Ofensiva Socialista n°23 - novembro-dezembro 2014

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Jornal da LSR

Seção brasileira do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT)

N° 23 • novembro-dezembro 2014

Novos governos, mesmos ataques

Tendência do PSOL

Como superar a crise da água? pág. 12

Editorial: Preparar o terceiro turno das lutas pág. 02

O ódio contra o nordeste é um ódio de classe pág. 04

Preparar as lutas contra os ataques dos governos e patrões 25 anos da queda do Muro de Berlim pág. 08-09

A luta contra a violência às mulheres pág. 11

Cresce o genicídio da população negra pág. 11

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editorial

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ano de 2014 está chegando ao fim. Ele será lembrado, com certeza, pelas diversas lutas realizadas pela juventude e pelos trabalhadores e por sinais mais concretos de esgotamento econômico e político do Lulismo. Uma das expressões desse esgotamento tem sido a estagnação da economia e a vitória apertada de Dilma Roussef no segundo turno das eleições presidenciais. O primeiro semestre de 2014 foi marcado por várias lutas importantes: as greves dos garis do Rio de Janeiro, dos rodoviários, dos trabalhadores e professores da educação básica em diversos estados, dos professores, estudantes e funcionários das universidades públicas paulistas, diversas categorias do funcionalismo federal, metroviários de São Paulo e pelas lutas do MTST e outros movimentos populares por moradia. Além dessas lutas, foram realizadas diversas manifestações contra os gastos da Copa do Mundo e contra a criminalização dos movimentos populares. A maioria dessas lutas, apesar de não terem sido unificadas, acabaram sendo vitoriosas, expressando a correlação de forças que foi estabelecida a partir das jornadas de junho de 2013.

A

s lutas do primeiro semestre, não foram massivas como as de 2013, mas tiverem um aspecto bastante progressivo: as ações organizadas da juventude e dos trabalhadores através das suas entidades e movimentos. Em muitas dessas lutas, as direções pelegas dos sindicatos foram ultrapassadas pela base de suas categorias. Já no segundo semestre, apesar de termos greves importantes, com destaque para a dos trabalhadores dos correios, dos bancários e a continuidade da greve das três universidades paulistas, as eleições gerais do

● Pelo direito à cidade para os trabalhadores e o povo! Tarifa zero nos transportes públicos! Estatização do sistema de transporte com controle democrático dos trabalhadores e usuários! Pelo direito à moradia garantido a todos e todas! Nenhum corte nos gastos e investimentos sociais! Mais investimentos na qualidade do transporte e serviços públicos! ● Dinheiro público para saúde e educação e não para os estádios e obras da Copa! 10% do PIB para a educação pública já! 10% do PIB para a saúde pública já! ● Reforma agrária controlada pelos trabalhadores com fim do latifúndio! Não à usina de Belo Monte! Em defesa do meio ambiente e do direito à terra para as comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas! Fim do massacre dos sem-terra e indígenas! ● Aumentos salariais de acordo com a inflação! Congelamento dos preços dos alimentos e tarifas públicas! Redução da jornada de trabalho sem redução de salários! Fim do fator previdenciário e anulação da reforma da previdência. Não às terceirizações e precarização das relações de trabalho!

é uma publicação da Liberdade, Socialismo e Revolução

Ofensiva Socialista n°23 novembro-dezembro 2014

Preparar o terceiro turno das lutas país acabaram recebendo maior atenção da população. O resultado das eleições mostraram um aumento do descrédito da população em relação às instituições políticas. No segundo turno, mais de 44 milhões de pessoas deixaram de votar ou votaram em branco ou nulo. O grande responsável pelo aumento dessa descrença na política foram os 12 anos de governos do PT. Nesse período, Lula e Dilma deram sequência e aperfeiçoaram as políticas neoliberais, bem como os métodos corruptos dos tucanos que, no caso do PT, se expressaram no “mensalão” e, mais recentemente, no “petrolão”, o escândalo de corrupção na Petrobras. Apesar de ter ocorrido um crescimento eleitoral importante do PSOL, mesmo sem uma frente de esquerda socialista a nível nacional, é inegável que o setor majoritário da população, principalmente o da juventude, acabou enxergando Marina Silva e Aécio Neves como alternativas de mudança. Entretanto, nem mesmo durante a cam-

panha eleitoral, Marina Silva e Aécio Neves chegaram a apresentar alguma diferença fundamental em relação à política econômica implementada por Dilma Rousseff. Os tucanos, quando estiveram na presidência do país, implementaram uma política de ataques expressa pelas privatizações, contrarreformas neoliberais, arrocho salarial, corte de gastos nos setores sociais e de repressão e criminalização dos movimentos sociais. Como havia mais semelhanças entre Dilma e Aécio, os marqueteiros foram obrigadas a realizar, no segundo turno, uma campanha mais forte de “desconstrução” baseada em ataques de ordem pessoal.

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assado o segundo turno, em virtude do agravamento da situação econômica do país, Dilma já sinalizou que vai implementar tudo aquilo que acusou que Marina Silva e Aécio Neves fariam caso fossem eleitos. A primeira medida foi aumentar a taxar de juros e tudo leva crer que o

O que LSR defende: ● Contra o estatuto do nascituro em tramitação no Congresso! Pela legalização do aborto! Pelo fim da violência contra a mulher! Contra as propostas de reforma trabalhista e da previdência que visam retirar direitos da mulher trabalhadora! Salário igual para trabalho igual! Por mais verbas para a implementação da Lei Maria da Penha! Contra toda forma de opressão às comunidades LGBTT! ● Pelo direito democrático de manifestação! Não à criminalização dos movimentos sociais e à repressão! Liberdade e fim dos processos sobre os manifestantes! ● Basta de violência policial racista nas periferias! Desmilitarização e controle popular sobre a polícia! Combater o racismo nos locais de ensino, de trabalho e na sociedade. ● Não pagamento das dívidas interna e externa aos grandes capitalistas para garantir os recursos necessários para os serviços públicos e o desenvolvimento econômico com igualdade Telefone: E-mail: Sítio: Facebook: Correio: Assinatura:

social! Auditoria das dívidas controlada pelas organizações dos trabalhadores! ● Reestatização das empresas privatizadas por FHC, Lula e Dilma com controle democrático dos trabalhadores! Estatização do sistema financeiro e grandes empresas que controlam a economia sob controle dos trabalhadores! ● Pela reconstrução das ferramentas de luta da classe trabalhadora, independentes dos governos petistas e da direita tradicional. ● Construir a CSP-Conlutas como central sindical e popular, democrática, classista e de luta, que sirva como base para a construção de uma nova Central unitária de todos os setores combativos e independentes de patrões e governos. ● Construção pela base de espaços democráticos amplos para unificar as lutas. Por um Encontro Nacional dos Movimentos em Luta!

(11) 3104-1152 lsr@lsr-cit.org www.lsr-cit.org www.facebook.com/lsr.cit CP 668 - CEP 01031970 - SP 10 edições: R$ 25 reais

novo Ministro da Fazenda será indicado pelos banqueiros. Além disso, a atual equipe econômica informou que alguns reajustes de tarifas e preços são necessários ainda neste ano, como é caso da energia e gasolina. Mas as previsões de ataques não param por aí. Para 2015, o governo pretende aumentar o corte de gastos e retomar as privatizações de rodovias, portos e aeroportos e as contrarreformas neoliberais trabalhistas e previdenciárias. Não bastassem estes ataques, há uma crise hídrica atingindo estados importantes, como é caso de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. No caso específico de São Paulo, mais de 75% da população já teve a sua vida prejudicada pela falta de água. O governo Alckmin, apesar de negar que há racionamento, poderá ser obrigado a antecipar, o término das aulas na rede estadual de ensino.

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lguns setores industriais, como é o caso de bebidas, têxtil e químico, já informaram que serão obrigados a demitir trabalhadores. Apesar de reconhecermos que vivemos uma das maiores estiagens da história no estado de São de Paulo, é inegável que o grande responsável por essa crise são os sucessivos governos tucanos que, nos últimos vinte anos, não construíram um único reservatório para a captação e tratamento de água. Para garantir água para a população dos estados do país em que há crise hídrica, bem como barrar os novos ataques do governo Dilma, é necessário que ocorra em 2015 o que faltou em 2013 e 2014: a construção de um espaço amplo, democrático e construído pela base que permita coordenar e unificar todas essas lutas. Para nós, da LSR, essa construção passa pela realização de um Encontro Nacional dos Movimentos Sociais.

● Pela construção de novas relações entre aqueles que lutam, baseadas na solidariedade de classe, democracia e respeito às divergências. ● Por um PSOL afinado com as ruas: de luta, socialista e radicalmente democrático. Por candidaturas do PSOL a serviço das lutas e com um programa socialista. Qualquer representante público do PSOL deve viver com salário de trabalhador. Pela construção da Frente de Esquerda nas eleições e nas lutas. ● Por um governo dos trabalhadores baseado na democracia das ruas, na mobilização de massas dos trabalhadores e da juventude e com um programa socialista! ● Por uma economia democraticamente planificada, onde a produção e os serviços, preservando o meio ambiente, estejam voltados aos interesses de toda a população e não uma pequena elite privilegiada. ● Por uma Federação Socialista da América Latina e um mundo socialista.

Colaboraram nessa edição: André Ferrari, Cristina Fernandes, Diego Siqueira, Eddie McCabe, Flávia Ribeiro, Hailey Kaas, Isabel Keppler, Jane Barros, João Militão, José Afonso Silva, Lucas Plaisant, Luciano Barboza, Marcus Kollbrunner, Mariana Cristina, Marzeni Pereira, Miguel Leme e Robério Paulino.


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Campanha eleitoral do PSOL no Rio Grande do Norte

Um exemplo de coerência para toda a esquerda socialista A campanha coletiva de Robério Paulino ao governo do Rio Grande do Norte foi um exemplo para o partido e para toda a esquerda socialista em diversos sentidos. Numericamente, obteve um resultado muito superior ao que a esquerda obtém normalmente no país e aos resultados alcançados pelo PSOL em eleições anteriores no estado. Foram 129.616 votos, que representam 8,74% dos votos válidos. Em Natal, atingiu 22,45% dos votos, quase um em cada quatro votantes, superando em muito os 3,57% obtidos em 2012, quando se candidatou a prefeito, pela Frente de Esquerda com o PSTU. Isabel Keppler LSR Rio Grande do Norte É o melhor resultado para o PSOL em uma capital nesta eleição e o segundo melhor em toda história do partido em capitais, ficando atrás apenas dos 28,15% de Marcelo Freixo no Rio de Janeiro em 2012. Em várias outras cidades tivemos resultados expressivos: Parnamirim 17,39%, Caicó 12,25%, São Gonçalo do Amarante 9,37%, Ipureira 8,50%, Mossoró 7,75% e em pelo menos mais oito cidades ficamos acima de 5%.

Campanha educativa No entanto, o mais importante de tudo não foi o resultado numérico, mas sim o grande papel de educação política, de elevação da consciência, de reencantamento de muitas pessoas que já não acreditavam na politica e que passaram a ver uma luz no fim do túnel, não apenas no terreno eleitoral. Em termos qualitativos, a campanha cumpriu a tarefa pela qual se propôs: ser uma expressão dos anseios das grandes manifestações de junho de 2013 e, ao mesmo tempo, uma alternativa pela esquerda aos que estão cansados das velhas famílias que dominam há anos o estado, aliadas com grandes empresas. Além disso, segundo muitos analistas políticos, a votação de Robério foi o fator central que levou a eleição para o segundo turno e contribuiu decisivamente para a derrota do grande bloco das oligarquias Alves e Maia, encabeçado por Henrique Eduardo Alves, presidente da Câmara dos Deputados que, com uma máquina de apoio de 18 partidos, 120 prefeitos e mais de 1000 vereadores, ganhou o primeiro turno, mas acabou por perder as eleições. É um marco na história local, que pode significar o começo do fim da era oligárquica no estado.

Papel da juventude A campanha foi abraçada principalmente pela juventude das universidades, dos colégios, pelos professores, servidores e trabalhadores do comércio e, em geral, encontran-

do também grande eco mesmo entre jornalistas, advogados e até entre os policiais. Os jovens militaram intensamente pela campanha, conseguindo votos entre suas famílias e amigos. A imensa simpatia e o apoio massivo da juventude é um sinal de vitalidade e acerto da campanha.

Em defesa das lutas sociais Além de atacar com firmeza a velha política do estado, o financiamento privado de campanhas e denunciar as manobras das pesquisas eleitorais, o PSOL defendeu as lutas sociais, os direitos dos trabalhadores, melhores salários, medidas imediatas de recuperação da saúde, da educação e da segurança pública, a Reforma Agrária, a luta contra a opressão das mulheres, da população LGBT, etc. Em todos os eixos, reivindicou o fortalecimento da democracia direta, se comprometendo a, se eleito, realizar grandes congressos envolvendo trabalhadores das respectivas categorias. Também colocou em debate como garantir dinheiro para efetivar essas propostas, como elevar a arrecadação de impostos e corte de cargos comissionados e demais gastos com privilégios tais como viagens.

Política para o semiárido Outro diferencial foi apresentar uma abordagem ousada e diferente para a questão do semiárido nordestino e a desertificação, com uma nova política hídrica e o plantio de milhões de árvores, combinando assim a questão ambiental que, infelizmente, em geral, é ignorada pelas campanhas da esquerda socialista. A preocupação de dialogar com a consciência dos trabalhadores e a juventude, com seus anseios, suas dúvidas, suas desconfianças, sem apresentar chavões tão típicos da esquerda nem sequer rebaixar o programa foi uma preocupação constante, fazendo uma ponte compreensível entre nossas estratégias e as reivindicações mais sentidas pela população. As decisões da candidatura de

MIlhares de jovens ajudaram a impulsionar a campanha do professor Robério. Robério Paulino e boa parte dos eixos de campanha foram tomadas democraticamente em prévias internas do partido, em diversas cidades do interior e na capital. Para a construção do programa, também se realizaram reuniões abertas de apoiadores e simpatizantes do partido pelo estado. Foi uma campanha modesta, de apenas 30 mil reais, financiada por apoiadores, sem aceitar dinheiro de empresas e, mesmo assim, conseguiu um excelente resultado, mostrando que não é preciso rebaixar o programa, fazer alianças espúrias como no Amapá, ou aceitar dinheiro de empresas para fazer uma campanha vitoriosa, como se chegou a fazer no Rio Grande do Sul.

Faltou Frente de Esquerda Infelizmente, o PSTU no estado não aceitou reeditar a Frente de Esquerda de 2012, apesar da proposta do PSOL de até aceitar ceder a cabeça de chapa desde que houvesse um processo democrático pela base, onde ativistas sociais pudessem decidir quem deveria encabeçar a Frente, como hoje faz o movimento Podemos, na Espanha. O PSTU argumentava que tinha mais peso social no estado e que, por ter a vereadora de Natal Amanda Gurgel ao seu lado, poderia ter mais votos que o PSOL, avaliação que se mostrou completamente equivocada. Esse resultado também coloca o PSOL no estado em outro patamar de inserção social, aumentando as oportunidades de crescimento por todo o RN, mas ao mesmo tempo exige superar a característica infelizmente muito sectária de várias correntes do partido, que va-

ALGUNS EIXOS DO PROGRAMA

● Saúde

Recuperação imediata dos hospitais regionais, melhores condições de salário e trabalho para os servidores, combate à privatização, investindo no mínimo 20% do orçamento.

● Educação Acabar com o analfabetismo em oito anos, recuperar as escolas, combate à precarização da UERN, investimento de 25% do orçamento, no mínimo.

● Segurança Reequipar as delegacias, convocar os 824 concursados da policia militar, mas também repensar o modelo de segurança, buscando combater pela raiz os problemas, investindo pesadamente na riam do hegemonismo ao sectaris sectarismo e que, mesmo durante as eleições, não acreditaram no potencial da candidatura e não se integraram como necessário na campanha majoritária. Encerrado o processo eleitoral, é o momento de consolidar nas fi-

questão social, dando um futuro às crianças e à juventude. Abrir a discussão sobre a desmilitarização da policia militar com a categoria e com a população, defendendo uma polícia civil única e cidadã, que não reprima os movimentos sociais.

● Questão hídrica e agrária

Construção de milhares de cisternas-calçadão de até 100 m em cada propriedade, utilização das estradas como coletores, desmatamento zero, reforma agrária e plantio de milhões de árvores.

● Opressões

Delegacia das mulheres 24h e combate ao turismo sexual. Cartilhas educativas de combate à homofobia. leiras do PSOL diversos apoiado apoiadores do interior do estado e da capital que apostam na construção de uma esquerda consequente para barrar os ataques dos governos estadual e federal e conquistar mais direitos, com a certeza de que votar foi só o começo.


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Grande avanço para o PSOL-RJ As eleições de 2014 no Rio de Janeiro expressaram uma polarização entre esquerda e direita na sociedade. Luciano Barboza executiva do PSOL-RJ Mariana Cristina diretório estadual do PSOL-RJ Nas eleições para governador, Pezão (vice do Cabral) foi reeleito, vencendo o representante da Igreja Universal, o bispo Crivella. Mas, apesar disso, a esquerda viu um crescimento em sua votação. Em 2010, Jeferson Moura do PSOL obteve 131.980 votos (1,67%) para governador. Já nestas eleições, Tarcísio Mota, com um programa e discurso mais à esquerda, obteve os inéditos 712.734 votos (8,92%). Isso demonstra que a sociedade está aberta a novas alternativas coerentes pela esquerda e que propostas mais radicais podem trazer uma votação mais expressiva. No segundo turno, as abstenções e justificativas de voto somaram 2.713.771 eleitores, votos nulos foram 1.315.356 e brancos somaram 319.823. Com isso, temos um total de 4.348.950 de pessoas que não votaram em nenhum dos

candidatos da direta. Pezão recebeu 4.343.298 votos e foi eleito com menos votos do que a soma dos seus contrários, o que demonstra o desgaste do governo do PMDB. Outro dado da polarização foi a expressiva votação na esquerda através da eleição do deputado estadual mais votado. Marcelo Freixo, do PSOL, teve 350.408 votos (4,62%), comparado com Jair Bolsonaro, da extrema direita, que obteve 464.572 votos (6,10%). A jornada de lutas de junho de 2013 fortaleceu setores de esquerda, mas também da direita carioca.

Bancada ampliada O PSOL no RJ ampliou sua bancada significativamente. Para deputado estadual, aumentou de dois para cinco, sendo eles: Freixo, Paulo Ramos, Flávio, Eliomar e Dr. Julianelli. Para deputado federal, aumentou de dois para três: Chico Alencar, Jean Wyllys e Cabo Daciolo. Nacionalmente, o PSOL elegeu cinco deputados federais e doze estaduais, o que qualifica o Rio como o estado em que o PSOL tem a maior representação parlamentar disparadamente. A LSR-RJ fez uma campanha entusiasmada para Paulo Eduar-

MTST realiza ocupação em São Gonçalo-RJ: Menos Ódio, Mais Moradia

do Gomes (PEG), vereador mais votado de Niterói em 2012, eleito com 8.011 votos (2,91%). Nestas eleições para deputado federal, PEG obteve 23.410 votos (0,31%) no Estado do RJ, sendo o terceiro mais votado de Niterói com 16.847 votos (6,89%). Ou seja, PEG mais que dobrou sua votação na cidade. Ele foi o 5º mais votado do PSOL, tornando-se o segundo suplente, atrás de Renato Cinco, que obteve 27.961 votos (0,37%).

Campanha da LSR Também fizemos uma campanha entusiasmada para Renatinho do PSOL, segundo vereador mais votado de Niterói em 2012, eleito com 6.304 votos (2,29%). Este ano, Renatinho para deputado estadual obteve 8.551 votos (0,11%) no Estado do RJ, se tornando o terceiro suplente do PSOL. Não previmos o efeito da leitura biométrica nas urnas nesta eleição, em Niterói. Mais de 50 mil pessoas não fizeram o cadastramento biométrico e outras 44 mil deixaram de votar no dia, devido à dificuldade do leitor biométrico em reconhecer as digitais, ocasionando enormes filas. Sabemos que muitos eleitores do PEG e Renatinho são

Tarcísio Motta obteve 8,92% dos votos com um claro perfil de esquerda. idosos, justamente quem tem mais dificuldade em ter as digitais reconhecidas no leitor. Não é à toa que a luta contra a biometria nos ônibus foi tão difundida pelo mandato do Renatinho e teve tanto apoio. Acreditamos que, sem esse problema, o resultado seria melhor. Apesar disso, saímos desta eleição com muita experiência, muitos contatos, mais organizados, e com muita disposição para tocar as lutas. Só a luta muda a vida!

RIO DE JANEIRO Na sexta-feira, dia 31 de outubro, centenas de famílias ligadas ao MTST ocuparam uma área abandonada há décadas, no bairro Jardim Catarina, município de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro. A nova ocupação foi batizada de Zumbi dos Palmares. São Gonçalo tem cerca de 1 milhão de habitantes e mais de 10% da população não tem acesso à moradia, um direito constitucional que os governos insistem em não garantir. Na madrugada do domingo (dia 2), a ocupação sofreu um atentado mas, felizmente, conseguiu resistir de maneira pacífica a um incêndio criminoso, de autoria desconhecida. No dia 05/11, houve uma manifestação dos trabalhadores da Ocupação Zumbi dos Palmares, que marcharam até a Prefeitura de São Gonçalo para reivindicar seu direito à moradia. A cidade apresenta um déficit habitacional de mais de 20 mil moradias. Conheça e colabore com a ocupação! O endereço é Avenida Santa Luzia, esquina com a Rua Célio Pena, ao lado da antiga fábrica de plástico, no Jardim Catarina, São Gonçalo – RJ.

O ódio contra o nordeste é um ódio de classe Passadas as eleições, com a derrota de Aécio Neves, explodiu nas redes sociais e mesmo em setores da imprensa uma onda de racismo e xenofobia contra as populações do Nordeste/Norte, por terem dado uma votação esmagadora a Dilma Rousseff, o que lhe garantiu uma vitória apertada. Em estados como São Paulo, Paraná e Santa Catarina, Aécio ganhou com folga. Robério Paulino Os argumentos, especialmente contra nordestinos, foram os mais agressivos possíveis, como “ignorantes”, “atrasados”, “burros”, “que votam porque recebem Bolsa Família” etc. A população do Nordeste, particularmente, se sentiu ofendida e as respostas em defesa de seus valores, de suas tradições, de sua contribuição ao país, foram imediatas e compreensíveis.

Divisão social A eleição mostra um país antes e doravante extremamente dividido, não entre regiões, mas por um imenso muro de desigualdade social, em todo país. Muitos setores beneficiados pelos programas federais de transferência de renda viram em Aécio o risco de perder suas

conquistas, ainda que enxerguem equivocadamente em Dilma e no PT a garantia das políticas sociais. É verdade que o Nordeste e o Norte concentram a maior parte dos beneficiários do Bolsa Família, mas certamente grande parte da população mais pobre em todos os estados do país deve ter votado em Dilma por esse motivo. E não deixa de ser lícito e compreensível esse sentimento de defesa.

Setores elitizados e racistas A derrota de Aécio impediu o retorno ao poder dos mesmos setores elitizados e racistas que aplicaram um neoliberalismo duro e implacável contra os trabalhadores. Não temos, porém, ilusões em Dilma, que também tinha entre seus aliados parte das elites conservadoras do país e também implementou políticas de cortes, retirada de direitos e privatizações. O ódio de alguns setores liberais conservadores ou reacionários é contra qualquer tipo de intervenção estatal planejada na questão social. Mesmo que parte dessas políticas sociais tenha sido incorporada ao próprio receituário neoliberal proposto pelo FMI e Banco Mundial, visando atenuar a explosividade dos conflitos sociais. Para esses setores, não se admite

qualquer regulamentação dos direitos trabalhistas, como no caso das domésticas, deixando os trabalhadores mais pobres entregues a sua própria sorte. Além disso, os tucanos e seus aliados demonstraram-se tão corruptos quanto o PT. O voto em Aécio não tem, portanto, nada de “avançado”. Seria mudar para algo ainda pior. Nós propusemos uma mudança para frente, com Luciana Genro, não para trás. Esse ódio é também contra as mobilizações sociais. São essas as pessoas que, hoje, pedem a criminalização dos movimentos sociais, taxados indiscriminadamente de baderneiros, depredadores do patrimônio e defendem, até mesmo, no caso de uma parcela, a volta da ditadura.

O “Nordeste” em cada favela A fúria desses setores contra nordestinos que se viu nas redes sociais é na verdade um ódio de classe, contra a expressão e os direitos dos trabalhadores, da periferia, das favelas, de todo país. Até porque existem vários “Nordestes” dentro das maiores cidades brasileiras, incluindo as do sul e sudeste. Basta ver as favelas e a composição de categorias de trabalhadores como a dos garis do Rio de Janeiro, a favela de Heliópolis e a periferia de

Nossa crítica aos programas como o Bolsa Família não é sua existência em si, como fazem alguns liberais reacionários, mas sua insuficiência e seu uso eleitoral e clientelista por parte das elites políticas locais, associadas ao governo federal.

É necessário políticas estruturais

Setores reacionários e racistas estão se expondo mais abertamente na sociedade. São Paulo, ou a população carcerária, em sua grande maioria negra. Infelizmente, como decorrência das políticas equivocadas do PT, do Mensalão, da estagnação da mobilidade social da classe média baixa, fruto da desaceleração da economia, esses setores mais conservadores conseguiram temporariamente ganhar a maioria do setor flutuante da classe média e de parcela da própria classe trabalhadora mais pobre em alguns estados do sul e sudeste. A culpa disso é da adaptação do PT ao sistema político e econômico atual. Reconquistar esse setor será um grande desafio para a esquerda socialista, um desafio que o PT não tem como cumprir.

A intervenção estatal de transferência de renda para as famílias mais pobres é uma conquista mesmo no capitalismo, que a direita reacionária e neoliberal quer acabar. Nós queremos não menos, mas mais Bolsas Famílias, com valores maiores dos benefícios, etc. Mas queremos também políticas estruturais de avanço social com mais e melhores escolas, hospitais e segurança públicos, ou seja, mais políticas públicas. Atualmente, essas políticas são muito insuficientes em função das prioridades do PT ao pagamento da dívida pública e sua submissão ao mercado. Ao mesmo tempo, lutamos pelo fim do uso político desses programas. O racismo contra o Nordeste é na verdade ódio de classe contra todos os trabalhadores brasileiros, contra sua população pobre, contra seus direitos, suas mobilizações, racismo que deve ser prontamente denunciado e enfrentado.


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PSOL: entre avanços e riscos de retrocesso As eleições de 2014 expressaram uma nova etapa da construção do PSOL e um significativo salto no que se refere a sua representação parlamentar. Luciana Genro obteve mais de 1,6 milhões de votos, 1,55%, praticamente dobrando os 0,86% obtidos pela campanha de 2010 liderada por Plínio de Arruda Sampaio. Saltamos de três para cinco a representação de parlamentares federais e, com novos seis parlamentares estaduais, totalizamos 12 em todo o território nacional. Contudo, todo este avanço obtido corre graves riscos se recuarmos em nos diferenciar do governo Dilma, nos transformando em bloco auxiliar do petismo.

Jane Barros O primeiro turno das eleições presidenciais possibilitou ao PSOL se apresentar como alternativa às candidaturas de Dilma, Aécio e Marina, propagandeando um programa claramente alternativo onde pautas polêmicas, como a legalização do aborto, das drogas e a criminalização da homofobia, foram colocadas para o debate de modo bastante claro. Assim como a crítica ao neoliberalismo, mostrando que as alianças e pactos com grandes empreiteiras, bancos e financiadoras das outras três candidaturas evidenciava que se tratava de mais do mesmo.

Destaque no Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte Além de Luciana, também candidaturas a governador tiveram ótimo desempenho, como Tarcísio Mota no RJ e Robério Paulino no RN, que superaram os 8% dos votos com campanhas de franca diferenciação dos “Cabrais” e dos “coronéis”. No Rio de Janeiro, Marcelo Freixo foi o deputado estadual mais bem votado com 350 mil votos e Jean Wyllys saltou de 13 mil votos para 145 mil, sob uma pauta claramente em defesa dos direitos humanos e dos LGBTs. Ignorando os dados acima colocados e de modo impressionista, alguns militantes e analistas, recorrem ao erro de identificar que estamos vivenciando uma ofensiva dos conservadores, um giro à direita. Esta leitura desconsidera o fato da esquerda mais combativa e as pautas progressistas terem assumido maior espaço no cenário nacional. Outro dado importante para análise é a quantidade de votos nulos já no primeiro turno. O tucano Aécio chegou no segundo turno com 34,9 milhões de votos, enquanto que 38,9 milhões votaram branco, nulo ou se abstiveram. Dilma teve 43,3

Uma campanha que entusiasmou: Luciana Genro em atividade com 3 mil participantes na Unicamp, em Campinas. milhões. Estes votos expressam um descontentamento ou descrença no sistema eleitoral e não devem ser contabilizados de modo direto e mecânico na conta dos conservadores. Partimos de uma análise de que esta eleição expressou a grande polarização presente na sociedade entre setores mais conservadores de um lado e mais progressistas do outro. Polarização esta provocada pelas grandes manifestações iniciadas em junho de 2013, sendo o PSOL o partido que melhor conseguiu canalizar estas pautas defendidas pelas ruas nas jornadas de junho.

Erro não ter frente de esquerda Outros partidos, como o PSTU e PCB, tiveram menos exposição e não foram reconhecidos como alternativas no processo eleitoral, não conseguiram representar e expressar mais coletivamente estas pautas. Foi um erro não ter tido uma frente de esquerda nacional nas eleições, pois esta unidade e experiência conjunta poderiam agora nos colocar um salto à frente na organização das lutas que virão. Devemos ponderar o fato de que não é possível utilizar a mesma régua para medir as lutas, as ruas, e as eleições burguesas. Esta última impõe um limite colocado pela própria institucionalidade e as regras do jogo eleitoral burguês. Contudo, a votação do PSOL, dos seus parlamentares e candidatos refletiu a nossa maior e melhor intervenção eleitoral, através da eleição de mais parlamentares, do aumento dos votos, obtidos pe-

la defesa acertada de um programa capaz de nos diferenciar e nos colocar como alternativa ao PT, ao PSDB e a farsa da nova política orquestrada por Marina.

Segundo turno e os erros do PSOL Esta eleição projetou o PSOL como um dos partidos com maior influência nos setores mais progressistas da sociedade. A nossa posição sobre o segundo turno foi muito esperada. A nota da Executiva Nacional, apesar de melhor que as anteriores, ainda apresentou limites: repudiou o voto em Aécio, denunciando as ilusões em Dilma, indicando à militância o voto nulo ou a perspectiva do mal menor, com o voto crítico em Dilma. Chamar o voto nulo claramente, apontando que ganhe quem ganhar nossa tarefa é organizar a luta, desconstruindo a falsa polarização, teria sido a política mais acertada. A real possibilidade da vitória do PSDB causou uma comoção social, reforçada pela tese da suposta ofensiva conservadora na sociedade. Esta pressão social fez com que boa parte dos votos mais progressistas se voltasse à Dilma, como sendo um voto anti-PSDB, e o PSOL capitulou a esta pressão impressionista e ao discurso de ameaça fascista no Brasil. Não se tratava de construir uma campanha pelo voto nulo, mas sim de focar na tarefa de organizar as lutas para o próximo período, já que os ataques evidentemente virão. Dialogar com o nível de consciência mais imediato daqueles que tem ilusão na Dilma, de modo não-

-sectário, não significa, necessariamente, capitular à política do mal menor e ao pragmatismo eleitoral. As diferenças existentes entre PT e PSDB não são suficientes para colocá-los como defensores de projetos distintos. Esta capitulação levou parlamentares eleitos com grande expressão, como Marcelo Freixo e Jean Wyllys, a não apenas chamar voto na Dilma, mas como também participar da campanha, através dos comícios e programas de TV. O voto crítico se transformou em apoio ativo acrítico, levando estes a fazerem declarações que, na prática, descontruíram a diferenciação de projetos políticos do primeiro turno. A gravidade destas ações se comparam com as eleições de 2010, quando Lula e Dilma aparecem no programa do nosso candidato a governador do Pará, Edmilson Rodrigues. Vale ressaltar que esta não-diferenciação de projetos contribuiu para a derrota de Edmilson. A ação destes e outros parlamentares não foram legitimadas pela base do partido, que sequer foi consultada previamente. O descolamento destes camaradas de uma posição mais coletiva se refletiu na ultima plenária do RJ, que deliberou que os vídeos em apoio à Dilma nos programas do PT deveriam ser retirados do ar, evidenciando o descontentamento da base e as diferenças com as posições tocadas pelos parlamentares. A posição tomada por estes camaradas corroboram para reforçar a ilusão de que o governo Dilma está em disputa. Trata-se de ilusão sem base objetiva, já que a mesma em nenhum momento se propôs a romper com a agenda neoliberal.

Tarefas e perspectivas: PSOL 2015 Apesar da vitória eleitoral do PSOL, os indícios de retrocesso já foram constatados neste segundo turno. A base do PSOL que, a exemplo do RJ, se colocou contrária ao apoio acrítico, necessita se

organizar internamente para derrotar o setor do partido que ainda pode ter ilusões no lulismo e recolocar o PSOL nos trilhos da luta e da construção de uma alternativa ao PT e ao PSDB. Com o crescimento parlamentar, a nova composição abre espaço para parlamentares estaduais e federais mais vinculados à esquerda do partido. Mas a ala direita também cresceu. O cenário das disputas internas não é nada simples, mas conta com uma conjuntura claramente desfavorável para o governo Dilma. Os ataques a direitos, cortes orçamentários, reformas e privatizações podem fragilizar a possiblidade de manutenção deste discurso pró-Dilma.

PSOL precisa ser alternativa de poder A posição que concretamente coloca o PSOL como colateral de esquerda do PT, se vitoriosa, significaria o fim do PSOL como alternativa de poder e de modelo de sociedade, um verdadeiro retrocesso às nossas conquistas. Neste cenário que se avizinha, o PSOL precisa estar mais do que nunca num lugar de destaque, capaz de ser identificado como alternativa ao projeto petista. O contrário levará a uma rendição do nosso projeto fundacional. A votação no PSOL, assim como as abstenções e votos nulos, são indícios que reforçam o caminho das ruas e a organização das lutas como saída. A unidade da esquerda é condição para o fortalecimento e a vitória da luta dos trabalhadores, das trabalhadoras e da juventude, contribuindo para potencializar a desilusão no governo Dilma. Esta é a melhor e mais eficaz forma de superar o lulismo e derrotar a direita expressa pelo PSDB e seus aliados. O PSOL, mais do que nunca, tem que trazer para as políticas concretas a palavra de ordem muito utilizada no Rio nessa campanha: só a luta muda a vida!

O voto crítico se transformou em apoio ativo acrítico por parte de alguns parlamentares do PSOL.


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análise: eleições 2014

Ofensiva Socialista n°23 novembro-dezembro 2014

Vitória apertada d prenuncia mais cri No segundo turno das eleições presidenciais brasileiras, Dilma Rousseff derrotou Aécio Neves por uma estreita margem. Dilma obteve 51,64% dos votos válidos e Aécio 46,36%. A diferença foi de apenas 4,46 milhões de votos em um universo de 142,8 milhões de eleitores. 44,42 milhões (27,4%) abstiveram-se de votar. Essa foi a votação mais apertada para presidente da República desde o fim do regime militar. A estreita margem refletiu o desgaste do partido depois de doze anos consecutivos no poder e o fim das condições econômicas, políticas e sociais que favoreceram certa estabilidade aos governos de Lula e depois Dilma Rousseff. André Ferrari

Para evitar a derrota eleitoral, o PT investiu centralmente no medo do retorno aos tempos em que o PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso governava o país com uma política neoliberal pura e dura. Como já fez nas eleições passadas, o PT teve que recorrer às suas credenciais de esquerda do passado e sua suposta preocupação com os mais pobres para polarizar o processo eleitoral e coesionar seus eleitores. No segundo turno, a polarização chegou ao ponto máximo, ainda que as diferenças programáticas entre PT e PSDB sejam muito menores do que suas semelhanças. Como sempre, a maquiagem de esquerda durou somente as poucas semanas de campanha eleitoral. Poucos dias depois da eleição, o partido tira a fantasia e mostra sua verdadeira face, apelando para a reconciliação nacional sobre a base de políticas que favorecem o grande capital. Dessa vez, porém, o quarto mandato presidencial do PT deverá ser

muito mais instável e turbulento do que os anteriores. A capacidade única do partido, no contexto econômico e social específico da primeira década desse século, de frear a radicalização das lutas sociais e costurar um quase pacto social hegemonizado pelo grande capital, já não é mais a mesma. As manifestações de massas de junho de 2013 e as greves e mobilizações dos trabalhadores que se seguiram marcaram o início de uma nova etapa muito mais conflitiva e instável no cenário nacional.

Fracasso da “terceira via” de Marina Silva Aécio Neves conseguiu chegar ao segundo turno contra Dilma ultrapassando Marina Silva (PSB), que surgiu como terceira via diante da já tradicional polarização eleitoral entre PT e PSDB. Apesar de despontar nas pesquisas de opinião como a segunda colocada na disputa após a morte de Eduardo Campos, Marina teve sua

candidatura desidratada ao longo da campanha em consequência da fragilidade de seu projeto alternativo. Enquanto, ainda no primeiro turno, Aécio Neves assumiu a feição de um anti-petismo radical, centrando sua campanha nas denúncias de corrupção envolvendo o atual governo, Marina se colocava de forma mais conciliatória, dizendo buscar unificar o que há de bom tanto no PT como no PSDB. Isso, porém, não a poupou dos duros ataques de ambos os lados. Os ziguezagues de sua campanha em relação a vários pontos programáticos (incluindo a questão da legislação anti-homofobia, direitos das mulheres, etc) e sua adesão cada vez mais explícita ao receituário econômico neoliberal (defendeu a autonomia formal do Banco Central, por exemplo), tornaram Marina um alvo fácil para as críticas. Achando que já teria uma base consolidada entre os eleitores mais progressistas atraídos por seu passado de esquerda e sua defesa do meio ambiente, Marina tratou de buscar consolidar o apoio do grande capital financeiro e do agronegócio. No final das contas, queimou-se com ambos os lados e saiu da campanha com o perfil seriamente desgastado. A candidata do PSB obteve, no primeiro turno, 22 milhões de votos (21,3% dos votos válidos), um pouco mais do que já havia obtido em 2010, ficando em terceiro lugar. No segundo turno, Marina acabou apoiando Aécio Neves, o que deixa ainda mais evidente suas opções políticas conservadoras e direitistas por trás da fachada “progressista”.

Giro à direita na sociedade?

O apoio de Marina Silva a Aécio Neves no segundo turno deixou evidente que ela não representa uma alternativa “progressista”.

O crescimento de Aécio Neves na reta final das eleições se deu na medida em que se consolidou como a única alternativa com condições de derrotar o PT. Nesse processo, a campanha de Aécio abriu o caminho para algumas das forças mais reacionárias da sociedade brasileira com toda sua carga de preconceitos, conservadorismo, autoritarismo e a velha retórica tradicional anti-esquerda. Porém, essa base social do PSDB em setores das classes médias reacionárias do sul e sudeste do país não teria sido suficiente para que Aécio chegasse aonde chegou. A candidatura do PSDB, principalmente no segundo turno, também acabou sendo o desaguadouro de uma insatisfação latente na sociedade. Somente isso pode explicar co-

mo o PSDB acabou obtendo maioria de votos em regiões das periferias de São Paulo e outras grandes cidades do sul e sudeste do país que tradicionalmente concentravam votos no PT. A marca do processo eleitoral não foi o giro à direita na sociedade, como alguns têm analisado, mas sim o crescimento da insatisfação com o PT que acabou sendo canalizada por uma falsa alternativa. A insatisfação crescente com o PT não se dá em função de suas políticas de esquerda, mas exatamente o contrário, pela falta delas. O voto em Aécio não foi necessariamente um voto consciente em políticas neoliberais mais duras – propostas políticas essas que o próprio PSDB tentou a todo custo se distanciar durante a campanha diante das acusações do PT. Analistas da própria burguesia brasileira têm manifestado grande preocupação com o fato de que nenhum dos candidatos, nem mesmo Aécio Neves, tocou durante a campanha nas medidas duras que, na opinião deles, terão que ser implementadas no país para que se recupere o equilíbrio fiscal e para satisfazer o mercado financeiro: política de cortes e austeridade, elevação das tarifas em vários bens e serviços públicos, elevação dos juros, contrarreformas na legislação trabalhista, na previdência social, mais privatizações, etc.

Polarização crescente Ao invés de um giro à direita na sociedade, o processo eleitoral expressou, ainda que de forma relativa e distorcida, uma crescente polarização social e política que se dá principalmente depois das mobilizações de massas de junho de 2013. Alguns dos parlamentares mais bem votados do país foram do PSOL. O partido teve o deputado estadual (Marcelo Freixo, com 350 mil votos) e alguns dos deputados federais mais bem votados (Chico Alencar, com 196 mil votos e Jean Wyllys, com 144 mil votos) no estado do Rio de Janeiro, por exemplo. Luciana Genro, a candidata presidencial do PSOL que fez uma campanha claramente de esquerda, dobrou a votação do partido em relação a 2010 e ficou em quarto lugar, atrás apenas de Marina Silva. Obteve 1,6 milhão de votos (1,55%), mais que o Pastor Everaldo e Levy Fidelix juntos. O resultado poderia ser ainda mais expressivo se uma Frente de Esquerda entre o PSOL, PSTU e PCB tivesse sido formada. O PSOL de conjunto aumentou de

três para cinco o número de deputados federais e para 12 os deputados estaduais. Em dois estados, o PSOL obteve votações muito expressivas para governador, o que demonstra o grande espaço à esquerda existente. No Rio de Janeiro, Tarcísio Motta obteve 8,92% dos votos e no Rio Grande do Norte, Robério Paulino, militante da LSR, obteve 8,74%. Em ambos os estados, o PSOL ocupou grande parte do espaço que tradicionalmente era do PT. Ao mesmo tempo, no outro extremo do espectro político, alguns candidatos de extrema direita obtiveram votações muito expressivas. Jair Bolsonaro, abertamente defensor da ditadura, foi o deputado federal mais votado do Rio de Janeiro, com 464 mil votos. No Rio Grande do Sul, o latifundiário Luis Carlos Heinze, que adota um discurso raivoso e violento contra sem-terra, índios e gays, obteve 162 mil votos, ficando em primeiro lugar. Essa situação de polarização aponta uma tendência para o futuro. Mas não deve ser interpretada como um giro à direita, simplesmente.

Perdas para o PT Apesar da vitória de Dilma Rousseff, uma das marcas das eleições de 2014 foi o enfraquecimento do PT em muitos estados. Isso se deu principalmente em São Paulo, onde seu candidato a governador, Alexandre Padilha, ficou em terceiro lugar e o partido reduziu de forma expressiva sua bancada parlamentar. No Rio de Janeiro, Lindberg Farias ficou em quarto lugar com apenas 1% a mais que o candidato do PSOL. A bancada do PT na Câmara Federal caiu 18,6% (de 88 deputados eleitos em 2010 para 70 em 2014), enquanto o PSDB manteve o mesmo número de eleitos em 2010 (54 deputados). O PCdoB, fiel aliado do PT, também viu sua bancada federal cair de 15 para 10 deputados. O fiel da balança para garantir maioria parlamentar ao governo Dilma é o PMDB do vice-presidente Michel Temer, que detém inúmeras dissidências internas e nem sempre vota com o governo. O PMDB perdeu posições na Câmara, mas ainda detém 66 deputados diante dos 71 da atual legislatura (elegeu 79 em 2010). O PSB manteve o mesmo número de eleitos em 2010, 34 deputados federais (embora o partido tenha perdido parte dessa bancada com deslocamentos partidários). Porém, o grupo político específico de Marina, a Rede Sustentabilidade, que deve buscar legalizar-se como partido


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de Dilma Rousseff ise e instabilidade

Dilma continuará a priorizar o agronegócio, e entre seus aliados está Kátia Abreu, uma dos principais representantes do setor. independente, elegeu apenas um deputado federal. No Senado, o bloco governista também perdeu posições, mas ainda mantém maioria instável que depende do humor do PMDB e das negociações por cargos no novo governo. A conquista do governo de Minas Gerais pelo PT, com a vitória de Fernando Pimentel derrotando o candidato do PSDB, por outro lado, foi a principal vitória petista e ajudou muito na vitória presidencial de Dilma Rousseff. A rejeição de Minas Gerais ao PSDB pesou muito na imagem de Aécio. A continuidade do PT no governo da Bahia também foi uma conquista importante em um contexto geral de perdas para o partido. A diminuição dos votos no PT nessa eleição e a margem estreita da vitória de Dilma são fatores que contribuíram para a instabilidade do governo e já têm levado o governo federal a adotar um tom conciliatório no discurso em relação aos partidos de oposição e à sociedade.

Reconciliação nacional? Já no discurso de vitória, Dilma apontou para a necessidade da reconciliação nacional depois das eleições. Para isso, dá sinais de que atenderá as demandas do mercado financeiro, indicando um novo ministro da fazenda que venha dos bancos. Apesar de a campanha petista ter criticado duramente os ban-

cos privados, um dos nomes mais cotados (indicado por Lula) para assumir a pasta é o do atual presidente do Bradesco. A primeira grande decisão em esfera governamental depois da eleição foi a elevação das taxas básicas de juros para 11,25% ao ano por parte do Banco Central, surpreendendo até mesmo o mercado financeiro. Nova medidas econômicas pró-mercado deveram ser anunciadas a partir de novembro. Para tentar conter os setores mais insatisfeitos com o sistema político, Dilma Rousseff também anunciou a intenção de submeter propostas de reforma política a um plebiscito popular. No auge das mobilizações de junho de 2013, Dilma também anunciou essa intenção, chegando inclusive a defender a convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva com o objetivo de fazer uma reforma política. Essa proposta não durou muito mais do que 24 horas. No dia seguinte, a presidenta já havia recuado diante da negativa de seus próprios aliados políticos no Congresso. Dessa vez, no dia seguinte à declaração em favor de um plebiscito, Dilma mudou de posição e passou a aceitar apenas um referendo com o voto popular apenas sobre matéria já encaminhada pelo Congresso Nacional. A questão é que uma reforma política encaminhada pelos mesmos políticos que se beneficiam dos vícios do sistema atu-

al só pode resultar em retrocesso. Não pode haver reforma política de caráter popular e progressivo sem que haja o fim do financiamento de campanha por parte dos bancos e grandes empresas, o direito de revogabilidade de mandatos pela base, a redução dos salários dos parlamentares e até mesmo o fim do Senado, além do estabelecimento de mecanismos de poder popular com verdadeiros conselhos de trabalhadores com poder deliberativo. Fazer isso implicaria em uma ruptura com o sistema político atual e os representantes políticos que se perpetuam no poder há décadas. O governo Dilma está comprometido até a medula com esse sistema e não tem nenhuma disposição de transformá-lo radicalmente. Para que o movimento de massas arranque essas conquistas, terá que derrotar o atual Congresso e também o poder executivo encabeçado por Dilma e pelo PT.

O PSOL e a construção de uma forte oposição de esquerda Um dos desafios centrais durante o segundo mandato de Dilma Rousseff será o de fazer avançar a oposição de esquerda a esse governo com base nas lutas sociais, nas greves, ocupações e na resistência aos ataques que virão. Sem uma oposição de esquerda forte, a tendência é que a insatisfação crescente seja canalizada por

alternativas de direita, como o próprio PSDB ou alguma aliança que envolva Marina Silva com setores da direita tradicional. Contra isso, setores do PT apostarão todas as suas fichas no retorno de Lula como candidato em 2018 e ele já assume abertamente essa possibilidade. Apesar da imagem ainda parcialmente preservada de Lula, não há nenhuma garantia para o PT em 2018. Nem mesmo a candidatura de Lula, que estará então com 73 anos, está assegurada. O desgaste do PT depois de mais quatro anos de crise, ataques e instabilidade será ainda maior que hoje. O PSOL saiu do processo eleitoral fortalecido para jogar o papel de protagonista de uma oposição de esquerda. A campanha de esquerda de Luciana Genro e de muitos outros candidatos do PSOL nos estados serviu para vincular o partido às principais bandeiras de luta dos movimentos de massas de junho de 2013. Ainda assim, existem muitas contradições e limitações no PSOL e o segundo turno deixou isso claro. Algumas principais figuras públicas do partido apoiaram com entusiasmo a candidatura de Dilma Rousseff contra Aécio com um tom muito pouco crítico e, dessa forma, ajudaram a reconstruir uma imagem de esquerda que o PT já vinha perdendo. A posição da LSR no segundo turno foi a de enfatizar que a única garantia contra os ataques que virão do próximo governo, seja lá qual fosse o candidato que vencesse, está na organização da luta dos trabalhadores nas ruas, bairros, fábricas, universidades e no campo. Essa garantia não está na urna eletrônica do segundo turno, onde nenhum dos candidatos representa os interesses da classe trabalhadora. Explicamos que entendemos o que leva trabalhadores a optarem por votar em Dilma para derrotar Aécio, mas alertávamos que isso não resolveria o problema e que as ilusões em Dilma só facilitariam os ataques que viriam depois. Optamos pelo voto nulo, mas o principal é o terceiro turno das lutas e não um segundo turno que não nos representa. O combate ao voto no “mal menor” ou no “menos pior” é parte fundamental da reconstrução de uma alternativa de esquerda de massas no Brasil e é o grande desafio do PSOL. Mas o partido não passou completamente no teste do segundo turno e ainda há muita confusão sobre as tarefas colocadas para o próximo governo de Dilma.

As ilusões de que Dilma promoverá um giro à esquerda em seu segundo mandato não devem se manter por muito tempo diante dos fatos concretos. Ainda assim, a ameaça de uma direita fortalecida sempre será utilizada como argumento contra uma postura firme de oposição de esquerda. Se o PSOL não for capaz de superar essas pressões abrirá caminho para que a direita ocupe o espaço de insatisfação existente.

Vitórias da LSR A LSR jogou um papel protagonista nos dois estados onde o PSOL obteve vitórias importantes. No Rio Grande do Norte, apesar da falta de recursos e de estrutura material, o candidato a governador do PSOL e militante da LSR Robério Paulino obteve 8,74% dos votos. Na capital do estado, Natal, Robério obteve incríveis 22,45% e é hoje uma clara opção para as eleições municipais de 2016. No estado do Rio de Janeiro, o mais importante para o PSOL nacionalmente, a LSR apoiou ativamente as campanhas de Paulo Eduardo Gomes para deputado federal e Renatinho para deputado estadual. Ambos foram os vereadores mais votados em 2012 na cidade de Niterói, uma das mais importantes do estado do Rio de Janeiro. A LSR também apresentou candidatos nos estados de São Paulo, Paraná, Sergipe e Minas Gerais, abrindo importantes espaços para a construção da organização. Uma das políticas centrais da LSR para o próximo período é a defesa da unidade na luta dos setores combativos do movimento sindical e popular diante dos ataques que virão. Defendemos um Encontro nacional dos movimentos de luta para a construção de uma plataforma de lutas e um plano de ação comuns.

Trabuco, presidente do Bradesco, é indicado por Lula a novo ministro da Fazenda.


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teoria/história

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25 anos da queda do Muro de Berlim

Da onda de revoltas contra o stalinismo ao retorno do capitalismo A queda do Muro de Berlim, 25 anos atrás, foi um dos momentos mais simbólicos do processo de colapso do stalinismo. Marcou o auge de um movimento contra a casta burocrática que regia até então a Alemanha Oriental. Movimentos semelhantes aconteceram também nos outros países do Leste Europeu e na União Soviética, impulsionados pela estagnação econômica e social desses países. Foi uma mobilização em escala continental, com um potencial enorme, que derrubou regimes ditatoriais que estavam no poder há décadas. Mas, pela ausência de organizações socialistas enraizadas na classe trabalhadora, que seriam capazes de fornecer uma saída socialista, o movimento foi desviado para o beco sem saída do capitalismo. Marcus Kollbrunner

Para entender esse processo, é necessário considerar como surgiram esses regimes. Na Rússia, em 1917, houve uma revolução das massas liderada pelos bolcheviques, o partido de Lenin, que derrubou a monarquia dos czares, mas também o capitalismo. Foi uma revolta contra o regime autocrático, os horrores da Primeira Guerra e a fome. Também em outros países aconteceram levantes revolucionários, mas só na Rússia (que, posteriormente, se transformaria na União Soviética) o novo regime conseguiu se manter vitorioso. Porém, esse novo sistema, que visava a construção do socialismo baseado na participação ativa das massas trabalhadoras, sofreu um processo de burocratização. Isso se deu por causa do atraso econômico e social do país, devastado pe-

la Primeira Guerra Mundial e pela Guerra Civil, além do isolamento causado pela derrota da revolução nos outros países.

Ditadura burocrática Apesar do surgimento dessa burocracia, que levou ao crescimento de um regime extremamente ditatorial que não tolerava nenhuma oposição, a economia conseguiu avançar através do sistema de planificação. Essa classe de burocratas cresceu como um parasita na economia estatizada e planificada, governando em nome do “comunismo” e da revolução, sob a direção do Stalin. Na verdade, esse processo foi a completa negação das políticas do partido bolchevique nos tempos de Lenin. Por isso, Stalin teve que conduzir o extermínio de

toda aquela geração de dirigentes que participou da revolução. Após a libertação dos países do Leste Europeu da ocupação nazista pelo Exército Vermelho, no final da Segunda Guerra Mundial, foram instalados regimes seguindo o modelo stalinista da União Soviética, acabando com o capitalismo e o latifúndio, mas instalando ditaduras burocráticas. Em outros países, como China, Cuba e Vietnã, revoluções e movimentos de libertação levaram a regimes seguindo o mesmo modelo.

Revoltas anteriores Em várias ocasiões, houve revoltas contra os regimes burocráticos do Leste Europeu - como em Berlim, capital da Alemanha Oriental em 1953, na Hungria em 1956, na Tchecoslováquia em 1968 e na Polônia em 1970 e 1980-81. Os avanços econômicos, além da intervenção militar da União Soviética em vários casos, garantiu que esses regimes se mantivessem no poder. A economia planificada permitiu que a União Soviética se tornasse a segunda maior potência econômica do planeta, atrás apenas dos EUA. O regime conseguiu mobilizar os vastos recursos do país para construir uma base industrial pesada, obras de infraestrutura e também grandes avanços tecnológicos. Mas a falta de uma gestão democrática dos trabalhadores fez com que o custo econômico e social desses avanços fosse muito alto.

Crise econômica

A Primavera de Praga em 1968 foi esmagada por tanques soviéticos.

Como Trotsky, um dos principais líderes da Revolução Russa ao lado de Lenin, explicou na década de1930, a economia planificada precisa da participação democrática dos trabalhadores como o corpo precisa de oxigênio. Sem isso, a gestão burocrática passaria de um freio relativo na economia para um freio absoluto. Essa teoria se comprovou nas décadas seguintes, à medida que a economia se diversificou e crescia a necessidade de uma indústria de bens de consumo, maior qualidade nos produtos e adoção de novas tecnologias. Nos anos 1970, a economia soviética começou a desacelerar e entrar em uma crise, que se aprofundou nos anos 1980.

Foi nessa situação que Mikhail Gorbachev chegou ao poder na União Soviética, representando uma ala mais “liberal” da burocracia, prometendo “glasnost” (abertura/transparência) na política e “perestroika” (reestruturação) na economia. A perestroika visava introduzir elementos de mercado para tentar animar a economia. Porém, a intenção de Gorbachev não era inicialmente restaurar o capitalismo, mas sim evitar uma revolução por baixo implementando reformas por cima. O plano falhou. As medidas econômicas não tiveram o efeito necessário. Ao mesmo tempo, a implantação de uma certa liberdade para críticas ao governo, medida adotada inicialmente como arma contra a ala mais conservadora, abriu as comportas para a insatisfação na sociedade e inspirou protestos não só na União Soviética, mas também no Leste Europeu e além.

1989 – uma explosão de lutas 1989 foi o ano em que os protestos explodiram. Em janeiro de 1989, 120 mil pessoas protestam durante dois dias e conseguem derrubar a direção da região de Montenegro, que ainda fazia parte da Iugoslávia. O regime polonês concorda em legalizar o movimento de oposição “Solidariedade” também em janeiro. O Solidariedade ganha 99 de 100 cargos abertos para eleição direta no parlamento em junho. A Hungria abre as suas fronteiras para a Áustria em agosto e para a Alemanha Oriental em setembro. Isso abriu a possibilidade para milhares de pessoas da Alemanha Oriental emigrarem para a Alemanha Ocidental. A União Soviética retira suas tropas do Afeganistão em fevereiro, após 10 anos de ocupação. Em março são realizadas as primeiras eleições legislativas com múltiplos candidatos no país (até então, havia apenas um candidato para cada cargo). Em julho começa uma onda de greves de mineiros, que assumem o controle de várias cidades. Na China, estoura o protesto de estudantes em abril, que ocupam a Praça da Paz Celestial em Pequim. Em maio, as manifestações chegam a juntar um milhão de participan-

tes. Trabalhadores declaram a formação de uma federação de sindicatos autônomos. O governo decreta lei marcial e esmaga os protestos com força militar, causando milhares de mortes. Em agosto, dois milhões de pessoas protestam por independência formando uma corrente humana em três repúblicas da União Soviética: Estônia, Letônia e Lituânia. Na Alemanha Oriental, em outubro, começam as manifestações de segunda-feira na cidade de Leipzig, que crescem e se espalham rapidamente. No dia 4 de novembro, até um milhão de pessoas tomam as ruas em Berlim. No dia 9 de novembro, é liberado o acesso entre o lado Oriental e Ocidental de Berlim através do Muro de Berlim, que começa a ser derrubado no dia seguinte. O líder do governo, Honecker, renuncia em outubro. Em novembro, o governo renuncia e, em dezembro, toda a direção do partido do governo, o SED, renuncia. É declarado o fim do regime de partido único. Na Tchecoslováquia, as manifestações chegam a reunir 500 mil pessoas na capital Praga em novembro e o partido comunista promete eleições. Em dezembro, Havel, líder do movimento de oposição Fórum Cívico, é eleito presidente pelo parlamento. O líder da Bulgária é deposto em novembro e em dezembro é declarado o fim do regime de partido único. Na Romênia os protestos começam em dezembro e terminam com o fuzilamento do líder supremo Ceaușescu.

“Socialismo para o povo” Em geral esses protestos começaram com movimentos contra a burocracia, reivindicando democracia e reformas, mas sem ilusões no capitalismo. Manifestantes na Rússia seguravam cartazes dizendo “Socialismo para o povo, pelo fim dos privilégios especiais dos políticos e burocratas”. Pesquisas mostravam que somente 3% votariam em um partido capitalista se houvessem eleições com vários partidos. Tanto na Alemanha Oriental quanto na Praça da Paz Celestial em Pequim, os manifestantes cantavam a Internacional nos protestos. Os movimentos de oposição reivindicavam um socialismo de-


teoria/história

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volução Russa: a economia planificada. Isso foi uma perda grande que afetou toda a esquerda, mesmo a esquerda que não tinha ilusões no “socialismo real”. Isso por que permitiu uma enorme ofensiva contra a própria ideia do socialismo. “Nós ganhamos” declarou o Wall Street Journal em 1990. “É o fim da história”, declarou o economista americano Francis Fukuyama, afirmando que foi demostrado que só um sistema é possível, o capitalismo liberal, que iria superar suas crises e ser um sistema de estabilidade permanente - ele mesmo reconheceu posteriormente que estava errado.

A socialdemocracia abraça o neoliberalismo

No dia 10 de novembro de 1989 a população da Alemanha Oriental de Berlim começou a destruir o odiado Muro de Berlim. mocrático e livre. Somente o grupo social-democrata falava de “economia de mercado social”. Somente na Polônia havia uma ilusão maior no capitalismo. Isso tinha a ver com a derrota das mobilizações de 1980-81, quando um onda de greves e ocupações levou ao surgimento do Solidariedade, movimento que chegou a ter milhões de filiados. Mas a direção do Solidariedade, influenciada por intelectuais e pela Igreja Católica segurou o movimento, com medo de que uma radicalização pudesse levar a uma intervenção soviética. O resultado foi um golpe militar e uma desmoralização do movimento. Quando o movimento é retomado no final dos anos 1980, seus líderes já tinham uma visão mais pró-capitalista, algo que muitos trabalhadores aceitavam simplesmente por falta de alternativa.

Falta de organização Exceto na Polônia, em nenhum dos países stalinistas havia qualquer movimento de oposição presente antes dos protestos, por causa da forte repressão. Os movimentos que surgiram não tiveram tempo de construir uma visão clara de como prosseguir. Por falta de alternativa, muitos acabaram sendo influenciados pelos movimentos da Europa Ocidental, que também possuíam grandes recursos para intervir, comparado com os pequenos grupos de esquerda. Quanto mais se conseguia acesso à informação, mais claro ficava também a profundidade da crise dos países stalinistas, comparada com a aparente abundância dos países capitalistas, que passavam por um período de grande crescimento econômico. Isso contribuiu para o crescimento de ilusões no capitalismo. Um outro elemento forte foi que a própria burocracia começou a chegar à conclusão de que não

iriam conseguir manter seus privilégios com o antigo sistema e começaram a abandonar o barco. Como Trotsky colocava em sua brilhante análise do stalinismo em “A Revolução Traída” (1936), se os trabalhadores não conseguissem derrubar a burocracia através de uma revolução política que acabasse com o regime burocrático e instalasse uma democracia dos trabalhadores, os burocratas em algum momento iam tentar se instalar como uma nova classe dominante. Na maioria dos países, foram os próprios burocratas que se tornaram os novos capitalistas, pilhando as empresas estatais no processo de privatização. Na Rússia hoje, os oligarcas bilionários são justamente aqueles que mais conseguiram roubar durante o processo de abertura econômica.

Ilusões no capitalismo Na Alemanha Oriental, o processo foi um pouco diferente. Com a abertura do Muro de Berlim, milhares de pessoas visitaram o lado ocidental e ficaram vislumbradas com a abundância de mercadorias disponíveis. Sem qualquer caminho alternativo visível, cresceu a o apoio pela reunificação com a Alemanha Ocidental capitalista. As pessoas que tinham uma posição crítica a esse caminho não possuía organizações que as representassem, pela imaturidade da oposição de esquerda, e se confundiam com a ala “reformista” da burocracia, que não tinha mais credibilidade. À medida que os protestos cresciam e mais detalhes dos privilégios dos burocratas e das políticas de repressão se tornavam públicos, a maioria da burocracia apostou no processo de reunificação. Todos os grupos de oposição passaram a apoiar essa medida, menos a Esquerda Unida, um grupo político de Trotskistas que surgiu algumas semanas antes da queda do muro.

Nas eleições de março de 1990, na qual os partidos da Alemanha Ocidental investiram com tudo, ganharam aqueles que prometeram o processo de unificação mais rápido, os cristãos-democratas. A unificação foi implementada no dia 3 de outubro. Mas, ao invés do prometido avanço econômico, o lado oriental passou por um processo de desindustrialização relâmpago, perdendo a metade de suas indústrias. Muitas empresas quebraram por conta da nova concorrência, outras eram compradas e fechadas imediatamente por firmas do lado ocidental. Até hoje, 24 anos depois, o desemprego é muito maior e os salários menores no lado oriental. No final desse processo, esse movimento continental contra a burocracia acabou na restauração do capitalismo em todo o Leste Europeu e na ex-União Soviética. O mapa estabelecido após a Segunda Guerra Mundial foi redesenhado completamente. Não existem mais a União Soviética, República Democrática Alemã (Alemanha Oriental), Iugoslávia ou Tchecoslováquia.

rando a ditadura aberta, como na Bielorrússia ou Cazaquistão. Outros com um elemento fascista forte, como na Hungria e Ucrânia. Alguns são democracias burguesas instáveis, podendo cair com a próxima crise.

Efeitos internacionais da queda do stalinismo A queda do stalinismo teve um efeito monumental na situação mundial. Significou o fim da divisão do mundo em dois blocos, o “Ocidente” capitalista e o “Oriente” “comunista”. Surgiu um mundo “monopolar”, dominado pelos EUA, mas cujo poder vem diminuindo. Sem a presença do bloco stalinista, que funcionava como uma “cola” que manteve a unidade do Ocidente, os conflitos entre as potências imperialistas vão tender a aumentar. Mas mais importante foi o efeito para a classe trabalhadora internacional. A queda do stalinismo levou junto com as burocracias ditatoriais a principal conquista da Re-

Os partidos “socialdemocratas”, “socialistas”, “comunistas” ou “trabalhistas” que pregavam algum tipo de terceira via fizeram um giro definitivo à direita, abraçando a política neoliberal, que se tornou o pensamento único dos governos pelo mundo. Isso significou uma onda de ataques aos direitos dos trabalhadores, que ficaram desamparados com a traição de suas antigas organizações de massas. Aqui no Brasil vimos isso com o processo de adaptação ao poder do PT e do governismo passivo da CUT, UNE e outros movimentos.

Reconstruir a esquerda socialista Porém, a política neoliberal está enfrentando uma oposição crescente desde o final dos anos 1990. Esse processo se aprofundou com a atual crise que abala o capitalismo mundial desde 2008. Vimos isso na Primavera Árabe, no movimento dos Indignados na Espanha e na Grécia, nas greves gerais em vários países na Europa, no movimento Ocupe nos EUA, nas explosões de luta na Turquia, no Brasil em junho 2013 e agora em Hong Kong. Esses movimentos ainda buscam uma expressão política clara. Novos partidos de esquerda estão surgindo pelo mundo, como o PSOL. É nossa tarefa contribuir para que uma nova geração tire as conclusões desses processos históricos e achem o caminho do socialismo democrático, livre das distorções do stalinismo.

Efeito devatador Foi um processo que levou a uma grande miséria para a grande parte da população, com uma recessão econômica que superou a crise dos anos 1930 dos países capitalistas. Na Rússia, a expectativa de vida para homens caiu para 58 anos em meados dos anos 1990, um índice menor do que um século antes! Em alguns países, as economias ainda não se recuperaram e a desigualdade é muito maior do que antes. Os conflitos nacionais levaram a várias guerras civis e conflitos armados, como na ex-Iugoslávia, na Chechênia, na Geórgia, e agora na Ucrânia. Hoje, vemos regimes autoritários, como o de Putin. Outros bei-

Gorbachev deixou claro ao líder da Alemanha Oriental, Honecker, que as tropas soviéticas não iriam intervir a seu apoio.


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internacional

Ofensiva Socialista n°23 novembro-dezembro 2014

Nova vitória de Evo Morales na Bolívia antigos discursos sobre os direitos indígenas, ao combater as regras que davam direito de decisão e de veto às comunidades nativas sobre obras nos territórios das reservas. A Alternativa Socialista Revolucionária, organização-irmã da LSR na Bolívia, entende que nem a direita e nem o MAS são capazes de dar uma resposta real ao quadro de completa falta de perspectivas para a imensa maioria da população. Portanto, nossos companheiros defenderam o voto nulo nestas eleições e a retomada das lutas populares no país.

Com 60,86% dos votos na eleição do último dia 12 de outubro, Evo Morales se tornou o primeiro presidente boliviano a obter um terceiro mandato. Entretanto, sem uma ruptura com o capitalismo, o povo da Bolívia continua sob o risco de um retorno às políticas do passado. Diego Siqueira e Cacá Melo Evo conseguiu uma vitória também nos antigos redutos de partidos de direita, como o estado de Santa Cruz. As classes médias bolivianas também votaram em massa no candidato indígena, o que mostra que o MAS (Movimento ao Socialismo, partido do governo) tem objetivos semelhantes ao PT no Brasil: promover um governo de conciliação de classes, que tenta satisfazer os interesses de diferentes setores da sociedade, baseado na alta de seus artigos de exportação, em especial produtos primários. Evo e o MAS chegaram ao poder na Bolívia em 2006, apoiados nas rebeliões de massas contra os efeitos de quase vinte anos de governos neoliberais, que condenaram a imensa maioria da população à miséria. Essa onda de protestos populares, que ocorreu entre 1999 e 2005, conseguiu interromper as privatizações da água e do gás natural. Isso tudo apesar da resistência das eli-

Morales consolida seu poder se alinhando com setores da direita. tes do estado de Santa Cruz, que tentaram quebrar as mobilizações e reconquistar sua hegemonia por meio da violência e das ameaças de separatismo.

Giro à direita do Evo Naquele momento, seria possível romper com o capitalismo e com os latifundiários e usar os imensos recursos naturais da Bolívia em benefício do seu povo. No entanto, esse não foi o caminho escolhido por Evo Morales. Apoiado pela diplomacia brasileira, ele preferiu negociar um compromisso com a direita boliviana: a elite aceitou sua derrota política e o MAS garantiu que não ameaçaria as bases de seu poder econômico. A partir do segundo mandato,

Evo aprofundou o seu giro à direita: aprovou leis que facilitam o acesso de multinacionais às reservas de minérios da Bolívia, mandou a polícia disparar contra indígenas que protestavam contra a construção de uma estrada que cortava a região de sua reserva, recusou-se a ajustar os salários dos docentes e do funcionalismo público, interrompeu o processo de reforma agrária, além de ter legalizado o trabalho infantil. No plano político, o MAS cooptou setores da burocracia sindical, para pôr fim à independência da COB (Central Operária Boliviana), além de ter feito acordos com figuras da oposição da direita - inclusive com organizações que apoiaram o separatismo em Santa Cruz. Evo também abandonou seus

Estabilidade momentânea No momento, Evo desfruta de uma certa estabilidade política, resultado da boa situação econômica. Isso permite que ele possa desenvolver alguns programas de transferência de renda e investimentos nas áreas sociais. Essas medidas ajudam a amenizar os aspectos mais bárbaros do capitalismo boliviano, mas não são suficientes para solucionar de verdade os problemas do povo. Quando o atual cenário positivo da economia passar, o programa de conciliação de classes do MAS se mostrará incapaz de dar uma direção positiva à sociedade e, mais uma vez, a Bolívia poderá passar por uma nova rodada de convulsões sociais.

México: Vivos os levaram, vivos os queremos de volta!” A guerra às drogas no México causou um novo episódio de brutalidade e terror. No dia 26 de setembro, 43 estudantes desapareceram durante um confronto com a polícia local no estado de Guerrero, no sul do país. Os jovens seguem desaparecidos, mas uma onda de indignação cresce em todo o país. Lucas Plaisant estudante de História da UFF Os jovens, que estudavam em uma escola de formação de professores na zona rural, estavam a caminho da cidade de Iguala para protestar contra a falta de fundos para as escolas rurais. O plano era interromper o encontro anual da DIF, uma agência de desenvolvimento social presidida pela esposa do prefeito de Iguala, Velázquez. Após esse escracho, eles iriam até a Cidade do México para participar das atividades em memória ao Massacre de Tlatelolco (chacina ocorrida em 1968, quando estudantes foram assassina-

dos pela polícia logo antes do início das Olimpíadas na cidade). Como o internato não possuía fundos para arcar com a viagem, os estudantes planejavam “ocupar” ônibus e caminhões (com a conivência dos motoristas) para levá-los. Quando estavam chegando em Iguala, policiais abriram fogo contra os alunos, matando seis pessoas (três estudantes e três pedestres), enquanto outros 43 estudantes simplesmente desapareceram. Esses jovens foram vistos pela última vez entrando nos caminhões da polícia. Dias após o ocorrido, foram descobertas, nas imediações do local do desaparecimento, fossas com corpos que haviam sido torturados - a maioria, provavelmente, queimados vivos por narcotraficantes que agiram em conjunto com a polícia.

Polícia e narcotraficantes juntos O líder da principal quadrilha de narcotráfico foi detido, assim como 36 agentes da polícia. A assembleia legislativa do estado de Guerrero

acusou o prefeito de Iguala de ser o mandante da ação em conjunto com o grupo narcotraficante “Guerreros Unidos” e milícias policiais locais. O prefeito e sua esposa foram detidos após passarem dias escondidos. A ordem para intervenção teria vindo por meio de um rádio, os policiais locais teriam entregue os estudantes à polícia do município vizinho de Coala e esses teriam os entregue aos “Guerreros Unidos”.

100 mil em manifestação A indignação por parte de toda a população mexicana, principalmente pelo setor estudantil, foi imensa, ao ponto de presenciarmos uma das maiores mobilizações do país nas últimas décadas. No dia 22 de outubro, mais de 100.000 manifestantes se reuniram para reivindicar explicações e exigir a busca imediata pelos estudantes. A onda de protestos se somou à inúmeras outras reivindicações estudantis e demonstra claramente o momento de efervescência política no México. As principais demandas são a re-

núncia do presidente Enrique Peña Nieto e também acusações contra os três principais partidos mexicanos (PRI, PAN e PRD) por conivência com o narcopoder e a demora do governo para reencontrar os adolescentes. A guerra às drogas no México, respaldada pelos Estados Unidos, já soma mais de 70.000 mortos e milhares de desaparecidos. A onda de protestos, principalmente puxada pelos movimentos estudantis universitário e secundarista, vem conseguindo mais adeptos, como sindicalistas e outros setores da sociedade. A política assassina da guerra às drogas tem de ser combatida em todos os países. Essa mesma metodologia é copiada e exportada para outros países do mundo, sempre com as mesmas consequências desastrosas. A LSR se junta ao grito: Vivos os levaram, vivos os queremos de volta! Não ao genocídio da juventude negra e pobre! Todo apoio à luta estudantil internacional! Toda solidariedade às companheiras e companheiros do México!

Vitória nas urnas e luta pela água nas ruas IRLANDA No dia 12 de outubro cerca 100 mil pessoas marcharam em Dublin, capital do país, contra a nova taxa da água. No mesmo dia, Paul Murphy, membro do Partido Socialista e candidato pela coligação Aliança Anti-Austeridade (AAA), saiu vitorioso nas eleições complementares para deputado do parlamento irlandês pelo distrito de Dublin Southwest.

Campanha de nãopagamento da taxa Paul Murphy levantou como uma de suas principais bandeiras uma campanha de não-pagamento e resistência ativa à nova taxa. Agora, Paul se une a dois outros camaradas do Partido Socialista no parlamento irlandês: Joe Higgins e Ruth Coppinger. A AAA foi formada no ano passado, por iniciativa do Partido Socialista, para competir nas eleições de maio de 2014 e conseguiu eleger 14 vereadores. Paul Murphy derrotou o candidato do Sinn Fein (partido republicano de centro-esquerda), que vinha crescendo nas eleições, já que os partidos tradicionais do governo estão queimados após anos de austeridade. Porém, o Sinn Fein não defende nenhuma ruptura e almeja participar no próximo governo. Já faz parte do governo na Irlanda do Norte, onde implementa uma política de cortes sociais. Na questão da água, o Sinn Fein se diz contra, mas não está preparado a fazer uma luta concreta contra a nova taxa.

Sete anos de austeridade O consumo e distribuição de água sempre foram gratuitos na Irlanda. A taxa de água foi criada pelo governo em setembro para ajudar a pagar a gigantesca dívida de 113 bilhões de dólares, contraída durante a crise para salvar os bancos falidos. A luta contra a austeridade, agora continua nas ruas: no dia 1° de novembro, cerca de 150 mil pessoas participaram de protestos em todo o país contra a taxa. Essas eleições e os protestos foram um ponto de inflexão no cenário atual, ao mostrar que o povo está ciente de que há uma possibilidade de resistirmos à austeridade, depois de sete anos de crise e ataques aos direitos dos trabalhadores. Eddie McCabe Partido Socialista, CIT na Irlanda


opressões

Ofensiva Socialista n°23 novembro-dezembro 2014

A luta contra a violência às mulheres Não há vida digna para as mulheres com violência e sem direitos: 25 de novembro, dia internacional contra a violência a mulher.

Flávia Ribeiro psicóloga, militante do MML e setorial de mulheres da LSR Vivemos em uma sociedade na qual milhares de mulheres sofrem diversos tipos de violência todos os dias. Não podemos discutir essa violência separada do momento histórico em que vivemos. Mulheres lésbicas sofrendo “estupros corretivos”, mulheres negras e pobres morrendo devido a aborto inseguro, mulheres sendo rebaixadas em seu trabalho por serem mulheres, mulheres apanhando de seus companheiros dentro e fora de casa. Essa é a nossa realidade!

Oprime para explorar Dizer que não há machismo e violência contra a mulher nos dias de hoje é não entender que vivemos em uma sociedade de classes, desigual, que nos utiliza como mão de obra barata para manter a opressão a diversos setores da sociedade. Sabemos que esses mecanismos são utilizados pelo capitalismo para intensificar as opressões contra as mulheres. Nesse contexto, nós mulheres somos as que mais sofremos. Nós denunciamos e combatemos a violência em nossa sociedade e sabemos que ela ocorre de várias formas: psicológica, sexual, sim-

bólica, física, institucional, patrimonial, moral; e todas elas são resultado da ideologia patriarcal, que vê a mulher como inferior, um ser que não tem que ter direitos, é subalterna aos homens, à família, ao patrão e ao Estado.

Eleger uma presidenta não é suficiente No dia 26 de outubro, uma mulher foi reeleita à presidência do Brasil, numa disputa acirrada contra um homem machista e opressor, o candidato Aécio Neves. Há denúncias de que ele bateu em uma das suas ex namoradas e numa tentativa de intimidação, no meio de um debate televisivo, Aécio levantou a voz para Luciana Genro, candidata do PSOL, tentando desqualificá-la por ser mulher e até levantando o dedo para ela. Mas o fato de Dilma ter ganhado a presidência significa um avanço da luta feminista? Uma mulher no poder é um avanço na luta contra a violência às mulheres? Infelizmente, não! Segundo a Auditoria Cidadã, o governo destinou 1 trilhão de reais (42% do orçamento da União) à dívida pública. Parte desse dinheiro poderia ter sido investido em prevenção e atendimento às mulheres vítimas de violência e em políticas de saúde pública e assistenciais para as todas as mulheres. Além disso, ao contrário do que diz a propaganda do governo, o PT

vem diminuindo os investimentos nas políticas públicas para mulheres. Entre 2004 e 2011, o governo federal gastou pouco mais de 200 milhões de reais na área – o que dá um gasto médio anual de 26 centavos para cada mulher brasileira.

Faltam investimentos Com isso, faltam investimentos, não temos nenhuma das melhorias previstas pela Lei Maria da Penha, como Casas-Abrigo, Delegacias Especializadas, Centros de Referência, assistência médica às agredidas, que são medidas extremamente necessárias para a garantia de vida digna das mulheres vítimas de violência. A “Casa da Mulher Brasileira”, prometida em março de 2012, sequer saiu do papel. O resultado dessa falta de investimentos é que, na prática, a Lei Maria da Penha não teve um impacto significativo na redução do número de feminicídios – o assassinato

20 de novembro – Dia da Consciência Negra

Cresce o genocídio As incessantes mortes motivadas pelo racismo vêm causando revolta e protestos pela juventude negra e trabalhadora nas periferias. Foi assim que se observou a explosão de movimentos contra a morte de Cláudia, Amarildo, DG, Ricardo e, infelizmente, uma longa fila de jovens como Douglas, da zona norte de São Paulo, que não tiveram chance de perguntar aos seus algozes antes de morrerem, “por que o senhor atirou em mim?”. João Militão estudante da Unifesp Diadema O enfrentamento contra o massacre da juventude negra, pobre e periférica ainda é um tema central para o movimento negro e levou a mobilizações como a Marcha Contra o Genocídio da População Negra, que ocorreu em novembro de 2014 em mais de 22 estados. A campanha levantava a resistên-

cia do povo negro dizendo “Reaja, ou será morto! Reaja, ou será morta!”. Esta não é uma fala nem um pouco exagerada. Segundo o Mapa da Violência 2014, entre os negros, as vítimas de homicídio aumentaram de 29.656 para 41.127 entre 2002 e 2012: um crescimento de 38,7%”. Os militantes do movimento negro e antirracista puderam observar mudanças minimamente efetivas nas suas realidades em relação à questão da visibilidade da cultura afro-brasileira e africana nos últimos tempos, mas as políticas públicas nesse sentido nunca foram suficientes.

Cortes de verbas para combate ao racismo Diante do quadro de crise, os governos do PT e PSDB, da esfera federal até a municipal, vêm cortando sistematicamente as verbas das políticas sociais que beneficiam a população negra e também os investimentos nas secretarias contra a discriminação racial.

Por exemplo, a SEPPIR, Secretaria de Políticas para Igualdade Racial do Governo Federal, teve um corte de 15 milhões (26%) do seu orçamento em relação a 2009/10. Além disso, só pode fazer gastos até 46% do seu orçamento.

A crise aprofunda o genocídio A crise mundial que começou em 2008 atingiu mais as camadas sociais e as regiões mais precarizadas. E foram nesses lugares que a reação da população aumentou mais. Por isso, a violência policial e nas comunidades continuam a aumentar, principalmente em estados do nordeste como Maranhão, Bahia, e Rio Grande do Norte, onde as taxas mais que triplicaram. Essa violência também alcançou níveis altíssimos em outros estados da região, como Alagoas, Ceará e Paraíba. A luta dos negros deve ser organizada a partir das suas realidades e na construção de uma alternativa in-

de mulheres por conflito de gênero. Por investimentos claros nas políticas assistenciais contra a violência a mulher, pela saúde da mulher e garantia de direitos! É necessário ampliar os investimentos na Lei Maria da Penha e sua real aplicação; garantir a segurança de mulheres nos transportes públicos e condição de vida para a prevenção da violência. Ou seja, mais iluminação nas ruas, capina de terrenos baldios, mais vagões nos trens e metros, mais ônibus e em mais horários para não haver superlotação nos horários de pico; garantir o acesso à saúde pública gratuita de qualidade e poder decidir pela sua própria saúde; continuar na luta contra a violência de classes e desigualdades sociais, além da luta contra o genocídio da população negra. Devemos construir uma campanha nacional, capaz de denunciar a atual situação, assim como organizar mulheres e homens para garantirmos a efetivação da Lei Maria da Penha, funcionamento das delegacias especiais, construção de casas abrigos e da Casa da Mulher Brasileira, em todas as cidades, além da garantia no orçamento público para sua efetivação. Esta campanha deve somar todos os movimentos de mulheres classistas, as camaradas do setorial de mulheres do PSOL, PSTU e o próprio MML. Só juntas teremos força de enfrentar tamanho desafio e lutar pelo direito das mulheres trabalhadoras.

Cresce o número de homicídios de negros Negros

Brancos

41.127 29.656 19.846 14.928

2002

2012

+38,7%

2002

2012

-24,8%

dependente de trabalhadoras e trabalhadores negros e antirracistas que impulsionem lutas contra as políticas de arrocho que estão sendo aplicadas. É preciso enfrentar o mito da democracia racial, lutar pelo fim da guerra às drogas, alavancar a luta pela desmilitarização da polícia militar, lutar pelo fim da violência contra a mulher, contra o encarceramento em massa de negras e negros e pelo direita a terra e moradia de sem-tetos, sem-terra, quilombolas, indígenas e populações tradicionais.

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● No Brasil, ocorrem 4,4 assassinatos a cada 100 mil mulheres. O país ocupa a sétima posição no ranking dos países com mais casos de feminicídio. ● Em 2011, segundo o Ministério da Saúde, ocorreram 12.087 casos de estupro no Brasil. Em 2012, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram 50.617 casos. ● Segundo o IPEA, a cada ano, 0,26% das mulheres brasileiras sofrem violência sexual. ● De acordo com o ILAESE, em 2013, houveram 620 denúncias por cárcere privado e 340 denúncias de tráfico de pessoas. ● 72% das mulheres agredidas possuem algum vínculo afetivo com o agressor. Em 38% dos casos, o relacionamento já tem mais de dez anos. 77% das mulheres em situação de violência sofrem agressões semanalmente. ● 54% dos casos relatados são de violência física. 30% são de violência psicológica. ● 60% das mulheres mortas eram negras.

20 de novembro: Dia Internacional de Memória Trans Dia 20 de novembro acontece internacionalmente o Transgender Day of Remembrance – TDOR, ou Dia Internacional de Memória Trans, em tradução livre. Anualmente, o movimento trans se reúne em vários encontros locais para lembrar todas as pessoas trans assassinadas através de crimes transfóbicos em todo lugar do mundo e chamar atenção para sua impunidade. A maioria dos encontros tem um caráter de memorialização com tom fúnebre, e os nomes das vítimas trans são lidos em voz alta durante o evento. Saiba mais em http://tdor.info


Preço: R$ 2,00 • Solidário: R$ 4,00

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N° 23 • novembro-dezembro 2014

Como superar a crise da água? A crise hídrica em São Paulo, no Estado mais rico, industrializado e mais populoso do Brasil, corre sério risco de levar a uma crise de saúde pública, ambiental, econômica e institucional sem precedentes no país. Marzeni Pereira especialista em Engenharia de Saneamento Básico Nos últimos meses vivenciamos uma das maiores estiagens na região Sudeste do Brasil. Diante dessa estiagem, a região metropolitana de São Paulo corre sério risco de ficar inteiramente sem água. Além disso, as outras cidades que dependem dos rios que abastecem o Cantareira já estão sofrendo com o desabastecimento. Já que o sistema adutor metropolitano de São Paulo é interligado, a redução de uso de água do Cantareira está sobrecarregando os demais.

A culpa não é de São Pedro! A própria estiagem, que é um fenômeno natural, foi agravada pelo desmatamento, uso excessivo dos recursos hídricos e da natureza de forma predatória. O desmatamento causado pelo agronegócio traz prejuízos imensos, destruindo os biomas, reduzindo e contaminando corpos d´água em todo o país. Existem vários estudos indicando que a superexploração dos recursos hídricos e o desmatamento no país tem afetado o fluxo de chuvas e agravado as estiagens. O desmatamento no próprio cerrado tem deixado os sistemas de abastecimento como o Cantareira mais vulneráveis. Um olhar mais atento constata que o Oeste do estado de São Paulo teve sua vegetação nativa quase que totalmente substituída por de cana-de-açúcar, laranja, eucalipto, etc., além de todo o desmatamento existente nas regiões de mananciais. Mesmo o Brasil sendo um dos países mais ricos em água do mundo, com cerca de 13% de toda a

água doce do planeta. O consumo da água é muito desigual. A agricultura consome cerca de 70% da água, a indústria 22% e as residências 8%. Entretanto, é possível prever e precaver os efeitos das estiagens. Há mais de uma década que os especialistas vêm alertando para o colapso no sistema de abastecimento de água de São Paulo. Há um crescimento substancial da demanda sem contrapartida na oferta. Nos últimos 20 anos não houve a construção de um único novo sistema de tratamento de água na região metropolitana de São Paulo. Pouca coisa foi feita também no sentido de aumentar a capacidade das represas, de melhorar a eficiência na distribuição, no desenvolvimento de novas opções de abastecimento e do uso diferenciado. Muito menos na preservação dos mananciais, por onde passa o Rodoanel, por exemplo.

Jogo de interesses O governo do PSDB privatizou a metade da Sabesp em 1994. A lógica da empresa passou a ser a de gerar lucros a curto prazo aos seus acionistas. Nos últimos 10 anos, a Sabesp lucrou R$ 13 bilhões e desses os acionistas abocanharam R$ 4,37 bilhões. Aqui está um dos problemas que impedem os investimentos em mananciais, redução de perdas e reuso da água. Gastar em reservatório e mananciais é caro e o retorno é de longo prazo. Portanto tornam menos atrativas as ações no mercado financeiro. A administração da Sabesp é voltada para o mercado e quase tudo é terceirizado. Além disso, a aprovação das PPP (Parcerias Público Privado) no governo do PT possibilitou que o governo do PSDB repassasse sistemas inteiros, como o Alto Tietê, ao setor privado. O resultado dos serviços mal feitos pelas empresas terceirizadas é visto nas ruas, valas com péssima pavimentação, esgoto transbordando e muito vazamento. Cer-

ca de 30% da água tratada é perdida. Tudo isso traz consequências financeiras, ambientais e de saúde pública.

Alckmin faltou com a verdade O governador vem insistindo que não vai ter rodízio de água. Essa orientação foi, e é, no mínimo irresponsável. Mas ela atendeu a dois interesses: dos acionistas e à sua reeleição. Se depender dos acionistas, vende-se até a última gota de água. O risco de colapso é muito grande e as consequências são maiores ainda. Se o ritmo de queda dos níveis de água continuar como está, teremos colapso total no sistema saneamento em São Paulo. Mesmo que chova acima da média dos últimos anos nos próximos meses, estará comprometido o abastecimento de água a curto e médio prazo. Além disso, a incidência de doenças transmitidas por água contaminada ou por falta d’água pode ser alarmante e a quantidade de mortes pode chegar a níveis nunca vistos. Pesquisa do Ministério da Saúde aponta que 80% das internações hospitalares no Brasil são ligadas à falta de saneamento. A falta de água pode desencadear uma crise econômica gravíssima. Vários setores empresariais já falam em paralisação das atividades e demissões. Entretanto, existem outros setores que acharam uma oportunidade de mercado: empresas de perfuração de poços, as de caminhões pipa, de caixas de água, e principalmente as de água envasada.

Organizar a luta! A falta de água é um tema explosivo. Já vimos protestos em Itu, Campinas e São Paulo. A esquerda tem uma tarefa central de construir unidade na luta e oferecer uma alternativa política à crise hídrica. Isso passa por um plano para as lutas, combinado com propostas de curto, médio e longo prazo.

mbro

Ato pela água em São Paulo no dia 1° de nove

● Em caráter de emergência, incentivo à coleta de água de chuva, com distribuição de reservatórios, caixas d’água e água em caminhões-pipa para a população de baixa renda. Distribuição prioritária de água para as casas, hospitais, postos de saúde, escolas e creches. ● Construir comitês populares de luta pela água nos bairros, que tenham direito de fiscalizar e deliberar sobre as prioridades do uso da água. Criação de um conselho estadual de usuários com representantes de movimentos urbanos, sindicatos e dos bairros afetados para fiscalizar e deliberar sobre as questões de abastecimento de água e saneamento. ● Contra as demissões provocadas pela crise hídrica. Estabilidade no emprego para todos. ● Preservação e recuperação dos mananciais e nascentes. Plano de reflorestamento. Revogar o Código Florestal. Plano habitacional que ofereça alternativa para as famílias

em áreas de risco, combate à especulação imobiliária. ● Combate às perdas de água. Fim da terceirização e do cartel das empresas prestadoras de serviço. ● Por um plano para atingir 100% de coleta e tratamento do esgoto. Reuso planejado da água do esgoto tratado (para fins não potáveis). Por um plano nacional de água e saneamento. ● Pelo fim das privatizações! Pela estatização imediata da Sabesp e outras empresas de saneamento, sob o controle e gestão dos trabalhadores. Todo o lucro da Sabesp e das outras empresas tem que ser investido no saneamento. Água não é mercadoria! ● Por uma Comissão Popular de Inquérito, composto por representantes dos movimentos sociais e trabalhadores da Sabesp e outras empresas de saneamento, para apurar a responsabilidade pela crise. ● Alckmin, o PSDB e o governo do estado têm que ser responsabilizados criminalmente pela crise hídrica.


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