Ofensiva Socialista n°14 - maio/junho 2013

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Jornal da LSR

Seção brasileira do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT)

N° 14 maio/junho 2013

Inflação e estagnação não se combate com elevação de juros, privatização, cortes e repressão

Não à agenda neoliberal de Dilma Em defesa do salário, emprego, serviços públicos e do direito de greve

Nos anos 80 era bastante comum ir ao supermercado e se surpreender com a alta dos preços de um dia para outro. As famílias estocavam o que conseguiam com medo da escassez. Hoje, em 2013, não é mais possível esconder a retomada da inflação no país. A situação não é a mesma, mas o preço do tomate chegou a superar o preço da carne e de outros alimentos, atingindo um patamar de alta de 122%. Ainda estamos longe de um cenário dos anos 80, no entanto o cenário mundial, e a politica governista, não nos anima em relação às saídas e a possibilidade da retomada de crescimento. Jane Barros Não é mais possível esconder o sol com a peneira. Em março a taxa de inflação chegou a 6,59% superando o teto da meta de 6,5%. O Copom (Comitê de política monetária) do Banco Central aumentou a taxa Selic para 7,5%. O aumento de juros, segundo eles, tenderia a diminuir a demanda, o que levaria a redução dos preços. O objetivo do BC é manter a inflação na faixa de 4,5%, com dois pontos de tolerância (para mais ou menos). Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central (BC), defende a tese de que vivemos hoje um momento de estagnação econômica com inflação: estagflação. Não vivemos hoje uma situação de aumento do desemprego, ainda assim cresce a precarização e flexibilização dos di-

Tendência do PSOL

Marcha do dia 24 de abril: o primeiro passo foi dado pág 03

Jornada Nacional de Lutas da Resistência Urbana pág 03

Educação em greve! pág 05

O IV Congresso do PSOL e as eleições de 2014 pág 06-7

Guerra entre Estados pelos Royalties – e o povo com isso? pág 07

Feliciano e o fundamentalismo religioso pág 09

Thatcher: uma obstinada combatente da classe capitalista pág 11

continua na página 2

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2 • nacional

Ofensiva Socialista n°14 maio/junho - 2013

A alta da inflação: uma ferida exposta da política econômica os preços dos alimentos sejam congelados e controlados pelo Estado e população, de modo que não se reduza o consumo. Nossa preocupação não é enxugar os gastos do Estado, mas transferir o dinheiro utilizado para o pagamento da divida pública para o custeamento de politicas públicas e serviços como tarifa zero de transporte, mais emprego, garantia dos direitos trabalhistas, dentre outros. Isso faria a economia crescer!

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reitos (marca forte do neoliberalismo). É possível identificar uma forte tendência à diminuição do poder da indústria, seja pelo processo de desindustrialização e investimento no modelo agroexportador, de commodities, ou mesmo pela falta de investimento neste setor produtivo. Este por sua vez encontra um cenário de baixíssimo crescimento, fortemente evidenciado pelo “pibinho” de 2012. A grande verdade é que a política do Banco Central e do governo Dilma cabe muito bem no discurso neoliberal, que aposta numa solução interessante só para a burguesia: aumento de juros, controle da demanda, arrocho salarial, corte de verbas públicas para os serviços e áreas sociais. Esta seria uma forma de controlar a demanda e os gastos do Estado com os trabalhadores para manter o superávit primário o mais alto possível e garantir o pagamento da divida pública. As saídas ineficazes do Governo Dilma A grande questão é que as políticas de incentivo ao crédito e redução de impostos se mostraram incapazes de fazer a economia crescer. O endividamento das familiais hoje cresceu, assim como a inadimplência, boa parte delas já possuem quase 30% da sua renda comprometida, não conseguindo mais se endividar. Além do mais, o cenário de crise mundial não se mostra nada otimista, reforçando a fragilidade desta saída, pois ataca de modo mais direto o setor produtivo, que para se reorganizar e reestruturar vai garantir mais precarização, mais flexibilização das leis trabalhistas e até mesmo demissões. Além de não conseguir impulsionar o crescimento, o governo também foi incapaz de conter o surto inflacionário. A alta da inflação é mais uma ferida exposta do Governo Dilma, as saídas são frágeis e claramente ineficazes. Quando os preços sobem, o rendimen-

Os trabalhadores já começam a resistir

to das pessoas perde o seu poder de compra. O aumento do salário mínimo, previsto para R$ 714 reais no ano que vem, não acompanhará o ritmo da inflação real para os trabalhadores, que usam a maior parte da sua renda para comprar alimentos (que tiveram uma alta de preços maior que a inflação oficial), isso sem falar que nenhum trabalhador consegue sustentar sua família, pagar contas e aluguel com este salário. Pesquisa do jornal O Estado de São Paulo, afirma que a inflação tira quase 8 kg da cesta básica do trabalhador. Como sempre, somos nós que pagamos o pato de uma política econômica focada nos interesses do grande capital. Para a presidente Dilma, a preocupação é não aumentar os juros exageradamente, pois isso poderia impactar negativamente na sua reeleição, sobretudo se o próximo PIB for tão medíocre quando o de 2012. Mesmo com toda esta preocupação a perspectiva é de que os juros ainda aumentem mais. Para nós trabalhadores fica evidente que o aumento de juros é a pior politica para o conjunto da classe. Exigimos que

Não é a toa que já vemos em várias cidades movimentações contra o aumento da passagem, os baixos salários e a falta de investimento no setor público. A grande manifestação em Porto Alegre contra o aumento da passagem, a greve da educação em São Paulo, a Marcha a Brasília dia 24 de Abril, são exemplos de resistência dos trabalhadores frente a esta política econômica. As altas da inflação e dos juros são apenas a expressão de uma política econômica que tenta a todo custo manter um crescimento econômico sobre pés de barro e fazendo os trabalhadores pagarem por isso. A fragilidade desta política é vivenciada por nós trabalhadores no nosso dia a dia. A inexistência de serviço público, a não garantia de direitos básicos, a precarização e total flexibilização dos direitos trabalhistas (ACE) são a concretude desta política, defendida como modelo para América Latina. A única saída para esta situação é uma transformação radical nas bases estruturais, no modo de produção da sociedade. Não existem milagres para isso, e tampouco milagrosos, a saída esta em nossas mãos, na capacidade organizativa dos trabalhadores (as) e dos (as) socialistas em dar respostas a esta situação. Só a luta e a nossa organização poderão de fato mostrar a real solução a este problema.

Defendemos:

●● O controle e congelamentos dos preços, principalmente dos itens da cesta básica. ●● Uma verdadeira reforma agrária que estimule a agricultura familiar produtora de alimentos para baixar os preços desses produtos. ●● Reestatização das empresas públicas de infraestrutura que foram privatizadas e investimento nos serviços públicos para rebaixar o preço das tarifas, estendendo a tarifa zero para transportes e outros setores. ●● Combater a especulação e a política neoliberal que transforma serviços essenciais e direitos sociais em mercadoria, como moradia, alimentos, educação, saúde, etc. ●● Lutar por aumento dos salários, para compensar o aumento de custo de vida e aumentar o poder de compra do trabalhador ●● Intervenção e estatização de empresas que demitem, rebaixam salários, que não cumprirem sua função social e acordos previamente realizados, como no caso da GM de São José dos Campos.

Banco de horas para domésticas é golpe contra todos os trabalhadores A flexibilização da jornada das trabalhadoras e trabalhadores domésticos é um golpe contra todos os trabalhadores e trabalhadoras no país. Joaquim Aristeu Benedito da Silva Membro da Executiva Estadual da CSP-Conlutas em São Paulo O famigerado banco de horas, tão detestado pelos trabalhadores de várias categorias, tende a se tornar lei. Estão organizando um golpe, utili-

zando a lei das domésticas como bode expiatório para aprovar tal medida. Este banco de horas aparece para atenuar a vida das patroas, que se veem no inferno só porque agora as domésticas terão os mesmos direitos dos demais trabalhadores. Após muitos anos de espera as domésticas conseguiram uma conquista importante. Terão parte de seus direitos reconhecidos e sua jornada de trabalho regulamentada, pondo um fim a uma situação onde boa parte das domésticas tinha que pousar no trabalho, fican-

é uma publicação da Liberdade, Socialismo e Revolução

do a disposição dos patrões durante toda noite e nos finais de semana. Agora isso está sujeito a pagamento de horas extras.

Querem individualizar o contrato de trabalho A “patroada”, em especial aquelas que têm muito dinheiro e várias empregadas, começou a chiar e a presidente do sindicato das domésticas “muito preocupada” com o emprego das suas representadas foi à imprensa propondo o banco de horas como saída.

A burguesia e seus representantes, que não são bobos, mais que depressa através de um dos mais “legítimos” representantes da burguesia industrial, o presidente da FIESP Paulo Skaf e senador Romero Jucá do PMDB, elaboraram um projeto propondo que o banco de horas vire lei. Com esse projeto, as domésticas não receberão horas extras e seus contratos de trabalho seriam individuais. Ou seja, não será necessária uma assembleia para aceitar o banco de horas, é só assinar um termo com a patroa.

Telefone: (11) 3104-1152 E-mail: lsr@lsr-cit.org Sítio: www.lsr-cit.org Correio: CP 02009 - CEP 01031970 - SP Assinatura: 10 edições: R$ 20 reais (Envie cheque nominal p/Marcus William Ronny Kollbrunner à caixa postal)

Se isto já é uma tremenda sacanagem com as domésticas, por trás desta proposta há a intenção de através deste projeto das domésticas também individualizar o contrato de trabalho. Dessa forma, não seria mais necessário mudar o acordo coletivo através de uma assembleia para mudar a jornada. Se isso passar para as domésticas, vai ser usado contra outras categorias. Por isso, este projeto de banco de horas das domésticas não é um ataque só contra esta categoria, mais contra todos os trabalhadores.

Colaboraram nessa edição: Alistair Tice, André Ferrari, Cristina Fernandes, Dimitri Silveira, Edemilson Antonio Perez Clementino, Guilherme Camilo, Jane Barros, Jean Henrique, Joaquim Aristeu Benedito da Silva, Johan Rivas, José Afonso Silva, Leonardo Sinedino, Liv Shange, Luciano Barboza, Marcus Kollbrunner, Mariana Cristina, Mauricio de Oliveira Filho, Miguel Leme Ferreira, Reginaldo Costa, Robério Paulino e William Prieto


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Marcha do dia 24 de abril: o primeiro passo foi dado É necessário dar continuidade ao processo de unificação das lutas rais. Entretanto, o grande problema foi que todas elas ocorreram de forma fragmentada. Está claro que para derrotar os ataques dos patrões e do governo Dilma será necessário dar continuidade a esse processo de unificação das lutas que resultou na Marcha do dia 24 de abril.

A Marcha do dia 24 de abril foi uma vitória para a classe trabalhadora brasileira. Aproximadamente 20 mil trabalhadores da cidade e do campo, de diversos estados do país, estiveram em Brasília contra a política econômica e os ataques aos direitos dos trabalhadores por parte do Governo Dilma.

Construir a unidade nas lutas

Miguel Leme Ferreira Diretor da Apeoesp e da Executiva Nacional da CSP-Conlutas Em virtude do impacto da crise econômica internacional no Brasil, o governo Dilma pretende reduzir o chamado “Custo Brasil” através da implementação do Acordo Coletivo Especial (ACE) e de uma nova contra-reforma da previdência. O ACE prevê que o acordado prevaleça sobre o legislado. Com isso, muito direitos importantes dos trabalhadores podem ser flexibilizados ou mesmos retirados. Em relação à previdência, o governo Dilma só aceita acabar com o fator previdenciário, se for aprovado o chamado fator 85 para mulheres e o 95 para os homens. Em

Próximo passo: por um dia nacional de luta! ambos, o fator resulta da soma da blicos, a intensificação da criminaliidade com o tempo de contribuição. zação do movimentos sociais. ExigiCom essa medida, o governo Dilma ram também reforma agrária e mais obrigará o trabalhador a se aposen- investimentos em saúde e educação. tar mais tarde. Essa manifestação mostrou que é Na Marcha, além desses pontos, possível unificar as lutas. os manifestantes protestaram contra No ano passado foram realizadas a tentativa do governo em restringir diversas lutas, com destaque para a o direito de greve dos servidores pú- greve dos servidores públicos fede-

Esta unidade construída nesta ação em Brasília tem que ser reproduzida nos Atos de 1° de maio, na Jornada de Luta do Movimento Popular em junho e nas campanhas salariais do segundo semestre, e de forma imediata na solidariedade às greves que estão em curso, como é o caso dos professores estaduais de São Paulo. Além disso, é necessária a realização de um Dia Nacional de Luta que unifique e permita dar um caráter geral a todas essas lutas e reivindicações. Esse Dia Nacional de Luta seria realizada nos estados através da paralisação da produção e circulação de mercadorias, panfletagens em ponto de ônibus e escolas, atos unificados nas capitais etc. Além disso, entendemos que se

faz necessário, a construção de um grande Encontro Aberto da Classe Trabalhadora da Cidade e do Campo. Este Encontro reuniria os milhares de militantes combativos da esquerda socialista que estão dispersos nas diversas entidades sindicais e de movimentos sociais, bem como dos partidos políticos no campo dos trabalhadores, como é o caso do PSOL, PSTU, PCB etc. Este Encontro Aberto da Classe Trabalhadora da Cidade e do Campo, além de intensificar o processo de unificação das lutas, permitiria a retomada do processo reorganização sindical e popular no país e a construção de uma alternativa política para 2014 contra falsa polarização já existente entre PT e PSDB.

Bloco construiu e participou da marcha do dia 24 de abril As entidades que fazem parte Bloco de Resistência Socialista (BRS), do qual os militantes da LSR fazem parte, construíram e estiveram presentes na Marcha do dia 24 de abril. Além dos militantes do Bloco, participaram também estudantes do Coletivo Nacional Construção.

Jornada Nacional de Lutas da Resistência Urbana

Um dia de luta contra as atrocidades em nome do dos megaeventos A última coordenação nacional da Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos, formada por diversas organizações populares do país, apontou o dia 14 de junho como data para a realização da Jornada Nacional de Lutas. Esta jornada terá como foco a luta contra os despejos e remoções promovidos pelos governos em virtude dos megaeventos, Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro. José Afonso da Silva A data escolhida para a jornada coincide com início da Copa das Confederações, marcada para o dia 15 de junho. Em todo país os movimentos que fazem parte da Resistência Urbana estarão organizando ocupações de terra, travamento de rodovias, manifestações na porta dos governos, panfletagens e etc, para denunciar e criticar os altos gastos do Estado para a construção de estádios de futebol em detrimento dos serviços públicos. Também denunciará a forma desumana e cruel como comunidades vêm sendo removidas e despejadas para a construção das obras dos megaeventos. A mais recente arbitrariedade cometida pelo governo de Sérgio Cabral foi a destruição do Museu do Índio, que fica ao lado do estádio do Maracanã e de acordo com o projeto de reforma do Maracanã, a área

deverá ser transformada em um estacionamento. O Museu do Índio, com área de 1.600 m², existe desde 1910 e foi desativado pela ditadura em 1978. Mas estava ocupado por índios desde 2006 que batizaram o espaço de Aldeia Maracanã. No dia 23 de março, foram violentamente despejados pela Tropa de Choque do Rio de Janeiro a mando dos governos Dilma e Sérgio Cabral.

Dinheiro público para o setor privado Segundo a presidente Dilma Rousseff, o país gastará 33 bilhões de reais com as obras da Copa do Mundo, incluindo gastos com infraestrutura, modernização, ampliação e formação de pessoas. Desse total, 68% sairão dos cofres públicos. Ao mesmo tempo, Dilma intensifica o processo de privatização de portos e aeroportos. Ou seja, empresas privadas “compram”, recebem dinheiro público para as reformas e ampliações e de brinde ganham o direito de explorar esses serviços por 30 anos. A contrapartida, a exemplo do que ocorreu no último país sede da copa, a África do Sul, ficará apenas no papel, pois muitas obras sequer ficarão prontas para os eventos. Sem falar que os atrasos nas obras implicam em mais aumento dos gastos das mesmas. O mercado imobiliário, as empreiteiras, as grandes marcas e os gran-

des especuladores são os grandes beneficiados e por conseguintes os grandes beneficiados dos megaeventos de 2014 e 2016. Esses estão recebendo bilhões em investimentos públicos e em aquisições de empresas públicas.

A copa do mundo já tem seus perdedores Enquanto a grande maioria dos trabalhadores e a população mais pobre vivem em péssimas condições de vida, morando precariamente, se apertam num transporte público caro e sucateado, morrem nas filas dos hospitais, estudam em escolas decadentes, etc., soa como piada saber que bilhões e bilhões são derramados em obras para um evento que é controlado por uma das organizações mais corruptas do planeta. É o negócio da China. A FIFA lucrará bilhões em patrocínio, propaganda e direitos de imagem, mas quem põe a mão na carteira é o povo brasileiro. Depois das comemorações e das festas, as seleções vão embora, mas as dívidas ficam para a população e para as futuras gerações. A FIFA ainda impõe o estado de exceção, que inclui proibição de greves e manifestações, vendas restrita à marcas que patrocinam a copa do mundo, além de passar por cima da cultura nacional, como no caso das baianas que estão proibidas de vender seus produtos dentro dos estádios.

Movimentos que fazem parte da Resistência Urbana e estão construindo a Jornada até o momento

●● Circulo Palmarino ●● MFST (Movimento das Famílias Sem Teto) ●● MLP (Movimento de Luta Popular) ●● MPM (Movimento Popular Por Moradia) ●● MSTB (Movimento dos Sem Teto da Bahia)

Por essa e por outras que os megaeventos já se mostram como sendo um grande engodo e justificam a Jornada Nacional de Lutas. A Resistência Urbana estará orga-

●● MTST (Movimento dos Trabalhadores sem Teto) ●● MUST (Movimento Urbano dos Sem Teto) ●● Resistência Camponesa e Urbana do Piauí ●● Terra Livre Movimento popular do campo e da cidade nizando plenárias nos estados com o objetivo de atrair e convencer outros movimentos populares da cidade e do campo a se incorporarem nas ações da Jornada.


4 • juventude Um dia de virada não esconde a desigualdade no acesso à cultura A Virada Cultural de São Paulo é um evento que acontece desde 2005 na cidade. Trata-se de uma programação cultural de 24 horas com gastos milionários. Esse ano a prefeitura estima os gastos com o evento em oito milhões. Cristina Fernandes Por um lado a população tem acesso a grandes shows e espetáculos. Por outro, vemos como a cultura em São Paulo é centralizada, e que passada as ‘24h’ voltamos à dura realidade da falta de investimentos em políticas culturais para além do centro da cidade. Até mesmo os Racionais MC´s que se apresentarão esse ano, que sempre representaram a resistência na periferia, estarão em um dos grandes palcos do centro de São Paulo. E onde fica a periferia em tudo isso? E os pontos culturais e o investimento em políticas públicas que tenham uma continuidade, e que realmente façam a diferença na realidade da população? Temos que lembrar que mesmo para participar da virada cultural temos os nossos limites. Gastos com transporte, alimentação. Segundo o site observatoriodoturismo.com.br o gasto em média na virada por pessoa é de R$ 50,32. Levando em conta a cidade desigual em que vivemos, a falta de acesso e qualidade ao transporte ‘público’ não podemos nos iludir com essa grande festa. A cultura não pode ser um negócio, uma promoção política, onde se mostra em 24h o que não existe no resto do ano. Não podemos deixar que leis de incentivos a cultura como a Lei Rouanet seja mais um negócio para os empresários, permitindo que empresas escolham quem irá patrocinar e em troca fazem propaganda da sua marca, retirando na prática, dinheiro público dos cofres do Estado, já que a mesma se vê isenta do pagamento dos impostos. Como no caso do musical Rei Leão, que é patrocinado pela Bradesco Seguros, com um custo aproximado de 50 milhões, tem ingressos a preços caríssimos que chegam a 280 reais.

●● Queremos investimentos e democratização real do acesso a espaços culturais plurais que realmente representem os trabalhador@s e juventude. ●● Não a criminalização da cultura na periferia!

●● Não ao fechamento dos espaços de cultura nas comunidades, como foi o Sarau do Binho e a mais recente proibição dos bailes funks na periferia!

●● Pela luta e resistência daqueles que acreditam na cultura e organização popular!

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Congresso da UNE e novas possibilidades de articulação da luta dos estudantes Entre 29 de maio e 01 de junho vai acontecer o 54º Congresso da UNE (CONUNE). O Congresso acontecerá em Goiânia (GO) e reunirá milhares de estudantes de todo o país.

Guilherme Camilo estudante de Psicologia da USP A União Nacional dos Estudantes (UNE) é uma entidade que hoje não tem mais a mesma importância no cenário nacional como em outras épocas. Foi, no passado, protagonista de importantes lutas nacionais, não apenas em defesa da educação pública para todos, mas também levantando bandeiras importantes para toda a sociedade, no processo de abertura democrática como “diretas já” e “fora Collor”.

Submisso ao governo A relação do governo federal com a direção atual da UNE (formada principalmente pelo PCdoB e setores do PT) pode explicar o sumiço da entidade das grandes mobilizações. Hoje ela é completamente submissa ao governo, apoiando as políticas que têm privatizado e sucateado o ensino em todo o país. Sempre que faz alguma crítica, o caminho que aponta como solução é aprofundar cada vez mais as reformas que prejudicam a qualidade e autonomia da educação pública. A autonomia na organização de qualquer movimento é fundamental para que se possa lutar pelos direitos sem ter o rabo preso com ninguém. Mas a relação tão estreita entre entidade e governo, incluindo troca de favores financeiros, faz com que a UNE fique completamente dependente, não cumprindo mais seu papel de organizar os estudantes de forma autônoma. Se quiserem se mobilizar para lutar, os estudantes precisarão combater a direção dessa entidade e se reorganizar nacionalmente.

A reorganização do movimento estudantil Apesar de ter uma direção que se coloca contra as lutas que conquistariam melhorias ao ensino e à sociedade, a UNE ainda é referência

Reorganizar o movimento estudantil pela base. para muitos estudantes e coletivos de esquerda que se mobilizam. A existência de uma Oposição de Esquerda (OE) dentro dessa entidade mostra que lá existe espaço para que estes estudantes debatam entre si e construam novas possibilidades de luta. A OE é formada por vários coletivos e ativistas do movimento, e se organiza para enfrentar a atual situação da UNE. É ainda muito fragmentada e isso a fragiliza no dia a dia do movimento estudantil. Mas essa fragmentação tem chance de se reverter, e a OE, mais unificada, pode se tornar uma ferramenta importante para o ME. Porém, esse espaço, apesar de ser hoje o mais amplo setor que organiza lutas no movimento, não representa toda a esquerda. Há outros ativistas e coletivos importantes na UNE que não veem a OE como alternativa, e ainda outros que não estão mais na

UNE. Entre estes, alguns constroem novos espaços de organização por fora da entidade e outros continuam se mobilizando sem uma referência nacional. Para que a Oposição de Esquerda cumpra o papel histórico de reorganizar a esquerda no movimento estudantil ela deve, portanto, ser uma ferramenta que ajude a unificar todos esses setores. Se ficar fechada em si mesma, vai deixar de corresponder à importância que hoje tem entre os estudantes mobilizados.

Construir a Oposição de Esquerda Por isso, é importante que os estudantes vão ao Congresso da UNE, participem dos espaços e debates da Oposição de Esquerda e lutem por uma unificação cada vez mais ampla no ME. A construção de um fórum nacional de mobilização dos es-

tudantes - um espaço de debates e de construção de lutas que aglutine aqueles que estão na OE e aqueles que estão ou não em outras tentativas de articulação nacional - é fundamental para o processo de reorganização aqui colocado. Em 2012, durante a greve das universidades federais, o ME construiu um instrumento que mostrou que é possível unificar toda a esquerda em uma luta conjunta. O Comando Nacional de Greve dos Estudantes, apesar de em alguns locais ter encontrado problemas de representatividade, foi um instrumento fundamental para a luta, e mostra como um fórum de todos aqueles que lutam não é algo impossível de se construir, e muito menos algo sem importância, como alguns hoje acreditam. Venha para o CONUNE e para a OE, participar da construção de novas alternativas de mobilização dos estudantes

Novas formações no ME: como avançar? Com a crise que existe hoje na direção do movimento estudantil, com a UNE completamente vinculada ao governo, alguns grupos e estudantes romperam com a entidade e tentaram construir novos instrumentos nacionais. O mais recente, e que existe até hoje, se chama Assembleia Nacional dos Estudantes Livre (ANEL).

Guilherme Camilo estudante de Psicologia da USP Colocam corretamente críticas à direção da UNE, mas, em vez de se juntarem a todos os setores que combatem essa direção, se coloca-

ram à parte, construindo um instrumento controlado por apenas um coletivo. A nova entidade, com muita dificuldade de dialogar com quaisquer outros setores da esquerda, acaba por cumprir um papel contrário ao qual se propõe: fragmenta o movimento e impede a construção de um espaço de organização conjunta de todos aqueles que fazem lutas. Um exemplo dessa falta de diálogo é a data em que terão seu congresso. Será na mesma data que o Congresso da UNE, onde, opondo-se à direção da entidade, muitos ativistas e grupos de esquerda estarão debatendo como se organizar para construir lutas. É necessário construir algo novo,

que consiga enfrentar as políticas de precarização da educação impostas pelo governo. Mas algo novo só po-

de surgir de uma mobilização real dos estudantes, e da unificação de toda a esquerda, e não de iniciativas isoladas de um ou outro grupo. Para que a ANEL de fato possa cumprir algum papel positivo no processo de reorganização do movimento estudantil, é preciso que deixe de lado a autoproclamação como único caminho possível. É preciso que se implique na unificação com os demais setores e estudantes que se mobilizam, e que estejam em espaços de debate e construção conjuntos de toda a esquerda. Vamos todos construir um fórum amplo que unifique Oposição de Esquerda da UNE, ANEL e setores de esquerda que não estejam em nenhuma dessas entidades!


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Professores da rede estadual de São Paulo em greve! simas condições de trabalho; falta de uma política salarial de valorização do magistério, recusa de reposição da inflação do período; jornadas diárias estafantes; aumento significativo da violência dentro e nos arredores das escolas; divisão dos professores em várias categorias (a mais precarizada é a categoria “O”); a implantação da Escola de Período Integral via decreto; terceirização da limpeza, inspetores e merenda escolar.

No dia 19 de abril de 2013, em assembleia na avenida Paulista, mais de dez mil professores da rede estadual de São Paulo decidiram entrar em greve por tempo indeterminado. Edemilson Antonio Perez Clementino Professor da E. E. Laurita Ortega Mari e Conselheiro Estadual da APEOESP pela Oposição Alternativa Os principais pontos da pauta de reivindicação são os seguintes: reajuste de 36,74%, cumprimento de 1/3 para atividades extraclasse, fim da precarização dos professores categoria “O” e contra a privatização do Hospital do Servidor Público Estadual. A greve é necessária, sobretudo na medida em que o governo não negocia e não atende nossas reivindicações. O estado mais rico da Federação, governado pelo PSDB nos últimos 20 anos, acabou com a base da educação pública. Alckmin e Herman continuam sucateando as escolas.

O que não faltam são motivos para a greve! O que motiva a paralisação não é que os professores não gostem de trabalhar, como disse o senhor go-

Barrar a privatização do Hospital do Servidor Público

A desvalorização do docente e da educação!

vernador, mas sim o plano de desmantelamento e destruição da escola pública implementado pelos governos tucanos, que culminou nesse último período numa série de ataques. São inúmeras as medias que agravam a situação de destruição e sucateamento da educação pública em São Paulo. A retirada de direitos já garantidos pela categoria; aumento do assédio moral por parte das direções extremamente autoritárias; pés-

Além de tudo isso, o governo quer privatizar o Hospital do Servidor Público Estadual; obriga o maior endividamento da categoria; aumenta gradualmente a intimidação e repressão à categoria; forja os mais variados e diversos projetos da pasta da educação criados sem discussão e implementados a toque de caixa, sendo estes, inúmeras vezes, totalmente fora da nossa realidade. Infelizmente, todos esses fatores estão contribuindo de forma muito negativa para o adoecimento da categoria e aumentando a falta de professores nas escolas. Só para ter uma ideia, a falta de investimento e incentivo é tão grande, que hoje vivenciamos o fechamento de cursos de licenciatura e o abandono do ma-

Haddad aprofunda a privatização e o sucateamento da educação

Prefeito Pinóquio não cumpre promessa Haddad já demonstrou que é mais um daqueles políticos mentirosos que enganam a população. Em sua campanha eleitoral o então candidato petista afirmou que cumpriria o acordo feito em 2012 entre os profissionais da educação e o ex-prefeito Kassab. O atual prefeito, entretanto, não cumpriu sua promessa e utilizou como justificativa a velha ladainha de que não há verbas. Ora, o município de São Paulo gasta cerca de R$ 4 bilhões todos os anos para pagar juros de sua dívida com a União. Dimitri Silveira Professor da rede municipal de São Paulo e Conselheiro do Sinpeem Trata-se de uma dívida impagável. De acordo com o ex-secretário de finanças, Mauro Ricardo, em 2030, fim do prazo estipulado para o pagamento da dívida, São Paulo terá pagado R$ 170 bilhões e, ainda assim, ficará com um saldo devedor de R$ 215 bilhões. Este montante poderia ser destinado à educação, saúde, assistência social etc., mas ao invés disso o prefeito Pinóquio prefere seguir pagando juros de uma dívida

draconiana que não para de crescer. A cidade de São Paulo amarga uma triste estatística. Mais de 100 mil crianças estão fora dos Centros de Educação Infantil em função da falta de vagas. Para “solucionar” este problema Haddad está ampliando a terceirização da educação infantil por meio de creches conveniadas e parceria com empresas. Essa é uma política já adotada pelo ex-prefeito Kassab que tem provocado efeitos devastadores sobre os trabalhadores da educação, conforme apontou o Ministério Público do Trabalho. Segundo a denúncia do órgão, foram constatados atrasos no salário, não pagamento de horas extras e desvio de função dos educadores que, em alguns casos, chegavam a ser responsáveis também pela faxina das salas de aula.

“Mais Educação”? Outro exemplo de descaso com ensino público municipal é a implantação do programa “Mais Educação”. Muito semelhante à campanha “Amigos da Escola” da rede Globo, o “Mais Educação” de Dilma e Haddad pretende levar voluntários para dentro das unidades escolares, o que fatalmente implicará em desorganização das escolas, desvalorização dos profissionais em educação e que-

da da qualidade de ensino. Educação é coisa séria, exige profissionais formados, experientes, motivados e não pode ser tratada com voluntarismo.

Unificar as lutas Para barrar a destruição dos serviços públicos é necessário unificar a luta do funcionalismo estadual e municipal. A educação estadual de São Paulo já está em greve e os trabalhadores da saúde entram em greve a partir de 1º de maio. A educação do município precisa somar-se a estas lutas juntamente com as demais categorias do funcionalismo municipal para construir um poderoso movimento capaz de derrotar os ataques de Alckmin/Haddad e obter vitórias. Democratizar o Sinpeem O maior entrave para organizar a luta da educação municipal é a atual direção majoritária do Sinpeem. Por isso é necessário construir um movimento de Oposição com o objetivo de democratizar radicalmente o sindicato e trazê-lo de volta às mãos da categoria. O Movimento por Democracia e Independência no Sinpeem está tomando esta iniciativa e oferece a todos os lutadores uma alternativa coerente e combativa para fortalecer o movimento sindical da educação.

gistério por outras áreas mais valorizadas. Como vimos motivos não nos faltam para entrarmos em greve. Queremos denunciar mais uma vez o que esses governantes estão fazendo conosco e com os filhos dos trabalhadores. Chega de maquiagem e vamos tratar a educação de forma séria, respeitosa e digna. Pela implantação imediata de um Plano de Educação que contemple uma carreira digna ao professor e um estudo de qualidade para as crianças.

Repercussão da greve na sociedade Apesar da campanha contrária da imprensa e da repressão das direções, a greve começou com muita força. Temos recebido o apoio de pais e alunos, pois eles conhecem as péssimas condições de trabalho que temos enfrentado para realizar o processo de ensino e aprendizagem. Entretanto, para garantirmos a vitória da greve, é necessário intensificarmos os comandos de greve nas escolas e fortalecermos o apoio da comunidade escolar. É fundamental também, buscarmos a unidade com os demais setores do funcionalismo estadual, em particular com os trabalhadores da saúde e realizarmos uma campanha de mídia com matérias pagas na TV,

rádio e nos jornais de grande circulação, para respondermos às mentiras do governo Alckmin e da grande imprensa. Quanto ao nosso sindicato, a APEOESP, o maior sindicato da América Latina, é necessário fazer o enfrentamento consequente com esse governo e desmascará-lo frente à opinião pública de forma reta e direta. É necessário ir às ruas, radicalizar a luta e denunciar nos meios de comunicação todos os desmandos dos tucanos na área da educação!

Lutamos por: ●● Reajuste de 36,74% já! ●● Cumprimento de 1/3 para atividades extraclasse! ●● Fim da precarização dos professores categoria “O”! ●● Contra a privatização do Hospital do Servidor Público Estadual! ●● Chega de manobras, queremos investimentos de 10% do PIB para a Educação, já!

Novo momento para a luta da educação em Natal A greve nacional da educação veio em boa hora, pelo menos em Natal. Não é difícil enxergar que grande parte da categoria está desmobilizada, desmotivada, e demonstra cansaço. Muito disso se dá em razão do revés humilhante da última greve, em 2011 que durou mais de cem dias, e não obteve nenhuma conquista. Leonardo Sinedino professor dos anos iniciais da rede estadual do Rio Grande do Norte Também é resultado da desconfiança oriunda do aparelhamento petista do sindicato e suas práticas pelegas de não enfrentamento, além da ausência do sindicato no cotidiano dos trabalhadores. Contribui também o fato de que as últimas vitórias da categoria não terem sido conquistadas nas ruas, mas sim pelos advogados do sindicato. No entanto, há indícios de um novo período que se abre. Os novos professores concursados – que foram recebidos na rede estadual com atrasos de salário – iniciaram uma mobilização em rede, que cresceu com a adesão de estudantes secundaristas. Só isso já é uma vitória: ter a concepção de que movimentos pela educação se fortalecem com a

união da comunidade escolar. Professores não estão sós na escola, portanto é fundamental que todos os agentes envolvidos nas práticas de ensino e aprendizagem estejam mobilizados e envolvidos com a luta. Em todo o país estudantes se mostram dispostos a encabeçar diversas lutas, portanto é importante que professores tenham a iniciativa de buscar essa unidade em prol das lutas da educação.

Novas perspectivas para a Oposição Após práticas antidialógicas da direção do SINTE, que atropelou as deliberações dos estudantes e dos novos professores, houve um estreitamento das relações com a Oposição, que se mostrou aberta para construir as ações da greve e do 1º de Maio, de forma democrática. Abre-se uma nova perspectiva de Oposição, mesclando experiência dos quadros mais antigos, com a disposição de uma parte dos novos professores e estudantes secundaristas. Entretanto, é importante que se tenha em mente que a greve não deve ser um fim, um ato isolado, um dia tirado para ir às ruas, mas sim um meio para mobilizar pessoas e construir um movimento sólido e politizado, em prol de conquistas efetivas para uma educação pública de qualidade.


6 • especial: PSOL

Ofensiva Socialista n°14 maio/junho - 2013

O IV Congresso do PSOL e as eleições de 2014 – a pos

Não ao retrocesso – fortalecer o oposição de esquerda ao lulismo O texto que publicamos a seguir é uma Declaração do Comitê Nacional da corrente Liberdade, Socialismo e Revolução (LSR) de 17 de março sobre as políticas do PSOL para as eleições de 2014. Ele foi escrito como parte do debate no interior do Bloco de Esquerda que é constituído por várias correntes que lutam contra as políticas de descaracterização do PSOL adotadas pelo setor majoritário do partido. Entre outros pontos, a Declaração debate a visão de que a candidatura de Chico Alencar, que não é membro do Bloco e não subscreve suas principais avaliações, possa representar uma alternativa comum a todo o partido, incluindo a esquerda, diante do risco de que Randolfe Rodrigues, o principal representante das políticas inaceitáveis de alianças com a direita adotadas em Macapá, mantenha-se como postulante a ser o candidato do partido. A LSR defende que o Bloco de Esquerda apresente um nome

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) vive um momento de debates e definições em uma conjuntura extremamente grave da luta de classes no mundo e também refletida no Brasil. Em meio à gravidade da crise capitalista internacional e o acirramento da resistência de massas na Europa e outras regiões, as incertezas quanto à situação nacional aumentaram a ansiedade das forças políticas da burguesia diante do que pode acontecer nas eleições de 2014. Os dois anos de Dilma no governo estão marcados por uma economia

alinhado com suas políticas como pré-candidato à presidência pelo PSOL e reafirme uma clara plataforma política de esquerda, socialista e baseada na democracia interna do PSOL. Após a elaboração do texto, o debate no interior do Bloco avançou principalmente no sentido do compromisso na busca de uma posição unitária de todas as correntes da esquerda do partido. Isso se refletiu inclusive no diálogo realizado pelo Bloco com o próprio companheiro Chico Alencar e outras iniciativas comuns do Bloco, como a preparação de sua intervenção na reunião do Diretório Nacional de 27 e 28 de abril. A LSR continua defendendo as posições expressas nessa Declaração e a submete à avaliação dos militantes e amigos do PSOL. Ao mesmo tempo nos colocamos claramente como parte desse compromisso de busca de uma política unitário do Bloco de Esquerda. André Ferrari, Diretório Nacional do PSOL

que patina apesar de todos os privilégios, isenções de impostos e regalias dadas com dinheiro público aos grandes empresários. A desindustrialização é uma ameaça séria. O emprego não cresce como se alardeava antes. Os baixos salários e a precarização predominam. O aumento nos preços dos alimentos e outros bens da cesta básica do trabalhador agravam a situação. Não há crédito que compense eternamente essa situação. Os serviços públicos se deterioram e ficam mais inacessíveis. O aumento das tarifas públicas, em particular do transporte, pode pro-

vocar situações explosivas. Nesse contexto, não há dúvidas sobre a opção feita por Dilma e os governadores e prefeitos: jogar sobre as costas dos trabalhadores os custos do ajuste que veem como necessário para manter a estabilidade de seu sistema de lucros e exploração. Somente no mês de janeiro, a União, estados e municípios reservaram mais de R$ 30 bilhões para o pagamento da dívida pública. Esse foi o maior superávit primário mensal já registrado no país. Em um único mês se gastou com banqueiros e especuladores mais do que se destinará durante todo o ano de 2013 para o programa Bolsa Família (R$ 22 bilhões). Diante dos sinais de crise, a reposta do governo Dilma é mais neoliberalismo: retirada de direitos dos trabalhadores e privatizações. Aeroportos, portos e ferrovias estão sendo entregues ao setor privado seguindo o “modo petista de privatizar”. A proposta de Acordo Coletivo Especial (ACE), que permite e estimula a retirada de direitos trabalhistas, é mais uma política para desonerar os grandes empresários à custa de quem vive do trabalho. Mas, Dilma também teve que se defrontar com muita luta e resistência. As greves dos operários da construção civil e das obras do PAC em 2011 e 2012 mostraram a força da classe trabalhadora. Vimos também a maior greve em muitos anos dos trabalhadores do serviço público federal, em particular das universidades federais, além das campanhas salariais do setor privado e das lutas da juventude contra os aumentos das tarifas de transporte e em defesa da educação pública. Esse poderoso movimento poderia ter sido potencializado se não tivesse sido marcado pela fragmentação e ausência de uma coordenação nacional capaz de unificar as lutas em torno a um projeto alternativo dos trabalhadores.

Ofensiv dos patrões

Resgatar o PSOL das origens no quarto congresso!

A ofensiva dos patrões da GM de São José dos Campos eliminando postos de trabalho e impondo retirada de direitos, como o banco de horas e rebaixamento salarial, é uma demonstração dos ataques que virão pela frente se não conseguirmos unificar e fortalecer nossa luta. A oposição de direita ao governo Dilma, encabeçada por Aécio Neves do PSDB, mostra-se cada vez mais incapaz de aparecer como alternativa. O máximo que podem propor é mais austeridade e ataques para colocar ordem na casa. Sobre essa base não ganharão mais apoio. Mesmo assim, diante das incertezas, Dilma coloca as barbas de molho. Assumiu sua candidatura à reeleição desde já. Não quer ouvir falar em um retorno de Lula e tenta conter o crescimento de alternativas, mesmo aquelas que surgem dentro do seu próprio campo político, como é o caso do PSB de Eduardo Campos. Marina Silva tenta correr por fora.

Está fundando um partido que tentará aparecer como a grande novidade do cenário político. Um partido composto e apoiado por grandes empresários e banqueiros, que não se diz de esquerda ou de direita, oposição ou situação, mas que usa a bandeira da defesa do meio ambiente como uma maquiagem progressista. Nesse cenário, a esquerda socialista brasileira tem diante de si o enorme desafio de apontar um caminho de unidade das lutas e da resistência ao mesmo tempo em que constrói as bases para a construção de uma alternativa eleitoral de oposição de esquerda, classista e socialista, nas eleições de 2014.

A responsabilidade do PSOL As responsabilidades do PSOL nesse contexto são enormes e o partido precisa se colocar a altura do momento histórico. Para isso, a corrente Liberdade, Socialismo e Revolução (LSR) luta para que o IV Congresso Nacional do PSOL, marcado para os dias 29, 30/11 e 01/12/2013, represente um ponto de inflexão na política do partido. Lutamos para impor uma derrota clara à política que, nas eleições municipais de 2012, defendeu e estimulou coligações com os partidos do governo Dilma e Lula (PT, PCdoB, PSB, etc), além de partidos menos expressivos (embora não menos nefastos) da direita brasileira, como o PSC do homofóbico e racista deputado Marco Feliciano, que queremos derrubar da presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal. Combatemos a política que levou o PSOL de Belém (PA) nas eleições municipais do ano passado a vergonhosamente abrir espaço no programa de TV do PSOL para que Lula, Dilma e Mercadante defendessem o governo federal. Trata-se de uma política que ameaça transformar nosso partido em uma ala esquerda do campo lulista, renunciando ao projeto fundacional do PSOL como oposição de esquerda aos governos do PT. É preciso também derrotar a derivação mais degenerada dessa política de pragmatismo eleitoral e oportunismo político expressa na postura que levou o PSOL de Macapá (AP) a aliar-se informalmente até mesmo com políticos da direita tradicional, incluindo PTB, PSDB e DEM, nas eleições do ano passado. Internamente ao partido, entendemos como uma prioridade a luta para derrotar no Congresso do PSOL o atual campo majoritário composto pelo setor que sustentou a política de Belém (representado pelo atual presidente do partido) em unidade com o setor que banca o oportunismo extremo adotado em Macapá (representado pela figura do senador Randolfe Rodrigues). A terceira vertente desse setor majoritário, composta por Martiniano Cavalcante, Elias Vaz e Jeferson Moura entre outros, se caracterizava por dar prioridade a uma alian-

Por um PS ça com o eco-capitalismo de Marina Silva. Esse setor, junto com Heloísa Helena, já está em processo de saída do PSOL rumo ao novo partido “marinista”. Para derrotar essa política é preciso derrotar a maioria da direção que a sustenta e que se expressa na figura do senador Randolfe Rodrigues.

O papel do Bloco de Esquerda no PSOL A construção de um Bloco amplo e plural de forças políticas que se opõe à política desse setor majoritário (composto por, além da LSR, correntes como APS, MES, CST, TLS, Enlace, CSOL, CRS, Reage Socialista, entre outras) representa um passo adiante para o PSOL e a LSR está diretamente envolvida no seu fortalecimento. Em nossa opinião, esse bloco de forças deve construir uma base política consequente para se contrapor à maioria baseada nos seguintes eixos: ●● Enraizamento do PSOL nas lutas dos trabalhadores e na organização da resistência unitária contra os ataques do governo Dilma e dos patrões; ●● Defesa da independência de classe na política do PSOL nos movimentos sociais e no processo eleitoral; ●● Defesa de candidatura própria do PSOL nos marcos de uma Frente de Esquerda e dos Trabalhadores em 2014 que inclua o PSTU


especial: PSOL/nacional • 7

Ofensiva Socialista n°14 maio/junho - 2013

osição da LSR

o PSOL como mo e à velha direita! Portanto, entendemos que a apresentação de uma pré-candidatura do bloco de oposição é uma tarefa central na luta por um programa e políticas alternativas à da direção majoritária do partido. Até o momento, o nome da companheira Luciana Genro é o único que se apresentou no interior do bloco de oposição. Tivemos no passado e ainda mantemos diferenças políticas e metodológicas bastante conhecidas com sua corrente política, especialmente em torno do que foi a política de aliança com o PV em Porto Alegre em 2008 e o financiamento de campanha com participação de empresas privadas, além de questionamentos sobre a prática política cotidiana no PSOL que apontam para diferenças relacionadas à concepção de partido. Apesar disso, a LSR entende que a existência da pré-candidatura de Luciana Genro joga um papel progressivo nesse momento, principalmente porque se dispõe a representar não somente as posições de sua tendência em particular, mas a elaboração coletiva de um conjunto de forças políticas da esquerda do partido. Valorizamos o fato de que a pré-candidatura de Luciana Genro se coloca como um instrumento do bloco de oposição em defesa do PSOL contra as ameaças que pairam sobre o partido.

m PSOL enraizido nas lutas dos trabalhadores. e PCB, além de movimentos sociais e políticos que se colocam no campo dos trabalhadores; ●● Não ao financiamento de campanha por parte de empresas e empresários; ●● Perfil, programa e política de clara oposição de esquerda ao lulismo, à direita tradicional e nova direita representada por Marina Silva; ●● Defesa de um programa anticapitalista e socialista para a luta direta dos trabalhadores e a disputa eleitoral de 2014. Por um programa que vincule as lutas imediatas dos trabalhadores e de todos os explorados e oprimidos com bandeiras como a suspensão do pagamento da dívida pública aos grandes capitalistas, a reestatização das empresas privatizadas e a estatização do sistema financeiro sob controle dos trabalhadores. ●● Defesa de uma democracia interna radical no PSOL, com o fortalecimento dos núcleos de base, dos setoriais e o controle da direção e dos mandatos pela base militante do partido; ●● Não à filiação indiscriminada e despolitizada visando exclusivamente à luta interna. Por uma campanha ampla de filiação e construção do PSOL entre os trabalhadores e a juventude conscientes. Construção e fortalecimento de critérios militantes para que os filiados ao partido participem do processo do Congresso do partido.

Como parte do processo da luta em defesa dessa plataforma, o bloco de oposição à atual maioria dever apresentar um nome próprio como pré-candidato (a) à presidência da república. Não vemos como hoje seria possível encontrarmos uma candidatura de consenso no conjunto do partido diante de tamanhas divergências de projeto, programa e estratégia. A possibilidade da pré-candidatura do companheiro Chico Alencar, levantada como possibilidade por diferentes setores do partido, não resolve em si as divergências internas. Ainda que o nome do companheiro Chico possa representar um enorme avanço diante da possibilidade de que o representante da política de Macapá, Randolfe Rodrigues, seja apresentado como o candidato do PSOL, não podemos aceitar que essa candidatura sirva como mecanismo para abafar o debate interno. Infelizmente a pré-candidatura do companheiro Chico Alencar, se de fato apresentada, não seria um candidatura baseada nas posições políticas que o bloco de oposição levanta e defende e o bloco não pode e não deve abrir mão de travar essa luta. Uma solução unitária pode e deve ser conquistada a partir de um amplo debate e uma luta política desde que isso se dê sobre bases justas e democráticas. Suprimir o debate em nome de um suposto consenso pré-estabelecido, nesse momento pelo menos, significa empurrar as diferenças para debaixo do tapete e agravá-las ainda mais no futuro.

Manter o debate democrático em busca de um nome unitário da esquerda Diante da possibilidade do surgimento de outras possíveis pré-candidaturas no interior do bloco, poderemos debater democraticamente e buscar um nome unitário que represente uma plataforma política e uma estratégia comum entre as forças que hoje se colocam na esquerda do partido. Mas, alertamos que não podemos permanecer imobilizados aguardando a evolução da situação. O bloco de oposição tem enormes responsabilidades nesse momento. Fazemos um chamado a que as forças políticas do bloco de oposição invistam no debate de uma plataforma política e na escolha de uma pré-candidatura que represente essa plataforma. Da nossa parte contribuiremos para esse debate e lutaremos para que cheguemos a uma decisão unitária que nos permita derrotar o setor majoritário do partido e suas políticas que ameaçam a própria sobrevivência do PSOL como partido socialista independente. Reiteramos aqui também a necessidade de que, para além da luta contra o projeto do setor majoritário, a esquerda socialista consequente do PSOL construa as bases para uma unidade mais estratégica com vistas ao processo de reorganização e reconstrução da esquerda socialista no Brasil e no mundo. Comitê Nacional da corrente Liberdade, Socialismo e Revolução (LSR) 17 de março de 2013

Guerra entre Estados pelos Royalties – e o povo com isso? A aprovação na Câmara da emenda sobre a distribuição para todos os Estados dos royalties do petróleo fará a receita dos estados produtores (Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo) diminuir drasticamente, pois a disputa entre os estados pelos royalties do petróleo envolve hoje R$ 31,5 bilhões.

Royalties anuais (bilhões de reais)

31,5

14,8

Luciano Barboza Historiador e Mestre em Planejamento Urbano O governador do RJ Sérgio Cabral FiO governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral Filho (PMDB) é uma figura muito importante na base de apoio ao governo Dilma, e juntamente com os prefeitos da região petrolífera do RJ (Macaé, Campos, Rio das Ostras, etc) reclamou contra tal medida com o governo petista, ameaçando romper a aliança com o PT no RJ. Isso levou aos vetos de Lula à Lei dos Royalties e depois de Dilma (impedindo a partilha de contratos de campos já em fase de exploração). No dia 06 de março de 2013 esses vetos foram derrubados pelo Congresso Nacional, passando a lei a valer tanto para campos novos quanto para as áreas já licitadas. A bancada parlamentar do RJ se retirou desta votação, indignada com a truculência do presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) na condução dos trabalhos. Governadores, deputados e senadores dos Estados produtores foram ao Supremo Tribunal Federal e entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin). A decisão da ministra Cármen Lúcia suspendeu a nova fórmula de partilha dos royalties do petróleo aprovada pelo Congresso Nacional. Porém, o Senado recorreu ao STF contra a decisão da ministra. Enquanto a guerra judicial prossegue, Sabino (PSC) prefeito de Rio das Ostras eleito recentemente, já faz terrorismo com a população afirmando que se os royalties acabarem a cidade vai parar seu funcionamento por falta de verbas, e os funcionários públicos perderam todas as gratificações. Sérgio Cabral faz o mesmo dizendo que a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 serão comprometidas por falta de investimentos do governo do estado. Por outro lado, com a visão oposta a dos estados produtores de petróleo, todos os outros estados comemoram a renda extra que virá do petróleo e prometem maior desenvolvimento econômico e social de seus municípios.

O debate mais importante é outro O debate mais importante e que não aparece na grande mídia é onde tem sido investido o dinheiro dos royalties do petróleo e como deve ser investido. Outro questionamento importante é: o dinheiro já recebido pelos estados produtores foi investido em

3,9 2001 2007

2012

questões ambientais e sociais? Será que o município de Campos-RJ como maior produtor de petróleo, se tornou uma cidade com menos desigualdade social depois que recebeu os royalties? Infelizmente sabemos que as respostas são NÃO, e que muitas vezes esse dinheiro dos royalties desaparece através de uma intensa corrupção nas cidades produtoras de petróleo.

Controle social O deputado estadual do PSOL Marcelo Freixo disse na Assembleia Legislativa do RJ: “Tem que acabar com a caixa-preta dos royalties de boa parte dos municípios do RJ, proponho que a verba dos royalties seja carimbada e com controle social”. Além de abrir a caixa preta, é necessário amenizar os danos ambientais provocadas pela retirada do petróleo e construir infraestrutura urbana nas regiões produtoras de petróleo para evitar o processo de crescimento de favelas que esta ocorrendo em larga escala no município de Macaé, por exemplo. O debate sobre as matrizes energéticas foi esquecido e atropelado por uma abordagem corporativista/regionalista/localista dos produtores de petróleo. Essa abordagem não compreende que o debate fundamental é outro: a necessidade de superação do combustível fóssil que é destrutivo e poluidor colocando em seu lugar uma energia limpa e sustentável. O investimento em regiões não produtoras de petróleo é essencial para evitar o êxodo rural e para diminuir as desigualdades regionais, porém não basta só isso, e necessário uma nova matriz energética não poluente, que utilize energias alternativas como a eólica e a solar. Além disso, a verba dos royalties tem que ser carimbada e com controle social. Somente com um planejamento por parte do governo federal que combata as desigualdades regionais e com uma Petrobras 100% estatal sob o controle dos trabalhadores, poderemos enfrentar os problemas regionais brasileiros que mantém há décadas uma grande concentração de capital na região sudeste em detrimento das demais regiões.


8 • nacional

Ofensiva Socialista n°14 maio/junho - 2013

A redução da maioridade penal a serviço da criminalização da pobreza A cada crime cometido por uma criança ou adolescente a grande mídia se utiliza do sensacionalismo para apontar como grande solução para a violência urbana a instauração da redução da maioridade penal. O recente assassinato do estudante Victor Hugo Deppman, de 19 anos, reascendeu fortemente este debate, pois o assassino estava a três dias de completar 18 anos. Reginaldo Costa Apesar de compreender a mágoa da família e amigos, não é concebível que se discuta a justiça do Brasil tendo como princípio a vingança e achismos sensacionalistas que só servem a discursos populistas, que escondem as verdadeiras motivações da situação de crescimento da violência. Vamos aos fatos. Segundo o relatório da Unicef “Porque dizer não à redução da idade penal” a grande maioria dos crimes cometidos por menores são crimes contra o patrimônio. O estudo revela que, de 2000 a 2001, 58,7% das acusações são referentes a roubos e furtos. Os homicídios chegam a 1,4% apenas. Ou seja, a grande maioria dos crimes não é cometida por menores. O mais importante deveria ser o debate referente à solução da causa dos problemas sociais ligados às crianças e adolescentes. De acordo com o presidente da OAB, Vinicius

fracionais na prisão será uma forma de aumentar o número de criminosos reincidentes, com prejuízo para a sociedade. A redução da maioridade penal é um erro”.

Furtado, “toda teoria científica está a demonstrar que ela [a redução] não representa benefícios em termos de segurança para a população”. Já o Instituto Não Violência afirma que “as pesquisas realizadas nas áreas social e educacional apontam que no Brasil a violência está profundamente ligada a questões como: desigualdade social (diferente de pobreza!), exclusão social, impunidade (as leis existentes não são cumpridas, independentemente de serem “leves” ou “pesadas”), falhas na educação familiar e/ou escolar, principalmente no que diz respeito à chamada educação em valores ou comportamento ético, e, finalmente, certos processos culturais exacerbados em nossa sociedade como individualismo, consumismo e cultura do prazer.”

Exemplo dos EUA mostra o efeito nocivo

Fatores sociais por trás do crime O que não é mostrado pela grande mídia é que os adolescentes infratores, em sua grande maioria, são de origem pobre, possuem problemas familiares, são expostos à violência e não têm acesso as políticas públicas. É importante ressaltar que isso por si só não é o suficiente para formar criminosos, pois a grande maioria da juventude pobre, apesar das dificuldades, se mantém fora do crime. Mas o que temos aqui é parte expressiva dos problemas sociais que levam um jovem a cometer um crime. Os centros de reabilitação de jo-

vens se encontram em situação de penúria. Um pedagogo que atuou durante onze anos na Fundação Casa em São Paulo assim denunciou: “a Fundação Casa nasceu para dar errado. Eles saem de lá com mais ódio, achando que as pessoas são todas ruins e que não há como mudar isso. São desrespeitados como seres humanos, são tratados como lixo. E isso faz com que eles pensem que não podem mudar.” Esse pedagogo recebe constantes ameaças em função das denúncias que fez. Seu relato só mostra que estas casas de rea-

bilitação, que deveriam ser uma forma de solução, acabaram tornando-se um mecanismo cruel de aprofundamento da desumanização destas crianças, que só incentiva o crime. Achar que as penitenciárias brasileiras iriam resolver os problemas também é outro equívoco. Temos atualmente uma população carcerária de 527 mil presos e déficit de 181 mil vagas. A entrada de adolescentes só tornaria ainda mais caóticas e desumanas estas penitenciárias. O advogado Walter Ceneviva é sumário: “colocar menores in-

O exemplo dos EUA, que atualmente prendem adolescentes junto com adultos em presídios, só reforça o erro de diminuir a maioridade penal. De acordo com a UNICEF os adolescentes que passaram a cumprir penas em prisões comuns tiveram grande piora de comportamento, agravando a violência, inclusive, se comparado aos jovens submetidos à Justiça Especial da Infância e Juventude. Não por acaso diversos estados estão voltando atrás em suas decisões de redução da maioridade penal. Outro elemento importante é que uma medida de redução da maioridade penal é inconstitucional, pois a maioridade penal faz parte das cláusulas pétreas da Constituição (1988), o que tornaria necessário uma Assembleia Constituinte para modificá-las. O que de fato é necessário é termos políticas públicas para a juventude pobre do país. Investirmos em educação, de maneira que esta seja a principal possibilidade de vida de uma criança. Além disso, a desigualdade social deve ser sanada, tendo em vista programas que garantam emprego e renda para a juventude.

A luta pelo transporte é contra o capital e pelo direito à cidade Já virou uma praxe de início de ano: aumento das tarifas do transporte público. Com o desejo voraz de aumentar seus lucros, empresas que tem a concessão do transporte coletivo em diversas cidades contam com a ajuda imensa das prefeituras na hora de aumentar tarifas e atacar trabalhadoras e trabalhadores do serviço. Mauricio de Oliveira Filho Membro da Gestão do DCE – Unifesp Com isso, quem perde – como sempre – somos nós estudantes, trabalhadoras e trabalhadores que dependemos do transporte público para nos locomover até o local de trabalho e/ ou escola. Como muitos outros direitos que nos são tirados, tomam de nós também o direito à cidade, já que os custos com transporte dificultam o acesso a serviços, lazer, cultura etc. Porém, no último período foram dados sinais evidentes de que não haverá facilidade para os governos e para os empresários. Em cidades como Taboão da Serra, Porto Alegre e Natal houve lutas importantes com vitórias significativas para a classe trabalhadora. Em Taboão da Serra, após o então Prefeito Evilásio Farias (PSB) aumentar a tarifa dos ônibus municipais de R$ 3,00 para R$ 3,30, a população se manifestou incisivamente

aumento já era planejado para beneficiar a nova empresa. Apesar de toda a mobilização da população e da atuação do deputado estadual Marcelo Freixo, do PSOL, que entrou com uma ação na justiça pedindo a revogação da isenção do ICMS para a empresa, o valor da tarifa e a isenção foram mantidos.

exigindo a revogação do aumento da tarifa. Já sob um novo governo, estudantes e trabalhadores seguiram mobilizados e nos dias 8 e 9 de janeiro fizeram novos Atos e o novo prefeito Fernando Fernandes se viu obrigado a revogar o aumento da tarifa concedida à Viação Pirajussara/Fervima.

Vitória em Porto Alegre Em Porto Alegre, desde janeiro, partidos como PSOL e PSTU além de outros coletivos não ligados a partidos e/ou anarquistas e militantes independentes organizaram o Bloco de Luta pelo Transporte Público. As mobilizações, que no começo do ano reuniram centenas de pessoas, chegaram a reunir 10 mil pessoas em 1° de abril. Após uma liminar conseguida pela bancada do PSOL na Câmara Municipal e da pressão popular, o aumento foi revogado. Em Natal, em plena campanha eleitoral a prefeita Micarla de Sousa (PV) implementa o terceiro aumento nas tarifas de sua gestão. A população vai às ruas e, em seu programa de tevê, o candidato à prefeitura pelo PSOL e militante da LSR, Robério Paulino, defende o direito à mobilização da população e repudia a repressão policial. A proposta de criação de uma empresa pública de transporte era uma de suas principais propostas. Vendo-se obrigada a revogar o aumento, a prefeita cede à pressão, mas corta a integração dos ônibus. A

4,80 é um roubo!

população novamente se mobilizou e conseguiu a volta da integração. Neste ano, o vereador Sandro Pimentel (PSOL/Natal), propõe que a tarifa em Natal seja zero através de uma parceria com as empresas que fazem a gestão do serviço. Se por um lado a tarifa zero é um grande avanço, por outro há um limite quando se propõe a parceria com as empresas. Nós, da LSR, somos radicalmente contra a parceria com o capital. Os interesses sociais devem sempre estar acima dos interesses do capital, pois o capital não deseja outra coisa senão o seu lucro a qualquer custo. Em outras cidades como Rio de Janeiro e Niterói, apesar da intensa mobilização a gana pelo lucro falou mais alto e o aumento não foi revo-

gado. As pessoas que vivem e trabalham nas duas cidades dependem das barcas para transitar entre uma cidade e outra. Em 2012, após ser concedida isenção de 100% do ICMS para a empresa que administra o serviço, a Barcas S.A., o governo do estado concede aumento de 60% nas tarifas! Ou seja, além de ter seus custos diminuídos, a empresa teve um grande aumento nas receitas com o aumento de R$ 2,80 para R$ 4,50. Logo após a concessão deste aumento, a CCR, empresa que já tinha a concessão da Ponte Rio-Niterói, adquire o controle acionário da Barcas S.A. Ora, mesmo para o senso de justiça do capital, isso é absurdo, pois é um monopólio. Mas, para além do monopólio, fica a sensação de que o

Neste ano, a tarifa foi novamente reajustada para R$ 4,80. Isso representa um aumento de receita com tarifas de cerca de um milhão de reais por mês para a CCR-Barcas. Apesar da vitória da empresa no ano passado, fica evidente como a mobilização da população amedronta ainda o capital. A CCR-Barcas entrou com uma liminar que proibia manifestações contra a empresa sob a pena de multa de R$ 5 milhões. Isso mostra como a organização da população oferece risco ao capital. Mas essa liminar foi cassada e novamente haverá mobilizações contra este novo aumento. Assim, lutar pelo transporte é lutar contra o capital. Enquanto os interesses do lucro estiverem acima dos interesses de trabalhadoras e trabalhadores, nós deveremos nos organizar e lutar. Por isso defendemos um transporte coletivo 100% público sob controle dos trabalhadores e usuários do serviço e a redução das tarifas rumo à tarifa zero!


opressões • 9

Ofensiva Socialista n°14 maio/junho - 2013

Fundamentalismo religioso a serviço do sistema O fenômeno Feliciano mobilizou a sociedade no último período. O que esperar de uma comissão de direitos humanos presidida por um machista, homofóbico e racista? Mas, isso também evidenciou o papel que o fundamentalismo religioso possui de mantenedor da opressão de grupos vistos como minoritários, assim como revelou a força do povo unido contra toda forma de opressão.

Mariana Cristina A defesa incisiva de setores conservadores das religiões cristãs à família, mantém a divisão sexual de papéis sociais. Esta divisão é baseada no patriarcalismo, com o homem sendo o chefe do núcleo familiar e a mulher tendo que se submeter a ele. Da mesma forma, a luta destes setores contra o uso de preservativos ou mesmo contra a legalização do aborto compõe a ideia de que a mulher só deve fazer sexo para a procriação de sua família e não para o seu prazer, lhe retirando o direito sobre o seu próprio corpo. As opressões mantêm o status quo, pois dividem a classe trabalhadora Não é à toa que os setores fundamentalistas rechaçam o casamento homoafetivo. Apesar de muitos casais LGBTs reproduzirem a divisão sexual de papel (um assume o lugar do homem e o outro da mulher), este desafia a “estabilidade” dos papéis da família nuclear. Pois, quando não se tem um indivíduo que possui uma relação de poder superior, já que ambos possuem o mesmo gênero, possibilita que novas relações menos opressoras se estabeleçam. Enquanto houver capitalismo as opressões existirão, pois estas permitem a manutenção do status quo, através da divisão da classe trabalhadora com a submissão de uns em relação a outros. A bancada dos evangélicos reacionários hoje é a segunda maior do Congresso, só perdendo para os ru-

Atos em todo o pais: contra Feliciano e as opressões! ralistas. Existe uma ofensiva ideológica e política deste setor que desconstrói o estado laico. Defendemos a livre expressão de todas as religiões, mas para isso o Estado não pode ser determinado por uma única religião, mas deve ser neutro e autônomo em relação a qualquer uma delas.

Crescimento do fundamentalismo religioso Infelizmente não é isso que tem ocorrido hoje. Tem sido destinado dinheiro público para a Marcha para Jesus e eventos “gospel”. A Jornada Mundial da Juventude católica está pleiteando que o Estado pague parte dos 130 milhões de reais que serão gastos com este evento.

São diversas as escolas públicas pelo Brasil afora que rezam antes do início das aulas. Em Tocantins são 74% das escolas, em Goiás são 67%, 66% no Espírito Santo, 64,8% em Minas Gerais, etc. Aquelas crianças que possuem outras religiões e por isso não rezam, muitas vezes são rechaçadas e oprimidas por professores e outros colegas. As instituições religiosas também estão administrando diretamente serviços públicos como o Hospital Santa Marcelina, referência na Zona Leste de São Paulo. E muitas das comunidades terapêuticas do Rio de Janeiro que atendem aos usuários de drogas. Com isso, valores e doutrinas religiosas passam a ser base dos tratamentos, o que coloca em risco

direitos conquistados e a qualidade do atendimento. Por exemplo, o direito ao aborto nos casos previstos em lei (casos de estupro e risco de vida para a mãe) é negado nestas instituições devido às restrições impostas pela religião. No caso das comunidades terapêuticas o tratamento fica enviesado pela “cura cristã” em vez de estar embasado nas diretrizes da reforma antimanicomial.

mara dos deputados foi uma afronta à sociedade. Mas, é importante lembrar que sua indicação é resultado de um acordo entre os partidos governistas encabeçados pelo PT. Além disso, não podemos nos esquecer das indicações de deputados federais condenados pelo mensalão, João Paulo Cunha (PT-SP) e José Genoíno (PT-SP), para a Comissão de Constituição e Justiça.

Dilma usa reivindicações como moeda de troca

Luta pelo Fora Feliciano mobiliza em todo o país

A política do governo Dilma de agradar a “gregos e troianos” tem grande responsabilidade no crescimento dos fundamentalistas. Em nome da governabilidade, Dilma unificou na base do governo partidos cristãos e aqueles que fazem oposição ao fundamentalismo religioso. Da mesma forma o PT cooptou parte do movimento feminista e LGBT que se institucionalizaram em secretarias de governo e aparelhos partidários. Desta forma restringiu-se a oposição e a luta contra o fundamentalismo religioso e as opressões. Dilma aprofundou a política já implementada por Lula de abrir mão de bandeiras históricas dos movimentos sociais contra as opressões nas barganhas para manter unida a base governista. Isso ficou claro quando durante a campanha eleitoral de 2010 Dilma declarou ser contra a legalização do aborto apesar de ser esta uma bandeira histórica de seu partido. Tudo isso para conseguir o apoio do Crivella (PRB-RJ), bispo da Igreja Universal do Reino de Deus e de Anthony Garotinho (PR-RJ), da Igreja Presbiteriana. Na mesma época, assinou uma carta de compromisso com os cristãos dizendo que não tocaria em “assuntos polêmicos” para a igreja. Em 2011 o PT retirou o kit educacional anti-homofobia para obter o apoio da bancada evangélica. A indicação do Marco Feliciano do PSC (Partido Social Cristão) para presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câ-

Das 18 cadeiras da CDHM da Câmara, 11 são da bancada evangélica, número abusivo e desproporcional. O deputado federal pelo PSOL-RJ, Jean Willys, tem travado uma luta contra o fundamentalismo religioso e as opressões. Ele impulsionou um movimento, junto aos deputados, de oposição a Feliciano, para que se retirassem desta comissão. O resultado foi a saída de cinco deputados da CDHM. No entanto, os trabalhos desta comissão não serão paralisados, pois bastam 10 deputados para que esta funcione. Apesar do absurdo, um pastor homofóbico, racista e sexista na comissão de direitos humanos, a mobilização gerada pela indignação de jovens, mulheres, negros, comunidade LGBTT e da população em geral possibilitou o fortalecimento de uma identidade coletiva e ilustrou o enorme potencial que a luta do povo unido possui. Ocorreram centenas de atos pelo país todo que diziam em um único e forte coro “Feliciano não nos representa”. A última explosão de luta foi a marcha à Brasília, ocorrida no dia 24 de abril, que contou com a participação de quase 30 mil pessoas e tinha como uma das reivindicações principais o Fora Feliciano. Muitas outras lutas virão. E não descansaremos até derrotamos Feliciano e todos os representantes da intolerância e opressão. A luta do povo unido nos representa!

Vamos botar a cara ou apenas ficar no discurso? Vivemos um momento complicado: temos hoje como presidente e vice da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados os parlamentares Marco Feliciano (PSC-SP) e Antônia Lúcia (PSC-AC). Jean Henrique coordenador do Núcleo Sítio Cercado do PSOL-Curitiba e militante da LSR Precisamos dialogar com a maioria, mas, afinal, quem é essa maioria? Será que a maioria prefere acreditar nas organizações dos trabalhadores, que defendem a todo momento não só a causa LGBT mas também estão à frente das lutas por direitos dos negros, mulheres e oprimidos em geral, ou a maioria tem uma enorme tendência em acreditar em pastores, que usam da fé alheia e da religião, para além do interesse dos fiéis? Quando digo “para além do interesse dos fiéis” é calculando o

interesse particular – ou você acredita que Marco Feliciano candidatou-se e foi eleito deputado federal apenas por pura devoção a sua fé particular? Bom, não preciso responder essa pergunta; a matéria da revista Carta Capital deixa mais fácil de entender o seu interesse em ser deputado federal.

Uma luta conjunta Mas, Marcos e Malafaias a parte, a quem combatemos, com quem queremos dialogar são as tantas organizações e militantes que, sim, corretamente, defendem as causas e lutas citadas acima, mas não dão o passo importante de ampliar a luta. Esse simples texto, passível de muitos erros de português, tem como objetivo convocar todas as pessoas que se identificam com a luta não só LGBT, mas também com a causa das e dos trabalhadores em geral. Será que não vivemos um momento onde as lutas têm que necessariamente se unificarem, sem frag-

mentação? Num período como este de crise, desse sistema sujo que é o capitalismo, ele se aproveita das opressões contra os homossexuais, mulheres e negros e também brancos pobres, para cada vez mais nos dividir, lucrar e criar a cada dia que passa mais “Marcos e Malafaias” para, dessa forma, possam manter a classe trabalhadora imobilizada! Nossa organização política pretende contribuir para que mais pessoas tenham elementos para olharem os acontecimentos de outra maneira, que vá além das muitas igrejas

espalhadas por todo o mundo. Desde já, deixamos claro que não temos nenhum problema com a fé e a crença de quem quer que seja; temos em nossa organização militantes de várias religiões. Não propomos que as organizações e militantes aceitem o que está escrito aqui sem um diálogo, sobre como fazer essas discussões chegarem até um bairro como o Sítio Cercado. Queremos o máximo de participação de todas as pessoas, pretendemos ser uma opção de construção de novas ideias e práticas junto à classe trabalhadora.

Romper com o sistema Portanto, fica o chamado à todas as pessoas a botar a cara, tirar as discussões dos nossos círculos fechados que, no caso, são representados por nossas organizações políticas, sindicatos e universidade. Enquanto os discursos contra a homofobia, o machismo e o racismo não forem acessíveis aos que realmente sofrem diariamente às mazelas desse siste-

ma podre, vão continuar crescendo nas periferias os aproveitadores. O chamado está feito, tanto para a vanguarda quanto para os trabalhadores e trabalhadoras que nos apoiam diariamente, seja em uma conversa, seja adquirindo nosso jornal (Ofensiva Socialista). Estamos dispostos a planejar e fazer atividades do gênero; o que nos falta, enquanto vanguarda é deixar de sermos os donos da verdade e da revolução e começar a lutar juntos. Afinal, o que serve para aqueles que nos dominam (a burguesia) é acreditar que ser homossexual é pecado, que o negro tem sempre a tendência de fazer e ser o mal, que ser mulher significa fraqueza. E, o que nos une? É nossa situação real e concreta de classe, de classe trabalhadora, que não tem tempo pra nada, devido a exploração que sofre diariamente, que não fica com nada do que produz; isso que nos une: somos a maioria trabalhadoras e trabalhadores, filhos deles e delas, gay, homem ou mulher, somos os trabalhadores!


10 • internacional África do Sul: novo partido dando os primeiros passos para unir as lutas Após o lançamento do Partido Socialista e dos Trabalhadores (WASP) o trabalho está focado em duas tarefas: o registro formal do partido e fincar raízes em toda a África do Sul. Liv Shange DSM (CIT África do Sul) O foco principal está agora em uma mobilização por empregos, salários e condições de trabalho decentes para as centenas de milhares de trabalhadores que são explorados como “voluntários” no setor público, bem como as demandas dos mineiros por um salário digno e contra o fechamento de minas. O Movimento Socialista Democrático (DSM - CIT na África do Sul) e ativistas mineiros estão construindo o WASP através dessas mobilizações. O WASP já tem estruturas iniciais em todas as nove províncias do país, com acesso a várias camadas importantes dos trabalhadores, como por exemplo, entre os trabalhadores dos municípios e de transporte. No 1° de Maio, o WASP realizará um comício em Carletonville, uma cidade mineradora ao sul de Johanesburgo, com o objetivo de vincular todas as campanhas existentes em defesa da nacionalização do setor de mineração com controle democrático dos trabalhadores e as comunidades. O governo do CNA está usando o desemprego em massa para implementar programas onde pessoas são contratadas para fazer serviços do setor público, como manutenção de rua, educação de adultos, cuidados básicos de saúde por salários baixos, equivalentes a 110 reais em alguns casos. O WASP está agora trabalhando para organizar esses trabalhadores na província de Gauteng. Em Wedela, perto de uma mina de ouro o município dirigido pelo CNA vem nos últimos meses cortando a energia elétrica de centenas de pessoas que não conseguem pagar as tarifas. Isso causou grandes protestos. A jovem direção por trás do movimento “Operação Ligue a Luz” que dirige os protestos participa na construção do WASP.

Patrões lucram bilhões Enquanto os trabalhadores e os desempregados são obrigados a procurar lenha nas matas e coletar água dos córregos contaminados pela exploração das minas, os monopólios mineradores estão lucrando bilhões de dólares. Ainda assim, ameaçam demitir milhares de mineiros. A empresa Anglo Platinum, a maior produtora de platina do mundo ameaça demitir 14 mil mineiros em Rustenburg. Isso pode se espalhar também para as minas de ouro, onde os preços também estão caindo. O CNA deixou clara sua posição pró-capitalista no Congresso do partido realizado em dezembro ao rejeitar as demandas pela nacionalização das minas. Enquanto isso, a central sindical COSATU, em aliança com o CNA, está vivendo grandes tensões internas. A necessidade de construir o WASP e as comissões independentes de trabalhadores não poderia ser mais urgente.

Ofensiva Socialista n°14 maio/junho - 2013

Eleições presidenciais venezuelanas: ameaça da contrarrevolução cresce Nicolas Maduro ganhou as eleições presidenciais da Venezuela, derrotando o candidato da direita Capriles, por meros 200 mil votos de diferença. Maduro, nomeado por Chávez como seu sucessor, esperava vencer com uma vantagem maior. Essa vitória apertada coloca claramente a ameaça de uma vitória das forças contrarrevolucionários de direita.

William Prieto e Johan Rivas Socialismo Revolucionário (CIT Venezuela) Desde a eleição, ao mesmo tempo que exigia uma recontagem (com apoio de John Kerry, representando o imperialismo dos EUA), a direita evitou lançar um confronto direto. Eles agora parecem voltados a minar o novo e fraco governo, possivelmente com novas eleições o mais rápido possível, com o objetivo de derrubá-lo. Após o anúncio da morte de Chávez no dia 5 de março deste ano, milhões de pessoas inundaram as ruas demonstrando seu luto e apoio à Revolução Bolivariana. Este momento, combinado com os resultados das eleições dos governadores em dezembro, onde o chavismo ganhou 20 de 23 dos cargos, indicaram que eles estavam bem colocados para vencer qualquer desafio na eleição presidencial. Quando as eleições presidenciais foram convocadas para 14 de abril, tudo indicava uma vitória clara para Maduro, apesar do crescente descontentamento entre as massas decorrente da situação econômica e da ineficiência e burocratização das estruturas do Estado.

“Votar em Maduro não será suficiente!” O Socialismo Revolucionário (SR - Venezuela) produziu um documento para estas eleições com base em nossa posição anterior sobre as eleições presidenciais de outubro de 2012, onde nós dissemos: “Votar em Maduro não será suficiente!” SR defendeu um programa de reivindicações democráticas e socialistas revolucionárias para aprofundar a revolução, derrotar o capitalismo e corrigir o curso atual, pois este não é um caminho para completar a revolução socialista. A posição do SR estava em marcante contraste com outras organizações de esquerda. Várias apresentaram uma posição sectária de voto “nulo”, sem considerar as consequências de uma vitória da direita, a extrema polarização no país ou a consciência atual das massas. O outro extremo foi um chamado oportunista a um voto para Maduro, sem qualquer crítica do processo ou programa que ele estava defendendo. Ao contrário de muitos desses grupos, nós distribuímos panfletos com nossa posição na entrada das estações de metrô em Caracas nos dias que antecederam a eleição e durante a manifestação final da campanha eleitoral de Maduro. Recebemos algumas críticas fortes, mas também

Maduro numa encruzilhada: pra que lado ira? muito interesse dos membros de bases do partido PSUV de Chávez. Estes membros do partido disseram que acreditavam que a morte de Chávez abriria um espaço para discutir os rumos da revolução. Mas, na realidade, a direção do PSUV deixou claro que para os líderes do partido agora não era o momento para levantar críticas, apenas para apoiar a candidatura de Maduro. Muitos líderes do chavismo eram, e ainda são, ameaçados de expulsão por fazer críticas, que eram muito mais fracas do que as defendidas pelos membros do SR. Tais métodos de fechar a porta à crítica interna e debate, um método bem conhecido do stalinismo, teve um efeito muito negativo, especialmente dentro de um partido que reivindica operar sob a bandeira do socialismo revolucionário.

Sinal de alerta Maduro venceu a eleição por uma margem mínima. Foi um sinal de alerta, mesmo para os membros mais acríticos do PSUV, levantando questões dentro das fileiras do partido e trazendo à tona as críticas existentes. Em apenas sete meses desde as últimas eleições presidenciais, Maduro perdeu quase 700 mil votos dos mais de oito milhões obtidos por Chávez. Mesmo Diosdado Cabello, o atual presidente da Assembleia Nacional e líder do PSUV, questionou publicamente como era possível que um trabalhador vote em seu opressor (Capriles) e disse que agora era a hora de “autorreflexão”. A resposta à pergunta de Cabello é que não há uma alternativa revolucionária real que está sendo apresentada para a classe trabalhadora, os pobres e explorados, bem como setores da classe média. Assim, mui-

tos, infelizmente, veem a direita hipócrita, populista e oportunista como a solução para resolver esses problemas. Estes problemas básicos do dia-a-dia e a ausência de discussão sobre eles tornaram difícil para alguns defender o governo. A relutância dos chamados “líderes revolucionários” em discutir esses problemas afastou muitos do governo. O trabalhador que ouve que os cortes frequentes de eletricidade são em parte culpa deles mesmos por abuso no uso da eletricidade, e o trabalhador que efetivamente paga pela atual crise econômica através da desvalorização da moeda e tem que lidar com a escassez de alimentos, infelizmente, foi atraído por um perigoso populista de direita que agora pinta-se como uma força democrática e justa que quer “unidade”. A escassez de alimentos, aliás, é o resultado da camada burguesa parasitária que ainda existe na Venezuela hoje. Esta também é a responsabilidade de um governo que continua a apoiá-los com o dinheiro para importar produtos, mas que não coloca a mesma indústria nas mãos dos trabalhadores.

E agora? Hoje temos uma direita que recuperou sua confiança e também alcançou uma importante base social. Eleitoralmente, é quase do mesmo tamanho do chavismo. Isto tem se dado, em parte, devido à capacidade da direita de capitalizar demagogicamente, sobre os erros e fraquezas do governo e preencher parcialmente o vácuo devido à ausência de uma oposição da esquerda socialista crítica, que não tem sido capaz de se desenvolver dentro do processo revolucionário.

O governo de Maduro agora está com a iniciativa. Ele pode se mover para a reconciliação com a direita ou radicalizar e aprofundar o processo e avançar em direção ao socialismo. Se eles aceitarem a última opção, a qual nós defendemos e lutamos, eles seriam obrigados a reconhecer a grande base social que hoje vê a direita como a sua alternativa para a mudança e aplicar um novo curso para ganhar o seu apoio mais uma vez. Após 14 anos de luta há um desgaste geral do movimento, um grande descontentamento e erros acumulados. Isso vai exigir uma luta enorme para superar esses obstáculos e fortalecer um movimento para desenvolver a revolução socialista sobre uma base democrática. Este é um dos muitos desafios que o governo Maduro enfrenta. Não podemos cair na armadilha de pensar que todos os sete milhões de pessoas que votaram em Capriles são capitalistas ou oligarcas. Como Fidel Castro disse a Chávez durante uma reunião anos atrás “... não acredite que os cinco milhões que são a oposição na Venezuela hoje são burgueses”. Socialismo Revolucionário alerta para a ameaça crescente de uma vitória das forças contrarrevolucionárias de direita. A classe trabalhadora, os pobres e todos aqueles que querem levar a revolução adiante precisam urgentemente tirar lições do crescimento da direita nesta eleição. É necessário levar a revolução adiante e romper com o capitalismo.

A classe trabalhadora e a juventude devem mobilizar urgentemente para derrotar a ameaça da contrarrevolução A classe trabalhadora e a juventude devem mobilizar urgentemente para derrotar a ameaça da contrarrevolução. As massas devem construir suas próprias organizações e forças independentes. Ocupar os locais de trabalho e criar comissões democráticas de controle e autodefesa contra os ataques de direita. Lutar pela nacionalização dos meios de produção que permanecem em sua maioria nas mãos da classe capitalista parasitária, sob o controle incondicional dos trabalhadores e das comunidades, e não sob o atual controle burocrático. Pela organização democrática dos trabalhadores e das comunidades em comissões para organizar uma economia planificada que irá satisfazer as nossas necessidades e não os da classe dominante. Essa economia não vai ser a mesma economia capitalista que existe atualmente sob uma cortina de fumaça que hoje se referem na Venezuela como “socialismo”. Essas medidas não só irão parar o avanço da direita e conquistar nossos irmãos e irmãs que foram seduzidos pela direita. Elas também irão conquistar a solidariedade internacional dos que lutam por uma mudança genuína e vão estimula-los a essas mudanças. Tais passos são agora urgentes para impedir o triunfo da direita.


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Ofensiva Socialista n°14 maio/junho - 2013

Thatcher: uma obstinada combatente da classe capitalista Milhões esperavam por esse dia, 8 de abril de 2013. Margaret Thatcher nunca será perdoada pela devastação que as políticas de seu governo Tory (partido conservador) trouxeram aos trabalhadores nos anos 1980 – e que é sentida ainda hoje. Alistair Tice Partido Socialista (CIT Inglaterra e País de Gales) “Eu sugeriria como memorial para a Sra. Thatcher que, ao invés da lápide ou estátua convencionais, uma pista de dança fosse construída sobre seu túmulo”. Isso foi sugerido por um leitor ao jornal Observer de Durham, uma antiga área mineira, no 30° aniversário da chegada dela ao poder. Na tentativa de evitar a raiva e oposição que um enterro de Estado para Thatcher provocaria, ainda assim o governo realizou um enterro com todas as características, menos o nome, de um funeral de Estado. Não tendo poupado veneno para atacar milhões de desempregados, trabalhadores sub-remunerados e idosos, o governo descobriu que possuía um lado delicado e se absteve de dizer quanto esse “funeral cerimonial” custaria aos cofres públicos. Sem dúvida, foram milhões. Apesar disso, muitos ex-mineiros e suas famílias, sindicalistas e socialistas estão celebrando sua morte. O jornal The Guardian relatou sobre a reação em Orgreave, uma cidade famosa por causa do grande ataque aos mineiros grevistas orquestrado por Thatcher nos anos 1980. Um veterano “disse que ele estava pensando em criar uma camiseta com a frase ‘Thatcher está no inferno – ela está lá há apenas algumas horas e já fechou as fornalhas’.”

Mitos “Diga-me com quem andas e te direis quem és” é um clichê manjado, mas o caso de Thatcher é significativo. Thatcher contava entre seus amigos o assassino ditador chileno Augusto Pinochet e o ex-presidente dos EUA Ronald Reagan, seu co-arquiteto do neoliberalismo brutal. Mas, ao mesmo tempo, os políticos, barões da imprensa e editores vomitam louvores e bajulação para a primeira ministra que eles dizem ter “tornado a Grã-Bretanha grande no-

vamente”. Ela não foi nada do tipo. A indústria cinematográfica tentou vender a Dama de Ferro como um ícone feminista. Thatcher foi a primeira mulher primeira-ministra, mas suas políticas reacionárias causaram um retrocesso em relação a conquistas anteriores para a igualdade das mulheres. O comprometimento dela com os “valores vitorianos” e a crença de que “não existe essa coisa que vocês chamam de sociedade”, foram justificativas ideológicas para cortes nos gastos com serviços públicos e para empurrar a responsabilidade sobre essas tarefas para a família, que na maioria dos casos significava as mulheres. Ela era contra “subsidiar” mães para que saíssem para trabalhar dizendo que isso as desencorajaria de ficar em casa para cuidar dos filhos. Mais da metade das trabalhadoras da Grã-Bretanha tiveram negados benefícios como licença maternidade e redução das horas de trabalho. As creches públicas foram reduzidas ao nível mais baixo da Europa Ocidental.

Economia Peter Taaffe, secretário-geral do Partido Socialista, já havia observado que: “Friedrich Engels, fundador das ideias do socialismo científico ao lado de Karl Marx, comentou que cada época cria as personalidades exigidas pelas circunstâncias objetivas. Mas se elas não existem em uma forma completa, são ‘inventadas’. Thatcher, sem quaisquer dos escrúpulos ou hesitações dos grandes aristocratas conservadores, foi a face brutal do capitalismo britânico, exigida pela situação. Ela polarizou não apenas a sociedade, mas o próprio partido Tory.” Vinte anos antes, durante o crescimento econômico do pós-guerra e do consenso da “economia mista”, ela não teria se tornado uma líder do partido Tory, ou, se tivesse, não como uma thatcherista. Mas a estagnação econômica e industrial dos anos 1970 fez com que a classe dominante abandonasse o acordo do pós-guerra de políticas levemente redistribuicionistas e keynesianas a favor do ataque às condições de vida e direitos da classe trabalhadora, a fim de restaurar a lucratividade de um capitalismo britânico enfermo. Thatcher, uma convertida à ideologia monetarista e de livre mercado de Hayek e Milton Friedman, substituiu o derrotado Ted Heath, primeiro ministro e Tory “moderado” em 1975, e ganhou a eleição geral em 1979. Contudo, foi a direção do Partido Trabalhista que preparou o caminho para o thatcherismo ao começar a implantar políticas neoliberais nos anos 1970. Thatcher ganhou três eleições gerais e ficou no poder por onze anos, dando a aparência de ser popular e inabalável. Não era nada disso. Segundo pesquisas de opinião, ela foi, na verdade, o segundo primeiro-ministro mais impopular no pós-guerra enquanto esteve no cargo. Mas a direção Trabalhista falhou em tirar vantagem disso. De um lado, falhou em resolver os problemas da classe trabalhadora e por outro lado dirigiu suas energias contra a esquerda, especialmente a tendência Militant (antecessora do Partido Socialista). Nisso se revela a sua degene-

Militant na direção da luta vitoriosa dos trabalhadores contra o poll tax e a derrota de Thatcher! ração de um partido pró-classe trabalhadora na base para o que ele é hoje, indistinguível de outros partidos capitalistas. Depois da onda de motins de 1981 sua taxa de aprovação pessoal era de apenas 23%. Depois de derrotar a greve dos mineiros em abril de 1985 os Tories estavam 5% atrás do Trabalhismo nas pesquisas e em abril de 1990, quando o “poll tax” foi introduzido na Inglaterra e Gales, eles estavam 24% atrás!

Popularidade? Em outras palavras, no auge das lutas de classes que polarizaram a sociedade, Thatcher era vista claramente como lutando por sua classe contra a maioria da sociedade, a classe trabalhadora. Muito de sua suposta força era na verdade reflexo da fraqueza dos líderes sindicais e do Partido Trabalhista. Enquanto sua vitória eleitoral de 1983 se devia ao chamado fator Falklands (a vitória contra a Argentina na guerra das Malvinas), a ruptura da ala direita do Trabalhismo que formou o Partido Socialdemocrata (SDP) e o início da caça as bruxas contra os apoiadores da tendência Militant, dividiu o Partido Trabalhista, que foi visto como inelegível. Thatcher poderia ter sido derrotada pela greve dos mineiros de 198485, como o governo Heath em 1974, se os outros sindicatos não tivessem vacilado e os líderes da TUC (Central sindical britânica) tivessem chamado uma greve geral em apoio aos mineiros. Mesmo assim, o líder trabalhista Neil Kinnock perdeu a liderança nas pesquisas atacando o presidente do sindicato dos mineiros, Arthur Scargill, e também a Câmara Municipal de Liverpool, liderada pela tendência Militant, nas prévias para a eleição de 1987. A Câmara Municipal de Liverpool, ao mobilizar um apoio de massas para suas políticas de construção de casas e criação de empregos, forçou o governo Tory a conceder um financiamento extra de 60 milhões de libras no verão de 1984. Mas Tha-

tcher conseguiu utilizar as hesitações da direção Trabalhista para preparar de forma mais completa a derrota, primeiro sobre os mineiros e depois dos municípios liderados pela esquerda Trabalhista.

Poll Tax Depois de ganhar a eleição geral de 1987, Thatcher cometeu o erro de atacar toda a classe trabalhadora de uma vez só, ao introduzir o poll tax, um imposto punitivo e regressivo sobre todos os adultos (independente da renda ou fortuna) pelo uso dos serviços públicos. Ela declarou esse “imposto municipal” como a principal conquista de sua política. Começando na Escócia em 1989, onde o imposto seria introduzido primeiro, a tendência Militant ajudou a iniciar uma campanha de não-pagamento em massa, organizada pela base através de “uniões anti-poll tax”, que se espalharam pelo resto da Grã-Bretanha em 1990. Em seu auge, 18 milhões de pessoas se recusavam a pagar o poll tax, na maior campanha de desobediência civil de todos os tempos. Pouco depois dos chamados quebra-quebras do poll tax na Trafalgar Square em Londres (causados pelo ataque da polícia à manifestação de 200 mil pessoas), os Tories estavam 24% atrás nas pesquisas de opinião. Apesar dos tribunais, oficiais de justiça e prisões, o não pagamento aumentou, tornando o imposto impossível de ser recolhido. Foi essa oposição e impopularidade de massas que convenceram o partido Tory a sacrificar sua heroína, e com ela o poll tax, que foi imediatamente descartado por seu substituto, John Major. O que isso mostra é que todas as qualidades atribuídas a Thatcher como uma líder forte, resoluta, determinada e obstinada, simbolizada em seu famoso discurso “Recuem se quiserem. A dama não recua”, tornou-se seu oposto quando suas políticas divisionistas minaram completamente o apoio social ao governo Tory.

Não derramaremos lágrimas por sua morte. Ela será lembrada para sempre por destruir a indústria e causar um permanente desemprego em massa. Suas políticas monetaristas de altas taxas de juros e cortes nos serviços públicos transformou a recessão de 1979-81 em depressão. A produção industrial caiu 30% até 1983. Indústrias como a do aço, carvão e engenharia foram dizimadas, e comunidades inteiras junto com elas. A antiga “fábrica do mundo” começou a importar mais do que exportar pela primeira vez desde a revolução industrial. O desemprego subiu em um milhão em apenas um ano, atingindo 3,3 milhões em 1986, com uma “geração perdida” de jovens atirada na sarjeta. Thatcher, representando o capital financeiro, acreditava que a desregulamentação levaria os negócios a prosperarem e a riqueza “chegaria a todos”. Junto com as vendas das moradias públicas e privatizações em massa da infraestrutura pública, houve a aparência de crescente prosperidade refletida na cultura “yuppie” e de “crédito fácil”, mas isso era superficial e apenas beneficiava uma pequena minoria.

Legado No final dos anos 1980, 12,2 milhões de pessoas, mais de um quinto da população, vivia na pobreza, e o abismo entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres se ampliou em 60%. Esse aumento da desigualdade iria se ampliar ainda mais sob o governo do Novo Trabalhismo de Blair, que continuou as políticas thatcheristas de repressão aos sindicatos, privatização dos recursos públicos e desregulamentação do sistema financeiro. Em 2001, Peter Mandelson, do Partido Trabalhista, de forma reveladora, disse: “Agora somos todos thatcheristas”, antes de confessar, com entusiasmo, que estava “totalmente tranquilo com o fato das pessoas estarem ficando obscenamente ricas”. A própria Thatcher disse que o Novo Trabalhismo (convertido às políticas capitalistas neoliberais) era o seu maior legado, e o líder Trabalhista Ed Miliband louvou algumas das principais políticas de Thatcher, dizendo: “Muito do que foi feito nos anos 1980 estava certo. Foi certo deixar as pessoas comprarem suas casas. Foi certo cortar os impostos na ordem de 60, 70, 80%. E foi certo mudar as regras da sindicalização, das votações antes das greves. Essas mudanças estavam corretas, e erramos em nos opor a elas na época”. Essa completa capitulação ao mercado agora levou o Trabalhismo a aceitar os cortes da coalizão de Conservadores e Liberal-Democratas no governo hoje e não fazer nada, tornando a necessidade de um novo partido de massas dos trabalhadores ainda mais urgente. Não deixa de ser adequado que Thatcher tenha morrido na época em que o capitalismo de livre mercado, em meio a sua pior crise econômica em 80 anos, tenha falhado de forma tão espetacular. Ela procurou “fazer recuar as fronteiras do socialismo”, mas agora essas mesmas ideias do socialismo voltarão a aparecer na medida em que um número crescente de trabalhadores e jovens buscam uma alternativa à austeridade, guerra e destruição ambiental, ou seja, o capitalismo global de hoje.


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N° 14 maio/junho 2013 Vários estados do Nordeste brasileiro viveram nos últimos 15 meses uma tragédia. Foi a pior seca dos últimos 50 anos, se forem levados em conta apenas os índices de incidência de chuvas. Robério Paulino Economista e professor do Depto. de Políticas Públicas da UFRN. Ex-candidato a prefeito de Natal pelo PSOL e militante da LSR

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A tragédia da seca no Nordeste Fenômeno natural ou consequência de um capitalismo atrasado e perverso?

No Rio Grande do Norte, março de 2013 foi o mês de março com menos chuva em cem anos, com apenas 26,5 mm de média mensal. Na Bahia, em Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, mais de 1900 cidades declararam estado de emergência. Dez milhões de pessoas foram afetadas, especialmente a população e os sitiantes mais pobres. O fenômeno destrói grande parte da economia rural da região, trazendo imensos prejuízos para as principais fontes de renda como a pecuária e as lavouras de milho, feijão, mandioca e até a agroindústria da cana de açúcar, no litoral. A produção de leite pode ter caído a 20% da média anual. Muitas áreas sofrem agudos processos de desertificação. A seca aprofunda a desigualdade entre as regiões do país, atrasando a economia e elevando a pobreza no Nordeste. Ao fim da seca, a região poderá ter perdido até 40% de seu rebanho bovino, cerca de 29,5 milhões de cabeças em 2011, segundo o IBGE. Um prejuízo estrutural e duradouro, que levará décadas para ser recuperado. A visão de milhares de carcaças de animais mortos à beira das estradas impressiona profundamente a qualquer um. Com o maior grau de mobilidade de transportes entre o campo e a cidade hoje existente e os programas de transferência de renda, a população humana consegue se salvar. Muitas famílias abandonaram suas casas e roças e foram para as cidades. O sofrimento dos animais, entretanto, que não têm para onde correr para comer e beber no meio do ambiente seco e escaldante, é comovedor. No passado, as secas matavam gente e bichos. Hoje matam apenas os animais, mas trazem imenso sofrimento e prejuízos aos homens. O cenário da seca é de dor e aflição.

zação e a organização social das comunidades fragilizadas, através das práticas clientelistas e assistencialistas dos corruptos grupos políticos locais, associados ao governo federal. As famílias sobrevivem com esses programas de transferência de renda, mas já não podem plantar, veem a mata sumir, os rios secarem, o gado morrer, o ambiente se degradar. O feijão e até a farinha de mandioca, comprados nos mercados, tiveram que vir de fora, revelando a real insegurança alimentar na região. Torna-se evidente que estes programas são incapazes de impedir que a economia rural sofra um verdadeiro colapso durante essas longas estiagens. Em períodos difíceis como o atual, a população apenas sobrevive, ou faz de conta que vive, olhando para o céu, esperando pela chuva ou por um carro-pipa.

Remédios paliativos

“Indústria da seca”

Ao contrário das grandes secas do passado, que geravam imensos êxodos humanos em direção às cidades, os efeitos da seca atual são minimizados pela existência da aposentadoria rural, uma conquista inserida na Constituição de 1988; pelos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família e a distribuição de cestas básicas. Mas os efeitos da atual estiagem só provam como estes programas são apenas remédios paliativos para um organismo doente, pois não atacam e mantêm os grandes fatores estruturais que alimentam a pobreza no Nordeste e no país: a concentração da renda e da terra e a falta de investimentos realmente estruturais para enfrentar os problemas. Isso além de inibirem a mobili-

A estiagem também alimenta o que se convencionou chamar de “indústria da seca”. Nesses períodos, grupos econômicos e políticos locais tiram proveito do flagelo da região em benefício próprio. Ajudados pela mídia, que divulga situações de calamidade pública, a conservadora elite latifundiária local consegue substanciais ajudas do Estado, como anistia ou refinanciamento de dívidas, renegociação de empréstimos e verbas de emergência, que dificilmente beneficiam o pequeno produtor, ficando com os maiores proprietários. As verbas públicas são usadas muitas vezes para construção de açudes e projetos de irrigação que beneficiam apenas os próprios grupos dirigentes. Além disso, os pequenos

Manifestantes denunciam a omissão dos governos diante da Seca. proprietários de terra e gado vendem grande parte de suas terras ou de seus rebanhos a preços subavaliados, para não o verem morrer, já que um carro-pipa de água chega a custar até R$ 180,00. A “indústria da seca” só eterniza os problemas e eleva a concentração de renda. A responsabilidade por essa situação não é apenas da Natureza, mas sim dos governos e dos medíocres grupos capitalistas nacionais e locais. A sensação da população é de quase abandono, descaso, inação por parte dos governos federal e estaduais. Eles apenas mantém vivas e controladas as populações, com bolsas, carros-pipa e cestas básicas, mas alocam recursos mínimos para medidas realmente estruturais de convivência no semiárido brasileiro. O projeto de transposição das águas do Rio São Francisco, por exemplo, que supostamente poderia aliviar a situação, anda a passo de tartaruga e os canais, antes mesmo de concluídos, já apresentam inúmeros problemas.

Prioridades perversas Para que se tenha um parâmetro de comparação, apenas no primeiro semestre de 2013, segundo dados divulgados pelo próprio governo federal, o BNDES entregou 37 bilhões de reais de dinheiro público para as grandes empresas no Brasil. Já a Dívida Pública Federal consumirá 47% do Orçamento Geral da União de 2013, algo como 600 bilhões de reais. Enquanto isso, Dilma Rousseff veio ao Nordeste nos últimos dias anunciar que gastou em 2012 algo como 500 milhões de reais em carros-pipa, como se isso fosse muita coisa, e que vai alocar para a seca na

região até 9 bilhões de reais. “Deus sabe lá quando”, dizem alguns. Se a redução das chuvas no Nordeste em certos períodos é um evento climático até certo ponto natural, influenciado por fenômenos distantes, que alteram a pressão atmosférica e a temperatura das águas no Pacífico Equatorial, como a “célula de Walker” ou o “El nino”, suas consequências não são nada naturais. A ideia de que a menor incidência de chuvas e a seca são os principais responsáveis pela miséria e pelo atraso social na região precisa ser desmistificada. Esses fatores estão presentes em muitas outras regiões do planeta, onde chove menos que aqui e nem por isso as populações são tão pobres. Quase trinta por cento da população da Austrália vive muito bem em fazendas na sua porção desértica, onde chove menos que no Nordeste brasileiro, estocando e administrando cientificamente a água da chuva. Aquele país tem um dos maiores IDHs do mundo. Israel é outro exemplo de como se pode usar a tecnologia para plantar e colher frutas e legumes em regiões mais secas que o semiárido brasileiro.

Existem alternativas Muitas seriam as alternativas para não só conviver no semiárido fazendo a pequena produção de subsistência, algo que deve ser superado, pois é uma visão quase feudal, mas produzindo grandes excedentes que possam dinamizar a economia rural da região e acabar com a pobreza. A forma prioritária de estocagem da água em açudes e barreiros, sujos e contaminados por doenças, e onde até 90% da água eva-

pora, está totalmente equivocada. A proposta do INPE (Instituto de Pesquisas Espaciais), feita há décadas, é estocar a água dentro de cada propriedade, através de grandes placas coletoras e cisternas limpas, não só dos pequenos telhados das casinhas do interior nordestino, como hoje faz o governo federal, ainda assim de forma insuficiente. A precipitação média no Nordeste é superior ao deserto australiano e permitiria estocar muita água para os anos mais secos. A Petrobras também tem tecnologia para perfurar poços que cheguem ao grande aquífero que existe sob a região. A água do mar poderia ser dessalinizada e bombeada para o interior, como faz a Arábia Saudita, o mesmo podendo ser feito com as águas dos rios que deságuam no litoral. Tudo isso permitiria a agricultura irrigada, livrando a região da pobreza secular e do assistencialismo. Como se vê, as medidas poderiam ser muitas. Os problemas do Nordeste e do Brasil são outros. Residem na concentração da terra, da riqueza e da renda, na falta de uma verdadeira reforma agrária, que mesmo os países capitalistas mais avançados fizeram e o Brasil nunca fez, na falta de investimentos realmente estruturais para acabar com a pobreza na região e no país. Tudo isso tem uma explicação de fundo: a mentalidade tacanha, medíocre, conservadora, quase feudal de nossas oligarquias empresariais e rurais, que cumprem um papel nefasto para a região e para o país. O verdadeiro problema do Nordeste chama-se capitalismo, ainda mais em um país atrasado e periférico no sistema mundial. Nossa tarefa é mobilizar e esclarecer a população acerca deste estado de coisas.

Repensar a atuação sobre o planeta Está claro também que é preciso repensar a própria ação humana sobre o planeta e a terra, a urgência da questão ambiental, educar as populações para um tipo de exploração menos danosa à Natureza. A seca também tem uma explicação no desmatamento indiscriminado, no uso do carvão vegetal que destrói a mata, no tipo de agricultura horizontal, extensiva e predatória que se praticou na região desde a colonização, que exaure a terra e aquece a atmosfera do planeta. Uma das medidas que se impõem é um maciço reflorestamento com milhões de árvores em toda a região. Quando fechávamos este texto, chovia densamente em grande parte do Nordeste. Mesmo que isso não possa ainda ser tomado como fim da seca atual, o fato nos traz uma imensa alegria, pela amenização do sofrimento de nossos irmãos e de milhões de animais e árvores no campo. Como em todas as culturas humanas, chuva no Nordeste é vida. No litoral, nossa torcida é que as nuvens carregadas que passam no céu cheguem ao sertão. A cada dia, acompanhamos os boletins diários de chuva no interior, como se acompanham os informes de uma guerra. Os prejuízos até aqui, no entanto, são profundos e estão na conta do capitalismo brasileiro, que o povo do Nordeste um dia vai cobrar com juros.


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