Ofensiva Socialista n°18 - abril 2014

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Jornal da LSR

Seção brasileira do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT)

Tendência do PSOL

N° 18 • abril 2014

Os garis mostram o caminho Os garis do Rio de Janeiro conquistaram uma vitória histórica. Em uma greve em pleno carnaval, atropelaram a direção pelega do sindicato e desafiaram o prefeito Eduardo Paes. Mesmo com todas as amea-

A criminalização dos protestos é um projeto para além da Copa pág. 02

Encontro Nacional do Espaço Unidade de Ação pág. 03

Crise da água em São Paulo pág. 08

ças de demissão e intimidações por parte da PM e Guarda Municipal, os 300 grevistas se mantiveram firmes e, com o apoio da população, arrancaram um aumento salarial de 37% .

Ucrânia à beira do abismo

Leia mais pág. 05

pág. 09

Golpe de 1964

50 anos de luta contra a repressão e por democracia e igualdade

pág. 06-07

Encontro Nacional de Mulheres do PSOL pág. 11

Na copa dos empresários trabalhadores não tem direitos! pág. 12

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2 • editorial

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az anos que vemos uma tendência de agravar a criminalização dos movimentos sociais. Apesar da propaganda dos governos Lula e Dilma do Brasil do “crescimento com justiça social”, os governantes e o aparato estatal como um todo, incluindo a polícia e o judiciário, vêm se preparando para mais conflitos sociais. Os dados econômicos dos últimos anos confirmam que o período de crescimento da última década não era algo duradouro e que por isso devemos contar com uma nova leva de ataques aos direitos dos trabalhadores para garantir os lucros das grandes empresas, independente de quem ganhar as eleições. Junho foi uma confirmação desse cenário. O aumento de consumo via crédito mais acessível e aumento do salário mínimo ajudou a criar a ilusão de que o país estava no rumo certo. Mas com o esgotamento do modelo de crescimento, as ilusões se chocaram com a situação de barbárie na sociedade: na educação, saúde, transporte, moradia, etc. Ao se deparar com os protestos de junho e as manifestações contra a Copa, os governantes se preparam para um novo nível de confrontos sociais, como os que vemos ao redor do mundo no contexto da crise mundial do capitalismo, desde a Grécia, Espanha e Portugal, até Turquia, Tailândia, Ucrânia ou Venezuela. Numa entrevista no dia 19 de fevereiro a presidente Dilma Rousseff afirmou que as Forças Armadas serão utilizadas, “se necessário”, para garantir a Copa. Isso está baseado numa portaria publicada pelo Ministério da Defesa em dezembro, que autoriza o uso das Forças Armadas contra “distúrbios”. A primeira versão da portaria listava tais distúrbios como “bloqueio de vias públicas, distúrbios urbanos, paralisação de

●● Pelo direito à cidade para os trabalhadores e o povo! Tarifa zero nos transportes públicos! Estatização do sistema de transporte com controle democrático dos trabalhadores e usuários! Não às remoções de moradores para obras da Copa e especulação imobiliária! Pelo direito à moradia garantido a todos e todas! Nenhum corte nos gastos e investimentos sociais! Mais investimentos na qualidade do transporte e serviços públicos! ●● Dinheiro público para saúde e educação e não para os estádios e obras da Copa! 10% do PIB para a educação pública já! 10% do PIB para a saúde pública já! ●● Reforma agrária controlada pelos trabalhadores com fim do latifúndio! Não à usina de Belo Monte! Em defesa do meio ambiente e do direito à terra para as comunidades indígenas! Fim do massacre dos sem-terra e indígenas! ●● Aumentos salariais de acordo com a inflação! Congelamento dos preços dos alimentos e tarifas públicas! Redução da jornada de trabalho sem redução de salários! Fim do fator previdenciário e anulação da reforma da previdência.

é uma publicação da Liberdade, Socialismo e Revolução

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A criminalização dos protestos é um projeto para além da Copa atividades produtivas, depredação de patrimônio público e invasão de propriedades”. As “forças oponentes” a serem combativas incluíam “movimentos sociais, entidades, instituições e/ou organizações não-governamentais”. Essas formulações iam longe demais para que a base do PT pudesse engolir e tiveram de ser reformuladas, mas o conteúdo continua o mesmo.

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á comentamos na edição anterior como a lamentável morte do cinegrafista da Band, Santiago Andrade em fevereiro foi utilizada não só contra os manifestantes, mas também contra o PSOL e Marcelo Freixo. Isso por causa do potencial que o PSOL tem de crescer no Rio de Janeiro nas próximas eleições e o papel que o partido joga em apoiar as lutas. Em São Paulo, segundo um levantamento da Secretaria de Segurança Pública estadual, a PM prendeu mais manifestantes nos dois primeiros atos contra a Copa (25 de ja-

neiro e 22 de fevereiro) do que durante todo o ano de 2013! Foram 397 detidos nesses atos, comparado com 374 no ano passado. O Tribunal de Justiça de São Paulo também foi o primeiro do país a implementar o Ceprajud (Centro de Pronto Atendimento Judiciário), conforme orientação do Conselho Nacional de Justiça e do Ministério da Justiça para tratar com rapidez dos detidos em protestos – um verdadeiro tribunal de exceção! Além disso, o governador Alckmin também mandou comprar caminhões equipados com canhões de água para dispersar multidões.

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á claramente uma escalada na repressão, que inclui uma política de criminalização direta. No Rio Grande do Sul, a Polícia Civil indiciou sob suspeita de “formação de milícia privada” sete pessoas, incluindo militantes do PSOL e PSTU. Essa lei foi incluída no Código Penal em 2012 e prevê punição de até oito anos a

O que defende a LSR:

Não às terceirizações e precarização das relações de trabalho! ●● Contra o estatuto do nascituro em tramitação no Congresso! Pela legalização do aborto! Pelo fim da violência contra a mulher! Contra as propostas de reforma trabalhista e da previdência que visam retirar direitos da mulher trabalhadora! Salário igual para trabalho igual! Por mais verbas para a implementação da Lei Maria da Penha! Contra toda forma de opressão às comunidades LGBTT! ●● Não às leis de exceção da Copa! Pelo direito democrático de manifestação! Não à criminalização dos movimentos sociais e à repressão! Liberdade e fim dos processos sobre os manifestantes! ●● Basta de violência policial racista nas periferias! Desmilitarização e controle popular sobre a polícia! Combater o racismo nos locais de ensino, de trabalho e na sociedade. ●● Não pagamento das dívidas interna

e externa aos grandes capitalistas para garantir os recursos necessários para os serviços públicos e o desenvolvimento econômico com igualdade social! Auditoria das dívidas controlada pelas organizações dos trabalhadores! ●● Reestatização das empresas privatizadas por FHC, Lula e Dilma com controle democrático dos trabalhadores! Estatização do sistema financeiro e grandes empresas que controlam a economia sob controle dos trabalhadores! ●● Pela reconstrução das ferramentas de luta da classe trabalhadora, independentes dos governos petistas e da direita tradicional. ●● Construir a CSP-Conlutas como central sindical e popular, democrática, classista e de luta, que sirva como base para a construção de uma nova Central unitária de todos os setores combativos e independentes de patrões e governos. ●● Construção pela base de espaços democráticos amplos para unificar as

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quem “constituir, organizar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular ou esquadrão”. Aqui não estamos falando de milícias como no Rio, e sim de quem organiza protestos! O plano é de ampliar o leque de leis disponíveis para punir quem protesta. “O congresso tem fila de projetos para punir atos violentos”, escreveu recentemente a Folha de São Paulo. Há vinte projetos no Congresso e no Senado, proibindo máscaras, tipificando crimes como “terrorismo” e “desordem”. O governo também prepara um projeto de lei para “regulamentar” as manifestações, articulado pelo ministro da Justiça, Eduardo Cardozo. O projeto deve incluir proibição de uso de máscaras e também se estuda a obrigação de avisar com antecedência qualquer manifestação pública às autoridades. Quer dizer, apesar de ser um direito democrático, se abre para mais repressão contra manifestações “não autorizadas”. O direito de greve também está sob a mira da criminalização. O judiciário é usado frequentemente para declarar greves como ilegais ou impor um “acordo”, como a intervenção do STF na greve da educação do Rio de Janeiro no final do ano passado.

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m 2014 lembramos os 50 anos do golpe militar, mas ainda estamos vivendo os resquícios do regime ditatorial. Os culpados pela tortura não foram punidos. A polícia militar ainda permanece. E os métodos da ditadura voltam aos poucos à tona. A luta contra a criminalização dos protestos tem que caminhar de mãos dadas à luta contra a criminalização da pobreza e o sistema capitalista que se utiliza da repressão para garantir um sistema podre para manter os lucros de uma pequena elite.

lutas. Por um Encontro Nacional dos Movimentos em Luta! ●● Pela construção de novas relações entre aqueles que lutam, baseadas na solidariedade de classe, democracia e respeito às divergências. ●● Por um PSOL afinado com as ruas: de luta, socialista e radicalmente democrático. Por candidaturas do PSOL a serviço das lutas e com um programa socialista. Qualquer representante público do PSOL deve viver com salário de trabalhador. Pela construção da Frente de Esquerda nas eleições e nas lutas. ●● Por um governo dos trabalhadores baseado na democracia das ruas, na mobilização de massas dos trabalhadores e da juventude e com um programa socialista! ●● Por uma economia democraticamente planificada, onde a produção e os serviços, preservando o meio ambiente, estejam voltados aos interesses de toda a população e não uma pequena elite privilegiada. ●● Por uma Federação Socialista da América Latina e um mundo socialista.

Colaboraram nessa edição: André Ferrari, Felipe Alencar, Felipe Duque, Isabel Keppler, Jane Barros, João Pedro Barbosa F. Militão, Jonathan Mendonça, Korina Curi, Luciano Barboza, Marcus Kollbrunner, Mariana Cristina, Marzeni Pereira, Miguel Leme, Rafaela Bardini e Thiago Macedo.


movimento • 3

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Encontro Nacional do Espaço Unidade de Ação

“Na Copa vai ter luta” da do sindicato dos rodoviários de Porto Alegre, afirmou que a luta dos rodoviários não era só por salário e aumento do vale-refeição, mas era por dignidade no trabalho. A luta enfrentou o poder judiciário, a prefeitura, os barões do transporte e a direção pelega da CUT.

Cerca de 2 mil pessoas de todo o Brasil, de diferentes entidades sindicais, estudantis e de movimentos sociais, estiveram presentes no dia 22 de março, no Encontro Nacional do Espaço Unidade de Ação, que aconteceu na sede do Sindicato dos Metroviários de São Paulo. O evento buscou a construção da unidade para o fortalecimento das lutas que estão em curso e também das lutas que virão, com o objetivo de contribuir para as grandes manifestações que tomarão as ruas no período da Copa. Luciano Barboza sindicalista do Luta Educadora/ SEPE e membro da executiva estadual do PSOL-RJ O encontro ocorreria na quadra da escola de samba Mancha Verde. Entretanto, devido a falsas denúncias, espalhadas pelo Governo do Estado de São Paulo, pela revista Veja e Rede Record, de que no encontro se planejariam atos de violência contra a Copa do Mundo, o evento foi desmarcado pela Mancha Verde, que não mais alugaria o espaço. Outros espaços particulares, misteriosamente também recusaram a oferta de aluguel para a realização do evento. Suspeitamos que a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo tenha espalhado a ideia de que nenhum espaço público ou mesmo privado deveria ser alugado para os organizadores do evento. Mas, apesar deste boicote, o evento ocorreu, transferido para outro local. Essa situação despertou ainda mais vontade para lutar por investimentos em

“Construir uma greve geral pela base”

Felipe Alencar, falando pelo Coletivo Construção, enfatizou a necessidade de avançarmos na construção da unidade na luta. Rasta, trabalhador da Comperj serviços públicos de qualidade, em detrimento de investimentos na Co- (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro), falou sobre a violênpa do Mundo. A primeira fase do evento foi cia contra a greve da categoria, que marcada por falas de vários movi- ocorreu em março: “Há dois dias mentos e organizações. A fala de atrás, o Caveirão invadiu o canteiro abertura do encontro foi da Reja- de obras e nós trabalhadores tivene da CUT Pode Mais-RS, que afir- mos que protestar. Depois do promou que a burguesia teme a unida- testo, duas pessoas de moto entrade dos setores combativos da clas- ram no canteiro de obras e feriram se trabalhadora - por isso, o ataque a bala dois dos nossos companheiros. Estamos aqui pela necessidade da imprensa burguesa ao evento. de unificar as lutas contra esse governo, e nosso sindicato e a CUT Garis e Comperj não nos representam”. O gari Apa, do Rio de Janeiro, afirAtnagoras, da CSP-Conlutas, mou que os garis acabaram com o afirmou em sua fala no plenário: carnaval porque estavam sendo supe- “cinquenta anos depois do golrexplorados e o prefeito tentou crimi- pe militar de 1964, estamos aqui nalizar o movimento grevista. Afir- enfrentando resquicios da ditadumou ainda que o sindicato traiu a ca- ra militar, pois tentaram impedir tegoria. Segundo ele, os garis perce- nosso encontro, porque aqui estão beram, ao longo da greve, que a luta aqueles que ainda sonham com o por melhores condições de trabalho socialismo, mesmo sonho dos joreprersentava a luta de toda a classe vens da década de 1960”. trabalhadora no Brasil por dignidade. Afonso, pela oposição de esquer-

O estudante Felipe Alencar, membro da LSR, fez uma fala pelo Coletivo Construção: “Para nós, a tarefa que está colocada é de construirmos uma grande greve geral pela base! Uma grande greve geral que paralise a produção de forma radical! Para nós, a radicalidade não é quebrar banco. A radicalidade é construir uma grande paralização da produção! Queremos também construir um outro Encontro Nacional como este, ainda este ano, para convocarmos mais pessoas para lutar”. Após a mesa de abertura, os participantes do encontro fizeram uma manifestação de uma hora, marchando pela avenida Radial Leste. A principal palavra de ordem gritada pelos manifestantes foi “Dilma, escuta, na Copa vai ter luta”. A plenária final após a manifestação aprovou o manifesto “Carta de São Paulo: Vamos voltar às ruas – Na Copa vai ter luta” e o calendário de mobilizações. A abertura da Copa do Mundo será acompanhada de grandes manifestações populares em diversas cidades do país, pois o dia 12 de junho foi escolhido como a data de início da Jornada de Mobilizações “NA COPA VAI TER LUTA”.

Calendário de lutas aprovado no Encontro: Abril e Maio: Realização dos encontros plenárias nos estados para organizar o calendário de lutas. Abril: Realização de um ato nacional contra a criminalização das lutas, dirigentes e ativistas, da população pobre e de periferia, vinculando ao aniversário dos 50 anos do golpe militar de 1964. Ampliar essa iniciativa para além dos movimentos sociais, procurando outras entidades como a OAB, ABI, Comissão Justiça e Paz, Comissões de Direitos Humanos etc. 28 de abril: Dia de luta e denúncia dos acidentes de trabalho. Abril e maio: Jornada de lutas convocada por vários segmentos do movimento popular para defender o direito à cidade (moradia, transporte e mobilidade, saneamento etc.). 1º de maio: O Dia Internacional do Trabalhador/a contará com a organização e participação em atos classistas. 1º a 3 de maio: I Encontro de Atingidos por Megaeventos e Megaempreendimentos (Belo Horizonte – MG). 15 de maio: Dia Internacional contra as Remoções da Copa. 12 de junho: Abertura da Jornada de Mobilizações “NA COPA VAI TER LUTA”, com grandes mobilizações populares em todas as grandes cidades do país. Período dos jogos da Copa: realização de manifestações nos estados conforme definição dos encontros e plenárias estaduais 15 e 16 de julho: Mobilizações contra a Cúpula dos BRICS (Fortaleza). 1º a 7 de setembro: Semana da Pátria e Grito dos/as Excluídos/as, com o lema: “Ocupar ruas e praças por liberdade e direitos”.

1º Encontro de Negras e Negros da CSP-Conlutas dois representantes sul-africanos, o militante estudantil Thando Manzi e o sindicalista Hlokoza do sindicato dos metalúrgicos NUMSA, que recentemente rompeu o apoio ao CNA, partido do governo. Na mesa de abertura houve fala também do Luciano Barboza pelo setorial de negros e negras do PSOL e Paolla Menchetti pelo Coletivo Construção.

O 1º Encontro de Negras e Negros da CSP-Conlutas reuniu mais de mil lutadores do movimento negro do Brasil. Demonstração de consciência de classe socialista das trabalhadoras e trabalhadores pretos, indígenas e quilombolas que vêm se organizando. João Pedro Barbosa F. Militão estudante da Unifesp Diadema Mesmo diante dos alarmantes indicadores sociais que mostram as condições de vida dos negros e negras, os encaminhamentos do encontro foram marcados pela disposição de derrotar as classes dominantes e o racismo que serve como instrumento de enfraquecimento e divisão da classe trabalhadora. Estiveram presentes jovens de diversos estados, sindicalistas, quilombolas de muitas periferias, escolas, regiões do campo e universidades relatando seu enfrentamento diário contra as dificuldades da

Bandeiras de luta e reorganização do movimento negro vida diante de uma sociedade capitalista exploradora, mas também diante das opressões racistas, machistas e homofóbicas Estiveram presentes com grande destaque, trabalhadores do Comperj e garis do RJ, protagonistas de greves históricas e exemplares, demonstrando a disposição de desafiar os patrões, governos e burocracias sindicais. Estiveram presentes também

Este encontro elegeu como campanhas para o próximo período a luta contra os crimes da copa, contra precarização e privatização do trabalho, contra o genocídio da população preta, pobre e periférica, desmilitarização da PM e uma intensa campanha contra a prostituição e a violência contra as mulheres durante a Copa. São bandeiras que estão colocadas para o conjunto do movimento dos trabalha-

dores que devem ser construídas nos marcos de intensas ações diretas e de rua. Na participação do encontro, houve a contribuição de partidos como PSTU, LER-QI, Espaço Socialista, POR, movimentos sociais filiados à CSP-Conlutas e nós da LSR, enquanto PSOL e o Coletivo Construção. Mas apesar da presença de um importante setor da vanguarda revolucionária do movimento negro e dos trabalhadores, ainda precisamos unificar a luta com outros ativistas e movimentos presentes na luta.

Negras e negros da LSR Nossa atuação no encontro se pautou pela necessidade de reorganização do movimento negro depois da institucionalização quase completa dos quadros do movimento nos governos, nas políticas afirmativas sob um viés totalmente reformista. Defendemos a luta dos negros contra a exploração e opres-

são de hoje quando tiveram na sua exploração e escravização de ontem um dos fatores centras para a construção do capitalismo no Brasil e no mundo todo. Defendemos também a necessidade da auto-organização dos movimentos de negros e negras, para garantir a construção de quadros do próprio movimento. Acreditamos que impulsionados pelo movimento negro, conjuntamente com demais setores da classe trabalhadora, as lutas contra a violência contra a mulher, contra o genocídio da juventude pobre e preta da periferia, contra a guerra às drogas e pela desmilitarização da polícia e com controle popular e democrática das forças de segurança avançaremos na luta pelo fim da opressão e da exploração capitalista. Organize-se conosco na luta pelo socialismo! “O racismo e o capitalismo são as duas faces da mesma moeda” (DuBois)


4 • juventude/cultura

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O ensino privado lucra bilhões: com você dentro ou fora da universidade eles não dizem é que precisam que os alunos não passem para garantir seus lucros cada vez maiores. Exemplo disso foi o ano de 2013, em que o vestibular da USP teve recorde histórico de inscritos: um total de 172 mil candidatos disputaram apenas 11.057 mil vagas de cursos oferecidos em 2014. E os outros 160 mil estudantes que não entraram, qual seu destino? Voltar para os cursinhos pré-vestibulares para “se prepararem melhor e tornarem-se mais inteligentes e competitivos”? Entrar em uma universidade privada, tendo que trabalhar somente para pagar as mensalidades ou ficar anos endividados pelo Fies? Desistir do curso superior? Os cursinhos pré-vestibulares alimentam um sistema de seleção que restringe o acesso à universidade pública e o transforma numa competição, a qual já conhecemos os “perdedores”: pobres e pretos.

No momento em que várias universidades pelo país dão boas-vindas aos seus calouros, milhares de estudantes que não conseguiram ingressar no ensino superior retornam aos cursinhos pré-vestibulares. Mas o que significa isso? Felipe Alencar estudante de Pedagogia da Unifesp Rafaela Bardini estudante de cursinho pré-vestibular O vestibular funciona, desde sua criação, como um grande filtro de seleção para aqueles que desejam continuar estudando. Assim, contribui com a manutenção das desigualdades de um país em que a educação não é tratada como direito, mas como privilégio. Na esteira da seleção dos “melhores”, o vestibular sustenta um sistema perverso de privatização da educação nos conhecidos “cursinhos”. Os grandes empresários das redes de ensino privadas, chamadas de grupos educacionais, são os beneficiários desse sistema: ao mesmo tempo em que a população pobre é excluída do ensino superior público, eles lucram cada vez mais.

Só Kroton lucrou R$ 8,6 bilhões No ano de 2012, segundo dados fornecidos pelas próprias empresas: o grupo educacional Kroton lucrou R$8,6 bilhões com 514 mil alunos; a Anhanguera obteve R$5,8 bilhões, com 459 mil alunos matriculados, e a Estácio de Sá teve rendimentos de R$5,3 bilhões atendendo a 271,5 mil alunos. Em abril de 2013, a fusão dos gigantes Kroton Educacional e Anhanguera Educacional formou

Milhares de estudantes da UniverCidade e da Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro, protestaram contra o fechamento de suas universidades pelo MEC. o maior conglomerado do setor pri- sitário da Cidade (UniverCidade) e geralmente, no período noturno. E vado de educação em nível mun- na Universidade Gama Filho, am- mais: esses bolsistas ainda têm de dial. Juntos, os grupos educacio- bas no Rio de Janeiro. por um processo seletivo! Ou senais totalizaram cerca de um miEsses grupos educacionais ja, os empresários lucram e o golhão de alunos e um valor de mer- emglobam não só universidades verno os incentiva, enquanto micado de R$12 bilhões. A forma co- privadas mas também escolas de lhares de trabalhadores matricumo essas grandes empresas tratam educação básica e redes de cursi- lam seus filhos nas escolas públia educação é clara: abriram seus ca- nhos pré-vestibulares. Em São Pau- cas, cada vez mais sucateadas, sem pitais na bolsa de valores. lo, o colégio e curso Objetivo faz vagas e com os professores mal paCada estudante inserido nesses parte da UNIP, o sistema Anglo é gos e em situações precárias de trasistemas perversos é visto como integrado ao grupo Abril e é exten- balho. Os governos estaduais, mu“dinheiro entrando”. Não há in- sa a lista de outras redes de ensino nicipais e federal, ao invés de investimento proporcional ao preço privado que oferecem desde a edu- vestir a sério em educação públida mensalidade, a qualidade do en- cação infantil até a pós-graduação, ca, fazem “convênios” de parcesino oferecido é duvidosa: aulas à como o grupo educacional Etapa. rias público-privado! distância (EAD), poucos professoOs cursinhos desses grupos edures especialistas, baixa remuneracacionais são os mais engajados Lucram com ção dos funcionários. Isso sem faem difundir a meritocracia. Invesajuda do MEC lar nas dívidas dos estudantes que tem em slogans como “as melhoadotam o Fies, que são pagas duMas o pior mesmo é que o Mi- res cabeças” e mentem para seus rante anos. nistério da Educação (MEC) isen- milhares de alunos, em salas exUm fato recente e significativo ta estes empresários do pagamen- tremamente lotadas, reforçando a sobre a qualidade do ensino des- to de impostos em troca de uma ideia de que devem se esforçar inses sistemas privados foi o fecha- reserva de pequenas quantidades dividualmente para, assim, garantir mento de cursos no Centro Univer- de vagas para bolsistas estudarem, uma vaga na universidade. O que

Ocupação cultural da Casa Amarela Em fevereiro, a Casa Amarela, imóvel pertencente ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) em São Paulo, foi ocupado por diversos coletivos como um Ateliê Compartilhado. A finalidade é transformar a maré ociosa que imperava no centro da cidade em um núcleo cultural, onde agentes artísticos possam reproduzir exposições, performances teatrais, ensaios e oficinas colaborativas. Korina Curi Em todos os espaços da casa, a arte vibra! Podemos sentí-la concentrada e desafiadora. Diferentemente do que visitar um museu ou ir a uma feira artística, quem com-

partilha de sues ares não se sente meramente telespectador dos fatos, mas um verdadeiro percursor de suas alegorias. Há a retomada consciente na ocupação de espaços não utilizados que, felizmente, vêm aguçando

a curiosidade dos que vivem ao redor de eixos ociosos e despertando a formação de planos entretidos em construir proveitos diversificados. A luta política nacional revitalizada há anos pelo Movimento de Ocupação de Espaços Públicos Ociosos emerge sobre a ineficiência do Poder Público em desenvolver utilidade em locais menosprezados e deixados ao léu pelo Plano Diretor, que é o instrumento que regula a utilização da estrutura espacial urbana, e pela especulação imobiliária. Ademais, existem lugares mapeados que potencialmente estarão sujeitos à ocupação. A inequívoca autogestão fomenta a devolução desses espaços à cidade! A Casa Amarela está situada próximo a Rua da Consolação, nº 1075. Venha conferir!

Cursinhos populares combatem a lógica privatista Atualmente, há muitos cursinhos populares nas periferias que oferecem uma alternativa, fazem resistência e não se inserem nessa lógica de preparo alienado e competitivo, contribuindo com a luta pelo fim do vestibular. Atualmente, o Coletivo Construção coordena o Cursinho Popular do Jardim Pantanal, em São Paulo, e o Práxis, em Niterói. Mas sabemos que esse esforço não será suficiente se não combatermos a lógica da educação-mercadoria, que só garante lucros de empresários e precarização do direito à educação. A bandeira de luta por 10% do PIB para a educação pública é uma demanda concreta pela qual devemos lutar, assim como a estatização do sistema privado de ensino, sob controle democrático dos trabalhadores.

Um devaneio hipnagógico

Tento escrever poesia Mas a dureza do dia Embrutece o sentimento O coração que é surrado Bate forte e magoado No peito que morre lento O corpo todo reclama Do pé que carrega a lama À mão que carrega o calo E o ombro que leva o mundo Fala em cochicho, resmungo Do peso de carregá-lo Penso na filosofia Mas a dureza do dia Emburrece o pensamento Os olhos querem descanso

E o cérebro fica manso E a cabeça dói por dentro Lembro “Não ter ou não ter” Porque pensar é poder E não se pode pensar O Tempo é só pro sustento Quem pensa perde o momento Que tem pra se sustentar Hipnagógico penso No instante utópico imenso Entre o real e o sonhar: “Um dia vou entender: Porque é que preciso ter Para poder precisar?” Jonathan Mendonça


sindical • 5

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O gari é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo! to de horas extras nos feriados e finais de semana. Um trabalho sob condições insalubres e com reajustes salariais muito abaixo da inflação são apenas alguns dos problemas que a categoria sofre. Muitos são obrigados a se deslocar para bairros distantes, seja no feriado ou finais de semana e, além de não receberem um extra por isso, ainda sofrem com as ameaças patronais, que são constantes.

O carnaval de 2014 no Rio de Janeiro se destacou não somente pela ousadia e irreverência dos foliões nos diferentes blocos de rua, que gritavam “não vai ter copa” e palavras de ordem contra o Cabral. Muito menos pelos gritos dos presentes na Sapucaí de “fora Rede Globo, o povo não é bobo” após a passagem da escola de samba Beija Flor, que apresentava como tema o empresário da Rede Globo, Boninho. O maior destaque, na verdade, foi a greve dos garis do município, que contagiou a todos e todas e inundou a população da cidade com o característico uniforme laranja “marca-texto” em apoio a esses profissionais.

Uma vitória histórica

Felipe Duque No dia 4 de março, esses valentes guerreiros, contagiados pelas jornadas de junho, saíram às ruas, dois mil trabalhadores e trabalhadoras. Majoritariamente negros, os profissionais assumiam a responsabilidade de combater a mesma direção sindical (UGT) que se mantém há trinta anos a frente da entidade, e tem relações de reciprocidade com o governo municipal de Eduardo Paes (PMDB).

Luta contra a direção pelega Dois depois dessa passeata, os profissionais se reuniram em frente ao sindicato denominado “Sindicato de Empregados de Atividades de Asseio e Conservação”, portando um megafone precário, onde declaravam em alto e bom som: “não sabemos falar nisso direito, mas agora vão ter que nos escutar”. A agitação e a ânsia por respeito aos seus direitos foram suficientes para jogar as contradições

A vitoriosa luta dos garis contou com o apoio da população carioca. na direção pelega que, acuada, assinou um documento de reconhecimento da greve. Porém, a classe dominante iniciou uma cruzada de repreensão e opressão contra estes profissionais. A começar pela mídia burguesa, que pormenorizava as mobilizações, caracterizando-as como “brigas internas” entre a base do sindicato e a direção que, por várias vezes, se utilizava desses veículos para rechaçar a paralisação da categoria. “Carinhosamente” representado pelos foliões carnavalescos da cidade como “Paespalho”, o prefeito se incomodou com a repercussão da greve da categoria, que já tomava ares até internacionais, devido a

grande quantidade de turistas na cidade por causa do carnaval. Ameaçando-os com demissões e rotulando-os de “marginais” e “vândalos”, Paes exercitava sua rotineira política de repressão, seja orientando guardas municipais e policiais militares a ameaçarem os garis nos piquetes e atos, seja repreendendo àqueles que estivessem “parados”. A repressão foi mais forte aos profissionais que tinham como local de trabalho a Zona Sul da cidade, habitada pela classe média alta da população e pelos hotéis que recebiam os turistas. Paes, em diálogo com a direção pelega do sindicato, ameaçou demitir todos os profissionais paralisados e contratar empresas pri-

vadas no intuito de desmobilizar a categoria. Em diálogo com um dos garis, ele fez a emblemática afirmação: “eles só vão lembrar que a gente existe quando subir o cheiro de porcaria na cidade”. Dito e feito! O acúmulo de lixo no Centro da cidade e na periferia, em pleno carnaval, comungado com o forte mau-cheiro, reforçaram o quanto esses profissionais devem ser valorizados cotidianamente.

O queriam dos garis? Suas reivindicações eram o reajuste salarial de R$803 para R$1,2 mil, aumento do vale-alimentação de R$12 para R$20 e o pagamen-

Apesar de todas as ameaças e repreensões providenciadas ora pela direção pelega, ora pelo governo Eduardo Paes, os garis conquistaram uma vitória histórica na cidade do Rio de Janeiro. Além de recuar em suas afirmações quanto a demissão de 300 profissionais nos oito dias de greve, Eduardo Paes acatou o pedido de reajuste salarial para R$1.100 (37% de aumento) e o aumento do vale-alimentação para R$20,00. O forte apoio da população carioca foi um diferencial. O reflexo das jornadas de junho se materializou no apoio a esses trabalhadores e trabalhadoras. Estudantes e outras categorias sindicais se juntaram aos garis do Rio de Janeiro e “alaranjaram” a Avenida Presidente Vargas, a principal e uma das maiores via de acesso a diversos pontos da cidade. O ano de 2014 já materializa as previsões do ascenso da luta de classes no país diagnosticadas no pós-jornadas de junho. A necessidade de uma articulação concisa e coerente da classe trabalhadora já se esboça na greve dos garis, onde o apoio foi quase que unânime por toda a classe trabalhadora da cidade que, mesmo sendo afetada diretamente pela falta de coleta do lixo, não se escorou numa argumentação rasa reproduzida pelas mídias e pelo prefeito que a todo tempo buscava dividir a população.

Todo apoio à greve dos garis de Niterói

Trabalhadores do COMPERJ decidem manter greve

NITERÓI Depois de uma semana tentando negociar com a Prefeitura, os garis de Niterói se viram obrigados a entrar em greve. Mesmo com a base pedindo menos do que o aumento obtido no Rio de Janeiro, a Prefeitura da cidade, que é do PT, não avançou nas negociações. Os garis de Niterói ganham apenas 714 reais, enquanto o piso estadual da categoria é de 874 reais. Eles querem 25% de aumento em cima do piso estadual. O prefeito, que ofereceu 8% na semana passada, limitou-se ontem a “avançar” apenas para 10% de aumento. Além do péssimo salário, as condições de

NITERÓI Representantes da comissão de trabalhadores do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ) relataram a verdadeira rebelião de base que tomou os canteiros de obras da refinaria em Itaboraí. “Os operários queimaram o carro da CUT porque ela não representa mais os trabalhadores. No outro dia mandaram motoqueiros armados que atiraram contra nós e atingiram dois companheiros”, relatou um dos operários. A categoria realiza uma greve que dura mais de 50 dias. “Mais uma vez verificamos que a direção do Sinticon de Itaboraí (filiado a CUT)

trabalho são as piores possíveis. Não há banheiros nas ruas e os garis precisam depender constantemente de favores alheios. Não há distribuição organizada de filtro solar, nem água e os bebedouros dos distritos da CLIN (Companhia de Limpeza de Niterói) estão, em sua grande maioria, estragados. Os garis são também descontados por um plano de assistência médica que, segundo a categoria, não presta o devido atendimento. Acompanhamos as manifestações dos garis da CLIN e declaramos pessoalmente nosso apoio. Estaremos ao lado dos garis em defesa do real aumento salarial e pelas melhorias nas condições de trabalho. Todo apoio a greve dos garis de Niterói! Mandato do Paulo Eduardo Gomes, PSOL Niterói

não reconhece a comissão de trabalhadores (eleita na base para negociar a pauta de reivindicação), demonstrou que não está do lado da categoria”, afirmou o vereador Renatinho (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Vereadores de Niterói. Renatinho foi à Procuradoria do Trabalho no Município de Niterói, para relatar o conflito coletivo e social dos trabalhadores do COMPERJ. A categoria exige 15% de aumento, além de outros benefícios e melhorias nas condições de trabalho, como reajuste do vale-alimentação e o não desconto dos dias parados pela greve. Mandato do Renatinho, PSOL Niterói


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Golpe de 1964

50 anos de luta contra e por democracia e igu Neste ano, completam-se 50 anos do golpe de 1964. Após ele, tivemos 21 anos de ditadura no Brasil. Em virtude de sua importância na história recente do país, os meios de comunicação de uma forma geral, como TV e jornais impressos, têm dado um certo destaque e realizado reportagens especiais sobre o golpe, mas também um têm feito balanço do regime que foi instaurado a partir de 1964. Para todos aqueles que lutam pela transformação socialista da sociedade, é também importante e necessário que tiremos algumas lições desta experiência histórica. Miguel Leme Executiva Nacional da CSP-Conlutas

Para tanto, algumas perguntas continuam presentes. O golpe foi apenas militar ou civil-militar? O golpe de 1964 poderia ter sido evitado se o PCB e demais movimentos sociais tivessem organizado a resistência? É possível num país atrasado, como o Brasil, realizar reformas democráticas importantes, como é o caso da agrária, sem avançar numa perspectiva de transformação socialista da sociedade? Quem teria condições de realizar estas reformas? Uma suposta burguesia nacional “progressista” ou através da unidade dos trabalhadores do campo e da cidade? O método de guerrilha foi a tática de luta mais apropriada de resistência à ditadura? A Lei de Anistia foi uma conquista ou tem servido apenas para evitar que civis e militares que cometeram atrocidades paguem pelos seus crimes? A Comissão da Verdade é limitada ou instrumento consequente que pode punir torturadores e colocá-los na cadeia? Há

ainda resquícios do regime militar presentes na sociedade brasileira? Podemos fazer algum paralelo histórico entre o regime militar e a onda de criminalização dos movimentos sociais? Por que o governo de uma ex-guerrilheira, como é caso de Dilma Rousseff, tem bancado esta criminalização? Estas são algumas das questões que tentaremos responder neste breve artigo.

Um golpe a serviço da classe dominante brasileira e do imperialismo americano Durante muito tempo, a historiografia brasileira definiu a golpe e o regime criado a partir de 1964 apenas como militar. Entretanto, pesquisas realizadas no último período mostraram que o

Já se discutia a possibilidade de apoio a um golpe no Brasil durante o governo do presidente Kennedy, na imagem à esquerda de Lincoln Gordon, embaixador estadunidense.

golpe foi planejado com muita antecedência e teve a participação decisiva não só de militares, mas também de setores civis da classe dominante brasileira: banqueiros, multinacionais, grandes empresários ligados à indústria e à construção civil, OAB e quase toda a imprensa. Um dos setores que mais apoiou o golpe foi a Igreja Católica, que ajudou a construir o movimento de massas que foi a base para o golpe, as conhecidas “Marchas com Deus, pela Pátria e pela Família”. Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais, teve participação direta na derrubada do governo João Goulart. Mesmo políticos ditos como democratas, como Juscelino Kubitschek e Ulisses Guimarães apoiaram inicialmente o golpe. Além desses setores, o golpe teve a participação direta do governo dos EUA. No contexto da chamada Guerra Fria, havia o receio, por parte do governo americano, de que Jango tentasse implantar um governo comunista no país. Um dia antes do golpe, navios de guerra americanos foram enviados para a costa brasileira para combater qualquer possível resistência.

PCB e demais movimentos sociais não organizaram a resistência ao golpe Não temos bola de cristal e, por isso mesmo, não podemos afirmar

que, caso o PCB e demais organizações sociais tivessem organizado a resistência, o golpe teria sido derrotado. O fato concreto é que, sem resistência, o golpe foi implementado com facilidade. O PCB era o principal partido de esquerda na época, com forte influência no movimento sindical, no campo, nas universidades e em setores da oficialidade do exército. Entretanto, apesar de toda essa força, por que o PCB não organizou a resistência ao golpe? O PCB, seguindo a visão dos partidos stalinistas da época, defendia a teoria das duas etapas para a revolução socialista. Ou seja, a tarefa dos partidos comunistas dos países atrasados era o de apoiar as burguesias nacionais “progressistas” de seus países para que reformas democráticas-capitalistas, como a reforma agrária, fossem implementadas. Tão somente após a concretização destas reformas democráticas é que seria possível colocar na ordem do dia a tomada do poder pelos trabalhadores. Essa visão etapista fez com que o PCB tivesse ilusões em um suposto setor “progressista” da burguesia brasileira. De fato, o PCB considerava que as condições estavam dadas para passar do governo ao poder, como declarou o secretário-geral do partido, Luis Carlos Prestes, poucos dias antes do golpe, em reunião em Recife. Havia um risco de golpe, mas se confiava na força dos militares “patriotas” para resistir e derrotar as

O regime militar não se apoiava somente nas forças armadas. Empresários, boa parte da imprensa e a institucionalidade da Igreja Católica deram sustentação ao golpe.

forças reacionárias. O que ocorreu foi exatamente o contrário. O golpe de 1964 no Brasil é mais um exemplo histórico que comprova a teoria de Revolução Permanente de Leon Trotsky. Para ele, nos países coloniais, semicoloniais ou atrasados, as burguesias nacionais são débeis e atreladas aos países ricos e, portanto, incapazes de realizar as reformas democráticas capitalistas, como continua sendo a reforma agrária no Brasil. Esta reforma só poderá ser realizada pela classe trabalhadora em unidade com os camponeses. Apesar de ser uma reforma nos marcos do capitalismo, para ser implementada, esta medida reformista acabaria se confundido com as tarefas socialistas. Diferentemente do que afirmam muitos setores de esquerda, o problema de João Goulart foi exatamente a ausência de um programa radical de esquerda e de mobilização popular.

A guerrilha foi um método de luta equivocado contra a ditadura No momento em que houve o golpe no Brasil, a esquerda no mundo e, em particular, na América Latina enxergava a Revolução Cubana como um modelo a ser seguido, pois derrubou a ditadura de Fulgêncio Batista e, naquele momento, estava tomando medidas rumo a uma sociedade socialista. Diante da política fracassada do PCB, que não organizou a resistência ao golpe, diversos jovens acabaram vendo na guerrilha a única forma de derrotar a ditadura no Brasil. Muitas organizações de esquerda foram criadas, tendo a guerrilha como método de luta. Essa transposição mecânica da experiência cubana foi um erro que teve como consequência a prisão, tortura, desaparecimento e a morte de milhares de militantes das organizações de esquerda. No entanto, a violência do Estado atingiu não apenas os ativistas que defendiam a guerrilha, mas impedia qualquer forma de organização operária, nas fábricas, a partir de um intenso controle do processo de trabalho e da organização sindical, no chão da fabrica. Neste período de forte repressão,


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a a repressão ualdade o desafio que estava colocado era o de acumular forças para criar as condições para que a massa dos trabalhadores pudesse, mais à frente, derrubar a ditadura. Infelizmente não houve esta compreensão à época e valorosos militantes de esquerda tombaram no combate à ditatura.

Lei da Anistia tem que ser anulada A Lei de Anistia, sancionada em 28 de agosto de 1979, resultou de um pacto imposto pela ditadura. Em razão da pressão política pela anistia aos exilados e aos presos que sofriam torturas nos órgãos de repressão, a lei foi vista por muitos setores da esquerda como um duro golpe contra a ditadura. Mas não foi bem assim. Além de permitir o retorno de exilados e a libertação de presos políticos, a Lei foi e continua sendo usada para impedir que crimes de tortura e assassinato de presos políticos sejam julgados. Em 2010, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) moveu uma ação para tentar derrubar a lei. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no entanto, manter a legislação. Em uma decisão inédita, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) condenou o Estado brasileiro por não ter investigado crimes cometidos pela ditadura no combate à Guerrilha do Araguaia. A sentença de 24 de novembro de 2010 afirma que a Lei de Anistia, de 1979, é incompatível com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e não pode ser “um obstáculo” que impeça a investigação dos casos, bem como a identificação e a punição dos responsáveis por violações dos direitos humanos. No entendimento da Corte, que condenou o Brasil pelo desaparecimento de 62 pessoas, estes são crimes imprescritíveis. O país também foi condenado devido à aplicação da anistia como um “empecilho”, à ineficácia de ações e à falta de acesso à justiça, à verdade e à informação. Na decisão, o tribunal afirma que o Brasil descumpriu “a obrigação de adequar seu direito interno à Convenção Americana sobre Direitos Humanos como consequência da in-

terpretação e aplicação que foi dada à Lei de Anistia a respeito de graves violações de direitos humanos”. Em seu voto, o juiz Roberto de Figueiredo Caldas, responsável da corte da OEA pelo caso, disse à época que a decisão do STF esbarrou na jurisprudência da entidade internacional e não levou em consideração obrigações que deveriam ser seguidas pelos Estados signatários da Convenção Americana. O magistrado afirmou que o Pacto de San José equivale a uma Constituição supranacional referente aos direitos humanos e diz que todos os poderes públicos e esferas nacionais, bem como as respectivas legislações federais, estaduais e municipais de todos os Estados signatários devem respeitá-lo. A Corte responsabilizou o Estado brasileiro pelo desaparecimento forçado e pela falta de investigação, julgamento e sanção dos responsáveis. Além disso, aponta para a “violação do direito à liberdade de pensamento e de expressão consagrado pela afetação do direito a buscar e a receber informação, bem como do direito de conhecer a verdade sobre o ocorrido”. Apesar da sentença da corte interamericana da OEA, o governo Dilma afirmou que a Lei da Anistia não permite a punição de envolvidos em crimes de tortura e violação de direitos humanos. Em parecer, a Advocacia-Geral da União reforçou o entendimento já manifestado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de que a anistia vale para os agentes repressivos do Estado.

Os limites da Comissão Nacional da Verdade A Comissão Nacional da Verdade tem por objetivo investigar violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988 no Brasil por agentes do estado. Essa comissão foi formada por

sete membros nomeados por Dilma Rousseff e catorze auxiliares. Após essa investigação, será produzido um relatório, que pode ser público ou enviado apenas para a presidente da república ou o ministro da defesa. A Comissão teve acesso a todos os arquivos do poder público sobre o período e convocou vítimas ou acusados das violações para depoimentos. Essas convocações não tiveram caráter obrigatório. Entretanto, o grande limite desta Comissão reside no fato de ela não ter o poder de punir ou mesmo recomendar que acusados de violar direitos humanos sejam punidos. Resquícios da ditadura e criminalização dos movimentos sociais Após as manifestações de junho, temos acompanhado uma intensificação da criminalização dos movimentos sociais. Há nove projetos no congresso nacional que visam criminalizar as manifestações. Alguns projetos enquadram as manifestações em crime de terrorismo. Estas leis têm objetivo imediato de conter as manifestações que serão intensificadas com a proximidade da Copa do Mundo no país. Já houve três protestos em São Paulo contra a Copa do Mundo. Ao menos 400 pessoas foram presas. O Governo Dilma disse que utilizará o exército e contará com uma tropa de choque de dez mil homens, que serão responsáveis por apoiar as polícias militares na contenção de protestos durante o evento. Os investimentos em equipamentos repressivos estão em R$1,9 bilhão. As aquisições incluem robôs anti-bomba, minirrobôs espiões, tanques com jatos d’água, drones, além de bombas de efeito moral, sprays de pimenta e pistolas de choque. Os tribunais de exceção já estão funcionando 24 horas por dia em algumas cidades-sede da Copa do Mundo, como é o caso de São Paulo. Toda esta preparação para combater as manifestações contra a Co-

Dilma, como outros líderes do PT, se utiliza de seu histórico de luta conta a ditadura para dar um verniz de esquerda ao seu governo de políticas neoliberais. pa do Mundo, combinada com o ge- tos nos setores sociais, como saúde nocídio da população pobre e negra e educação, para amortizar juros e na periferia, em que os assassinatos pagar parte da dívida pública, bem de Amarildo, do jovem Douglas e como a privatização de setores esCláudia Silva são os casos mais re- tratégicos da economia brasileira. No caso de FHC e Lula, foram centes, mostram que os resquícios da ditadura continuam muito pre- realizadas contrarreformas previdenciárias que atacaram o direito sentes no Brasil. à aposentadoria dos trabalhadores brasileiros. Em ambos governos, Lula e Dilma: todos esses ataques foram realizagovernos dos através da compra de votos de neoliberais e a parlamentares. A partir dessa política, que não diretórica da luta fere muito da praticada pelos parcontra a ditadura tidos da direita tradicional, a única Após o fim da ditadura no Brasil, coisa que resta para pessoas como tivemos vinte anos de governos de Lula e Dilma, é o de darem um cerpessoas que, de uma forma ou de to verniz de esquerda às suas biooutra, lutaram contra a ditadura no grafias ao afirmarem que no pasBrasil, como é o caso de FHC, Lu- sado lutaram contra a ditadura cila e Dilma. vil-militar. Do ponto de vista econômico, toInfelizmente, essa retórica tem sidos eles implementaram um política do e continuará sendo utilizada ataeconômica neoliberal. Todos esses car direitos e conquistas importangovernos realizaram cortes de gas- tes dos trabalhadores brasileiros.


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Crise da água em São Paulo Fenômenos climáticos, falta de planejamento, jogo de interesses e negligência Nos últimos meses, estamos vivenciando uma das maiores estiagens no Sudeste do Brasil. A região abriga um dos maiores sistemas de abastecimento de água do mundo, o Sistema Cantareira. Diante dessa estiagem, a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) corre sério risco de ficar inteiramente sem água. Fora da RMSP, outras cidades que dependem dos rios que abastecem o Cantareira já estão sofrendo com o desabastecimento. Marzeni Pereira Especialista em Engenharia de Saneamento Básico e membro da Oposição Alternativa - Sintaema Entretanto, o risco de desabastecimento abrange não somente a área de cobertura do Cantareira, pois o sistema adutor metropolitano de São Paulo é interligado e a água de um sistema pode abastecer parte do outro. Dessa forma, pode-se reduzir a área de influência do Cantareira e sobrecarregar os demais. Mas nenhum deles tem condições de suprir por muito tempo essa lacuna. Se é verdade que, até o momento, não podemos controlar os eventos climáticos, como a estiagem, também é verdade que já é possível prevê-los e precaver de seus efeitos. Mas o problema não é causado somente por São Pedro. Há mais de uma década que os especialistas vêm alertando para o colapso no sistema de abastecimento de água de São Paulo. Há um crescimento substancial da demanda sem contrapartida na oferta. Nos últimos vinte anos, não houve a construção de um único sistema de tratamento de água, veja: Cantareira (construído em 1973); Alto Tietê (1993); Guarapiranga (1958); Rio Grande (1957); Ribeirão da Estiva (1973); Baixo Cotia (1960); Alto Cotia (1914); Rio Claro (1937). Não é de hoje que os sistemas de abastecimento de água da RMSP já vêm trabalhando no limite. Pouca coisa foi feita no sentido de aumentar a capacidade de reservação, a eficiência na distribuição, o desenvolvimento de novas opções de abastecimento e o uso diferenciado. Alckmin reclama da estiagem, mas veja os gráfico dos últimos 5 anos. As obras emergenciais custam muito caro à população e possibilitam para empresas ganhar dinheiro.

Jogo de interesses No mesmo período, o lucro da Sabesp foi bilionário e continua crescendo. Em 2009, foi de R$1,37 bilhões. Em 2012, pulou para R$1,9 biilhões e em 2013, deve chegar próximo aos R$2 bilhões. Nos últimos cinco anos, a Sabesp acumulou um lucro líquido próximo a R$8 bilhões. Desse montante, os acionistas abocanha-

e mais baratas, mas que não constam no contrato, não podem ser utilizadas. Isso ocorre, por exemplo, com a utilização de ferro fundido e PVC nas tubulações de água. Como as empresas que assentam as redes não tem pessoal treinado e nem equipamentos, não assentam rede em PEAD (material que tem menor incidência de vazamentos). O resultado é visto nas ruas: muitas valas com péssima pavimentação, esgoto transbordando e muito, mas muito vazamento. Cerca de 30% da água tratada é perdida nos vazamentos. Os serviços mal feitos trazem consequências financeiras, ambientais e de saúde pública. A Sabesp, além de tudo, ainda arca com a falta de compromisso das empresas terceirizadas com seus empregados. Há milhares de processos desses trabalhadores contra a empresa pois, quando as empreiteiras não os pagam, eles entram na justiça do trabalho e arrolam a Sabesp como corresponsável. Em março, um porteiro terceirizado acorrentou-se no portão da ETE Parque Novo Mundo, impedindo o acesso às dependências da empresa enquanto não fosse pago seu salário atrasado. Aquilo que é essencial para o governo e seus financiadores de campanha é contrário aos interesses da população. O governador vem insistindo, desde dezembro de 2013, que não vai ter rodízio de água. Essa orientação é, no mínimo, irresponsável. Mas, ela atende a dois interesses: dos acionistas (para não reduzir a lucratividade com a redução da venda do produto) e à reeleição do governador.

As reservas de água do Sistema Cantareira atingiram o nível mais baixo de sua história. ram pelo menos R$2 bilhões. Aqui mento não visível custa R$638,00 está um dos problemas que impe- por quilômetro de rede. Se cada dem os investimentos em mais em técnico da empreiteira pode fazer obras de reservação de água, redu- até 5 km por dia, ele pode fazer ção de perdas e reuso da água. Gas- até 110 km/mês. Ou seja, o trabatar em reservatório não garante lu- lho desse técnico pode custar para cros, pelo contrário. Sabesp R$70.180 por mês. A emEssa lógica privatista acompa- preiteira paga para ele quanto? Se nha todos os governos nos últimos fosse feito com empregado da próvinte anos. Inicialmente, a ideia era pria Sabesp, não sairia mais que privatizar a Sabesp. Por isso a em- R$7.000 com todos os custos. presa foi fatiada em unidades de Os profissionais da Sabesp tem negócio e, se necessário, vendê-la alto nível técnico e são conhecepor região. Não prosperou a priva- dores da realidade do saneamento, tização, porque havia confusão ju- mas são substituídos por mão de rídica sobre a concessão do sane- obra rotativa e nem sempre espeamento e também por causa da re- cializada. São contratadas emprejeição da população. Mas isso não sas que apresentam uma pequena impediu que a empresa fosse pri- equipe de profissionais que são esAcionistas só vatizada por dentro. Além disso, a pecializados, mas que não vão exereconhecem o lucro aprovação das PPP no governo Lu- cutar os serviços. Há muito tempo Se depender do acionistas, venla/PT possibilitou que o governo do que a Sabesp deixou de ter equiPSDB repassasse sistemas inteiros, pes especializadas em fiscalização. de-se até a última gota de água. como o Alto Tietê, ao setor priva- Hoje, tem empreiteira fiscalizando E quanto mais raro for o produto, mais caro fica. Isso ganha maior do, deixando a população à mercê empreiteira! Pode isso? Nos últimos anos, a Sabesp tor- importância quando se trata do da gula dos empresários. nou-se refém das empreiteiras. Se produto essencial à sobrevivência. acaba o contrato, não tem quem fa- Quando acabar a água das represas, O serviço é privatizado ça os serviços. Se existem tecno- eles migrarão para água engarrafapor dentro logias novas, de melhor qualidade da. Veem oportunidade em tudo, Hoje, a maior parte dos serviços de saneamento é executada por em- 120% Disponibilidade de água preiteiras. Aqui reside outro problema grave: Essas empreiteiras no Sistema Cantareira são grandes financiadoras de cam- 100% panhas eleitorais do PSDB e seus aliados, muitas delas aparecem nas 80% prestações de contas no TSE. Há uma clara política de passar os serviços, que deveriam ser exe60% TEN cutados pela Sabesp, para empreDÊN CIA sas terceiras. Essas empresas, pa40% ra reduzir custos, não executam as obras conforme as normas de qualidade. Assim, ocorrem os vaza20% 14,3% mentos e outra empreiteira vai lá consertar. A terceirização exacerbada na 0% Sabesp nadatem a ver com redução JAN JAN JAN JAN JAN 23/MAR de custo ou melhoria na qualidade. 2010 2011 2012 2013 2014 2014 Por exemplo, a pesquisa de vaza-

principalmente na miséria do povo. Quanto à reeleição de Alckmin, a chance de haver um suicídio político aumenta a cada dia e o governador está apostando numa ajuda do céu. Assim como houve um verão atípico, pouco chuvoso, poderá haver um inverno chuvoso e os menos avisados continuariam votando nele. Entretanto, se não chover, a água acaba em agosto, ou seja, antes das eleições. Mas, nada garante que o outro grupo que entrar no governo não continue com a mesma política de atender aos interesses dos empresários. Do ponto de vista ambiental, os danos podem ser irreversíveis. A fauna e flora da região da bacia do Cantareira estão sob séria ameaça. A redução dos peixes já vem ocorrendo ano a ano, mas, com a redução dos níveis de água, a concentração da poluição piora muito a sobrevivência de animais aquáticos. Espécies inteiras podem desaparecer para sempre dessa região, provocando efeito cascata em outras espécies e, consequentemente, no ecossistema.

Risco de colapso total O risco de colapso é muito grande e as consequências são maiores ainda. Se o ritmo de queda dos níveis de água continuar como está, teremos colapso total no sistema de saneamento em São Paulo. Mesmo se chover acima da média dos últimos anos nos próximos meses, estará comprometido o abastecimento de água a curto e médio prazo. Uma cena impensável seria ver alguém assaltando um mercado para pegar água para sobreviver. Pois é, isso não está descartado se o sistema entrar em colapso. Será praticamente impossível para as pessoas comprarem água engarrafada para suprir todas as necessidades por muito tempo. Além disso, a incidência de doenças transmitas por água contaminada ou por falta d’água pode ser alarmante e a quantidade de mortes pode chegar a níveis nunca vistos. Pesquisa do Ministério da Saúde aponta que 80% das internações hospitalares no Brasil poderiam ser evitadas se tivéssemos saneamento adequado e que, para cada um real investido em saneamento, economiza-se cinco em saúde curativa. Mas o que temos nesse caso de São Paulo é um processo inverso, o que pode gerar um impacto imprevisível. Isso nos leva a conclusão de que o governador Geraldo Alckmin está cometendo crime contra a saúde pública, colocando milhões de pessoas em risco, além de crime contra o meio ambiente. O afastamento do governador deveria ocorrer o mais breve possível, independente das eleições, pois não se trata de uma situação normal, onde podemos gostar ou não da gestão de um governo. Mas, sim, de colocar em risco a vida de milhões de pessoas e seres vivos.


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Ucrânia à beira do abismo A interferência das potencias imperialistas dos EUA e a União Europeia de um lado e da Rússia, por outro, na crise da Ucrânia, levou a região a beira de uma guerra, marcando o mais grave conflito no continente desde a guerra na Geórgia em 2008. Uma onda de protestos populares levou a queda do regime corrupto de Yanukovich em fevereiro. Mas na ausência de um poderoso movimento dos trabalhadores que poderia unir as diferentes etnias e mostrar uma saída socialista, o resultado foi a tomada de poder por um governo reacionário, nacionalista que causou temor na minoria russa. A primeira medida do governo, que inclui sete ministros fascistas e da extrema-direita, foi retirar direitos de línguas minoritárias.

A Ucrânia nunca se recuperou da profunda crise desde a queda do stalinismo. O PIB do país, mais de 22 anos após o colapso da União Soviética, ainda está 30% abaixo de nível de 1991. A crise mundial do capitalismo atingiu duramente o país e o PIB caiu 15% em 20082009, e ainda não se recuperou. Diante dessa crise, a elite do país está dividida entre uma ala com base na parte ocidental do país, que busca se aproximar da União Europeia e uma ala na região oriental e no sul, com uma grande parte da população de etnia russa, que prioriza a colaboração com a Rússia. A crise atual começou quando o parlamento ucraniano e o regime de Yanukovich em novembro suspendeu a ratificação do acordo de associação que ia aprofundar a colaboração com a União Europeia. O acordo estava vinculado a implementação dos ditames do FMI para continuar recebendo os empréstimos do “pacote de salvação” de 2008 e 2010, com enormes ataques desferidos contra a população. Yanokovich temia, corretamente, que esses ataques iriam levar a grandes protestos. Mas a suspenção do acordo deu início a uma onda de

Na Crimeia, onde a Rússia tem uma importante base naval, tropas russas tomaram controle e o governo local organizou um referendo no dia 16 de março para formalizar a saída da Crimeia da Ucrânia. A Rússia já formalizou a anexação da Crimeia, agravando o conflito. No fundo se trata de um conflito entre quem vai dominar a região. A queda do aliado da Rússia, Yanukovich, levantou temores na elite russa de que a aliança militar ocidental liderada pelos EUA, a OTAN, e a União Europeia, estivesse avançando ainda mais em seu “quintal”. Nenhum dos lados tem nada a oferecer aos trabalhadores da Ucrânia. Marcus Kollbrunner

protestos, impulsionados por uma ira generalizada com a crise, pobreza e o regime corrupto. A forte repressão do governo só aumentou a raiva da população, culminando com a morte de mais de 80 pessoas, a maioria por tiros de franco-atiradores do governo, chegando ao ponto dos manifestantes não aceitarem nada menos do que a renúncia do presidente e por isso o governo colapsou.

Extrema-direita avança Infelizmente, o movimento dos trabalhadores ainda não conseguiu ganhar força, após décadas de ditadura stalinista e crise econômica profunda, após a restauração do capitalismo. Isso abriu para a intervenção de forças reacionárias, com o partido da extrema-direita Svoboda (“liberdade”) e os paramilitares fascistas do “Setor Direita”. Eles organizaram grupos armados que faziam confrontos com a polícia do governo, mas também atacava ativistas de esquerda dos sindicatos. Os sindicatos que montavam barracas na praça Maidan foram expulsos. Essa fraca alternativa dos traba-

Militante do CIT na Rússia é detida por protestar contra a intervenção militar russa na Ucrânia.

O governo de Yanukovich colapsou diante dos fortes protestos populares mas, na falta de uma alternativa dos trabalhadores, um setor reacionário assumiu o comando. lhadores fez com que o potencial revolucionário dos protestos não se concretizasse. O regime que assumiu, com o apoio do imperialismo dos EUA e União Europeia, inclui sete ministros fascistas e da extrema-direita. O Svoboda, que se vê como herdeiro dos que colaboraram com a invasão nazista durante a Segunda Guerra Mundial, tem quatro ministros, incluindo o vice primeiro ministro, e o procurador geral. O novo regime aposta no nacionalismo e na “ameaça russa” para desviar a atenção dos grandes ataques que planeja, mas deve em breve também enfrentar protestos. O novo primeiro ministro, Yatsenyuk, do partido neoliberal “Pátria”, disse que logo será o primeiro ministro mais impopular da história, devido as medidas de austeridades que pensa em implementar.

A Crimeia não terá autodeterminação com Putin Como socialistas, fomos contra a realização do referendo do dia 16 de março. A intenção desse referendo era de confirmar a anexação russa, fortalecer a posição do Putin contra o ocidente e sua popularidade doméstica. Foi realizado apressadamente e sob controle militar russo. Não havia condições para um debate democrático. Toda a mídia ucraniana foi fechada e só havia campanha pró-Rússia. Defendemos o direito do povo da Crimeia de decidir se querem fazer parte ou não da Ucrânia ou ser independente. Mas apesar de uma grande maioria sem dúvida ter votado pela incorporação à Rússia, temendo a repressão do novo regime e esperando por melhores condições de vida com a Rússia, não foi um processo que irá garantir a autodeterminação da Crimeia mas sim a dominância de Moscou. A autodeterminação não pode ser implementado de cima para baixo como parte de uma política de dividir para governar, que só aumenta

os obstáculos para unificar a classe trabalhadora. Ela tem que ser baseada em um processo democrático, que também respeita as minorias, como os tártaros mulçumanos que compõe 12% da população. É impossível uma autodeterminação real baseada na exploração e no capitalismo. A própria crise da Ucrânia mostra que o país, apesar de grandes riquezas naturais, indústria e 46 milhões de habitantes, não tem viabilidade como país independente sob o capitalismo. Ao invés disso, a elite dominante entra em um conflito para ver com qual poder imperialista vai se amparar.

Hipocrisia dos EUA e UE Também temos que rejeitar a hipocrisia dos EUA e da União Europeia que denunciam o que chamam de “agressão à soberania da Ucrânia e a sua integridade territorial”. Os EUA e a EU já cometeram os mesmos crimes. Invadiram Iraque e o Afeganistão, levando a morte de centenas de milhares e implementando “eleições” sob seu controle. Em 1999 bombardearam a Sérvia durante meses e implementaram um plebiscito de independência de Kosovo. Eles apoiam o novo regime reacionário para avançar suas posições. Putin interviu na Crimeia para tentar se recuperar da perda de influência com a queda de seu aliado Yanukovich e ter um trunfo contra o avanço da influência ocidental. Mas é um jogo arriscado. Apesar de nenhum dos lados quereremum conflito militar aberto ou a desintegração da Ucrânia, algo que pode desestabilizar a região inteira e levar a novas guerras sangrentas como o processo de desmoronamento da ex-Iugoslávia, o processo pode assumir sua própria lógica. O parlamento russo passou uma lei autorizando a anexação de países e regiões que se julgam “instáveis”. O conflito entre ucranianos e russos em outras regiões da Ucrânia podem se agravar e levar a no-

vos banhos de sangue. Novas regiões podem pedir anexação à Rússia. Isso vale para outros países da ex-União Soviética onde há minorias russas descriminadas. O imperialismo está dividido em até que ponto punir a Rússia. Há países que tem relações econômicas fortes com a Rússia que não querem correr riscos. A Alemanha, por exemplo, depende da Rússia para a 40% da sua importação de petróleo e gás. Apesar de mobilização militar de todos os lados, o imperialismo descarta uma intervenção militar. Uma guerra direta com a Rússia teria consequências incalculáveis para ambos os lados. Até agora as sanções implementadas são simbólicas, mas é possível que serão aumentadas e se transformam em uma guerra comercial. Sem dúvida, quem sairá perdendo serão os trabalhadores de ambos os lados e, principalmente, da Ucrânia, que é o terceiro país mais pobre da Europa. Mas não podemos descartar a possibilidade de uma guerra. “Equilíbrio do terror” e dependência econômica não são empecilhos absolutos. A história do capitalismo está repleta de guerras.

Lutar por uma saída socialista O Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT), do qual a LSR é a seção brasileira, defende a auto-organização dos trabalhadores. Defendemos o fim de toda intervenção imperialista e militar na Ucrânia. A classe trabalhadora, armada com uma alternativa socialista, lutando contra a exploração e opressão do capitalismo, é a única força que pode superar a divisão étnica e nacional. A defesa da autodeterminação baseada na ausência da exploração é uma pré-condição para criar as bases para uma verdadeira unidade. Defendemos uma federação socialista, com direito de autodeterminação e respeito às minorias.


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Ofensiva Socialista n°18 abril 2014

Venezuela: Conciliação com a burguesia não é o caminho para derrotar a direita golpista Diante das ameaças da direita golpista venezuelana e da incapacidade até o momento do governo Maduro em dar resposta firmes que atendam às necessidades da maioria do povo em meio à crise no país, cerca de 30 agrupamentos de esquerda decidiram formar no início de março em Caracas um Conselho Popular Revolucionário. A iniciativa que visa resistir às ações da direita fazendo avançar o processo revolucionário conta com a participação do Socialismo Revolucionário, seção do CIT na Venezuela. André Ferrari Desde o início das manifestações em fevereiro, quando setores da direita venezuelana optaram por uma linha de confronto aberto nas ruas com o governo chavista de Nicolás Maduro, foram registrados 36 mortes e mais de 400 feridos. Em algumas regiões do país, especialmente nas áreas de fronteira com a Colômbia, o que se vê é o crescimento de ações de grupos paramilitares, muitos ligados à extrema direita colombiana e com apoio dos EUA, criando um clima de verdadeira guerra civil. No estado de Táchira, vários municípios estão sob controle de paramilitares. Em Mérida, um clima de terror se criou quando uma estudante de origem chilena, Giselle Rubilar, foi assassinada quando tentava junto com outros moradores desobstruir as ruas de acesso a seu bairro, bloqueadas nas chamadas guarimbas organizadas pela direita. Confrontos entre forças de oposição e aquelas leais ao governo têm provocado mortos e feridos em várias regiões do país.

Clima de terror No golpe contra Chávez em 2002, uma das políticas adotadas pela direita e o imperialismo estadunidense foi a de criar um clima de terror e instabilidade que desgastasse o governo e justificasse sua derrubada. Parte da oposição de direita trabalha hoje com a mesma lógica. Dessa vez, porém, as possibilidades de um golpe no mesmo estilo daquele de 2002 são muito menores uma vez que a direita não pode contar com a maioria das forças armadas a seu lado. Além disso, a poderosa resistência popular contra o golpe foi um dos fatores que levou à radicalização política do chavismo, empurrando-o à esquerda, além de além de deixar a direita desmoralizada. Grande parte da di-

reita e do próprio imperialismo teme um desfecho semelhante hoje. Por outro lado, a combinação dos efeitos da grave crise econômica vivida pela Venezuela com as ações conscientes de sabotagem e desestabilização por parte da direita e dos grandes poderes econômicos, pode levar o governo Maduro a uma situação de impasse. Nesse cenário, não se pode descartar a possibilidade de queda do governo e antecipação das eleições.

Crise econômica A gravidade da situação está mais relacionada à crise econômica e social e à falta de respostas claras por parte do governo diante delas do que propriamente à força da oposição. A essência do modelo chavista foi o controle público e uma redistribuição mais equitativa da renda do petróleo venezuelano. Essa política por si só significou enfrentar interesses poderosos refletidos na tentativa de golpe de 2002 e na paralisação petroleira patronal de 2002/2003. Ao contrário de Lula e Dilma, que só privatizaram, Chávez foi empurrado a promover nacionalizações de empresas, ainda que o fizesse pagando altas indenizações e sem garantir o controle dos trabalhadores. Porém, apesar da retórica “socialista”, o chavismo nunca superou a lógica do mercado capitalista. Nunca houve um planejamento econômico baseado no contro-

le público dos principais meios de produção. A Venezuela sempre ficou dependente da exportação do petróleo e da importação de quase todo o resto. Com o agravamento da crise internacional, a América Latina de conjunto entra numa rota de instabilidade e crise. Se isso já está evidente no Brasil de hoje, países como Argentina e Venezuela expressam o ponto mais agudo dessa situação. Com um déficit fiscal da ordem de 15% do PIB, representando quase 50% do orçamento e queda nas reservas internacionais em 20% no último ano, o governo venezuelano se vê diante de uma situação crítica. Sem romper com a lógica do capital, a Venezuela dificilmente escaparia de medidas brutais de ajuste econômico que atingissem diretamente os trabalhadores e representassem um retrocesso em relação às conquistas anteriores. Com Chávez à cabeça do governo, as chances de que uma parcela significativa dos trabalhadores aceitasse apertar o cinto, pelo menos por um período, seriam muito maiores. A morte de Chávez, porém, representou uma inflexão na situação.

Os caminhos da Oposição Nas eleições de abril de 2013, Maduro venceu Capriles, o candidato unitário da oposição, por uma margem muito estreita (apenas 200 mil votos) e não tinha a autoridade de Chávez.

Com o crescimento da oposição aliado ao peso da inflação e perda do poder aquisitivo para os trabalhadores, a Oposição esperava derrotar de forma quase plebiscitária o chavismo nas eleições municipais de dezembro de 2013 e, com isso, acelerar a queda de Maduro por vias institucionais. Mas, isso não aconteceu e o PSUV e aliados venceram na maioria dos municípios. Desde então um setor da oposição, encabeçada entre outros por Leopoldo López, abandonou a estratégia institucional e passou a investir no caminho mais abertamente golpista, utilizando-se das mobilizações iniciadas por estudantes de classe média em fevereiro desse ano. Parcelas significativas da Oposição não pretendem esperar o prazo legal para a realização de um referendo revogatório que só poderia acontecer em 2016. Querem impor a queda de Maduro já.

Maduro na direção errada Diante da crise econômica e das ações da direita, o governo Maduro investe prioritariamente na conciliação com setores do empresariado e na busca de uma base comum de acordo com os setores mais moderados da oposição. Com essa fórmula, o governo tende a enfraquecer sua base de apoio entre os trabalhadores e aqueles que mais sofrem com a crise. Isso porque a única base de acordo possível com setores do em-

presariado e da direita é sobre a base de uma política que coloque nas costas dos trabalhadores o peso da crise. A Conferência de Paz iniciada em 25 de março e que conta com a presença dos ministros de relações exteriores dos países da Unasul, e de representantes patronais como a Fedecamaras, servirá a esse objetivo. Mais uma vez, o papel de governos ditos progressistas da região, como o de Dilma Rousseff, será o de pressionar na direção de uma reconciliação com a oposição e o empresariado atendendo seus interesses. Nas vésperas da Conferência, o governo promoveu a terceira desvalorização cambial em menos de dois anos afetando seriamente o poder aquisitivo dos trabalhadores. Com a desvalorização da moeda e o aumento generalizado de preços o poder o nível salarial na Venezuela caiu mesmo em comparação com outros países latino-americanos. No mesmo momento em que trabalhadores ocupam fábricas fechadas fraudulentamente por seus donos e exigem sua nacionalização, como no caso da indústria alimentícia Pollos Souto no estado de Lara, o governo prefere dar concessões aos empresários.

Construir a organização autônoma dos trabalhadores Nesse contexto, o crescimento da lutas dos trabalhadores do período anterior, relativamente amortecido com a ameaça golpista da direita, deve retornar cedo ou tarde. Se a esquerda socialista venezuelana não for capaz de dirigir essas lutas por salários, empregos e melhores condições de vida e arrancar conquistas para os trabalhadores, é a direita que vai usar essa situação. A formação do Conselho Popular Revolucionário é um passo, junto com outras iniciativas, na direção da construção de uma alternativa autônoma dos trabalhadores para derrotar a direita golpista. Uma alternativa que não fique amarrada aos limites, freios e hesitações do governo e setores burocráticos e pró-patronais do movimento chavista. A organização autônoma dos trabalhadores é a base para a construção de um caminho anticapitalista e verdadeiramente socialista para a Venezuela. Esse caminho passa pelo controle e gestão do conjunto da economia por parte dos trabalhadores organizados. Essa é a base de um verdadeiro governo dos trabalhadores.


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Ofensiva Socialista n°18 abril 2014

Construindo uma alternativa para RN empresários sobre o estado. Desde o ano passado, nosso bloco vem promovendo discussões acerca das questões mais urgentes para o estado, como:

O Rio Grande do Norte combina questões antigas do campo com os graves problemas presentes no caos das cidades. As oligarquias medíocres e arrogantes que comandam a política do Estado seguem de braços dados com grandes empresários, sustentando um modelo perverso, onde a riqueza dessas famílias e grupos se fazem às custas da miséria da população e do meio ambiente. Isabel Keppler As lutas que se fortalecem, tendo como marco 2011, em que o Estado ficou conhecido como “Rio Greve do Norte”, a Revolta do Buzão, já em 2012, como as jornadas de junho de 2013, revelam uma alternativa que cresce e se consolida. Conseguir levar essa alternativa ao campo das eleições, mesmo reconhecendo seus limites, é um desafio colocado aos socialistas. Em 2012, na capital potiguar, Natal, com a Frente de Esquerda composta não apenas por PSOL e PSTU, mas também diversos ativistas que hoje não atuam em partidos, foi possível fazer uma campanha claramente classista e socialista, em sintonia com a juventude, as trabalhadoras e trabalhadores que estão nas ruas lutando por melhores condições de vida e trabalho. O resultado disso foi a eleição de três mandatos socialistas: Amanda Gurgel (PSTU), a vereadora eleita com mais votos na história de Natal, junto com Sandro Pimentel e Marcos Antonio (PSOL). Mais do que isso, a campanha conseguiu, com grande alcance, tratar de diversos temas como a realidade na saúde e na educação, denunciar a criminalização dos movimentos sociais, e dessa forma ser de fato um canal para apresentar à população o acúmulo dos movimentos combativos. Robério Paulino, como candidato a prefeito, cumpriu um papel importante nos diversos debates promovidos por instituições da cidade e também pelos canais de mídia.

Robério Paulino, pré-candidato a governador pelo PSOL no Rio Grande do Norte, participa de protesto durante a inauguração da Arena das Dunas. Reivindicamos essa campanha dando um exemplo nacional de code 2012 como uma referência. No mo um partido socialista deve defipós-junho de 2013, as possibilida- nir o programa e seu candidato. Dedes só aumentam: temos experi- pois da desistência de dois pré-canências recentes de como é possí- didatos ligados ao Bloco Unidade vel transformar a realidade, quan- Socialista, ficaram dois pré-candido milhares de pessoas vão às ruas. datos: o professor Robério PauliFaz-se necessário que a esquer- no e o sindicalista Santino Arruda. da apresente uma alternativa forte Qualquer um dos dois que venha a e clara às oligarquias capitalistas, ser eleito, fará uma campanha pereeditando a frente de esquerda de la esquerda de Randolfe Rodrigues, 2012, com PSTU, PSOL e diver- imposto pela maioria artificial no sos movimentos, além de abrir dis- congresso do PSOL, mesmo concussão com o PCB também. Dian- trariando grande parte da militânte do cenário colocado, em que o cia ativa do partido. Nas prévias, defendemos o noPT possivelmente não apresentará um candidato ao governo, demons- me de Robério Paulino, professor trando uma integração completa a da UFRN e fundador do PSOL, atuessa velha política, teremos maio- al dirigente estadual, com conhecires possibilidades de crescimento. mento profundo das velhas mazelas do estado, como a concentração fundiária, a equivocada política híA base define pré-candidato ao governo drica, a ameaça de desertificação que vivem muitas áreas do semiáPara os partidos tradicionais, a rido nordestino, como também dos eleição é um jogo de troca troca: novos problemas urbanos relaciouma secretaria para um, um minis- nados à educação, saúde, segurantério para outro. A base dos parti- ça etc. Militante e intelectual sociados nada decide, tudo é arranjado lista, acreditamos que é quem mepor cima, pelos caciques partidá- lhor pode, na atual conjuntura, esrios. O PT também sucumbiu a es- tar a frente dessa Frente de Esquersa velha política, adaptou-se a ela. da, que para nós deve ser coletiva e No Rio Grande do Norte, por sintetizar o acúmulo das lutas e da proposta também da LSR, o PSOL universidade em uma plataforma está realizando prévias nas cida- combativa, socialista, de negação des onde o partido está estruturado, da velha política e dos ditames dos

1. A questão hídrica e agrária: o problema não é a seca, é a cerca! É preciso desmontar o argumento de que a triste situação de seca na região Nordeste é um problema “natural”, hídrico, da insuficiência de chuvas. Basta ver que, em diversos países, como Austrália e Israel, chove bem menos que no Nordeste e essa questão é contornada. A maior comprovação do que dissemos acima é que, na Zona da Mata litorânea, na qual chove muito, pesquisas apontam que, fora de períodos de seca, a miséria é maior do que no sertão. Isso porque no sertão os pequenos sitiantes têm terra e pequenos rebanhos e conseguem ter alimento e alguma renda para o ano. Já no litoral, as usinas de açúcar contratam durante 3 meses, ficando os trabalhadores desempregados, sem terra e sem renda, no restante do ano. Em ambos os casos, é urgente a reforma agrária. Os grandes latifúndios e o uso predatório da terra, representam um verdadeiro atraso que prejudica a população rural, o desenvolvimento econômico e social do estado e a própria natureza. Uma questão urgente é reverter o processo de desertificação que vive a região, com o plantio de milhões de árvores nativas e frutíferas. 2. Não queremos apenas “mais médicos”, queremos “mais saúde”! Na medida em que a eleição se aproxima, os políticos prometem hospitais, melhorar os famosos ‘postinhos’, mais médicos, etc. Mas, fora dos períodos eleitorais, vêm privatizando o SUS. Entregar os serviços públicos de saúde é sucatear o serviço e transformar a saúde da população em mercadoria, além de prejudicar os profissionais e técnicos em saúde. Por isso a campanha será claramente contra a

privatização dos serviços públicos. Pensar a saúde está além de pensar os serviços públicos. Ela precisa ser vista com uma concepção integral, que envolve saneamento básico, trabalho seguro e decente para todas e todos, e até mesmo opções de cultura, lazer e esporte.
 3. Uma revolução na educação! O estado vive um caos na educação. Recentemente foi publicado o último ranking do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), em que o Brasil aparece em 53º lugar entre 57 países, com o Rio Grande do Norte em 15º lugar no Brasil, ficando atrás mesmo de Piauí e Rondônia, por exemplo, estados com menor arrecadação e mais pobres. Isso revela o tremendo descaso das elites locais com o ensino, ao passo que investem bilhões para sediar o megaevento da Copa do Mundo. A Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN) também vive um problema sério, com salas de aula sem ar condicionado, sem qualquer investimento. O primeiro e único concurso que a instituição realizou foi em 2010! 4. Vida digna para todas as mulheres: pelo fim da violência doméstica e do Estado! O tema para o ato do 8 de março deste ano não poderia ser diferente: “Para a Copa milhões, para as mulheres migalhas!”. Recentemente foi publicado um dado que estimou em apenas R$ 0,86 o gasto por mulher na dotação às políticas de proteção a mulher no estado em 2013. Isso é ainda mais gritante em um contexto de Copa do Mundo, em que o turismo sexual fica ainda mais evidente. O turismo sexual não se expressa apenas na situação das mulheres jovens, sobretudo negras, empurradas para a prostituição. Empresas como a FIFA e Adidas, e até própria prefeitura, tornam o corpo da mulher brasileira um “atrativo” para turistas.

Encontro Nacional de Mulheres do PSOL Ocorrerá nos dias 18 a 20 de abril o III Encontro Nacional de Mulheres do PSOL em Guararema, São Paulo. Os encontros regionais e estaduais antecederão o nacional, com data limite de 13 de abril. Jane Barros A expectativa é que este Encontro arme as feministas socialistas para intervirem na próxima etapa da luta de classes. A avaliação é que este será maior do que o segundo encontro, realizado dois anos atrás, que já havia sido bastante vitorioso por ter conseguido realizar encontros regionais em mais de dez estados do território nacional. Engana-se quem acredita que não

há mais o que fazer, ou que a questão das mulheres já foi solucionada, sobretudo das mulheres trabalhadoras. Ainda lutamos contra a naturalização da opressão e das ações violentas, contra os salários menores que os dos homens, contra a dupla e tripla jornada de trabalho, pela legalização do aborto, contra o racismo e a homofobia, dentre outras bandeiras. Enganam-se os que também acreditam que a esquerda já superou este problema e que estamos em situação de plena igualdade. Temos uma dupla, quase tripla tarefa: lutar contra o capitalismo e o machismo (na sociedade e dentro das organizações de esquerda), para colocar nossas pautas na ordem do dia. Hoje, depois das jornadas de junho, das lutas nacionais, greves e

manifestações populares, há uma expetativa de que 2014 seja um ano bastante vermelho. Todavia, este vermelho, que simboliza a luta de classes, se contagia com o lilás, ao revelar que a maioria das pessoas que estavam nas ruas, cerca de 60% segundo dados da Folha de São Paulo, eram mulheres. O Encontro do Movimento Mulheres em Luta, em outubro de 2013, também surpreendeu com as mais de 2,3 mil trabalhadoras inscritas.

Campanha nacional contra a violência Neste encontro, temos como tarefa eleger os eixos prioritários das nossas lutas e campanha nacional. Certamente, o combate à violência

contra a mulher e os efeitos dos megaeventos na nossa vida estarão entre estes. Eles serão transformados em politica e luta concreta. Para nós, da LSR, não poderemos nos furtar em discutir os rumos do movimento feministas classistas e nosso papel no fortalecimento desta frente. Assim como não é possível separar o debate de mulheres em relação às polêmicas internas do PSOL e os seus rumos. Na nossa concepção de feminismo, é necessário fortalecer as camaradas, nos fortalecer conjuntamente para intervirmos na luta de classes, incorporando obviamente as demandas especificas, mas indo para além delas. Ao afirmar que sem feminismo não haverá socialismo, parti-

lhamos a tese de que as mulheres são parte constituinte, sujeitas, do processo revolucionário. Sem estas, formulando e dirigindo ombro a ombro os processos de transformação politica, econômica e social, não teremos uma real ruptura com a sociedade que oprime e explora os sujeitos. Leia a nossa tese “Lugar de mulher é nas ruas e nas lutas!” no nosso site: www.lsr-cit.org/1158. Vamos todas ao III Encontro de Mulheres do PSOL! Organizar a luta e ocupar as ruas!


Preço: R$ 2,00 • Solidário: R$ 4,00

Visite o nosso site:

www.lsr-cit.org facebook: www.facebook.com/lsr.cit e-mail: lsr.cit@gmail.com telefone: (11) 3104-1152

N° 18 • abril 2014

Lei Geral da Copa

Na Copa dos empresários, trabalhadores não têm direitos! A Lei Geral da Copa, documento central de conjunto de leis de exceção, é mais um grave elemento no reforço de um projeto de cidade excludente e de criminalização dos movimentos sociais e da pobreza, onde o direito da população à cidade é suprimido em nome de interesses privados. Thiago Macedo Estudante de Defesa e Gestão Estratégica Internacional da UFRJ, LSR-RJ Além dos interesses de grupos ligados aos organizadores e patrocinadores da Copa do Mundo e das relações espúrias de governantes com empreiteiras, os megaeventos também são utilizados como ferramenta pela especulação imobiliária para, através de suas relações com o estado burguês, se valer de projetos como os de remoções e de ocupações policiais. Esse projeto elitista de cidade também influi diretamente no cotidiano urbano, com a precarização do acesso a serviços, principalmente ao transporte. O ápice acontece no momento de vigor da Lei Geral da Copa quando, em nome dos interesses das corporações, as áreas próximas aos estádios que se-

rão utilizados na competição poderão receber apenas atividades autorizadas pela FIFA e seus patrocinadores. Isso inclui as atividades comerciais, pois haverá monopólio de produtos das marcas patrocinadoras e camelôs serão duramente perseguidos e perderão seus trabalhos. Além disso, haverá dura repressão às manifestações populares. Durante o período da Copa, alguns dos direitos cortados são do próprio mundo esportivo, como o cerceamento da cota de meia-entrada e o fim de gratuidades, rompendo inclusive com o Estatuto do Torcedor. Para além do período do evento, o futebol têm o seu projeto de elitização intensificado, com o fim de setores populares nos estádios e elevação do valor dos ingressos, chegando até a cobrarem valores superiores a 10% do salário mínimo no ingresso mais barato disponível.

Veto a bandeiras e instrumentos nos jogos Ocorrem também vetos a itens tradicionais dos setores mais populares de torcedores, como bandeiras, sinalizadores e instrumentos musicais, transformando o esporte em algo meramente comercial e antidemocrático voltado ape-

nas para as camadas mais favorecidas, reduzindo ainda mais o direito dos trabalhadores ao lazer. A FIFA, organismo internacional de futebol, de caráter privado, vem cada vez mais buscando garantir os grandes lucros de suas empresas parceiras e, com isso, tem buscado países onde há mais abertura para a violação de direitos através de leis que garantam seus interesses particulares.

“Menos democracia é melhor” Isso foi claramente expresso na declaração do secretário-geral da FIFA, Jérôme Valcke: “Eu vou dizer algo que é louco, mas menos democracia às vezes é melhor para organizar a Copa do Mundo. Quando você tem um chefe de estado forte, que pode decidir, como talvez Vladimir Putin na Rússia em 2018, é mais fácil para nós, organizadores”. A África do Sul, país que recebeu a Copa do Mundo de Futebol em 2010, contou com a instauração de tribunais diferenciadas para julgar crimes que se considerasse ter alguma relação ou influência no evento da Copa do Mundo, através da “Lei de Medidas Especiais”. A Lei Geral da Copa está a altura da preocupação do secretário-geral da FIFA em diminuir a de-

mocracia pois, em prol do ufanismo nacionalista gerado pela Copa, permite impedir manifestações e as reprimir duramente. Para isso, já está sendo anunciado um efetivo de dez mil policiais da Força Nacional para atuar no período de jogos do mundial. A Dilma também deixou claro que as Forças Armadas poderão ser usadas para garantir a Copa. Infelizmente, a Lei Geral da Copa não é a única legislação que criminaliza os movimentos sociais e lutadores e lutadoras. Digna dos tempos mais brutais da ditadura militar, a Portaria Normativa n° 3.461, do Ministério da Defesa, atualiza o documento intitulado “Garantia da Lei e da Ordem”, utilizado anteriormente no Rio de Janeiro para regulamentar, perante o Estado, operações militares em áreas periféricas durante a visita do Papa e no Leilão de Libra. Foi novamente utilizada recentemente no novo envio de Forças Federais ao Rio de Janeiro, após a revolta contra ocupações policiais repressoras na periferia carioca. O caráter dessas alterações no documento referido acima, inseridas na conjuntura do pós-junho e dos grandes eventos, oficializa poderes policiais às Forças Armadas e também as incumbe com a tarefa de restringir a liberdade de atuação

de manifestantes e organizações, qualificados como “força opositora” no documento. São citadas, entre as principais ameaças a serem combatidas pelas forças de inteligência e repressão, bloqueios de vias públicas, paralisações de atividade produtiva e paralisações de serviços, métodos importantes de luta da classe trabalhadora.

Lei “antiterror”, é terror contra movimentos Outro documento, o PLS499/ 2013, chamado de “lei antiterror”, busca tornar mais graves crimes já tipificados, atrelando-os ao crime de terrorismo e também abrindo precedente para o enquadramento de movimentos sociais e organizações políticas como grupos terroristas. Isso tem o objetivo de criminalizar os lutadores e impedir qualquer tentativa de luta pelos direitos que foram cerceados e por outros que nunca foram concedidos. A criminalização dos movimentos sociais é um antigo método da classe dominante para impedir as lutas populares. A Lei Geral da Copa vem reforçar isso. No ano passado, o aumento da repressão em junho só intensificou as lutas. Nós, lutadores e lutadoras, não vamos nos intimidar. A nossa luta é todo dia e na Copa vai ser ainda maior!


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