base nos manuscritos incompletos nos Etnológicos”, “uma tendência produção da cadeia das gerações de Marx) de que nem a agricultu- socialista inconsciente”. Marx fihumanas, nós temos a exploração e ra, nem a exploração florestal ca- cou impressionado com a “vitalio desperdício dos poderes da terra”. pitalista eram sustentáveis e que o dade natural” e a sustentabilidaEm um capítulo sobre a ecolo- rompimento metabólico irreparável de ecológica das vilas autônomas

Saito enfatiza que não é possível entender completamente a crítica incompleta de Marx sobre a economia política se ignorarmos sua dimensão ecológica. De acordo com Saito, no manuscrito original de Marx do volume 3 do Capital, aponta algumas diferenças em relação ao publicado por Engels após a morte de Marx, exemplificada através de uma nota de rodapé que refere-se à análise do sistema de crédito. Além de (pequenas) elucidações sobre o que Marx expressou em comparação com o que Engels escreveu em seus escritos, Saito afirma que a quarta parte das novas obras completas incluirão cadernos de anotações que são bastante importantes visto que o Capital está incompleto. De acordo com Saito, ler essas fontes originais concomitantemente com o que até então foi publicado no Capital, convence os pesquisadores de que a ecologia de Marx é parte fundamental de sua crítica da economia política. Ele até acredita “que Marx teria enfatizado com veemência o problema da crise ecológica como a contradição central do modo de produção capitalista se houvesse concluído os volumes 2 e 3 de o Capital. O “Ecossocialismo de Karl Marx” de Saito entra pouco na contribuição que Engels forneceu para generalizar suas conclusões conjuntas. Em seu pequeno panfleto engenhoso, “O papel do trabalho na transformação do macaco em homem”, Engels explica que o animal apenas usa a natureza que

o cerca, enquanto o homem à controla, porém, acrescenta: “Não deixemos, no entanto, lisonjear-nos em excesso por nossas vitórias humanas sobre a natureza. Pois para cada vitória, a natureza se vinga de nós. Cada vitória, é verdade, em primeiro lugar, traz os resultados que esperávamos, contudo no segundo e terceiro lugares tem efeitos bem diferentes, imprevisíveis que muitas vezes cancelam o primeiro”. […] “Assim, a cada passo somos lembrados que de modo algum governamos a natureza como um conquistador sobre um povo estrangeiro, como alguém que está fora da natureza – mas que nós, com carne, sangue e cérebro, pertencemos à natureza e existimos em seu meio, e que todo o nosso domínio consiste no fato de que temos a vantagem sobre as outras criaturas de poder aprender suas leis e aplicá-las corretamente”. O que é necessário para restaurar essa ruptura metabólica, que foi levada a um ponto de ruptura sob o capitalismo, e estabelecer o que hoje é chamado de sociedade sustentável, é, segundo Marx no Capital, uma sociedade superior, isto é, socialismo:

Nenhuma sociedade é proprietária da Terra

“Do ponto de vista de uma formação socioeconômica mais elevada, a propriedade privada de indivíduos particulares na Terra parecerá tão absurda quanto a propriedade privada de um ser humano por outros seres humanos. Nem uma sociedade inteira, uma nação ou todas as sociedades simultaneamente, são proprietárias da terra. Eles são simplesmente seus administradores, seus beneficiários, e tem que entrega-lo em estado melhorado para gerações seguintes.” É certo que se Marx e Engels estivessem vivos hoje eles dedicariam uma atenção decisiva a seguir e compreender as mais recentes pesquisas sobre o clima e o sistema da Terra. Uma tarefa central para os marxistas hoje é reatar o “fio vermelho” entre os estudos ecológicos dos pioneiros e, como eles, entender o socialismo como a chave vital para uma regulação racional do metabolismo entre as pessoas e a natureza. Arne Johansson CIT Suécia

Os estudos ecológicos de Marx e Engels ajudam a nos armar para lutar contra o sistema capitalista hoje.


OFENSIVA

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A vitória de Kshama Sawant sobre os bilionários de Seattle As eleições de vereadores na cidade de Seattle (Washington, EUA) foram históricas este ano quando, apesar dos milhões de dólares do grande capital investidos contra ela, a socialista Kshama Sawant (Socialist Alternative CIT/ EUA) foi reeleita pela terceira vez! Sua vitória teve destaque internacional pois, junto ao movimento popular, conseguiu confrontar os ataques do grande capital, liderado pelo dono da Amazon e homem mais rico do mundo, Jeff Bezos. O plano de Jeff Bezos era bloquear as/os candidatas/os socialistas e progressistas dessa campanha para virar a composição da câmara de vereadores mais à direita. Junto com outras figuras do grande negócio, eles apoiaram candidatos em todos os 7 distritos concorridos em Seattle, apoiando Egan Orion no distrito 3, contra Sawant. Apesar das quantias recordes de dinheiro doados para suas campanhas, os candidatos apoiados pelas grandes empresas perderam em 5 dos distritos.

Votação pelo correio

Devido ao sistema de votação no estado de Washington, com envio de votos pelo correio com três semanas de diferença, os resultados não chegaram de uma só vez. No dia 6 de novembro foi quando os primeiros resultados foram revelados, os quais mostraram Sawant atrás por 8 pontos, com 46% para os 54% de Egan Orion. A mídia burguesa e as grandes empresas soaram triunfalistas. Mas 60% dos votos que chegaram nos dias seguintes, foram para Kshama Sawant. Nos resultados da sexta-feira à noite,8 novembro, Sawant tinha subido 3,6 pontos percentuais acima de Orion com uma vantagem de 1.515 votos, subindo um pouco mais nos próximos dias. Em declaração a uma coletiva de imprensa no dia seguinte, Sawant disse: “Estes resultados eleitorais são um repúdio a classe bilionária, ao

traçar perspectivas, construir programa e a organização política foram essenciais em Seattle e será vital para derrotar o poder da classe capitalista em todos os lugares. Militantes do Socialist Alternative (SA) foram a espinha dorsal desta campanha. Sua energia, auto-sacrifício e habilidades políticas construíram com sucesso, talvez a campanha eleitoral popular mais poderosa da história de Seattle, levando a política socialista à juventude e toda a classe trabalhadora. São processos que ajudam a organizar e preparar a classe trabalhadora para a luta coletiva, aumentando a confiança, mostrando que nada lhes é entregue voluntariamente pelos patrões.

Campanha eleitoral a serviço das lutas

Com uma campanha que contou com mil voluntários e milhares de pequenas doações, foi possível derrotar o candidato apoiado pelo homem mais rico do mundo. homem mais rico do mundo, aos te de anúncios, mala direta e ativis- vor do imposto corporativo que vibens imobiliários corporativos, ao tas pagos, os quais influenciaram sa tributar as grandes empresas e alguns votos na direção do adver- bilionários para usar o dinheiro no sistema”. combater aos problemas de moraSawant teve apoio da maioria sário de Sawant. A campanha de Kshama, no en- dia na cidade. substancial dos sindicatos de Seattle, além de vários endossos im- tanto, conseguiu responder a essas portantes como da associação eco- mentiras e ataques através do esfor- É possível vencer! Estas lutas mostraram que é logista Sierra Club, o jornal alter- ço de 1 mil pessoas, entre volunnativo The Stranger e muitas lide- tários e membros da Socialist Al- possível conquistar vitórias e esranças comunitárias progressistas ternative, que bateram em mais de sa campanha eleitoral mostra que 225 mil portas e fizeram 200 mil quando as/os socialistas e a classe da cidade. telefonemas. Além dos generosos trabalhadora estão organizadas/os Amazon tentou sacrifícios que apoiadores da cam- e juntas/os, podem vencer até mescomprar as eleições panha fizeram, arrecadando mais mo as pessoas mais ricas e mais poO financiamento de 1,5 milhões de US$570 mil, superando todos derosas do mundo. de dólares da Amazon nestas cam- os registos anteriores, tanto para o E essa vitória serve para dar conpanhas, chamou a atenção da mí- total arrecadado como para o nú- fiança aos movimentos em todos dia nacional e levou grandes figu- mero de doadores. os lugares, desde a recente onda ras políticas a se posicionar contra Sua reeleição também é fruto da de protestos massivos anti-austeJeff Bezos. O Conselho Editorial construção dos últimos seis anos ridade e pela democracia que se do Wall Street Journal reclamou que vincula os mandatos aos movi- espalha pelo mundo, até as greves que “Bernie Sanders tweetou esta mentos da classe trabalhadora. Sa- climáticas, lutas trabalhistas, bem semana que os gastos da Amazon want jogou uma papel importante como outras campanhas eleitorais em Seattle foram ‘um exemplo per- na campanha por um salário míni- socialistas. feito da ganância corporativa fora mo de US$15 a hora, vitoriosa em No entanto, seria um grande erro de controle que vamos acabar’”. Seattle, que se expandiu para ou- imaginar que vitórias semelhantes Os gastos massivos da Amazon tras cidades dos EUA. Ela também podem ser obtidas puramente por e doações financiaram uma torren- foi uma das principais vozes a fa- meio da determinação. O papel de

Como socialistas, não temos ilusões nos processos eleitorais que, em um sistema capitalista, é controlado pelas classes dominantes e usado para seus próprios ganhos. Mas também sabemos que é essencial para se engajar com a classe trabalhadora durante os períodos eleitorais, quando a política é o assunto central das conversas, e usar tais momentos de reflexão sobre essas questões para disseminar nossas ideias e mostrar que há alternativas. As melhores campanhas fazem isso e, quando ganhamos, podemos usar essas posições para conquistar mais direitos e também construir uma alternativa ao sistema capitalista. Essas idéias serão essenciais para o próximo período em Seattle e ajudarão a construir lutas como a campanha para restabelecer o imposto corporativo e lutar por mais direitos, como um “Green New Deal” para a cidade. Será necessário a mesma determinação e sacrifício já demonstrado pela Sawant e pelas/ os companheiras/os da SA como também pelos/as inúmeros/as voluntários/as e ativistas. Isso ajudará a preparar a classe trabalhadora para os movimentos revolucionários adiante e para a construção de uma alternativa socialista. Pedro Meade


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