Rosa dos Tempos, vanguarda e legado: questões de gênero no mercado editorial brasileiro

Page 1

“SE

VOCÊ MUDA

UMA MULHER, VOCÊ MUDA O CORRER DAS GERAÇÕES

LUANNA LUCHESI
ROSA DOS TEMPOS, VANGUARDA E LEGADO: QUESTÕES DE GÊNERO NO MERCADO EDITORIAL BRASILEIRO
PINHEIRO
. ”
2
3 ROSA
TEMPOS, VANGUARDA E LEGADO: QUESTÕES
GÊNERO
MERCADO EDITORIAL BRASILEIRO
DOS
DE
NO

Trabalho apresentado à Diretoria de Graduação do curso de bacharelado em Letras – Tecnologias de Edição do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET-MG, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Letras/Edição.

4
5
ROSA DOS TEMPOS, VANGUARDA E LEGADO: QUESTÕES DE GÊNERO NO MERCADO EDITORIAL BRASILEIRO LUANNA
ORIENTADORA: PROFª. DRª. MARIA DO ROSÁRIO ALVES PEREIRA. BELO HORIZONTE 2019
CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS
LUCHESI PINHEIRO
6

Dedico este trabalho a minha mãe, mulher forte, independente e contestadora, que me ensinou o que era feminismo desde muito nova, mesmo sem saber que existia um nome para seu modo de pensar e de agir.

7

AGRADECIMENTOS

A minha mãe Vânia, primeira e primordialmente, aquela que sempre me inspirou, me deu todo o suporte necessário e me ensinou, desde muito nova, que a educação é nosso bem mais precioso, assim como nossa liberdade – e ela sempre diz que uma se dá por meio da outra. Agradeço a ela por todo amor incondicional, por todos os conselhos e por todas as brincadeiras que fazemos para tornar a vida mais leve. Sem você, nada disso teria sido possível. Sou eternamente grata.

Agradeço ao núcleo mais próximo da minha família, meus avós, tios e primas, pelo suporte e pelo amparo ao longo de toda a caminhada. Em especial a minha prima e irmã de alma Luiza, por todos os sábios conselhos e os afetuosos abraços, e a minha madrinha, Rhona, pelos igualmente sábios conselhos e igualmente afetuosos abraços. Obrigada.

Agradeço a minhas amigas e aos meus amigos, aqueles que não só me ajudaram ativamente na produção deste trabalho, como me deram todo o apoio e suporte necessários ao longo de toda minha trajetória acadêmica, além da infi nita compreensão que despenderam pela minha ausência devido aos incontáveis fi ns de semana de pesquisa, estudo e escrita. Jéssica Leroy, Jéssica de Almeida, Nayara, Andy, Guilherme, Letícia, Kianny, Lorena, Fernanda Quentel, Lucy, Marcelo, Giovanna, Vanessa, Rafaela e a tantos outros que, de antemão, já peço desculpas por não ter sido capaz de mencionar todos: o meu mais sincero e profundo obrigada. É realmente um privilégio ter pessoas tão

leais e parceiras ao meu lado nessa caminhada. Agradeço também ao meu companheiro João, pelo apoio e incentivo constantes, e pela tranquilidade que me passa para seguir fazendo o que tem que ser feito.

Aos professores que me inspiraram ao longo da minha passagem pelo CEFETMG, com destaque para o Prof. Dr. Filipe Raslan (in memoriam), pelas chamas incendiárias compartilhadas e pela sede por justiça, pelas conversas libertárias, pela amizade e por toda inspiração; para a Profª. Drª. Alcione Gonçalves, pela cuidadosa e afetuosa leitura e pelas pontuais correções, e também pela amizade e pelo carinho; para o Prof. Pablo Guimarães, por todos os ensinamentos valiosos e por ter me mostrado os diferentes vieses que a edição pode alcançar e para a Profª. Drª. Ana Elisa Ribeiro, por todos os incríveis aprendizados e por ter sido peça fundamental no processo de escolha da Rose Marie Muraro e da editora Rosa dos Tempos como meus objetos de estudo.

A minha orientadora, Profª. Drª. Maria do Rosário, cujo trabalho é uma infindável fonte de inspiração, grande mulher, professora e pesquisadora. Agradeço por todo cuidado, por toda paciência e por toda sabedoria e experiência compartilhadas. Foi maravilhoso desenvolver esta pesquisa contando com todo seu conhecimento, sua dedicação e sua gentileza.

A Tônia Muraro, filha de Rose Marie Muraro, pela entrevista e pelos materiais concedidos, pelas doces memórias compartilhadas e pelo caloroso acolhimento no Instituto Cultural Rose Marie Muraro. Ao Gustavo Barbosa e a Márcia Soares, parceiros da Rose Marie Muraro na editora Rosa dos Tempos, pelos valiosos relatos e pelo compartilhamento de memórias afetivas, pelo gentilíssimo acolhimento, pelo material cedido, pelo apoio e pelo incentivo a continuidade desta pesquisa, meus sinceros agradecimentos.

A Rose Marie Muraro (in memoriam), por ter sido e por continuar sendo fonte infindável de inspiração e por ter despertado em mim o desejo de manter vivas as memórias de uma mulher impossível.

11
“Só
a rosa é suficientemente frágil para exprimir a eternidade. Símbolo da beleza e da fragilidade, ela afirma seu oposto, que é a permanência. Passam-se os tempos, mas a beleza e o amor permanecem. E acabam vencendo.” (Edição nº 1 do jornal de divulgação da editora Rosa dos Tempos - maio/junho 1991)

RESUMO

Este trabalho retoma a construção do pensamento feminista no Brasil, sobretudo na década de 1970, a fim de se debruçar sobre a criação e a trajetória da editora Rosa dos Tempos, contextualizando seu surgimento no cenário editorial à época. Trata-se da primeira editora voltada para estudos de gênero e para questões relativas ao universo feminino no Brasil. Por conseguinte, este estudo avalia o legado de Rose Marie Muraro, sua criadora, peça fundamental da história editorial brasileira. A pesquisa se propõe ainda a realizar um levantamento do catálogo da editora, bem como tratar sobre sua reativação como selo do Grupo Editorial Record no ano de 2017.

Palavras-chave: Editora Rosa dos Tempos, Rose Marie Muraro, mercado editorial, feminismo, estudos de gênero.

ABSTRACT

This research resumes the construction of the feminist thinking in Brazil, especially in the 1970s, in order to focus on the creation and trajectory of the publishing house Rosa dos Tempos, contextualizing its emergence in the publishing scene at the time. It is the first publishing house focused on gender studies and issues related to the female universe in Brazil. Therefore, this study evaluates the legacy of Rose Marie Muraro, its founder, a fundamental piece of the Brazilian publishing history. The research also proposes to perform a survey of the publishing house’s catalog, as well as dealing with its reactivation as an imprint of the Editorial Record Group in 2017.

Keywords: Editora Rosa dos Tempos, Rose Marie Muraro, publishing market, feminism, gender studies.

17 23 26 35 39 43 45 53 61

INTRODUÇÃO

1 - CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO FEMINISTA BRASILEIRO E CONSIDERAÇÕES SOBRE O MERCADO EDITORIAL BRASILEIRO A PARTIR DA DÉCADA DE 1970

1.1 - Contextos da luta das mulheres e do feminismo brasileiro a partir da década de 1970

1.2 - O mercado editorial brasileiro a partir do golpe militar de 1964 –um breve contexto

1.3 - Por que publicar livros sobre estudos de gênero era importante no Brasil dos anos 1990?

2 - ROSE MARIE MURARO E A EDITORA ROSA DOS TEMPOS

2.1 - A criação da editora Rosa dos Tempos

2.2 - Rose Marie Muraro, a mulher impossível por trás de uma ideia impossível

2.3 - Presença da editora Rosa dos Tempos no mercado editorial e levantamento do catálogo de títulos

73 82 86 91 95 101 101 119 123 127 131 141 143 149

3 – FEMINISMO NO MERCADO EDITORIAL, REATIVAÇÃO DA ROSA DOS TEMPOS E O INSTITUTO CULTURAL ROSE MARIE MURARO

3.1 - A reativação da editora Rosa dos Tempos

3.2 - Instituto Cultural Rose Marie Muraro, o último ato

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

APÊNDICES

APÊNDICE A – Tabela de títulos da editora Rosa dos Tempos

APÊNDICE B – Trecho selecionado de entrevista com Tônia Muraro, realizada no dia 26 de outubro de 2019

APÊNDICE C – Trecho selecionado de entrevista com Gustavo Barbosa e Márcia Soares, realizada no dia 26 de outubro de 2019

APÊNDICE D – Fotos tiradas no Instituto Cultural Rose Marie Muraro no dia 26 de outubro de 2019

ANEXOS

ANEXO A – Capas dos livros da editora Rosa dos Tempos

ANEXO B – Termos de autorização de uso de imagem e depoimentos

ANEXO C – Materiais de divulgação da editora Rosa dos Tempos

ANEXO D – Materiais de divulgação do Instituto Cultural Rose Marie Muraro

INTRODUÇÃO

Desde o ano de 2014, momento em que iniciei meu bacharelado em Letras, todos os estudos, pesquisas e trabalhos acadêmicos que desenvolvi passaram pelo feminismo e pelo tema da representatividade da mulher. Sempre que foi possível, busquei mesclar minhas duas maiores paixões: o feminismo e o eixo de edição e todos seus desdobramentos. A escolha da Rose Marie Muraro e da editora Rosa dos Tempos como objetos de estudo deu-se a partir de uma palestra que assisti sobre Mulheres e edição, na Academia Mineira de Letras, ministrada pela Profª. Drª. Ana Elisa Ribeiro, que reforçou a necessidade de estudos que ampliem a visibilidade das mulheres editoras no Brasil.

As mulheres percorreram uma longa trajetória de lutas (políticas, históricas, culturais e sociais) para que a saída da completa invisibilidade fosse possível, principalmente no que tange à invisibilidade no âmbito da produção de conhecimento. Porém, ainda que muito já tenha sido feito no intuito de diminuir a desigualdade de gênero em nossa sociedade e, ainda que, atualmente, muito esteja sendo feito para que possamos conhecer e ter acesso ao trabalho científico, intelectual e criativo produzido por mulheres – por meio de coletivos especializados, ações, eventos, organizações criadas para este fim, entre outras iniciativas –, ainda existem lacunas e parcialidades na história da produção cultural e intelectual do Brasil que nos levam a crer que se trata de uma história majoritariamente masculina.

17

Está crescendo o movimento de resgate da literatura feita por mulheres que, por razões históricas, políticas e ideológicas, haviam sido deixadas de fora tanto do cânone quanto da circulação popular. Porém, o registro da atividade de mulheres atuando como editoras de livros – que fazem uma seleção de catálogos, editam, produzem e publicam – ainda se encontra distante dos estudos acadêmicos e da literatura da área, ambos historicamente focados nos homens como detentores do conhecimento. A mobilização pela visibilidade da história editorial feminina no Brasil ainda é módica, principalmente quando comparada ao movimento pela visibilidade da literatura feminina. Ao analisarmos a história editorial brasileira, como um todo, tal mobilização se mostra uma necessidade atual e incontestável, uma vez que é notório e gritante o apagamento da atuação feminina nessa trajetória. A ausência de menção de mulheres editoras em obras que retratam a história do livro, a história do mercado editorial brasileiro e os principais editores do Brasil, por exemplo, nos leva a pensar que essa atuação feminina não existiu, ou aconteceu de maneira irrisória – o que é uma inverdade.

São praticamente inexistentes as obras que retratam a trajetória editorial de mulheres editoras, ainda que elas existam e tenham sido relevantes em diversos nichos e gêneros, ainda que elas tenham editados best-sellers e vendido milhões de exemplares, ainda que muitas delas tenham ocupado cargos de diretoria nas maiores editoras do Brasil. Extraordinárias histórias de mulheres editoras ainda estão por ser narradas, como bem coloca a autora e pesquisadora Ana Elisa Ribeiro (2018). Este presente trabalho arvora-se a investigar a atuação editorial de Rose Marie Muraro à frente da editora Rosa dos Tempos, de modo que sua trajetória se torne visível e acessível para a construção de uma história editorial brasileira que seja mais democrática e não focada exclusivamente na atividade e na produção intelectual masculina.

Estamos vivendo atualmente um momento de plena efervescência do movimento feminista brasileiro. Nunca antes se falou tanto sobre ideologias de gênero, sobre políticas de igualdade e libertação para as mulheres, sobre

18

violência contra a mulher. E é nesse contexto, no ano de 2017, que a editora Rosa dos Tempos, criada em 1990 por Rose Marie Muraro, Ruth Escobar e Laura Civita, é reativada como selo do Grupo Editorial Record. Segundo as editoras da casa, a Rosa dos Tempos do século XXI é totalmente colaborativa, sem hierarquia, com editoras de perfis distintos, todas motivadas e unidas pelo objetivo de gerar o melhor conteúdo para contribuir para o debate;1 o selo foi reativado para atender uma demanda de um mercado repleto de mulheres ávidas por conhecimento a respeito da causa – um cenário bem diferente daquele encontrado por Muraro em 1990. Mesmo que, na época, a recepção da editora tenha sido excelente, era alto o teor revolucionário, vanguardista e pioneiro de seus livros publicados, assim como eram grandes os desafios encontrados para que esses livros fossem publicados, divulgados e consumidos. A editora Rosa dos Tempos, em 1990, abriu os caminhos, até então densos e embrenhados, para que a quarta onda do feminismo tivesse a força, o impacto e a fluidez que tem hoje.

Mesmo com extraordinária relevância, o pioneirismo de Rose Marie Muraro não tem a visibilidade que merece dentro da academia. Pouquíssimas são as obras e os trabalhos acadêmicos que mencionam sua atuação enquanto editora, primeiro na editora Vozes e depois liderando a editora Rosa dos Tempos. Muitas vezes, alguns desses trabalhos contam com informações errôneas e/ou incompletas, como é o caso dos artigos “A revolução sexual nos anos 70 e o pensamento contracultural de Rosie Marie Muraro” e “A revolução sexual e o feminismo de Rose Marie Muraro através da imprensa alternativa contracultural nos anos 70”, ambos de Patrícia Marcondes de Barros. Sobre o tema, temos, ainda, “O fazer científico na produção textual de Muraro: transgressão e militância”, de Tânia Maria de Oliveira Gomes; “De Petrópolis para o mundo: as estratégias editoriais dos gestores da Editora Vozes (1901-1985)”, de Marcelo Fereira Andrades; “Efeitos de sentido do discurso feminista de Rose Marie Muraro”, de Celiana Souza Santos; “A dimensão da história em Memórias de uma mulher impossível ”, de Mayara Pereira Murilho Batista e o livro Intelectuais feministas no Brasil dos anos 1960: Carmen da Silva, Heleieth Saffioti e Rose Marie Muraro, de

1 Informações disponíveis em: https://teste.record. com.br/grupo-recordrelanca-rosa-dostempos/. Acesso em: 22 mar. 2019.

19

2 Disponível em: http://www. periodicos.uff.br/ revistagenero/article/ view/31195/18284. Acesso em 02. jun. 2019.

3 Disponível em: http:// www.scielo.br/scielo. php?pid=S0104026X20140002 00009&script=sci_ arttext. Acesso em 02. jun. 2019.

Natalia Pietra Méndez. A autora Anna Marina Barbará Pinheiro apresentou trabalhos sobre o feminismo de Rose Marie Muraro, nos anos de 2015 e 2016, respectivamente: “Rose Marie Muraro: Pensamento, subjetividade e ação” e “O feminismo midiático de Rose Marie Muraro”.

O falecimento de Muraro no ano de 2014 aumentou relativamente a produção intelectual a seu respeito, tendo recebido obituários e textos de homenagens em algumas revistas acadêmicas como a Gênero, de Niterói, com “Feminista e Escritora: uma intelectual libertária”,2 e a Estudos Feministas, de Florianópolis, com “Rose Marie Muraro: uma mulher impossível”,3 ambos publicados em 2014.

Ao realizar-se uma profunda pesquisa bibliográfica sobre a Editora Rosa dos Tempos, nota-se uma grande escassez de trabalhos e pesquisas, e apenas um resultado trata propriamente da editora e não apenas a menciona como referência bibliográfica. É o artigo “Mulheres em ação: revoluções, protagonismo e práxis dos séculos XIX e XX”, da autora Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti, que é utilizado aqui como referência.

Um dos maiores desafios para a realização deste trabalho foi a localização de fontes, referências e bibliografia que trouxessem informações confiáveis e de qualidade sobre Muraro; a lacuna em relação à Rosa dos Tempos é ainda maior. Esta pesquisa se consolida como uma investigação inédita e pioneira na área de estudos editoriais, sem precedentes bibliográficos, inclusive como método de consulta e embasamento teórico. É a primeira vez que a editora Rosa dos Tempos e a atuação editorial de Rose Marie Muraro são qualificadas como objeto de pesquisa acadêmica.

De todo o aparato bibliográfico utilizado, as referências mais significativas para este trabalho, sobretudo no que concerne ao estudo sobre feminismo, foram Constância Lima Duarte, com o texto “Feminismo e literatura no Brasil”; Vera Soares, com o texto “Movimento feminista: Paradigmas e desafios”, e Cynthia Andersen Sarti, com o texto “O feminismo brasileiro

20

desde os anos 1970: revisitando uma trajetória”. No que se refere ao mercado editorial brasileiro, destacam-se Flamarion Maués, com o texto “O mercado editorial de livros no Brasil no período da abertura (1974-1985)”; Sandra Reimão, com o livro Mercado editorial brasileiro, e Andréa Lemos Xavier Galucio, com seus textos “Editores e militância nos anos 1990”, “Editores, cultura e política no Brasil” e “As editoras Civilização Brasileira e Brasiliense e as instituições reguladoras do mercado de livros, no Brasil, entre os anos 70 e 80 do século XX”.

Para que fosse possível elaborar a trajetória editorial de Rose Marie Muraro e elencar detalhes sobre a editora Rosa dos Tempos, foi utilizada como fonte primária sua autobiografia intitulada Memórias de uma mulher impossível, 4 a única obra que apresenta simultaneamente detalhes sobre a vida pessoal de Muraro, detalhes de sua trajetória profissional e detalhes do contexto histórico e político em que ela esteve inserida, uma vez que sua história pessoal esteve sempre intimamente ligada à história política e social do Brasil e seus desdobramentos. Para os demais subassuntos aqui abordados, foram realizadas pesquisas on-line em diversos sites que continham informações superficiais sobre os objetos supracitados.

Dulce Osinski, em seu artigo “A autobiografia como fonte de investigação histórica para a Educação”, trata a aceitação da memória como uma fonte passível de investigação, como um objeto de estudo válido para o historiador (p. 34). Ela traz o pensamento de Maurice Halbwachs (1990, p. 51, apud OSINSKI, 2009), que “nega a existência de uma memória estritamente individual, percebendo-a inserida no caldo social e permeada de interferências coletivas”. Isso se torna visível na obra de Rose Marie Muraro, uma vez que seus relatos autobiográficos e pessoais dialogam diretamente com os contextos políticos e sociais do Brasil.

No relato autobiográfico, o autor, atuando como ideólogo de sua própria vida, seleciona acontecimentos significativos e estabelece entre eles conexões que lhe dão coerência, realizando, segundo

4 A partir daqui, devido à constante repetição, utilizarei a abreviatura MMI para me referir ao livro Memórias de uma mulher impossível, de Rose Marie Muraro. Para consulta, foi utilizada sua quarta edição, publicada no ano 2000 pela editora Rosa dos Tempos.

21

Bourdieu (1996, p. 184), uma criação artificial de sentido. Não obstante, mesmo em seus esforços de autoconstrução, o autobiografado não deixa de estar imerso no tecido social e histórico ao qual pertence, revelando, fatalmente, suas peculiaridades. Cabe ao pesquisador que se utiliza desse tipo de fonte levar em conta esse processo de construção, atuando no sentido de perceber a viagem deste sujeito como indissociável de sua paisagem contextual (BOURDIEU, 1996, p. 190 apud OSINSKI, 2009, p. 36).

Percebemos a autobiografi a de Muraro uma obra “indissociável de sua paisagem contextual”, e reconhecemos, ainda, como é necessário o cuidado ao valer-se dessa obra como fonte primária. Porém, na falta de dados, foi a solução encontrada, utilizada com as devidas ressalvas.

É importante ressaltar aqui que os materiais que constam nos Apêndices B, C e D foram coletados na data de 26 de outubro de 2019, momento em que este trabalho já estava escrito e, por isso, não foi possível utilizar as informações coletadas para elaboração da exposição e da argumentação desta monografi a. O material reunido, em sua totalidade (visto que aqui estão apenas trechos, e não as entrevistas completas), será utilizado na próxima etapa desta pesquisa, que se desdobrará em um mestrado.

22
23 1 CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO FEMINISTA BRASILEIRO E CONSIDERAÇÕES SOBRE O MERCADO EDITORIAL BRASILEIRO A PARTIR DA DÉCADA DE 1970

A história do feminismo brasileiro é repleta de lutas e de desafios, de lacunas nas narrativas, de nomes que foram apagados das trajetórias históricas, de conquistas sem precedentes e sem a devida valorização e reconhecimento. É recente o movimento de resgate dessas histórias não contadas e de resgate também das produções culturais e intelectuais das mulheres intelectuais, artistas e militantes brasileiras – quem foram as mulheres que escreveram, que editaram, que publicaram, que criaram, que produziram? Quais foram os obstáculos que precisaram ser superados para que essas mulheres pudessem unir as esferas do público e do privado, podendo transitar em uma e em outra de acordo com sua vontade, e não de acordo com o que lhe era permitido e imposto? Quem foram essas mulheres que encontraram inúmeros percalços para realizarem seus feitos – como a discriminação, a inferiorização e a invisibilidade, alguns dos mais ultrajantes – e, mesmo após o terem feito, ainda não são relatadas, não são documentadas ou estudadas? Com a sistematização e a consolidação dos estudos de gênero, essas mulheres agora estão ganhando rostos e nomes. Felizmente, uma nova história está sendo recontada sob uma perspectiva inclusiva, de modo que o foco principal não sejam apenas homens brancos e seus interesses.

Este capítulo objetiva trazer um breve contexto de consolidação do movimento feminista no Brasil, com foco na segunda metade do século XX, de modo que se torne evidente a evolução das mentalidades e quais evoluções nas discussões feministas possibilitaram o avanço dos estudos de gênero na década de 1990 e, por conseguinte, possibilitaram ainda a abertura de uma editora majoritariamente voltada para estudos de gênero no ano de 1990. Para tanto, será apresentado, ainda, um breve panorama do mercado editorial brasileiro também na segunda metade do século XX e, por fi m, será proposta uma elaboração de hipóteses para responder à seguinte pergunta: afi nal, por que publicar livros sobre estudos de gênero era importante no Brasil dos anos 1990?

25

1.1 - Contextos da luta das mulheres e do feminismo brasileiro a partir da década de 1970

No Brasil, os movimentos de mulheres existem desde as primeiras décadas do século XIX. Constância Lima Duarte (2013) sugere “a existência de pelo menos quatro momentos áureos na história do feminismo brasileiro” e, segundo ela, as décadas em que esses momentos-onda “estiveram mais próximos da concretização de suas bandeiras seriam em torno de 1830, 1870, 1920 e 1970” (p. 152).

Foram necessários, portanto, cerca de cinquenta anos entre uma e outra, com certeza ocupados por um sem-número de pequenas movimentações de mulheres, para permitir que as forças se somassem e mais uma vez fossem capazes de romper as barreiras da intolerância, e abrir novos espaços (DUARTE, 2003, p. 152).

A década de 1970 foi palco da movimentação feminista mais radical e intensa, que se organizou sistematicamente e foi capaz de tomar força para alcançar pautas que há muito vinham sendo reivindicadas. A consolidação de movimentos sociais da esquerda marxista que lutavam pela democracia impulsionou também a organização de mulheres, uma vez que grande parte das militantes que estavam presentes nas discussões sobre classe e direitos sociais e trabalhistas também lutavam pela causa da libertação da mulher. Os interesses eram comuns, ainda que, a princípio, as mulheres que tinham acesso a essas discussões eram brancas e de classe média, e elas não se estendiam para mulheres que viviam em outros contextos. Porém, aos poucos, diferentes camadas sociais foram sendo atingidas graças às comunidades de base da Igreja Católica progressista e, também aos poucos, começou a haver diálogos interligados com as causas de mulheres pobres e periféricas, por exemplo, que reivindicavam, além das causas específicas da mulher, melhores salários, custo de vida mais baixo, creches, entre outras

26

pautas. Com a intensificação da mão de obra feminina e o grande aumento de mulheres no mercado de trabalho, a reivindicação pelas creches foi uma das principais demandas.

É de suma importância ressaltar que toda essa movimentação estava acontecendo durante o período de regime militar brasileiro, em seu momento de maior repressão e censura, e por ele também fora desencadeada. As questões da mulher encontravam-se em plena efervescência e grupos de estudos clandestinos tornavam-se cada vez mais numerosos. Isso se deu como uma resposta das mulheres a todas as repressões vividas, intensificadas pelo período da ditadura. O feminismo brasileiro contemporâneo, em sua consolidação, esteve intimamente ligado a outros movimentos sociais, principalmente aqueles de luta pela democracia por meio de ideais marxistas.

Sobre as nomenclaturas utilizadas para tratar os estudos da mulher, a partir da década de 1970, Juliana Perucchi (2009), da Universidade Federal de Juiz de Fora, traz uma contribuição interessante:

No âmbito das teorias feministas e dos estudos de gênero, é importante destacar a predominância, nos anos 70, do uso da categoria ‘mulher’ ou dos ‘estudos de mulheres’. No final da década de 80 é que surgem os estudos de gênero e ao longo da década seguinte se processa sua consolidação. As categorias ‘mulher’, ‘gênero’ e ‘relações de gênero’, e seus desdobramentos nos diferentes contextos de estudo: ‘estudos das mulheres’, ‘estudos feministas’ e ‘estudos de gênero’, acontecem em diferentes momentos históricos do que se convencionou chamar de ‘campo intelectual feminista’. Um campo composto e atravessado por diversas tensões entre as dimensões da singularidade e da universalidade, da igualdade e da diferença, do público e do privado; um campo marcado tanto por influências acadêmicas, quanto políticas (PERUCCHI, 2009, p. 1-2).5

5 Sobre a noção de campo intelectual, a fala de Perucchi (2009) dialoga diretamente com Pierre Bourdieu. Conforme aponta Elaine Aparecida Teixeira Pereira (2015) em seu texto “O conceito de campo de Pierre Bourdieu: possibilidade de análise para pesquisas em história da educação brasileira”, “campo é um microcosmo social dotado de certa autonomia, com leis e regras específicas, ao mesmo tempo em que influenciado e relacionado a um espaço social mais amplo. É um lugar de luta entre os agentes que o integram e que buscam manter ou alcançar determinadas posições.” (p. 341).

27

6 Assunto abordado de forma mais ampla em: LAURETIS, Teresa. A tecnologia do gênero. Indiana University Press, 1987. p. 1-30. Disponível em: http:// marcoaureliosc.com. br/cineantropo/ lauretis.pdf. Acesso em 3 out. 2019.

Ainda sobre as denominações e categorizações, Joan Scott (1995) debruça-se sobre o termo “gênero” e discorre sobre seus usos e seus contextos,6 situandonos sobre a importância de adotar o termo ao tratarmos sobre relações entre os sexos, principalmente relações de poder e de opressão.

O termo ‘gênero’, além de um substituto para o termo mulheres, é também utilizado para sugerir que qualquer informação sobre as mulheres é necessariamente informação sobre os homens, que um implica o estudo do outro. Essa utilização enfatiza o fato de que o mundo das mulheres faz parte do mundo dos homens, que ele é criado nesse e por esse mundo masculino. [...] Além disso, o termo ‘gênero’ também é utilizado para designar as relações sociais entre os sexos. Seu uso rejeita explicitamente explicações biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum, para diversas formas de subordinação feminina, nos fatos de que as mulheres têm a capacidade para dar à luz e de que os homens têm uma força muscular superior. Em vez disso, o termo ‘gênero’ torna-se uma forma de indicar ‘construções culturais’ - a criação inteiramente social de ideias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres (SCOTT, 1995, p. 75).

Esclarecida a questão sobre as nomenclaturas, pode-se dar continuidade ao estudo. No Brasil, para se consolidar e para poder desenvolver suas atividades de maneira relativamente segura e protegida, o movimento de mulheres teve forte apoio da Igreja Católica progressista, que se mostrou uma importante instituição na luta contra o regime ditatorial. O feminismo que se formou a partir dessa “demanda” política do contexto histórico do país e a partir dessa aliança com a Igreja acabou por ter algumas (graves) lacunas. Vera Soares (1994) confirma:

A forte presença da Igreja Católica na vida das mulheres é inseparável da análise desses movimentos. Como resultado das medidas repressivas do governo militar, principalmente de 1964 a 1974, apareceram novas estratégias

28

das comunidades organizadas. A Igreja Católica foi um dos poucos espaços que permitiram uma articulação da resistência não armada ao governo militar. A Igreja progressista promoveu um guarda-chuva organizacional para a oposição ao regime e cobriu as atividades de oposição com um véu de legitimidade moral (SOARES, 1994, p. 16).

A Igreja não representava a instituição ideal para apoio das mulheres, uma vez que grande parte das demandas dos movimentos feministas iam contra a moral instituída pela religião católica. Ainda que a postura fosse de luta pela democracia, e era esse o objetivo que unia as mulheres à Igreja, alguns assuntos da agenda feminista eram sumariamente repreendidos, todos eles ligados à sexualidade e aos direitos reprodutivos. Contudo, era o apoio e a proteção da Igreja que possibilitavam e legitimavam os encontros e as organizações e, assim, os discursos foram se alinhando e se adaptando a essas condições. Porém, essa lacuna gerou uma espécie de atraso na evolução do pensamento feminista nacional; as feministas dos Estados Unidos e da Europa, por exemplo, no mesmo período estavam vivenciando um feminismo muito mais radical do que o brasileiro, que pode atingir sua completude teórica a partir da década de 1980 e do período de abertura, como confirma Soares (1994): “[...] quando essas mulheres ganham formas autônomas de organização em relação à Igreja, constituindo, por exemplo, casas de mulheres, ampliam seu grau de autonomia política e o espectro de suas reivindicações”. Mesmo debilitado, o movimento construído nesse momento foi de suma importância, pois incorporou também uma consciência de política e de classe pouco exploradas pelas mulheres brasileiras até o momento.

Soares (1994) indica dois processos que perpassaram a segunda metade da década de 1970 e toda a década de 1980 e que foram fundamentais para incentivar e tornar possível a explosão dos movimentos sociais no Brasil contemporâneo: “as crises econômicas e a inflação crescente que delas decorre, e o processo de abertura política, ambos afetando e mobilizando tanto as classes médias quanto as classes trabalhadoras” (p. 12). Nesse

29

momento, a oposição política ao regime passava a ganhar forma, assim como o cenário tornava-se mais favorável para a mobilização da mulher.

Segundo Soares, “o movimento de mulheres nos anos 70 trouxe uma nova versão da mulher brasileira, que vai às ruas na defesa de seus direitos e necessidades e que realiza enormes manifestações de denúncia de suas desigualdades” (p. 13).

As autoras Costa, Barroso e Sarti (2019) afirmam que, no período de 19701975, os movimentos de liberdade da mulher em plano internacional já eram vastos e consolidados, em um contexto no qual foram criados centenas de cursos de Women’s Studies (p. 112). No Brasil, no entanto, a situação ainda se encontrava em considerável atraso.

É inegável que existe atração pelo assunto, e que universitárias se reúnem em grupos de reflexão, mas a conciliação entre o interesse existencial pelo tema e a vida profissional parece improvável e arriscada. O feminismo é fortemente conotado com estilo de vida burguês e moda importada. [...] O ano de 1975 é um marco. Representa o início de uma mobilização política mais intensa a pretexto do Ano Internacional da Mulher, em que a coloração feminista ainda é bastante indiferenciada. As graves questões da democratização da sociedade brasileira passam à frente dos assuntos ‘específicos’ das mulheres, e os assuntos ‘específicos’ das mulheres trabalhadoras passam à frente dos assuntos das outras mulheres (COSTA; BARROSO; SARTI, 2019, p. 112).

No ano de 1975, aconteceu a Primeira Conferência Mundial sobre as Mulheres e, assim, o ano foi declarado, pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o Ano Internacional das Mulheres. Como eram grandes as reinvindicações e os “desafios apontados na busca da diminuição das desigualdades e discriminações, também foram declarados os anos de 1976 a 1985 como a Década da Mulher”. No Brasil, em pleno regime militar,

30

em 1975 foi fundado o Centro da Mulher Brasileira, um marco simbólico do novo feminismo que se consolidava no país (MARQUES; ZATTONI, 2014, p. 56).

Heloisa Buarque de Hollanda traz um resumo bibliográfico dos livros que eram discutidos pelas mulheres “em grupos de reflexão” no início da década de 1970 – essa listagem possibilita ter uma boa noção da pauta e do tom das discussões que eram travadas pelas mulheres da época.

Os livros citados como leituras recorrentes e infalíveis nesses encontros de mulheres eram A origem da família, da propriedade privada e do estado, de Friederich Engels; O segundo sexo, de Simone de Beauvoir; A mística feminina , de Betty Friedan; e Política sexual , de Kate Millet. Esses pilares do pensamento feminista internacional, no início dos anos 1970, trouxeram para nossos grupos de mulheres provocações como o quase slogan ‘não se nasce mulher, torna-se’ (Simone de Beuavoir), a polêmica em torno do mito da heroína doméstica (Betty Friedan) e o sexo como categoria política legítima (Kate Millet) que termina gerando a grande bandeira da época: ‘o pessoal é político’ (HOLLANDA, 2019, p. 10).

A partir desse período e da fortificação das organizações femininas, ainda que de maneira clandestina, as mulheres da grande massa brasileira começaram a ter acesso aos ideais das lutas feministas. Mariza Corrêa (2006) confirma esse “boom” na mídia, ainda sob regime militar:

E creio que foi neste mesmo ano [1975], ou um pouco depois, que a rede Globo de televisão lançou um seriado que teve grande repercussão, o Malu Mulher : estrelado por Regina Duarte, expunha na tela, com uma linguagem acessível, várias das questões que eram discutidas nos centenas de grupos de mulheres que foram criados no país nessa época (CORRÊA, 2006, p. 16).

31

Costa, Barroso e Sarti (2019) ressaltam, ainda, como as questões da mulher tomaram força e ganharam visibilidade nos anos após 1975, e como esse período trouxe contribuições valiosas no sentido de buscar “legitimar a mulher como objeto de estudo” (p. 112). A partir do ano de 1978, as mulheres brasileiras passaram por uma fase de “consolidação e expansão em que a legitimidade dessa área de estudos [sobre a mulher] não está mais por comprovar, e as exigências são de outra ordem, maior rigor científico e elaboração teórica mais sólida” (COSTA; BARROSO; SARTI, p. 113). Esse foi o contexto em que possibilitou um feminismo mais embasado e mais teórico a partir da década de 1980. As conquistas passaram a ser mais sólidas, mais efetivas e realmente mudaram o paradigma e as condições sociais, culturais e políticas as quais as mulheres brasileiras estavam inseridas, fazendo com que o movimento feminista se tornasse “mais complexo na sua organização e mais diverso ideologicamente” (SOARES, 1994, p. 18). No Brasil como um todo, o início da década de 1980 “foi marcado pela reconstrução das instâncias da democracia liberal; reorganização partidária; eleições para os diversos níveis, reelaboração da Constituição do país, eleições presidenciais etc.” (SOARES, 1994, p. 18).

Por ter se tornado mais coeso e mais forte, o movimento feminista teve suas conquistas marcadas pela necessária e inédita incorporação nas políticas sociais do Estado. Soares (1994) afirma que as militantes, agora inseridas em partidos políticos, criaram iniciativas que lutavam pela implementação de “organismos governamentais responsáveis por coordenar a ação do Estado, visando à igualdade das mulheres” (p. 19).

Duarte (2003) confirma esse fato:

Na década de 1980, grupos feministas ultrapassaram as divergências partidárias e se aliaram às vinte e seis deputadas federais constituintes – o ‘charmoso’ ‘lobby do batom’ – como forma de garantir avanços na Constituição Federal, tais como a desejada igualdade de todos brasileiros perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. (DUARTE, 2003, p. 166-167).

32

A agenda feminista pôde ainda, finalmente, incorporar “ações relacionadas ao corpo, à saúde, à sexualidade feminina e [...] a questões da violência”, e buscava manter duas estratégias principais de atuação: a independência do Estado e a atuação em instâncias governamentais (SOARES, 1994, p. 19).

As questões relacionadas à sexualidade que foram adiadas graças à ligação com a Igreja Católica progressista e à censura da ditadura militar puderam finalmente começar a serem exploradas.

O estudo que Rose Marie Muraro publicou na obra Sexualidade da mulher brasileira , lançada em 1983 pela editora Vozes, confirma esse fato, além de representar uma contribuição decisiva para o debate acadêmico, para a orientação de outras pesquisas (DUARTE, 2003, p. 166) e para o embasamento do discurso feminista que estava sendo construído na época. Sobre a obra de Muraro, Duarte (2003) afirma que “[a obra] considerou não apenas a diversidade de nossas regiões, como a experiência diferenciada das camadas sociais no que diz respeito ao corpo e ao prazer”.

Os encontros de mulheres em nível nacional também passaram a se tornar mais frequentes e foram extremamente importantes para a difusão do pensamento feminista brasileiro ao redor do Brasil.

Desde 1982 realizam-se encontros nacionais anuais (bianuais a partir de 1992) e cada vez é maior número de participantes. Em 1986, em Garanhuns, Pernambuco, estiveram presentes cerca de mil mulheres, sendo 70% dos setores populares e 20% de ‘feministas históricas’, segundo o Relatório do Encontro. [...] Este espaço dos encontros possibilitou a articulação de outros segmentos do movimento. Por exemplo, a partir de 86 foi importante a discussão sobre o lesbianismo, que, embora estivesse sempre presente no movimento feminista, nunca tinha sido debatido pelo conjunto das feministas e pelo movimento de mulheres. Os encontros nacionais feministas propiciaram também a articulação das mulheres negras (SOARES, 1994, p. 19).

33

7 Interseccionalidade, aqui, está sendo utilizada como uma categoria teórica que leva em consideração múltiplos sistemas de opressão, associando noções de raça, gênero e classe. Para definições mais aprofundadas sobre o termo e seu contexto de criação, ver O que é interseccionalidade?, de Carla Akotirene, publicado em 2018 pela editora Letramento. O livro faz parte da série “Feminismos Plurais”, cujo objetivo é introduzir questões relativas ao feminismo negro.

O trecho supracitado exemplifica a relevância dos eventos nacionais para a amplificação dos discursos feministas, incluindo pautas preteridas até o momento, como as de mulheres negras e de mulheres lésbicas, implementando noções de interseccionalidade,7 além de confirmar, ainda, a descentralização geográfica das discussões, uma vez que o encontro surpreendentemente grande que fora citado ocorreu em Pernambuco, em uma cidade fora do anteriormente mencionado eixo cultural brasileiro. Isso fortificou ainda mais o ideário feminista pelo Brasil, tornando-o popular e acessível – fato esse que colaborou consideravelmente para o bom recebimento do público de uma editora de estudos de gênero no início dos anos 1990, como será tratado a seguir.

Um aspecto importante para ser levado em conta ao longo da missão de compreender como se deu a consolidação do pensamento feminista brasileiro é a relevância da imprensa feminista para a propagação da agenda dos movimentos pelos seus direitos para as demais mulheres brasileiras, principalmente para aquelas que estavam fora do eixo político-cultural do Rio de Janeiro e de São Paulo. Sobre a imprensa alternativa, Karina Woitowicz (2014, p. 105) salienta que seu papel foi decisivo para “instituir na esfera pública as demandas pela cidadania feminina, conjugada com transformações no campo da política”.

A chegada da década de 1990 veio acompanhada do frescor de uma recémadquirida e valiosa consciência política feminina, agora amparada por uma Constituição que incorporou uma parcela das demandas das mulheres. Isso fez com que os movimentos pudessem se voltar para questões mais profundas do que os direitos básicos que foram reivindicados nas décadas anteriores. Um dos pontos que viriam a ser mais discutidos nesse período é a violência contra a mulher. Além disso, a interseccionalidade e as especificidades passam a ter maior apelo, uma vez que os grupos de mulheres passam a reunir-se por vivências e contextos em comum, sistematizados a partir de referências sociais e culturais específicas.

34

1.2 - O mercado editorial brasileiro a partir do golpe militar de 1964 – um breve contexto

A proposta deste tópico é fazer um breve apanhado do panorama editorial brasileiro nas décadas de 1960, 1970 e 1980, de modo que seja possível verificar e identificar as principais políticas editoriais criadas e as que estavam em andamento no referido período e que viabilizaram o “boom” de protagonismo de mulheres editoras no mercado da década de 1990, que foi, justamente, um momento de fortalecimento no cenário editorial dos grandes grupos empresariais de comunicação.

Flamarion Maués (2006) mostra que, a partir de 1968, inicia-se o chamado “milagre” econômico brasileiro, “processo em que a economia do país atingiu índices de crescimento anual médio de mais de 10% até 1973, o que significa um período de intensa e dinâmica atividade econômica, com a criação e expansão de novos mercados”. Ele traz uma fala de Hallewell (1985, p. 478), em O livro no Brasil, que conclui: “para a indústria e o comércio do livro, o resultado líquido das políticas do novo regime militar no período 1964-1973 foi uma notável expansão”.

Em contrapartida, Sandra Reimão (1996), em seu livro Mercado editorial brasileiro, apresenta a tabela “Relação livros por habitante/ano em alguns anos da década de 1960”, que mostra como foi baixa a publicação de livros no período, com índices que não ultrapassavam a barreira de um livro por habitante ao ano. Ela afirma que a transposição deste patamar só se daria no início dos anos 1970 (p. 41), mais precisamente no ano de 1972, quando o mercado editorial brasileiro chega ao ponto de desenvolvimento em que supera a barreira supracitada.

Um dos fatores apontados por ela como desencadeador desse crescimento foi a queda da taxa do analfabetismo, que foi de 39% para 29%, entre os anos de 1970 e 1980. Outro fator seria o crescimento do número de estudantes

35

universitários, que passaram de cem mil para quase um milhão, no mesmo período indicado (REIMÃO, 1996, p. 61). Isso mostra como a população leitora no Brasil cresceu, assim como cresceu também a população inserida em universidades, ambientes que tendem a demandar uma grande carga de leitura, além de fomentar o hábito. Ambos os fatores colaboram diretamente para a expansão do mercado editorial no Brasil.

Houve também um outro fator relevante para essa expansão, e diz respeito à democratização e à ampliação da distribuição e do varejo de livros. Trata-se de uma lei, aplicada em 1968, que permitia “que vários pontos do comércio varejista atuassem como pontos de venda de livros, entre eles, farmácias, supermercados e postos de gasolina” (p. 62).

Uma iniciativa interessante no mercado editorial brasileiro foi o Circuito do Livro, criado em 1973. Tratava-se de um clube de sócios que recebiam periodicamente um catálogo com todo o acervo de livros disponíveis e tinham uma cota obrigatória para adquirir, e os clientes eram atendidos em domicílio por uma rede de vendedores credenciados. Um diferencial era o fato de os livros serem mais baratos do que os valores praticados no mercado, e o acabamento gráfico também era diferenciado. O Círculo, que funcionava por meio de uma sociedade entre as editoras Abril e Bertelsmann, chegou a ter 250 mil sócios em 1975, evoluindo para 500 mil em 1978, até atingir 800 mil em 1983, e esteve presente em 2.850 municípios que eram atendidos por uma rede de 2.600 vendedores. Em 1982, foram vendidos 5 milhões de exemplares de livros. As vendas eram altas, mesmo com lançamentos simultâneos aos exemplares vendidos nas livrarias físicas (HALLEWELL, 2012, p. 753-754).

Paralelamente, o governo federal estimulava o mercado editorial por meio da compra de livros de editoras privadas, uma medida que, desde sua implementação, auxiliou a permanência de antigas e o surgimento de novas editoras, que cresceram rapidamente. Ainda apresentando exemplos de fatores que influenciaram para a evolução do parâmetro editorial brasileiro, Andréa Galucio complementa:

36

O crescimento durante o regime militar também contou com as novas editoras multinacionais que se instalaram no Brasil, sendo algumas delas ligadas a livros técnico-didáticos (nível superior), como LTC (1968) e McGraw-Hill (1970). Além do investimento de capital estrangeiro pela presença das multinacionais, o próprio governo norte-americano financiou a edição de livros no Brasil, através do USAID (United States Agency for International Development). A USAID foi uma agência americana criada em 1961 com objetivo de executar atividades da Aliança para o Progresso - um programa de ajuda econômica e social dos EUA – e dentre elas houve apoio ao governo brasileiro em medidas para o livro, inclusive em traduções para o português de livrostexto norte-americanos (GALUCIO, 2011, p. 3).

Sobre a década de 1980, Galucio (2010) apresenta contribuições interessantes em “Editores e militância na década de 1990”, ao explicar a mudança de atuação do Instituto Nacional do Livro (INL). O órgão foi criado em 1937 com o objetivo de enriquecer e atualizar as bibliotecas públicas do país, além de reeditar obras raras e fundamentais para os estudos brasileiros e ainda estimular a publicação de temas nacionais (GALUCIO, 2005, p. 4). Porém, em 1985, ele passa a ter seu papel reduzido, devido à alteração de sua subordinação nos quadros de administração pública, com a transferência da esfera do MEC para a do MinC, um órgão que claramente recebia menos recursos quando comparado ao MEC (GALUCIO, 2010, p. 5). “Em nome da valorização do livro, o Estado passava a intervir em sua produção” (GALUCIO, 2005, p. 4).

Depois do ápice de suas atribuições nos anos 70 houve uma diminuição gradativa das funções do INL até sua extinção em 1990. Isso ocorreu de forma inversamente proporcional à consolidação do setor privado. Na estrutura do MinC, o INL e a BN passaram a integrar a Fundação Nacional Pró-Leitura, pela Lei n.º 7.624, de 5 de novembro de 1987. Quando o Pró-

37

Leitura foi extinto pela Lei n.º 8.029, de 12 de Abril de 1990 as competências, atribuições e acervo do INL foram transferidos para a Fundação Biblioteca Nacional, em seu Departamento Nacional do Livro. O departamento deixou de existir quando suas atribuições foram distribuídas para a Câmara Setorial do Livro e Leitura, ainda no interior da Biblioteca Nacional (GALUCIO, 2010, p. 5).

Ainda sobre a década de 1980, Reimão (1996) afirma que os dados quantitativos sobre a produção de livros no Brasil são incompletos e não contemplam a década inteira, contendo falhas e lacunas. A partir dessa ressalva, ainda assim, de 1980 a 1989, “a correlação média anual de livros publicados por habitante ficou em torno de 1,5 livros, com momentos de ‘pico’ de 1980 a 82 e em 1986” (p. 78).

Mesmo que pareça um número baixo, principalmente quando comparado aos níveis de países europeus ou dos Estados Unidos, o índice brasileiro é bastante significativo, considerando a grande porcentagem de analfabetos (que ainda é alta, mesmo com a queda apresentada na década de 1970)  e “a ampla parcela da população que vive nos limites da sobrevivência física, excluída, portanto, de qualquer acesso ao consumo, inclusive de consumo cultural” (REIMÃO, 1996, p. 78).

Tratava-se de um mercado notoriamente promissor, e os grandes conglomerados midiáticos identificaram logo esse potencial. Nos anos 1980, a formação de grupos editoriais dá-se como uma alternativa à “mudança de posição das pequenas e médias empresas que naqueles anos já passavam a responder por um mercado que funcionava quase que paralelamente ao de didáticos ou das grandes empresas editoriais e gráficas” (GALUCIO, 2010, p. 5).

Após todos os esforços e políticas aplicadas para a consolidação e para o incentivo ao crescimento do setor empresarial privado no Brasil, em 1990, este se encontrava estável e “passava por um acelerado processo de

38

concentração de capitais nas mãos de alguns grandes grupos empresariais e começava a receber investimentos mais pesados dos grandes grupos editoriais e de comunicação transnacionais” (GALUCIO, 2010, p. 5).

Voltamo-nos para o Grupo Editorial Record, casa editorial que viria a receber a editora Rosa dos Tempos nos anos 1990, que se valeu das medidas implementadas durante o regime militar para impulsionar seu crescimento.

O caso mais expressivo de crescimento no mercado foi o da Record, que aumentou consideravelmente o número de títulos publicados, de 79 para 502, um salto de 535%. Esse pode ser o grande exemplo, ainda não estudado, de uma empresa cultural, diversificada, já existente antes de 1964, e largamente favorecida pela política econômica implantada no regime militar (GALUCIO, 2011, p. 4).

Flamarion Maués (2006) afirma que, apesar das diversas crises e dos diversos problemas que impactaram a esfera econômica brasileira no período chamado de “abertura” (1974-1985), o fim do regime militar e a eleição do primeiro presidente civil após o golpe acabam por mostrar a indústria e o mercado editorial brasileiros extremamente ativos e diversificados, além de pluralistas, com a existência de editoras com propostas editoriais diversas e em processo de modernização editorial, “com mais cuidado nas traduções, nas capas, no acabamento do livro e com maior profissionalização do setor como um todo” (MAUÉS, 2006, p. 34).

As décadas de 1970 e 1980 foram fundamentais para a construção e a consolidação de um pensamento feminista brasileiro que fosse compatível

39
1.3 - Por que publicar livros sobre estudos de gênero era importante no Brasil dos anos 1990?

8 Ana Elisa Ribeiro é professora e pesquisadora do Departamento de Linguagem e Tecnologia do CEFET-MG, onde atua no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens (mestrado e doutorado) e no bacharelado em Letras (Tecnologias da Edição). Atualmente, lidera o projeto de pesquisa sobre Mulheres Editoras no Brasil, com apoio da Fapemig. Informações coletadas do seu Currículo Lattes. Disponível em: http://lattes.cnpq. br/7474445800716834. Acesso em 03 nov. 2019.

com as particularidades políticas e sociais do país. Daí em diante, é chegado o momento de teorizar todo o conhecimento que foi produzido ao longo desse período. A década de 1990 representa o espaço-tempo ideal para que isso fosse possível. Como foi visto nos tópicos anteriores, o cenário editorial, a nova ordem de trabalho e o momento econômico mostravam-se favoráveis para isso, assim como também existia uma demanda acadêmica que precisava dessa teorização para dar seguimento aos estudos de gênero no Brasil. Para que o conhecimento atingisse mais pessoas, era preciso ser difundido por meio de uma bibliografia sólida.

A criação da editora Rosa dos Tempos coincidiu com um momento histórico que carecia, em todos os aspectos, de bibliografias sobre estudos feministas e estudos de gênero. Com as discussões sobre gênero e teorias feministas tomando corpo, a editora tornou-se ainda mais pioneira ao trazer autoras como Carol Gilligan, Andrea Nye, Nancy Chodorow e Drucilla Cornell que há muito já tratavam a questão nos Estados Unidos e na Europa, e foram traduzidas nos primeiros anos da década de 1990. Esse foi um dos principais valores agregados pela Rosa dos Tempos: trazer para o Brasil a produção teórica de feministas de todo o mundo.

Rose Marie Muraro, à frente da editora, estava ao lado de outras mulheres que também viviam a raridade de ocuparem cargos de liderança no mercado editorial brasileiro. A autora Ana Elisa Ribeiro (2018),8 em uma palestra intitulada Mulheres editoras no Brasil, realizada na Academia Mineira de Letras no dia 23 de agosto de 2018, enumera 3 mulheres editoras, além de Muraro, que criaram casas editoriais na década de 1990 cujos catálogos fogem da categoria de infantil e juvenil e flertam com vieses políticos de esquerda e de estudos de gênero: Zahidé Muzart, que cria a editora Mulheres em 1995; Ivana Jinkings, que cria a editora Boitempo também em 1995 e Rejane Dias, que cria a Autêntica Editora em 1997.

Esse “boom” editorial feminino, na década de 1990, demonstra a força e a coragem que as mulheres brasileiras adquiriram ao longo das décadas de

40

lutas, como era visível a necessidade de publicar livros que teorizassem os saberes, as vivências e o ideário feminista brasileiro, como era importante tratar sobre temas de interesse das mulheres e que fugiam de estereótipos domésticos, fúteis ou infantilizados, como urgia a necessidade de mais mulheres ocupassem cargos de gerência em casas editoriais para novas histórias pudessem ser contadas, para que houvesse um regaste de escritoras esquecidas (como foi o caso de Zahidé Muzart), para que houvesse uma proposta de alinhamento de discursos entre as militantes feministas de esquerda, para que livros fossem publicados pensando nas novas mulheres da sociedade brasileira, que construíram uma postura política, ativista e militante, e que não mais aceitariam ser Amélias.

Publicar livros sobre estudos de gênero era importante no Brasil dos anos 1990 porque a economia permitiu, porque o mercado editorial colaborou, sim, mas, principalmente, porque a sociedade mudou, porque as mulheres mudaram, porque o conhecimento precisava ser difundido, porque a teoria feminista precisava ser publicada para que os estudos pudessem, assim, evoluir.

Na produção de saberes – acadêmicos, literários, editoriais –, o apagamento de algumas mulheres e a canonização de outras é recorrente. Zahidé Muzart (1995), ao tratar sobre a questão do cânone, afirma que algumas escritoras são canonizadas, enquanto outras parecem entrar no rol das “esquecidas”. Ela elabora algumas hipóteses para isso:

[...] estilo? Temas? Mais pós-modernas, menos? Mais preocupadas em escrever sobre coisas que estão na moda? [...] O porquê da canonização é complexo e ligado a muitos fatores, inclusive um que eu chamaria de mesmice, o da facilidade: perseguir o estudo das mesmas autoras já consagradas, já canonizadas. Não se arriscar por mares nunca dantes navegados… (MUZART, 1995, p. 86).

Inicio aqui minha trajetória navegando por mares nunca dantes navegados. Pois, se o apagamento e a escolha pontual de poucas em detrimento de muitas

41

9 Tal conceito dialoga, ainda, com a ideia de epistemicídio, de Boaventura de Sousa Santos, descrito aqui por Sueli Carneiro: “[...] o epistemicídio é, para além da anulação e desqualificação do conhecimento dos povos subjugados, um processo persistente de produção da indigência cultural: pela negação ao acesso à educação, sobretudo de qualidade; pela produção da inferiorização intelectual [...]. Isto porque não é possível desqualificar as formas de conhecimento dos povos dominados sem desqualificá-los também, individual e coletivamente, como sujeitos cognoscentes. E, ao fazê-lo, destituilhes a razão, a condição para alcançar o conhecimento ‘legítimo’ ou ‘legitimado’” (p. 97).

ocorre com frequência na literatura, na história editorial o cenário se agrava ainda mais, por ser ainda mais centrado nos homens, na produção intelectual masculina e nos grandes feitos alcançados por homens. De acordo com as principais obras que relatam a história do livro, da publicação de livros e da função de editor no Brasil – como O livro no Brasil, de Laurence Hallewell (2012), Impresso no Brasil, de Márcia Abreu e Aníbal Bragança (2011) e Editores Artesanais Brasileiros, de Gisela Creni (2013) –, toda a trajetória editorial brasileira até hoje foi construída majoritariamente por homens (contando com pequenas participações femininas narradas de maneira superficial). Parece inverossímil, absurdo e inadmissível que esse fato seja verdade, e de fato o é. Essa injusta lacuna é também um convite para que as estudiosas do século XXI se debrucem e reescrevam histórias sob uma nova perspectiva –menos colonizada, menos misógina, menos eurocêntrica, menos patriarcal; é um convite para reverter o que Constância Lima Duarte (2020, no prelo) chama de memoricídio,9 “conceito que designa o processo de opressão e negação da participação da mulher ao longo da História” (p. 35).

42
2 ROSE MARIE MURARO E A EDITORA ROSA DOS TEMPOS

Este capítulo tem como objetivo principal apresentar a editora Rosa dos Tempos e expor seu contexto de criação, proposta e áreas de atuação. Para tanto, será apresentada uma breve biografia de seus criadores, tendo foco ampliado em Rose Marie Muraro, sua idealizadora. Será exposto, ainda, um levantamento do catálogo de obras publicadas entre os anos de 1991 e 2005 – período ativo da editora.

2.1 - A criação da editora Rosa dos Tempos

Cavalcanti (2005) utiliza a base da análise realizada por Joan Scott em “ Gênero: uma categoria útil de análise histórica” e elabora um ponto valioso perante o desafio de construir uma nova história, revertendo o cenário de invisibilidade feminina:

[...] temos que essa nova perspectiva metodológica requer não somente uma nova história das mulheres, mas, sobretudo, uma nova história. Entrementes, um referencial teórico de caráter feminista consiste na busca de novos conhecimentos e tendências que não reproduzam inversamente as categorias do sistema ideológico de dominação vigente, buscando a ruptura com esses artifícios e avançando tanto na teoria quanto na prática da investigação social (CAVALCANTI, 2005, p. 255).

A construção de uma nova história, sob uma perspectiva de gênero, e a busca de novos referenciais teóricos, que não reproduzam as opressões e o sistema ideológico de dominação, são desafios de nossa responsabilidade, acadêmicas feministas. É de nossa responsabilidade amparar nossos argumentos em autoras e autores que fujam de sistemas de dominação vigentes abarcados por ideias de senso comum e de estereótipos inferiorizadores alimentados por séculos. Devemos elaborar argumentos que ofereçam uma visão dos fatos que seja decolonial e feminista,10 com alcance que vai além do

10 Sobre a construção de uma teoria feminista decolonial, não-eurocentrada e não-dominante, a autora Maria Lugones “propõe analisar a opressão de gênero, raça e a exploração capitalista a partir de uma epistemologia de fronteira estabelecida pela chamada diferença colonial, pela experiência subjetiva da colonialidade das relações de gênero localizada na própria ferida colonial, na dominação e opressão instauradas pela lógica da colonialidade” (LUGONES, 2014 apud JARDIM; CAVAS, 2017, p. 87).

45

11 Sobre o assunto, Nelly Richard aborda o Congresso Internacional de Literatura Feminina Latino-Americana, que aconteceu em 1987 no Chile, e foi considerado o evento literário mais importante que ocorreu durante o período ditatorial. Isso se deu devido a “sua ampliada convocatória pública e sua capacidade de suscitar um espaço inédito, de perguntas e de reflexões, em torno dos temas mulher, escrita e poder. Sem nenhum apoio institucional, sem o recibo acadêmico dos saberes legitimados, o Congresso se lançou –de maneira audaz – à reconquista de uma palavra que tinha sido confiscada, tanto pela autoridade literária da tradição oficial como pelo enquadramento repressivo da ditadura” (RICHARD, 2002, p. 127).

cânone, da supremacia branca, do patriarcado e do capitalismo. É preciso ouvir as vozes de todos aqueles que historicamente estiveram à margem desses sistemas dominantes e, a partir daí, será possível elaborar uma produção acadêmica que recupere a presença, os papéis e as percepções das mulheres sobre e na história de forma que se integre à história já existente (CAVALCANTI, 2005, p. 255). É importante, ainda, que essa nova construção histórica-discursiva ressalte os apagamentos propositais e indique como esse silenciamento teve um propósito e fazia parte de uma estratégia de dominação.

Com as ditaduras da América Latina se dissolvendo ao longo da década de 1980,11 a década de 1990 foi momento para consolidar ideais democráticos e retomar a autonomia que fora renegada da população nos últimos 30 anos. Como apontado por Cavalcanti (2005), na década de 1990, a produção e a fixação de tendências feministas na produção acadêmica tornam-se irrevogáveis e aceleravam o ritmo de recuperação da presença feminina na história. Era um momento valioso para retomar o pensamento político voltado para as minorias violentadas nos anos de ditaduras.

Além de fatos já mencionados no Capítulo 1 que contextualizavam o impacto do feminismo nas décadas anteriores a 1990, ativistas e teóricas como Kimberlé Creenshaw, Judith Butler, Joan Scott e Carol Gilligan agitavam o cenário intelectual feminista desta época, inspirando incremento dos estudos e das investigações de cunho feminista, por meio da criação de concursos acadêmicos que estimulavam a produção científica, inclusive daquelas(es) pesquisadoras(es) que fomentavam a expansão do conhecimento acerca da presença e de representações femininas em sociedades ao redor no mundo. Neste panorama, tornava-se necessária a criação de linhas de pesquisas e linhas editoriais que fossem diferentes das que já estavam estabelecidas no Brasil (CAVALCANTI, 2005, p. 255).

Em MMI (2000), Rose Marie Muraro comenta como era o cenário intelectual brasileiro antes da década de 1990:

46

Não existia nada escrito sobre a mulher. Nem no Brasil e nem em língua portuguesa. Só teses universitárias. Existia apenas um livro da Carmem da Silva, A arte de ser mulher, editado pela Civilização Brasileira. Ela era famosa e escrevia para a revista Cláudia [...] era lida pelas universitárias nos anos 60 e pelas donas de casa nos anos 70 (MURARO, 2000, p. 119).

Muraro estava atenta à necessidade de mudança no panorama da construção de saberes de cunho feminista, e já identificava a falta de voz das mulheres intelectuais do “Terceiro Mundo”.12

No final das férias, fiz a segunda viagem, para o Canadá, e me vi no meio de quinhentas lésbicas radicais, todas com cabelinho cortado curtinho. Foi em Montreal, na primeira Feira do Livro Feminista, onde conheci também algumas editoras indianas feministas. Vim a saber por elas que no Primeiro Mundo havia trezentas editoras dedicadas a gênero, e no Terceiro Mundo não havia nenhuma. Havia uma pequenininha no Marrocos, com a Laila Chouemi, que é um amor de pessoa, e outra também pequenininha, a Kali Publishing House, em Nova Delhi, de duas indianas, Urvashi e Ritu, e nada mais. Eu estava na Espaço & Tempo, e me veio então a ideia de fazer uma editora sobre gênero. Isso aconteceu em 1988, porque eu já estava desconfiada de que as coisas na Espaço & Tempo não iam bem (MURARO, 2000, p. 303).

Cavalcanti ressalta a importância da criação de uma editora como a Rosa dos Tempos em um momento em que o feminismo e a preocupação com as questões da mulher estavam ascendendo:

A editora Rosa dos Tempos inaugurou, em plena década de 90, uma linha voltada aos temas emergentes e relacionados às condições de vida das mulheres brasileiras, dando maior ênfase

12 Termo em desuso na contemporaneidade, porém condizente com o contexto histórico em que foi utilizado por Rose Marie Muraro, na década de 1990.

47

às áreas de Humanidades e Ciências Sociais. Apesar de inovadora e ousada, a editora representou o resultado do conhecimento do movimento feminino e feminista, que ganhava novas cores desde a década de 70, trazendo praticamente duas décadas de empenho, expressões e novas abordagens, especialmente dentro das Ciências Humanas e Sociais (CAVALCANTI, 2004, p. 256).

Era preciso existir uma instituição que fosse responsável pela publicação de todo o conhecimento já produzido pelas mulheres e também aqueles que estavam em processo de produção, e Muraro viabilizou esse local, concretizando seu maior desejo como acadêmica, ativista e editora: a criação da primeira editora voltada para estudos de gênero do “Terceiro Mundo”.

É importante ressaltar que o início da década de 1990 – momento em que a criação da Rosa dos Tempos estava sendo arquitetada – não foi um período exatamente benéfico para o setor livreiro. Marina Vargas Couto (2006) afirma que o governo de Fernando Collor de Melo (1990-1992) acabou com praticamente todo subsídio à cultura nacional e a economia é paralisada por um bloqueio total de 85% de todas as contas bancárias. O Instituto Nacional do Livro é extinto e, junto com ele, a Lei Sarney (responsável pela redução de impostos de renda para pessoas e entidades que subsidiam a edição de livros e outras manifestações culturais). Com isso, os editores encontram dificuldades para o pagamento de autores nacionais e a compra de direitos de tradução de títulos estrangeiros, ao mesmo tempo em que acontece uma crise no fornecimento de papel no mercado (p. 46). Couto traz dados de estatísticas do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) que mostram que o número de livros editados no país cai em 1988, mas volta a crescer em 1990 e se estabiliza em 1993 (COUTO, 2006, p. 74).

A editora Rosa dos Tempos, no momento de sua criação, tinha cinco sócios: Alfredo Machado, fundador e editor da Record, a atriz Ruth Escobar, a socióloga Neuma Aguiar, a jornalista Laura Civita e Rose Marie Muraro. Em 1989, Alfredo Machado deixava claro para Muraro como estava satisfeito

48

de tê-la trabalhando ao seu lado, uma vez que a única editora que chegou perto da dele [editora Record] havia sido a editora Vozes na década de 1980. E isso foi dito diante de Laura Civita, que, na época, era esposa de Roberto Civita, editor da revista Veja e da revista Playboy, em vias de se tornar presidente do Grupo Abril após a morte de seu pai, Victor Civita (MURARO, 2000, p. 306). Não parecia se tratar de uma provocação em relação ao Grupo Abril, mas, sim, de uma prova de altas expectativas que o fundador da Record tinha ao ter a oportunidade de trabalhar com Rose Marie Muraro – nome que já era ligado ao sucesso editorial da Vozes na década de 1980 e que, por conseguinte, já vinha despertando interesse nos grandes nomes do mercado.

Sobre a definição do nome “Rosa dos Tempos”, Muraro conta detalhes de como foi escolhido:

A editora veio a se chamar Rosa dos Tempos porque eu tivera uma porção de ideias, mas o Alfredo Machado nunca aceitava nenhuma. De repente, tive o sonho de que a editora iria se chamar ou Monte de Vênus ou Rosa dos Ventos. Sempre os sonhos! Rosa dos Ventos foi o nome de que todo mundo gostou, mas o nome já pertencia à Varig. Fiquei danada. E foi então que pensamos. “Por que, em vez de Rosa dos Ventos, não colocamos Rosa dos Tempos?” (MURARO, 2000, p. 306).

Deu-se um nome que cruza noções geográficas dos pontos cardeais com uma imagem metafórica de uma rosa simbolizando o marco de novos tempos, de uma nova era – um nome que ficaria marcado na história editorial brasileira e na vida de milhares de mulheres que viviam seus ápices intelectuais na década de 1990.

A Rosa dos Tempos nasceu em São Paulo com uma festa de arromba no Gallery, e no Rio de Janeiro, com a mesma badalação, no Hotel Rio Palace. [...] No começo tivemos um grande sucesso

49

por causa da monumental cobertura, inclusive da Veja, e tivemos um nascimento no estardalhaço mesmo. E com os primeiros livros o faturamento foi enorme, principalmente com Os seis meses em que fui homem, com o Como fazer amor com a mesma pessoa para o resto da vida e continuar gostando e também com os livros teóricos (MURARO, 2000, p. 308).

Grande parte da visibilidade garantida ao lançamento da editora Rosa dos Tempos se deu, ainda, graças à grande influência de Laura Civita e Ruth Escobar, que conheciam pessoas da imprensa que foram fundamentais para que fossem publicadas notas e reportagens sobre o lançamento. Essa influência das sócias foi extremamente útil também para os lançamentos dos livros da Rosa dos Tempos, pois colaborava para que esses eventos fossem amplamente divulgados, garantindo um grande público. Um dos primeiros livros publicados foi Os seis meses em que fui homem, de autoria de Rose Marie Muraro, e trata-se de uma obra polêmica prometida pela autora ao Globo Repórter e discute os meses em que ela esteve imersa em sua campanha política como deputada pelo PDT.

O catálogo da editora era o que a tornava única perante as demais concorrentes do mesmo período. Nenhuma outra abrangia o viés editorial adotado pela Rosa dos Tempos.

Perfilaram nos catálogos nomes de feministas internacionalmente famosas e que serviam de base para a ampla discussão promovida já nos primórdios dos anos 90, com grande destaque aos lançamentos acadêmicos e que também acabavam se tornando modelos de estratégias comerciais (CAVALCANTI, 2004, p. 256).

As autoras publicadas pela Rosa dos Tempos eram peças chave nas discussões feministas da época. Era primordial para Muraro trazer para sua editora teóricas que apresentavam pontos de vista e aspectos político-teóricos que estavam sendo discutidos ao redor do mundo. Muraro já havia publicado,

50

em 1971, A mística feminina , de Betty Friedan, pela Editora Vozes – já estava acostumada a trazer para o Brasil livros polêmicos capazes de mudar a mentalidade e revolucionar vieses de pensamentos. Em sua passagem pelo Brasil para o lançamento do livro, no mesmo ano, Muraro narra uma conversa que teve com Friedan:

[...] eu dizia: ‘Betty, eles estão ironizando o feminismo.’ E ela dizia: ‘Estão fazendo uma coisa muito importante a nosso favor, keep doing ’ ‘Vai fazendo.’ E aquele ‘ keep doing ’ ficou pra sempre na minha cabeça. É por isso que continuo dizendo ainda hoje que, se o que tem que se fazer é o que tem que ser feito, então vai fazendo (MURARO, 2000, p. 170).

Friedan deixou com Muraro, ao mesmo tempo, uma lembrança do que precisava ser feito e um pedido para que continuasse tendo forças para fazê-lo. Para difundir ideias feministas em um país capitalista e patriarcal, era preciso ter coragem, e as duas mulheres tiveram demasiada coragem em suas trajetórias.

Em Os seis meses em que fui homem, Muraro conta com detalhes como foi a passagem de Friedan pelo Brasil e por que causou tanto alvoroço. Trata-se de um relato valioso sobre os primeiros contatos da sociedade brasileira com ideias feministas.

Quando Betty Friedan chegou, as coisas explodiram. [...] Eram os tempos mais duros da ditadura. Por mais que eu a avisasse de que as coisas que dissesse comprometeriam a mim e não a ela, ela dizia sempre que podia dizer o que quisesse porque era uma cidadã americana livre. E eu que me danasse… A TV Globo começou a fazer enquetes em todas as esquinas do país. Todos os jornais, revistas, televisões nos deram as primeiras páginas ou chamadas. A Igreja e o Estado começaram, também, a cair em cima da minha cabeça. Logo da minha! [...] O motivo verdadeiro

51

daquilo tudo só apareceu mais tarde, em 75 [...] Vimos que o número de universitárias crescera cinco vezes num período de cinco anos! [...] Essa transformação econômica implicava outras transformações ainda mais aprofundadas na área do comportamento, entre elas uma completa reestruturação da sexualidade feminina (MURARO, 1990, p. 17-19).

A autora Anna Marina Barbará Pinheiro, em seu artigo “O feminismo midiático de Rose Marie Muraro” (2017), levantou algumas hipóteses que podem justificar o fato de a ação política feminista de Muraro despertar mais interesse do que repulsa na sociedade brasileira dos anos 1970, principalmente após Betty Friedan: Muraro não desprezava os homens publicamente; ela era vista como esposa e mãe de cinco filhos, valores importantes para a sociedade brasileira; Muraro tinha ligação com a Igreja Católica e era amparada por ela; Muraro não abriu mão de sua feminilidade ao longo de sua jornada e nem chocava as pessoas com sua aparência, como foi o caso de Friedan.

Como mostra Pinheiro (2017), essas hipóteses demonstram como Muraro “soube valer-se do espaço que lhe foi aberto para veicular as únicas ideias feministas que tinham condição de circular publicamente num período repressivo” (p. 6). Ela soube valer-se, ainda, das condições de privilégio em que estava inserida para difundir e divulgar ideias feministas em um momento em que elas eram extremamente necessárias.

Muraro seguiu seu legado criando uma editora em que poderia dar continuidade à disseminação de ideias feministas e levá-las ao alcance da maior quantidade possível de mulheres. Ainda que a editora não publicasse apenas obras feministas, a questão da mulher era explorada em sua grande maioria. Cavalcanti menciona um panfleto da editora que divulgava uma coleção chamada Arte de Ser Mulher, cujos livros abordavam

[...] [tudo] o que você precisa saber sobre o seu corpo e sua vida, desde esclarecimentos sobre a sexualidade até a releitura

52

da história do ponto de vista da mulher. [...] A editora Rosa dos Tempos convidou os mais importantes grupos e autores –do Brasil e de outros países – para escrever sobre cada assunto (CAVALCANTI, 2004, p. 256).

A popularização de assuntos relacionados à mulher e a seus desdobramentos era um dos principais objetivos das publicações da editora Rosa dos Tempos. Uma análise mais profunda do catálogo da editora será feita no tópico 1.4 deste capítulo.

2.2 - Rose Marie Muraro, a mulher impossível por trás de uma ideia impossível

Em uma entrevista concedida à Revista IHU On-Line, em 2013,13 Rose Marie Muraro afirmou que “[...] se você muda uma mulher, você muda o correr das gerações. Eu tenho a honra de ter ajudado, com a minha obra, a mudar a cabeça das gerações”.

Rose Marie Muraro foi uma escritora com 44 obras publicadas, títulos que foram fundamentais para contestar a realidade conservadora da sociedade brasileira do século XX, emancipando e oferecendo novas possibilidades para a mulher brasileira. Foi também uma ativista política e intelectual feminista, que rompeu barreiras extremamente conservadoras mantidas pela Igreja Católica na década de 1960, lutando pela libertação sexual feminina, e que foi perseguida a partir dos anos 1980 graças a uma guinada para o conservadorismo por parte da Igreja. Ela realizou todas suas atividades como escritora, pensadora e ativista política, mantendo sua vida pública, enquanto fazia a manutenção de sua vida privada, sustentando e sendo mãe de 5 filhos, e se responsabilizando financeiramente pelo sustento dos filhos e pelas dívidas de seu marido com quem foi casada por 23 anos.

13 Disponível em: http:// www.ihu.unisinos.br/ entrevistas/518182o-feminismotransformou-omundo-entrevistaespecial-com-rosemarie-muraro. Acesso em: 01 jun. 2019.

53

Muraro participou do corpo docente do Instituto Villa-Lobos, uma universidade alternativa que serviu como um embrião da Revolução das Mentalidades da década de 1970, e foi uma das maiores precursoras públicas do feminismo e das questões da mulher em plena ditadura militar, realizando palestras em cidades por todo país, falando em grandes emissoras de TV e publicando a obra Libertação sexual da mulher, livro que introduziu no Brasil as teses que as feministas estavam defendendo ao redor do mundo. Ela ajudou, fez parte e apoiou financeiramente a criação do Centro da Mulher Brasileira, um marco de consolidação para o feminismo brasileiro, e teve suas obras recolhidas pela polícia como uma demonstração de censura contra o movimento feminista que estava tomando força. Muraro foi, ainda, uma das conselheiras do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres, órgão responsável por diversas conquistas feministas, inclusive os direitos da mulher incorporados à Constituição de 1988, e nomeada a Matrona do Feminismo Brasileiro pelo governo federal em 2005, entre inúmeras outras conquistas e premiações pelo envolvimento com questões da mulher.

Ainda que sua trajetória editorial seja um dos aspectos menos explorados e apontados de sua vida pública, Rose Marie Muraro foi editora de mais de 1600 títulos durante toda sua carreira, a grande maioria deles voltados para mudança de pensamentos retrógrados e conservadores vigentes em sua época, com o olhar direcionado para estudos de gênero e para diversas opressões na cultura, nas ciências, nas correntes filosóficas, nas instituições, no Estado e no sistema econômico.

Rose Marie Muraro escreveu dezenas de livros que ajudaram no processo de mudanças na mentalidade de diversas gerações e editou centenas de livros que fizeram o mesmo. Seu valor para a sociedade brasileira é inestimável. E, por isso, urge a necessidade de tornar sua trajetória conhecida pela comunidade acadêmica que se debruça sobre temas relacionados, principalmente, à história do livro no Brasil, ao mercado editorial brasileiro, à consolidação do movimento feminista no Brasil e à introdução da literatura teórica sobre estudos de gênero no Brasil.

54

Em MMI (2000), Muraro relata duas passagens que ilustram como a edição de livros era sua principal atividade. Foi em 1965, quando começou a trabalhar na editora Forense, seu primeiro emprego oficial na área editorial.

Foi o Ernest Fromm, da Agir, quem disse: “Olha, tem uma vaga de editor na Forense.” Era uma grande editora, a maior do Brasil na área de direito. E ele acrescentou: “Acho que uma mulher com a sua capacidade tem que trabalhar com livros” (MURARO, 2000, p. 116).

Fromm demonstra admiração por Muraro e vislumbra nela grande potencial para trabalhar com livros. Na página seguinte, Muraro conta: Quando Fromm me disse aquilo, lembrei-me do que tinha acontecido comigo em Paris em 1950. [...] Um dia, uma das professoras me perguntou: “Você não quer ir ao lançamento do livro de uma jovem filósofa, sobre a mulher?” Era O segundo sexo, de Simone de Beauvoir. Na mesma semana, outro convite para outro lançamento. Era o livro de Norbert Wiener, La Cybernetique, a nova ciência do século XX. [...] Os dois livros tinham incendiado o mundo. Eu estava tendo um lampejo do que era ser editora. Eu também queria incendiar o mundo. Eu aceitara o emprego, mas não tinha noção nenhuma do que era editar (MURARO, 2000, p. 117).

Incendiar o mundo se tornou um dos objetivos de Muraro, e ela o fez com maestria ao longo de sua trajetória editorial. Um dos capítulos mais valiosos de sua vida foi a atuação na editora Vozes, período em que trabalhou ao lado de Leonardo Boff e pelas mãos de ambos se consolidaram dois dos movimentos sociais mais significativos do Brasil no século XX: o movimento feminista, que visava à emancipação das mulheres e a Teologia da Libertação, que até hoje figura como base da luta dos oprimidos.

55

Em um artigo apresentado no VIII Congresso Internacional de História, “A revolução sexual e o feminismo de Rose Marie Muraro através da imprensa alternativa contracultural nos anos 70”, de Patrícia Marcondes de Barros, encontra-se a seguinte descrição:

[...] Rose Marie Muraro (1930-2014), tida como uma das principais feministas brasileiras e interlocutora das ideias libertárias nos anos 70. Através de sua intensa participação no cenário cultural brasileiro com a publicação de artigos, livros, traduções e sua inserção no feminismo, num contexto de repressão ditatorial, deu visibilidade à luta emancipatória da mulher na perspectiva da contracultura (BARROS, 2017, p. 2259).

A menção da intensa participação de Muraro, no cenário político e cultural brasileiro, por meio da edição de livros nas diversas editoras onde trabalhou, como evidenciado no trecho supracitado, é infrequente. Quando raramente acontece, é majoritariamente ressaltada sua atuação na Editora Vozes, local onde trabalhou de 1961 até 1986, ano de sua expulsão por ordem do Vaticano, acompanhada de Frei Ludovico Gomes de Castro e Leonardo Boff. Isso fica claro no trecho a seguir, localizado no livro Intelectuais feministas no Brasil dos anos 1960: Carmen da Silva, Heleith Saffioti e Rose Marie Muraro (2018), de Natalia Pietra Méndez:

Após um período trabalhando no secretariado de opinião pública da CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil], no começo dos anos de 1960, Rose Marie foi convidada por Frei Ludovico, novo diretor, para integrar a equipe da Editora Vozes. Ali iniciou um trabalho de divulgação dos escritores brasileiros, acentuando o perfil da editora para além dos textos clericais. Neste círculo de convivência, fez amizade com Leonardo Boff, a quem lembra ter sugerido que, ao invés de traduzir para o português teólogos estrangeiros, procurasse escrever sobre a experiência vivida pela Igreja no Brasil: [...] eu disse ‘rapaz você

56

não pode querer traduzir europeus quando no Brasil nós temos uma vivência riquíssima e radicalmente nova’. E aí ele voltou com um livrinho chamado ‘Jesus Cristo Libertador’ de onde saiu toda a Teologia da Libertação. Então eu consegui incendiar o mundo tanto quanto eles, de outra maneira (Muraro, 2008, apud MENDÉZ, 2018, p. 84).

É interessante notar como, para Muraro, a ideia de “incendiar” sempre esteve ligada ao ato de editar e publicar livros. Ela via esse ofício como um ato revolucionário, que não só agregava conhecimento e saberes sociais capazes de mudar mentalidades, mas também atuava como uma política de valorização da cultura e dos saberes que estavam sendo produzidos em terras brasileiras. Para ela, era de extrema importância que os brasileiros tivessem acesso a uma teoria que dialogasse com a realidade vivida por eles no Brasil, e não um reflexo desalinhado do que estava sendo vivido na Europa ou nos Estados Unidos. Em seus livros, Muraro demonstra plena consciência de que a política social do Brasil era única e que necessitava de teorias e análises que fossem direcionadas para suas próprias questões, igualmente únicas e particulares. E, em todas as editoras em que trabalhou, fez questão de trazer para o catálogo autores e autoras brasileiras que estivessem envolvidos com discussões políticas, sociais, de estudos de gênero e da luta de classes.

Constância Lima Duarte (2003), em seu texto “Feminismo e literatura no Brasil”, traz uma contribuição interessante sobre as particularidades do movimento feminista brasileiro em relação aos feminismos de outros países:

Enquanto nos outros países as mulheres estavam unidas contra a discriminação do sexo e pela igualdade de direitos, no Brasil o movimento feminista teve marcas distintas e definitivas, pois a conjuntura histórica impôs que elas se posicionassem também contra a ditadura militar e a censura, pela redemocratização do país, pela anistia e por melhores condições de vida (DUARTE, 2003, p. 165).

57

Jacira Melo (2003, p. 298) afirma que publicar é uma ação política. Segundo ela, “além de serem importantes veículos para divulgação de informações, as publicações feministas também contribuem para o aprimoramento e a renovação de propostas e discursos políticos sobre a condição da mulher”. A atuação intelectual de Rose Marie Muraro ajudou a construir grande parte do conhecimento primário brasileiro sobre a condição da mulher no século XX: oprimida, invisibilizada, submetida e violentada. A partir de portas abertas por ela, as mulheres brasileiras puderem ter acesso a obras teóricas e a estudos filosóficos sobre feminismo e empoderamento feminino que já ecoavam na Europa e nos Estados Unidos.

Os anos 1970 foram fundamentais para a consolidação da perspectiva e da prática feminista de Rose Marie Muraro. A vinda de Betty Friedan para o Brasil pela Editora Vozes em 1971 foi um divisor de águas em sua carreira, pois tornou pública sua ação política, noticiada amplamente pela imprensa brasileira.

Depois de sua expulsão da Editora Vozes, em 1986, Rose Marie Muraro teve um câncer grave. Porém, não permitia que isso interrompesse seu trabalho como editora e, paralelamente, criou a editora Espaço & Tempo, tendo Ronaldo Carneiro da Rocha como sócio. Segundo ela, sua expectativa era de que Ronaldo e seu filho fossem os fornecedores do capital e ela a empresária que editaria os livros (MURARO, 2000, p. 281).

A Espaço & Tempo foi uma editora como a Vozes, com um lindo catálogo. Fiquei lá de 86 a 88, incluindo os meses da operação do meu câncer. Eles foram muito legais comigo. Pagaram meu salário normalmente na época do câncer, queriam até financiar o tratamento, mas não deixei, não era o caso. Vieram Marta Suplicy, Gabeira, Junito Brandão, Eliane Maciel, René Dreifuss, muita gente importante... Tinha livros na lista de bestsellers da Veja e tudo. [...] Não deixei outras editoras me chamarem para continuar o trabalho da Vozes. Se fosse procurar trabalho teria

58

encontrado em São Paulo, certamente. Mas nem queria. E vi então que esse trabalho estava esquisito... o nosso outro sócio falou com o Marcelo: ‘Ou ela ou eu.’ Marcelo então escolheu ele. E fui expulsa, mais uma vez. E de repente (MURARO, 2000, p. 304).

Após esse infortuno episódio, Muraro demonstra impressionante resiliência permanecendo no mercado editorial e procurando sócios para seu novo projeto: a editora Rosa dos Tempos. Conforme discutido anteriormente, ela já havia identificado uma lacuna editorial sobre estudos de gênero e resolveu ir em busca de pessoas com quem pudesse compartilhar seu sonho.

Conforme relatado em MMI (2000), Ruth Escobar, Laura Civita, Neuma Aguiar e Alfredo Machado foram os sócios de Muraro nesse projeto. Reiteramos que essa é a única obra que oferece informações sobre a criação da editora Rosa dos Tempos e que menciona suas sócias e colaboradores. Lá, ela conta fragmentos de sua amizade com Ruth Escobar, menciona Neuma Aguiar como uma companheira de ativismo feminista e relata, ainda, como conheceu Laura Civita e como ela tornou-se sua sócia na fundação da Rosa dos Tempos.

A bibliografia sobre essas mulheres é bastante reduzida. A mais conhecida delas é Ruth Escobar, que teve uma ampla carreira pública no teatro e no ativismo político, sempre adotando uma postura contestadora. Porém, poucos sabem que ela teve participação na criação da editora Rosa dos Tempos. Ainda assim, seus contatos e sua notoriedade na sociedade paulistana da década de 1990 foram fundamentais para que a Editora encontrasse um cenário favorável ao seu lançamento, principalmente no que diz respeito à divulgação em grandes veículos da imprensa, além da disponibilização do Teatro Ruth Escobar para eventos relacionados à Editora.

Para que fosse concedido a Rose Marie Muraro o título de Patrona do Feminismo Brasileiro, foi emitido, em 2004, pelo Governo Federal, um documento/projeto de lei que continha a justificativa para a obtenção do

59

14 Disponível em: https://www. camara.leg.br/ proposicoesWeb/ prop_mostrarinte gra;jsessionid=7D 50800F4054A0F 448C7A8F1E19595D6. node2?codte or=343186&file name=Avulso+ -PL+4293/2004. Acesso em: 23 jun. 2019.

15 Disponível em: https://www.ufmg.br/ ieat/2011/10/neumaaguiar/. Acesso em: 31 jul. 2019.

título, de autoria da então Deputada Laura Carneiro14. Nesse documento, consta a seguinte informação: “Em 1990, junto com Laura Civita, Neuma Aguiar, Ruth Escobar e a Editora Record, fundou a editora Rosa dos Tempos, a primeira editora de mulheres na América Latina, de onde saíram mais de duzentos títulos.” Essa informação confirma a existência dos sócios e confirma também a existência de mais de 200 títulos publicados pela editora Rosa dos Tempos. O documento traz ainda diversas informações biográficas e profissionais sobre Rose Marie Muraro.

Neuma Aguiar foi amiga pessoal de Rose Marie Muraro e fez parte de seu grupo de sócios. Segundo seu perfil acadêmico, no site da Universidade Federal de Minas Gerais,15 Aguiar tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Gênero e Sociedade, atuando principalmente nos seguintes temas: gênero e patriarcado, movimentos de mulheres, estratificação e mobilidade social, sociologia internacional comparada e sociologia dos usos do tempo. Tais áreas de atuação apresentam afinidade direta com os temas que eram tratados nos livros da Rosa dos Tempos – essa pode ser uma das hipóteses para o motivo de escolha de Aguiar como sócia.

Sobre Laura Civita, sabe-se que, nesse período, era casada com Eduardo Civita, então diretor do Grupo Abril, e que isso garantia à Rosa dos Tempos grande presença e notoriedade na mídia da época, conforme consta em MMI (2000). Os lançamentos sempre tinham notas publicadas na Revista Veja, que acabou se tornando uma importante aliada da editora.

Uma informação interessante é que Neuma Aguiar e Laura Civita têm livros publicados pela editora Rosa dos Tempos: “Gênero e Ciências Humanas: desafio às ciências desde a perspectiva das mulheres” e “ Rio de Janeiro plural: um guia para políticas sociais por gênero e raça”, da primeira, e “ O melhor de Carmen da Silva”, da segunda.

Alfredo Machado, por sua vez, foi a ligação das sócias com a editora Record. Segundo reportagem publicada na Revista Veja , em 1991,

60

Machado iniciou sua carreira de editor em 1940, com a criação da Record Serviços de Imprensa, que seria transformada em editora em 1960. Em 1962, editou e publicou o livro O Poder das Ideias, do jornalista político Carlos Lacerda, de quem era amigo. Foi seu primeiro grande sucesso editorial, com 300.000 exemplares vendidos, e marcou o início de uma rotina que, em pouco tempo, levaria a Record ao posto de uma das maiores editoras do país.

Sobre a participação de Alfredo Machado, a hipótese é que ela tenha se dado como meio de viabilizar a parte logística da criação da editora, como Muraro aponta neste trecho de MMI (2000): “A Record, em vez de dar dinheiro, entrava com a produção e a impressão dos livros. Ela distribuía também” (p. 308).

2.3 - Presença da editora Rosa dos Tempos no merca do editorial e levantamento do catálogo de títulos

O número exato de publicações da editora Rosa dos Tempos é um dado não documentado em nenhuma bibliografia. Para viabilizar a catalogação dos títulos, foi realizada uma pesquisa no site da Agência Brasileira do ISBN, utilizando o verbete “Editora Rosa dos Tempos” para reunir as publicações cadastradas, e também nos sites Estante Virtual, Google Books, Portal dos Livreiros e Skoob, além do próprio site da editora Record, que ainda abriga alguns títulos antigos da Rosa dos Tempos – os últimos que foram lançados antes de seu encerramento.

Para catalogação dos gêneros dos livros da editora, foi utilizada a Classificação Decimal de Dewey (CDD – em inglês, Dewey Decimal Classification, DDC). Conforme consta no site oficial da OCLC16 (Online Computer Library Center – organização sem fins lucrativos, considerada a maior cooperativa de bibliotecas, museus e arquivos do mundo), trata-se de uma classificação

16 Disponível em: https://www.oclc.org/ en/dewey/resources/ public.html. Acesso em: 23 jun. 2019.

61

17 Disponível em: http:// www.isbn.bn.br/ website/tabela-deassuntos. Acesso em: 23 jun. 2019.

desenvolvida em 1876 por Melvil Dewey e, desde então, tem sido o sistema mais utilizado em bibliotecas de todo o mundo, assim como em editoras e em agências de catalogações de livros. A Agência Brasileira do ISBN e a Câmara Brasileira do Livro também utilizam o CDD como método de classificação e para emissão de ISBNs e fichas catalográficas. A lista de códigos disponível no site da Agência Brasileira17 foi a fonte primária para consulta e para elaboração do Apêndice A e do levantamento de dados que será apresentado a seguir. Os gráficos foram elaborados com base nos dados contidos no quadro do Apêndice A.

FIGURA 2.1 – Gênero dos autores da editora Rosa dos Tempos

FONTE: elaboração da autora.

A Fig. 2.1 diz respeito ao gênero dos autores da editora Rosa dos Tempos: 30,7% são do gênero masculino e 69,3% do gênero feminino. Não foi

62

localizado nenhum autor ou autora que se identifique como transsexual e/ ou não binário. Nota-se que a maioria das autoras são mulheres e, com isso, podemos identificar que existiu, de fato, um alinhamento entre o discurso da editora de promover a representatividade feminina e a prática editorial ao tratar de questões da mulher escritas por mulheres. Rose Marie Muraro, como editora-chefe, priorizou a escolha de autoras mulheres da mesma forma que fez na editora Vozes. Os números indicam que seu trabalho de dar voz à escrita feminina foi bem-sucedido, como havia sendo desde a década de 1970.

FIGURA 2.2 – Nacionalidade dos autores da editora Rosa dos Tempos

FONTE: elaboração da autora.

O país com mais autores publicados pela editora Rosa dos Tempos é o Brasil, seguido pelos Estados Unidos e, em seguida, pela França. Houve, ainda, oito

63

países que tinham apenas um autor de origem e foram contabilizados como “Outros” na Fig. 2.2: Suíça, Romênia, República Tcheca, Polônia, Índia, Canadá, Áustria e Austrália. Com base nesses dados, é possível identificar a preferência da editora pela valorização da escrita nacional e pela construção de uma teoria feminista produzida por mulheres brasileiras, que levasse em consideração os contextos históricos, políticos e sociais do Brasil, assim como suas particularidades advindas do período de ditadura militar e de devastador processo de colonialismo. Muraro trata em MMI (2000) sobre a existência de teorias feministas espalhadas pelo mundo, mas que não cabiam no contexto brasileiro e nem dialogavam com as mulheres brasileiras – fato esse que ela identificou como uma lacuna teórica no mercado editorial brasileiro da década de 1990 (p. 174).

FIGURA 2.3 – Publicações da editora Rosa dos Tempos por ano no período 1990-2005

FONTE: elaboração da autora.

64

A Fig. 2.3 mostra os anos de atuação da editora Rosa dos Tempos e a quantidade de livros publicados por ano (sendo 215 o total, como consta no Apêndice A, com exceção da obra As 1001 dicas de Cláudia para donas de casa à beira de um ataque de nervos, que não apresenta ano de publicação). Os anos de maior intensidade de publicação foram 1997 e 1998, momento em que a editora aposta fortemente em obras com um viés místico e esotérico.

Além de livros teóricos de estudos de gênero e de obras que tratavam sobre a condição da mulher, a editora Rosa dos Tempos tinha em seu catálogo diversas publicações de cunho esotérico e místico. Uma hipótese para a aposta nesse campo pode ter sido o sucesso advindo do escritor Paulo Coelho, cuja obra O alquimista ocupou o segundo lugar na lista dos livros mais vendidos de literatura ficcional no ano de 1989 e O diário de um mago alcançou o posto de quinto livro mais vendido de 1989 e o segundo em 1990 (REIMÃO, 2018, p. 44). A partir desses dados, foi possível identificar no público leitor brasileiro uma inclinação para um viés de misticismo na literatura que pouco havia sido explorado até então. Uma hipótese levantada, a partir desses dados, é de que essa preferência acaba por demonstrar uma espécie de “rompimento” com a hegemonia cristã em âmbito nacional, por parte do público leitor, aliado ainda à curiosidade sobre temas que extrapolavam a ordem religiosa que era estabelecida  e suscitavam interesse sobre temas que permeavam os mistérios da existência, do autoconhecimento e da cura – assuntos que eram tratados em vários livros da Rosa dos Tempos.

Da mesma forma que Paulo Coelho pode ter sido um fator que influenciou a escolha do viés místico nos livros da Rosa dos Tempos, a editora colaborou, junto ao autor, com o aumento de autores nacionais no mercado editorial brasileiro na década de 1990 (REIMÃO, 2001).

65

FIGURA 2.4 – Publicações x gêneros das obras da editora Rosa dos Tempos

FONTE: elaboração da autora.

A maioria absoluta das obras da editora Rosa dos Tempos eram de Psicologia – viés que se desdobra, principalmente, nos assuntos de sexualidade e educação sexual, segundo análise das sinopses dos livros. Os demais gêneros que não entraram no gráfico foram pulverizados por terem apenas uma ou duas obras correspondentes. Ao todo, somam 21, e são eles: Sociologia e Antropologia (2), Literatura Infanto Juvenil (2), História do Brasil (2), Biologia (2), Artes (2), Antropologia (2), Sexualidade (1), Psicoterapia (1), Poesia (1), Humor (1), História da Bíblia (1), Espiritualidade (1), Esoterismo (1), Economia (1) e Direito (1).

A partir da análise dos gêneros-chave das obras, percebe-se que a editora parecia ter como objetivo abarcar assuntos que poderiam despertar o interesse

66

de mulheres de faixa etária que cobre de 20 até 70 anos, aproximadamente, levando em consideração que a expectativa de vida das mulheres brasileiras, na década de 1990, era de 70,91 anos.18

Muraro fala em MMI (2000) sobre alguns lançamentos da editora e sobre como eram as estratégias adotadas para divulgação dos livros, além de mencionar detalhes que tornavam suas edições ainda mais bem-sucedidas, como prefácios e paratextos. Eram feitos estrondosos eventos de lançamento no tradicional eixo cultural Rio-SP, mas também havia esforços para o enraizamento da editora nas capitais fora do eixo, como também no Nordeste e no Centro-Oeste, além de uma impressionante cobertura midiática em diversos meios de comunicação (p. 327). Esse tipo de ação aumentava a presença midiática de Rose Marie Muraro, fato que, consequentemente, alavancava a venda dos livros de sua autoria e também dos livros da Rosa dos Tempos.

Este é um relato que demonstra a estratégia adotada no lançamento do livro O martelo das feiticeiras, lançado no dia 31 de janeiro de 1991:

O livro já estava traduzido, eu já fizera uma introdução histórica para ele, e encomendei a Carlos Byington, psicanalista junguiano, um prefácio. [...] Foi direto para o primeiro lugar em todas as listas de bestseller s. Fizemos o lançamento no Rio de Janeiro, no Teatro Teresa Raquel. Márcia Soares já trabalhava comigo na divulgação desde a Espaço & Tempo, e conseguiu uma cobertura fantástica. Claro, o livro puxou a cobertura, eu até apareci vestida de bruxa no Jornal do Brasil. [...] Acho que a introdução que escrevi fez o inquisidor tremer na tumba. Vingue-me dele como bruxa. Para sempre! (MURARO, 2000, p. 308-309).

Aparentemente, os grandes eventos e a presença midiática eram marca registrada da Rosa dos Tempos. Muraro continua descrevendo:

18 Dado disponível em: https://biblioteca. ibge.gov.br/index. php/biblioteca-catal ogo?view=detalhes& id=25851. Acesso em: 25 set. 2019.

67

Fazíamos lançamentos imensos no Rio e em São Paulo, eventos memoráveis. O de As mais belas orações e o A magia do caminho real, de Anna Sharp, foram ótimos. Trouxemos Baby Consuelo e César Romão. Lotamos o Teatro Ruth Escobar. Disse Ruth que deu mais gente do que quando a Shirley MacLaine se apresentou. Foi um barato. E a quantidade de programas de televisão... (MURARO, 2000, p. 310).

Este é o último relato que demonstra a grandiosidade dos planos de divulgação da editora e de como a presença de Rose Marie Muraro era fundamental para garantir o sucesso dos eventos. Segundo ela, Gilmar Chaves era responsável por organizar as viagens e entrar em contato com instituições legitimamente representativas da sociedade brasileira, como núcleos de mulheres das universidades, partidos políticos por intermédio de seus núcleos femininos, movimentos populares e muitos outros:

Através dessas mobilizações, se conseguiam cartazes, convites, programas, faixas, lugar para a palestra, som e mídia local. [...] Dependendo da cidade, apareciam quinhentas, seiscentas, oitocentas, até mil e quinhentas pessoas. Houve lugares em que o auditório não comportava tanta gente, e mesmo assim as pessoas esperavam a palestra para ficar me olhando. [...] A lista das cidades é impressionante: além de Vitória, Goiânia, Brasília, Aracaju, João Pessoa, Natal, Fortaleza, fui a Vitória da Conquista, Campos etc. [...] Em muitas dessas cidades, as prefeituras adquiriam livros para distribuírem às suas bibliotecas e núcleos de mulheres. Nenhuma editora brasileira realizou um trabalho de enraizamento de tamanha profundidade. O gasto para a editora desses lançamentos era quase nenhum, praticamente só as passagens. Eu me sentia perfeitamente dentro da vocação para a qual havia nascido (MURARO, 2000, p. 327-328).

68

Porém, nem tudo foram flores. Muraro (2000) relata como a trajetória da editora foi atribulada, com altos e baixos financeiros, ainda que a grade de temas fosse riquíssima e de viés pioneiro, que visava ao sucesso. Sobre seus dois primeiros anos de existência, 1990 e 1991, ela conta:

[...] a Rosa dos Tempos começou com tudo, e O martelo das feiticeiras estourou de vez. Era muito dinheiro que a gente ganhava. Durante esse primeiro ano [1990], publicamos livros absolutamente ótimos. Além de O martelo das feiticeiras, havia também livros sobre a saúde da mulher, sobre o macho, o novo homem, sobre grandes figuras da história do Brasil, como Chiquinha Gonzaga, que mais tarde inspirou a minissérie adaptada pela Rede Globo e que teve o maior sucesso. No fim de 1991, quando O martelo das feiticeiras já em trava em sua fase estável, começamos a perder dinheiro. Ficou difícil (MURARO, 2000, p. 310).

A obra responsável pela guinada positiva em 1992 foi O sucesso não ocorre por acaso, de Lair Ribeiro, que vendeu cem mil exemplares. Como estratégia, Muraro optou ainda por trazer para o catálogo da Rosa dos Tempos As mais belas orações de todos os tempos, livro de sua autoria que estava publicado pela editora José Olympio. Foi uma escolha certeira, pois as vendas atingiram as expectativas (MURARO, 2000, p. 310).

Em 1994, porém, a realidade da editora era de prejuízo: gastava-se muito e vendia-se pouco. Durante essa fase, Laura Civita foi fundamental para garantir o andamento dos negócios, fechando grandes projetos especiais com marcas como a IBM, a Avon, a Sharp, as revistas Claudia e Nova –medidas que deram o fôlego necessário à editora até o início do Plano Real, momento em que as empresas começaram a ver o dinheiro desaparecer do mercado (MURARO, 2000, p. 315).

O sócio Alfredo Machado faleceu em 1992, e Sérgio Machado assumiu a presidência da editora Record. No final do ano de 1994, ele comprou a

69

Rosa dos Tempos por 180 mil dólares. Muraro conta como esta foi uma jogada turbulenta:

Sérgio Machado fez uma avaliação com a Laura Civita. No dia anterior ela dissera que compraria a editora, mas no dia seguinte decidiu vendê-la. Fiquei tonta. Sérgio Machado tinha dito que seria confortável para ele tanto comprar como vender. Levei um susto. [...] Eu, no entanto, não podia ver o futuro, e achei que ela havia me traído. Não foi... Ela e meu filho André estavam fazendo um plano muito sofisticado para a Editora Rosa dos Tempos. [...] Hoje, já com distanciamento, acho que foi correto a venda da editora para quem é profissional no assunto. Quer dizer, todas as limitações naturais que existem na minha relação com Sérgio são nada diante da segurança empresarial que ele tem. Foi duro para mim a nova disciplina. No ano de 1995, fiquei no que se chama de ‘piloto automático’, isto é, eu só colocava para fora livros já contratados... e editei livros que na minha cabeça não tinham valor intelectual, só comercial (MURARO, 2000, p. 324-325).

Nos anos seguintes, Rose Marie Muraro seguiu trabalhando na editora Rosa dos Tempos, que agora fazia parte oficialmente da editora Record. A maior quantidade de livros da editora foi lançada a partir desse período – o que nos leva a inferir que esse estado de “piloto automático” foi, felizmente, vencido com vigor, ainda que muitos livros comerciais tenham sido lançados para garantir a saúde financeira da editora (que agora era um selo editorial, porém mantinha o nome original).

Sobre o encerramento da editora, as informações são insuficientes e não é possível inferir quando foi exatamente que cessaram as publicações da editora Record pela Rosa dos Tempos. No documento/projeto de lei emitido pelo Governo Federal que fora supracitado, consta que “[...] em janeiro de 2000 [Rose Marie Muraro] desligou-se da Editora Rosa dos Tempos”. Esse fato

70

abre margem para supor que as obras que foram publicadas pela editora depois desse período podem não ter sido editadas por Muraro, e, sim, pela equipe que assumiu o selo após sua saída. Não foi localizada nenhuma informação acerca do “desligamento” de Rose Marie Muraro da editora Record, tampouco os motivos que a levaram a sair da editora. No ano de publicação da primeira edição de MMI, 1999, ela ainda trabalhava na Record.

Uma matéria n’O Globo (versão digital)19 afirma que “depois de 2005 e com 170 livros lançados, hoje fora de catálogo, o selo [Rosa dos Tempos] acabou esquecido”. Porém, tal indicação demonstra como são divergentes e controversas as informações sobre a Rosa dos Tempos, uma vez que o levantamento de títulos mostra que ao menos 215 livros foram lançados no período entre 1990 e 2005. O mesmo levantamento identifica que o último título publicado pela editora Rosa dos Tempos foi Senhoras do Santíssimo Feminino, de Marcia Frazão, no ano de 2005 – o que nos leva a inferir que esse pode ter sido, de fato, o último ano de existência da editora. Acredita-se que os títulos remanescentes no site da editora Record, na sessão da Rosa dos Tempos,20 tenham sido os últimos lançados antes do encerramento e da reativação da editora como um selo do Grupo Editorial Record.

19 Disponível em: https:// oglobo.globo.com/ cultura/livros/gruporecord-reativa-rosados-tempos-seu-selofeminino-22251894. Acesso em: 25 jun. 2019.

20 Disponível em: http:// www.record.com. br/grupoeditorial_ editora.asp?id_ editora=8. Acesso em: 25 jun. 2019.

71
3 FEMINISMO NO MERCADO EDITORIAL, REATIVAÇÃO DA ROSA DOS TEMPOS E O INSTITUTO CULTURAL ROSE MARIE MURARO

Sabemos que o último livro publicado pela editora Rosa dos Tempos é datado de 2005. A partir daí, em quais condições se encontrava o feminismo brasileiro? Para responder a essa pergunta, é importante contextualizar que, na última década do século XX, o movimento sofria um processo de profi ssionalização, segundo Céli Regina Jardim Pinto (2010). Isso se deu por meio do incentivo e da criação de Organizações Não Governamentais (ONGs), que tinham como foco principal a intervenção junto ao Estado, de forma que as demandas pelos direitos das mulheres fossem atendidas, “a fi m de aprovar medidas protetoras para as mulheres e de buscar espaços para sua maior participação política” (p. 17). Ela indica, ainda, como a luta contra a violência da mulher era uma das questões centrais dessa época, contando com centenas de marchas, mobilizações e ações políticas.

A própria editora Rosa dos Tempos publicou livros sobre o tema na década de 1990: O estupro e o assédio sexual: como não ser a próxima vítima (1997), de Isaac Charam, e Eu nem imaginava que era estupro (1996), de Robin Warshaw, além de publicar também o Guia dos Direitos da Mulher (1996), elaborado pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria, uma ONG fundada em Brasília em julho de 1989.

Em 2006, fi nalmente ocorreu o sancionamento da Lei Maria da Penha, que veio como resposta a mais de 20 anos de luta em torno da causa.

A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) tornou mais rigorosa a punição para agressões contra a mulher quando ocorridas no âmbito doméstico e familiar. A lei entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006 [...] O nome da lei é uma homenagem a Maria da Penha Maia, que foi agredida pelo marido durante seis anos até se tornar paraplégica, depois de sofrer atentado com arma de fogo, em 1983 (SENADO Notícias, Lei Maria da Penha, 2006).

Na década de 2000, o feminismo seguiu evoluindo, transformando-se e se moldando às novas demandas e aos novos parâmetros sociais estabelecidos. A

75

ascensão tecnológica foi fundamental para propagar os métodos de ampliação e de divulgação de discursos, além de servir como meio para viabilizar o agrupamento de mulheres cujos ideais eram semelhantes. Sobre o movimento, “é possível identificar sua presença ativa na sociedade brasileira. Essa presença é marcada por uma gama muito variada de identidades políticas, diferentes graus de institucionalização e diversos modos de expressão” (GOMES; SORJ, 2014, p. 435).

Houve diversos acontecimentos relevantes para o feminismo brasileiro na década de 2000, como a consolidação da Marcha Mundial das Mulheres e da Marcha das Margaridas, a marcha das trabalhadoras do campo. Além desses, Céli Pinto (2010) aponta dois eventos que foram expressivos:

Ainda é mister apontar para as duas Conferências Nacionais para a Política da Mulher, ocorridas em 2005 e 2007, que mobilizaram mais de 3 000 mulheres e produziram alentados documentos de análise sobre a situação da mulher no Brasil (PINTO, 2010, p. 17).

Em 2010, foi eleita Dilma Rousseff, a primeira mulher presidente do Brasil, que convocou nove mulheres para ocuparem os ministérios, um recorde na representação política. Mesmo repleto de ressalvas e de desdobramentos, tal fato impulsionou a movimentação de mulheres brasileiras, pois encontraram, pela primeira vez, relativo apoio e amparo na política vigente.

Em 2011, ocorreu a primeira Marcha das Vadias em São Paulo, manifestação feminista que se tornou um dos principais marcos do feminismo contemporâneo na década de 2010.

A Marcha das vadias é um protesto feminista que ocorre em várias cidades do mundo. [...] Começou em Toronto, em 2011, como reação à declaração de um policial, em um fórum universitário sobre segurança no campus, de que as mulheres poderiam evitar ser estupradas se não se vestissem como sluts (vagabundas, putas,

76

vadias). Reconhecendo nesta declaração um exemplo amplamente aceito de como a violência sexual é justificada com base no comportamento e corpo das mulheres, a primeira Slutwalk de Toronto teve como principais bandeiras o fim da violência sexual e da culpabilização da vítima, bem como a liberdade e a autonomia das mulheres sobre seus corpos. [...] No Brasil, São Paulo foi a primeira cidade a organizar uma marcha, em 2011, adotando o termo “vadias”. A rapidez com que a marcha se disseminou pelo país e mobilizou a juventude é indissociável das possibilidades que as novas tecnologias de comunicação oferecem ao ativismo político (GOMES; SORJ, 2014, p. 437).

Ainda sendo relevante, é importante ressaltar que a marcha não representa uma unanimidade de vieses políticos entre as feministas. Ela comumente é alvo de críticas por parte do movimento negro, por não ser inclusiva e não considerar devidamente os recortes de classe tampouco os de raça – um importante recorte que veio ganhando força desde a década de 1980 e não é mais passível de invisibilidade no feminismo contemporâneo.

A partir de 2015, a evidência e a afirmação do movimento feminista brasileiro atingiram níveis nunca antes vistos. E, como Gomes e Sorj afirmaram na citação acima, é impossível não associar essa visibilidade à ascensão da mobilização de mulheres por meio de redes sociais. Cristiane Costa (2017) afirma que “nunca as táticas e a militância das mulheres foram tão potencializadas e produziram reações e alianças na escala que se vê hoje” (p. 43).

Pelas entrevistas, conversas e encontros com as jovens ativistas e/ ou artistas, notamos que se autonomear feminista ficou confortável apenas no início da década de 2010, especialmente a partir de 2015, quando o ativismo feminista ganhou grande visibilidade e a palavra das mulheres se impôs estrategicamente no campo das artes e das letras (KUHNERT, 2017, p. 75)

77

Um dos diferenciais do feminismo subsequente ao ano de 2015 é justamente ser público, escancarado e sem medo, características que se amplificam por meio das redes sociais. A popularização dos pensamentos feministas fez com que as demandas, que antes pareciam distantes e inacessíveis, se tornassem peças do cotidiano, em discussões facilmente encontradas em ambientes empresariais ou acadêmicos, por exemplo. As pautas feministas adentraram esferas públicas e privadas. A efetividade dos diversos ativismos feministas também foi fundamental para garantir maior segurança para uma mulher se assumir feminista, ainda que ainda existam contextos em que essa viabilização não tenha chegado com tanta intensidade, ainda que ainda exista uma parcela de mulheres que têm medo de se assumirem feministas, esse número é, definitivamente, menor do que era na década de 1970. E, ainda que os adversários ideológicos também tenham se tornado mais fortes e mais agressivos, as mulheres não se intimidaram. Muito pelo contrário: continuam multiplicando suas conquistas e fazendo com que elas ecoem para as que ainda não foram atingidas ou contempladas.

Algumas iniciativas editoriais recentes comprovam o “boom” do feminismo nas diversas mídias, com foco principal nas impressas. Tais iniciativas são extremamente necessárias, uma vez que o mercado editorial é tradicionalmente conhecido por ser restrito e machista, no que cabe à produção e também à escrita.

A pesquisa coordenada por Regina Dalcastagnè confirma esse fato. Em artigo que apresenta os resultados dessa pesquisa – intitulada “Personagens do romance brasileiro contemporâneo”, que analisou 258 obras, número que corresponde à soma dos romances brasileiros publicados no período entre 1990 e 2004, pelas editoras Companhia das Letras, Record e Rocco –, a autora afirma que, dos 165 autores que constaram na análise, 120 eram homens (somando 72,7% do total) (p. 28).

Cerca de 70 anos após Virginia Woolf publicar sua célebre análise das dificuldades que uma mulher enfrenta para escrever,

78

a condição feminina evoluiu de muitas maneiras, mas a literatura – ou, ao menos, o romance – continua a ser uma atividade predominantemente masculina (DALCASTAGNÈ, 2011, p. 31).

A predominância masculina ocorre inclusive nas personagens. Segundo ela, “773 (62,1%) são do sexo masculino, contra apenas 471 (37,8%) do sexo feminino” (p. 35). Ou seja: tais dados demonstram como o campo editorial e o campo literário reproduzem os padrões de exclusão e de discriminação da sociedade brasileira.

21 Disponível em: https://leiamulheres. com.br/sobre-nos/. Acesso em 20 out. 2019.

22 Disponível em: http:// www.clubelesbos.com. br/sobre-nos. Acesso em 20 out. 2019.

Ciente dessa falta de protagonismo e de visibilidade, em 2014, a escritora britânica Joanna Walsh propôs o projeto #ReadWomen2014 (#LeiaMulheres2014, em tradução livre), que tinha como objetivo popularizar a leitura de mulheres escritoras. Em 2015, três mulheres brasileiras transformaram a ideia de Walsh em um projeto presencial para ocupar livrarias e espaços culturais, como um clube de leitura, que elas definem como “um convite à leitura de obras escritas por mulheres, de clássicas a contemporâneas”.21 A hashtag #LeiaMulheres se popularizou de maneira impressionante no Brasil, tornando-se uma iniciativa livre, inspirando mobilizações, clubes de leitura e encontros de mulheres por todo o país, cada vez mais numerosos, fortes e diversos.

O Clube Lesbos22 é um exemplo, projeto que surgiu como resposta para a pergunta: “e se existisse um espaço para discutir apenas obras lésbicas?”, como as criadoras descrevem em seu site. Assim como o Clube Lesbos, existem centenas de clubes de leitura de mulheres espalhados pelo Brasil, sob diferentes vieses, seja de sexualidade, de gênero, de classe, seja de raça.

O canal do Youtube “Bondelê” de Mariana Mendes e Carolina Freitas da Cunha, também é um exemplo que tem como objetivo a divulgação de mulheres escritoras. Segundo elas, cada vídeo do canal “é composto de um comentário sobre uma ou mais obras de determinada autora que, em seguida, é entrevistada”.23

23 Disponível em: https://www.bondele. com.br/. Acesso em 20 out. 2019.

79

24 Disponível em: https://kdmulheres. com.br/kdmulheresna-flip-2019-fiquepor-dentro-daprogramacao/. Acesso em 20 out. 2019.

25 Disponíveis em: https://brasil. elpais.com/bra sil/2017/07/21/cultu ra/1500669600_382468. html e https:// g1.globo.com/po p-arte/flip/2018/ noticia/2018/07/29/ hilda-hilst-e-a-autora -mais-vendida-da-flip -2018-e-djamila-ribei ro-tem-dois-livros-no -podio-veja-o-top-ten. ghtml, respectivamente. Acesso em: 20 out. 2019.

26 Disponível em: http:// www.justificando. com/2017/08/28/ coordenada-pordjamila-ribeirocolecao-feminismosplurais-e-novidadedo-justificando/. Acesso em 20 out. 2019.

Em 2014, nasceu um movimento chamado #KDmulheres?,24 tendo como objetivo questionar a pouca presença de mulheres na programação da FLIP, a Festa Literária Internacional de Paraty. Aliada a essa iniciativa, houve ainda uma grande pressão por parte dos movimentos negros cobrando a representatividade de raça na Festa Literária. As cobranças parecem ter surtido algum efeito, pois a mudança começou a ocorrer timidamente na edição de 2016, com 44% de participação feminina entre os autores. A FLIP de 2017, pela primeira vez, contou com mais mulheres do que homens na programação. Na edição de 2018, a autora Conceição Evaristo foi homenageada e a autora Djamila Ribeiro teve a obra O que é lugar de fala? como segunda mais vendida durante o evento, fatos que demonstram o engatinhar do campo literário brasileiro rumo à inclusão de minorias sociais.25

Em 2017, nasceu a coleção Feminismos Plurais, uma parceria da editora Letramento e do portal Justificando, organizada pela feminista Djamila Ribeiro. Segundo nota postada no Justificando, “a coleção visa a abordar em uma série de pequenos livros diversos aspectos e perspectivas dos feminismos, tendo como pilar principal mulheres negras e indígenas e homens negros como sujeitos políticos”.26

As maiores editoras e grupos editoriais do Brasil, como Intrínseca, Rocco e Companhia das Letras, têm selos ou coleções de livros feministas e/ou sobre estudos de gênero, com foco em escritoras mulheres clássicas e contemporâneas.

Há uma iniciativa que endossa o coro dos projetos independentes que valorizam a escrita feminina e a presença e a atuação de mulheres no mercado editorial brasileiro: a Quintal Edições, uma editora composta só por mulheres que tem como objetivo publicar livros produzidos por mulheres. Em reportagem publicada no site do jornal O Tempo, a editora Carol Magalhães afirma:

Quando começamos, não sabia de nenhuma outra que dava esse tipo de tratamento ao seu projeto editorial, mas eu tenho tido

80

notícias de que começaram a aparecer alguns selos dentro de editoras com esse propósito, como se tivessem criando núcleos só para mulheres dentro de determinada casa. Ainda não falei com todas, mas acho interessante trocarmos ideias.27

O surgimento de selos voltados para publicação de mulheres e editoras independentes sob esse viés é uma tendência de atuação do feminismo contemporâneo. É o caso da editora Linha a Linha:

Somos uma editora que prioriza obras feitas por autoras mulheres e por autores/as não mulheres pertencentes à comunidade LGBT. Também nos concentramos em reproduzir o menos possível outras desigualdades, procurando dar espaço a profissionais, escritoras e intelectuais negras e indígenas, e selecionamos para nosso catálogo títulos que estejam sempre em harmonia com esse posicionamento político e ético.28

Essa é a descrição de atuação de uma editora específica, mas que reverbera um novo e importante posicionamento que está crescendo de maneira amplificada no mercado editorial.

Porém, é importante ressaltar que tal postura não vem sendo adotada graças a uma recém-adquirida consciência social, ou, ainda, como forma de amenizar os danos causados por todos os anos anteriores de invisibilidade, menosprezo e exclusão. Trata-se de um posicionamento majoritariamente mercadológico que acompanha os novos parâmetros e as novas tendências que abarcam o público consumidor.

Atualmente, o feminismo tornou-se objeto de interesse da lógica capitalista. Grandes marcas e grandes empresas utilizam-se de chavões e de gritos de guerra feministas para venderem produtos e/ou serviços, e o fazem da forma mais natural possível, com o objetivo de tornar imperceptível a apropriação capitalista dos símbolos de luta das mulheres. No entanto,

27 Disponível em: https://www. otempo.com.br/ diversao/magazine/ mulheres-escritorasganham-pioneirismoem-editoramineira-1.2199319. Acesso em 20 out. 2019.

28 Disponível em: http:// editoralinha.com.br/ editora/. Acesso em 20 out. 2019.

81

para aquelas de olhos atentos, explicita-se nitidamente o interesse do mercado de atingir o público feminino, utilizando da linguagem à qual as mulheres estão acostumadas atualmente. Publicidades e discursos nitidamente machistas e/ou misóginos, agora, são imediatamente rechaçados. Foi preciso buscar outras formas de ação publicitária, e valer-se de posicionamentos ideológicos pareceu a opção mais adequada ao atual contexto. E é exatamente nesse contexto que se insere o retorno da editora Rosa dos Tempos.

Ainda que tal abordagem seja valiosa em termos de visibilidade para as causas da mulher e também para a produção criativa e intelectual das mulheres, é pertinente ter uma visão crítica, realista e não romantizada sobre a apropriação mercadológica de discursos de luta.

3.1 - A reativação da editora Rosa dos Tempos

Como foi visto, a movimentação de mulheres no ano de 2017 foi grande, no Brasil e no mundo. Em uma postagem do Grupo Editorial Record –que tratava sobre o relançamento do selo Rosa dos Tempos –, essa intensa atividade é reforçada ao mencionarem os diversos protestos protagonizados por mulheres que ocorreram nesse ano, os recordes de bilheteria alcançados pela estreia do filme da super-heroína feminista, Mulher-Maravilha, campanhas contra o assédio sexual que dominaram as redes sociais, o fato de a palavra “feminismo” ter sido escolhida para representar o ano de 2017 pelo respeitado dicionário americano Merriam-Webster, além de ressaltarem, também, as iniciativas literárias em prol da visibilidade de mulheres, como os supracitados aumento do protagonismo feminino na Festa Literária de Paraty e a hashtag #LeiaMulheres – todos esses acontecimentos comprovam o fato de que, em 2017, tanto em âmbito nacional quanto internacional, o cenário era o mais favorável possível para qualquer tipo de iniciativa ou ação que tivesse ligação com o feminismo e a luta das mulheres.

82

No Grupo Editorial Record, que completa 75 anos em 2017, um grupo de editoras está liderando um dos projetos selecionados para comemorar a data: o relançamento do selo Rosa dos Tempos, criado em 1990 e que marcou época lançando por aqui clássicos do movimento feminista brasileiro e mundial, com a editora Rose Marie Muraro à frente.29

Em 2017, após aproximadamente 12 anos de inatividade, a editora Record decidiu reativar a Rosa dos Tempos como um selo voltado para publicações de cunho feminista. Foram publicadas em mídias digitais diversas reportagens falando sobre essa manobra, exaltando a importância de um selo editorial inteiramente voltado para publicações de interesse feminino, como era a editora Rosa dos Tempos desde sua criação. A primeira obra da nova fase do selo foi publicada em janeiro de 2018: Feminismo em comum: Para todas, todes e todos, da autora Marcia Tiburi.

Em uma matéria d’O Globo (versão digital),30 Rafaella Machado – uma das três mulheres que estão à frente da Record atualmente, após a morte de seu pai e editor, Sergio Machado – afirma que paira no ar uma ideia falsa de que as mulheres já alcançaram a liberdade, porém, o cenário em que vivemos ainda é bem diferente do ideal. Ela identificou uma lacuna no mercado editorial que sente falta de um feminismo moderno, pós-liberação sexual, com novos assuntos para a pauta – a obra encomendada para a estreia do selo, Feminismo em comum: Para todas, todes e todos, de Marcia Tiburi, é um exemplo dessa nova abordagem, que busca trazer a interseccionalidade do feminismo contemporâneo ao mesmo tempo em que desmistifica modismos e discursos pré-estabelecidos.

Desde 2016, o Grupo Editorial Record vive uma gestão de mulheres –uma conquista inédita para o mercado editorial brasileiro, majoritariamente masculino, como foi constatado anteriormente. Falamos sobre editoras criadas por mulheres na década de 1990, mas um grupo editorial do porte da Record comandado por mulheres demonstra mudanças nítidas no cenário comumente

29 Disponível em: http://www. blogdaeditorarecord. com.br/2018/01/04/ grupo-record-relancarosa-dos-tempos/. Acesso em 20 out. 2019.

30 Disponível em: https:// oglobo.globo.com/ cultura/livros/gruporecord-reativa-rosados-tempos-seu-selofeminino-22251894. Acesso em: 17 jun. 2019.

83

31 Disponível em: http://blogs.opovo. com.br/leiturasda bel/2018/10/02/ leituras-da-bel-entre vista-andreia-amaral -editora-do-selo-rosa -dos-tempos/. Acesso em: 15 ago. 2019.

estabelecido de sexismo na divisão do trabalho. A atual presidente do grupo é Sônia Machado, irmã de Sergio Machado. A vice-presidente é Roberta Machado, e Rafaella, sua irmã, é gerente de marketing do catálogo jovem. Além disso, o grupo conta com seis editoras e um único editor envolvidos na Rosa dos Tempos. A própria formação da diretoria e da gerência do grupo mostra-se extremamente favorável à reativação da Rosa dos Tempos.

Andreia Amaral, uma das editoras da Rosa dos Tempos, concedeu uma entrevista para o blog Leituras da Bel,31 publicada em 2 de outubro de 2018, cujo tema principal era a reativação do selo. Ao ser questionada sobre a importância de ter os livros sobre feminismo agrupados em um mesmo selo da editora Record, Amaral respondeu:

Ao reunirmos os livros de viés feminista numa mesma marca, que já existia no Grupo, conseguimos fidelizar mais leitores, temos mais facilidade para trabalhar o selo e contratar novos títulos, uma vez que fica claro que estamos apostando nesses livros. A cada título lançado, todo o catálogo da Rosa volta a ser revisitado (AMARAL, 2018, Leituras da Bel).

Segundo Amaral, a decisão de reativar o selo acompanhou a ascensão do feminismo no mercado, e surgiu exatamente como solução para a ideia de agrupar os livros sobre feminismo do Grupo Editorial Record, ao mesmo tempo em que a editora homenagearia Rose Marie Muraro, cuja relevância para o feminismo brasileiro foi imensa, assim como para a Record. Para o futuro, Amaral aponta que a intenção é continuar publicando autoras clássicas, relançar títulos importantes da Rosa dos Tempos da década de 1990 e também permanecer atenta às autoras contemporâneas que estão escrevendo sobre temas que dialoguem com a linha editorial do selo. No entanto, partindo da fala de Rafaella Machado para O Globo, mencionada acima, percebe-se que as novas pautas do feminismo contemporâneo ainda não estão sendo amplamente exploradas, ao menos não no catálogo apresentado pela editora até o momento. É notável que elas ainda estão construindo

84

suas propostas e linhas editoriais, mas ainda falta uma solidificação desses objetivos, em relação ao que prometem e ao que entregam ao público.

Andreia Amaral respondeu ainda uma pergunta sobre como é realizado o processo de curadoria e de tomada decisões:

Somos hoje 6 mulheres formando o Conselho da Rosa dos Tempos, com liberdade para sugerir projetos e avaliar tudo o que chega. A ideia é que seja um selo colaborativo, com todas opinando desde a contratação até as escolhas sobre capa, lançamento e divulgação. Depois do projeto aprovado, cada editora fica responsável por cuidar do processo daquele livro que indicou ou recebeu, mas compartilha suas decisões com as demais. Conversamos muito e praticamos no dia a dia a nossa sororidade. Agora mesmo, para responder a esta entrevista, uma escreveu, as demais olharam e interferiram no que acharam necessário. Porque a ideia não é ter a cara de uma de nós, mas o resultado de escolhas feitas pelo grupo, sem hierarquia e com muito respeito (AMARAL, 2018, Leituras da Bel).

O catálogo da Rosa dos Tempos atualmente conta com títulos, além do supracitado pioneiro de Marcia Tiburi, O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres, de Naomi Wolf; O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras, de bell hooks; Terra das mulheres, de Charlotte Perkins Gilman; Mamãe & Eu & Mamãe, de Maya Angelou; Força é a nova beleza, de Kate T. Parker, todos lançados em 2018, e o último lançamento, de outubro de 2019, Eu, Tituba: bruxa negra de Salem, de Maryse Condé. O título Eu não sou uma mulher?, de bell hooks, promete ser lançado ainda em 2019, assim como um livro escrito pela arquiteta e ativista Mônica Tereza Benício, companheira de Marielle Franco, vereadora que foi assassinada em 2018 e se tornou importante símbolo do feminismo negro contra o genocídio da população negra no Brasil.

O tema central que perpassa a linha editorial do novo catálogo da Rosa dos Tempos é o feminismo, sob diferentes vieses e aplicações, como: recortes

85

32 Disponível em: https://www. huffpostbrasil. com/2018/02/28/oselo-editorialdos-anos-1990que-so-publicavalivros-feministasno-brasil-esta-devolta_a_23371413/. Acesso em 2 ago. 2019.

de raça, empoderamento feminino, reconstrução de histórias de mulheres que foram apagadas, padrão estético ditado pelo patriarcado, elaboração de uma sociedade utópica e matriarcal.

Os livros são feitos por mulheres e para mulheres, talvez de maneira ainda mais incisiva do que foi no passado – a Fig. 2.1 mostra que, nos anos 1990, a Rosa dos Tempos tinha mais de 30% de autores homens no catálogo.

Ana Lima, editora-executiva que faz parte do time da Rosa dos Tempos, em entrevista para o portal Huffpost Brasil, publicada em 28 de fevereiro de 2018,32 traz um ponto de vista interessante que demonstra como o memoricídio (termo supracitado) é um fenômeno real, preocupante e que a Rosa dos Tempos busca reverter:

A história das mulheres em vários campos foi abafada. Existe toda uma história da medicina de mulheres, de mulheres cientistas e ninguém fala sobre isso porque não há interesse. E não interessa porque não foi priorizado. Assim como foi priorizada uma história branca, foi priorizada uma história masculina (LIMA, 2018, Huffpost Brasil).

Para essa reconstrução da memória e da história, uma das estratégias de publicação adotada pela editora é congregar títulos atuais com títulos clássicos sobre as questões da mulher, de modo que esse diálogo de períodos consiga abarcar questões que foram reprimidas, oprimidas e silenciadas com a priorização de uma história branca e masculina.

3.2 - Instituto Cultural Rose Marie Muraro, o último ato

Rose Marie Muraro fundou o Instituto Cultural Rose Marie Muraro (ICRM), em 2009, com o objetivo de salvaguardar seu acervo particular,

86

com mais de quatro mil publicações, além de palestras, entrevistas e outras atividades desempenhadas pela escritora. Muraro trabalhou no Instituto até que seu estado debilitado de saúde impediu sua continuidade.

Segundo consta no site do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), “[...] em final de julho de 2010 foi realizada a cerimônia de entrega das chaves do imóvel cedido pela SPU (Secretaria de Patrimônio da União)”.33 No local, além de abrigar o acervo, ocorriam dezenas de atividades culturais como rodas de conversas, oficinas, debates, lançamentos de livros e encontros de mulheres.

Sobre o acervo, Anna Pinheiro (2015) descreve: o extenso acervo, constituído de fotografias, matérias de revistas e jornais sobre sua obra e suas posições, que a própria Rose construiu ao longo de sua vida, recortando, guardando em pastas, registrando e criando seu próprio centro de memória. Esse acervo, que ainda preserva os critérios de organização e classificação utilizados por Rose localiza-se atualmente na sede do Instituto Cultural Rose Marie Muraro, e encontra-se disponível para a consulta, tendo sido ainda pouco utilizado dada a aludida inexistência de trabalhos acadêmicos sobre a autora (PINHEIRO, 2015, p. 7).

Em janeiro de 2019, foi lançada uma campanha de financiamento coletivo intitulada “S.O.S ICRM”, com o intuito de quitação das dívidas do Instituto antes de seu fechamento definitivo em fevereiro. O valor desejado não foi alcançado. Segue trecho da descrição da campanha:

O Instituto Cultural Rose Marie Muraro, a casa da Patrona do Feminismo Brasileiro, está fechando suas portas e encerrando suas atividades físicas e virtuais após uma década de existência. Ao longo destes anos trilhou um árduo caminho em busca de

33 Disponível em: http:// bibliotecas.cultura.gov. br/agente/107502/#/ tab=sobre. Acesso em: 20 out. 2019.

87

34 Disponível em: https://www.vakinha. com.br/vaquinha/so-s-icrm-institutocultural-rose-mariemuraro. Acesso em: 20 out. 2019.

uma missão: conservar o legado de Rose Muraro e sua história de vida, que se funde com a história do nosso país, com a finalidade de proporcionar às gerações futuras o direito de usufruir deste conhecimento. Atuando como protagonista, criou a primeira biblioteca especializada em estudo de gênero no Brasil, inaugurada em 21 de março de 2016, resultado de uma parceria da então SPM - Secretaria de Políticas para Mulher de Brasília.

Composta por um acervo de mais de 3.000 livros e 50.000 documentos catalogados, tendo uma parte já digitalizada com o acesso virtual gratuito, a Biblioteca Rose Marie Muraro está sediada no ICRM, no bairro de Santa Teresa, Rio de Janeiro. Usufruíram fisicamente do espaço centenas de mulheres, diversos grupos e coletivos femininos, o público em geral com as atividades culturais e de inclusão social que foram realizados no espaço.

A instituição foi sustentada até então por poucos familiares e amigos que se dedicaram à disseminação da luta de Rose e de todas as mulheres brasileiras. Diante do atual cenário sócio econômico e cultural do país, e principalmente do Estado do Rio de Janeiro, o ICRM encontra-se, como muitas outras instituições, em difícil situação econômica e de sustentabilidade, não vislumbrando outro caminho senão o fechamento da casa.34

A Biblioteca Rose Marie Muraro funcionou por 3 anos, aberta ao público. Tônia Muraro, filha de Rose Marie Muraro, afirma que, porém, com a baixa divulgação, os cadastros de usuários não passavam de cem. Em fevereiro de 2019, o ICRM fecha as portas definitivamente, colocando fim a dez anos de intensas atividades culturais e divulgação do legado de Rose Marie Muraro. O acervo digital foi tirado do ar e as obras físicas encontram-se, atualmente, no espaço onde funcionava o Instituto, sem nenhum recurso financeiro para preservação. Tônia Muraro procura por instituições que

88

possam acolher o acervo e disponibilizá-lo novamente para o público, sob as condições adequadas de armazenamento e de divulgação.

Essa é uma narrativa ainda em construção, e todas as suas lacunas mostram como são urgentes a reverberação, a divulgação acadêmica e o resgate da história de Rose Marie Muraro. Um dos objetivos dessa pesquisa aprofundar a busca por maiores e mais precisas informações. O material coletado e apresentado nos anexos viabiliza e impulsiona a continuação deste trabalho e, concomitantemente, das pesquisas sobre os legados da editora Rosa dos Tempos e de Muraro.

89

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta altura, tornou-se clara a aplicação prática do conceito de memoricídio, trazido por Duarte (2020, no prelo), no que diz respeito à trajetória editorial de Rose Marie Muraro, que foi omitida de publicações sobre a história do livro no Brasil, assim como de trabalhos acadêmicos que tratam a história editorial brasileira – paralelamente, sua memória em acervo físico encontra-se, atualmente, em perigo. A memória provase recurso frágil, que depende de fatores como dinheiro e poder para manter-se viva e ativa.

Com esta pesquisa, foi possível identificar como é urgente a necessidade de resgatar o acervo físico de Muraro, localizado no hoje desativado Instituto Cultural Rose Marie Muraro, no Rio de Janeiro. Em breve, o instituto perderá defi nitivamente sua sede física devido a complicações fi nanceiras, e todo o material que ele abriga corre o risco de ser perdido. O objetivo é, a partir de agora, junto à Tônia Muraro, buscar alternativas para salvaguardar esse verdadeiro patrimônio da história editorial brasileira e também da trajetória dos estudos de gênero no país.

A reativação da Rosa dos Tempos como selo pelo Grupo Editorial Record trouxe à tona a memória de Muraro, ainda que de maneira majoritariamente midiática, com forte apelo mercadológico. Percebe-se esse retorno como uma estratégia de marketing, visando atingir um mercado em crescimento

91

constante, de mulheres feministas de todas as idades, conectadas à internet e também conectadas entre si. Para uma análise mais profunda sobre esse aspecto, a intenção é de, no futuro, estabelecer contato com as pessoas responsáveis pela Rosa dos Tempos atualmente para que seja possível apurar o posicionamento do grupo em relação a tais questionamentos, como as reais motivações por trás da reativação do selo, quais as diretrizes serão tomadas a partir de agora e qual o compromisso real da editora com a memória de Rose Marie Muraro.

A partir da pesquisa desenvolvida para este trabalho, foi possível perceber também a infinidade de possibilidades que se desdobraram e não se esgotam nesta monografia, abrindo precedentes para a elaboração futura de uma dissertação. Os materiais de divulgação da editora Rosa dos Tempos, os jornais e folhetins que constam no Anexo B são extremamente ricos e oferecem dados suficientes para uma análise profunda e detalhada sobre as escolhas editoriais e o catálogo da editora, além das estratégias de divulgação e de marketing que foram utilizadas na época, uma vez que, neste trabalho, os dados sobre o catálogo da editora Rosa dos Tempos foram moderadamente analisados, e abriram margem para uma análise mais profunda em um projeto futuro.

Em um futuro próximo, será possível analisar detalhadamente também as vendas da editora, os rankings de livros mais vendidos dos quais os títulos da Rosa dos Tempos possam ter feito parte, quais foram e como se davam as aparições da editora na mídia, como era dado o processo de escolha de obras a serem publicadas e como se desenrolava os processos editoriais de cada publicação, enfim. As possibilidades são vastas.

Também é vasta a rede de pessoas que tiveram contato direto com a Rose Marie Muraro na época da Rosa dos Tempos, e que sentem grande necessidade de tornar públicas suas memórias, por todo carinho e admiração que alimentam por Muraro. As oportunidades para entrevistá-las se tornaram tangíveis, porém, infelizmente, graças ao tempo escasso para a elaboração de

92

uma monografia, não foi possível realizar todas as entrevistas que poderiam ter sido feitas – configura-se, portanto, uma deixa para ampliação do estudo no mestrado.

Com o fechamento do ICRM, urge a necessidade de seguir em frente com este trabalho, a fim de reconstruir as partes da história da Rosa dos Tempos que nunca foram contadas e de tornar pública a trajetória e o legado de Rose Marie Muraro.

93

REFERÊNCIAS

ABREU, M; A BRAGANÇA, Impresso no Brasil:  dois séculos de livros brasileiros. São Paulo: Unesp, 2010. 664 p. BARROS, Patrícia Marcondes de. A revolução sexual e o feminismo de Rose Marie Muraro através da imprensa alternativa contracultural nos anos 70. 2017. Trabalho apresentado no VIII Congresso Internacional de História. Disponível em: http://www.cih.uem.br/anais/2017/trabalhos/3356.pdf. Acesso em: 05 out. 2019.

CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro como não ser como fundamento do ser. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2005.

CAVALCANTI, Vanessa Ribeiro Simon. Mulheres em ação: revoluções, protagonismo e práxis dos séculos XIX e XX. Projeto História, São Paulo, v. 30, p. 243-264, jun. 2005. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/revph/article/ view/2265. Acesso em 01 jun. 2019.

CORRÊA, Mariza. Do feminismo aos estudos de gênero no Brasil: um exemplo pessoal. Cad. Pagu, Campinas, n. 16, p. 13-30, 2001. Disponível em: https:// periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8644535. Acesso em 12 set. 2019.

COSTA, Albertina de oliveira; BARROSO, Carmen; SARTI, Cynthia. Pesquisa sobre mulher no Brasil: do limbo ao gueto? In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (Org.). Pensamento feminista brasileiro: formação e contexto. Rio de

95

Janeiro: Bazar do Tempo, 2019.

COSTA, Cristiane. Rede. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (Org.). Explosão feminista: arte, cultura, política e universidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

CRENI, Gisela. Editores artesanais brasileiros. Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Autêntica; Fundação Biblioteca Nacional, 2013.

DALCASTAGNÈ, R. A personagem do romance brasileiro contemporâneo: 19902004. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n. 26, p. 13-71, 14 jan. 2011. Disponível em: http://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/ view/9077. Acesso em 02 nov. 2019.

DUARTE, Constância Lima. Feminismo e literatura no Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, v. 17, n. 49, p. 151-172, 2003.

DUARTE, Constância Lima; PEREIRA, Maria do Rosário A. Escritoras Mineiras Presente! Anotações críticas. In: BRANDÃO, Jacyntho Lins (Org.). Literatura em Minas Gerais: 300 anos. BDMG Cultural. No prelo. Previsão de lançamento: 2020.

GALUCIO, Andréa Lemos Xavier. As editoras Civilização Brasileira e Brasiliense e as instituições reguladoras do mercado de livros, no Brasil, entre os anos 70 e 80 do século XX. 2005. V Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom. Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/ R1394-1.pdf. Acesso em: 20 jun. 2019.

GALUCIO, Andréa Lemos Xavier. Editores e militância nos anos 1990 2010. Disponível em: http://www.historia.uff.br/estadoepoder/6snepc/GT12/ GT12-ANDREIA.pdf. Acesso em: 20 jun. 2019.

GALUCIO, Andréa Lemos Xavier. Editores, cultura e política no Brasil. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História. São Paulo, jul. 2011. Disponível em: http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300891583_ARQUIVO_ Editores,culturaepoliticanoBrasil.pdf. Acesso em: 20 jun. 2019.

96

GOMES, Carla; SORJ, Bila. Corpo, geração e identidade: a Marcha das Vadias no Brasil. Soc. estado, Brasília, v. 29, n. 2, p. 433-447, agosto de 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010269922014000200007&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 20 out. 2019.

HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: EDUSP, 2005.

JARDIM, Gabriel de Sena; CAVAS, Claudio São Thiago. Pós-colonialismo e feminismo decolonial: caminhos para uma compreensão anti-essencialista do mundo. Ponto e Vírgula: Revista de Ciências Sociais, [S.l.], n. 22, p. 73-91, 2017. ISSN 1982-4807. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/pontoevirgula/ article/view/33335. Acesso em: 17 out. 2019.

KUHNERT, Duda. Nas artes. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (Org.). Explosão feminista: arte, cultura, política e universidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

MARQUES, A. M.; ZATTONI, A. M. Feminismo e resistência: 1975 – o Centro da Mulher Brasileira e a Revista Veja. História Revista, 19(2), p. 55-76, (2014). Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/historia/article/view/31223/18873. Acesso em: 7 out. 2019.

MAUÉS, Flamarion. O mercado editorial de livros no Brasil no período da abertura (1974-1985). Educação em Debate (UFC), v. 1, p. 26-35, 2006.

MELO, Jacira. Publicar é uma ação política. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 11, n. 1, p. 298, jan. 2003. ISSN 1806-9584. Disponível em: https:// periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2003000100022/8729. Acesso em: 23 mar. 2019

MURARO, Rose Marie. Memórias de uma mulher impossível. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 2000.

MUZART, Zahidé Lupinacci. A questão do cânone. Anuário de Literatura, Florianópolis, n. 3, p. 85-94, 1995.

97

OSINSKI, Dulce Regina Baggio. A autobiografia como fonte de investigação histórica para a educação. Olhar de Professor, Ponta Grossa, v. 12, n. 1, p.3355, 20 jul. 2009. Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). http://dx.doi. org/10.5212/olharprofr.v.12i1.033055. Disponível em: https://www.revistas2. uepg.br/index.php/olhardeprofessor/article/view/1561. Acesso em: 10 out. 2019.

PEREIRA, Elaine Aparecida Teixeira. O conceito de campo de Pierre Bourdieu: possibilidade de análise para pesquisas em história da educação brasileira. Revista Linhas. Florianópolis, v. 16, n. 32, p. 337-356, set/dez. 2015. Disponível em: http:// www.revistas.udesc.br/index.php/linhas/article/view/1984723816322015337. Acesso em: 05 out. 2019.

PERUCCHI, J. Dos estudos de gênero às teorias queer: desdobramentos do feminismo e do movimento LGBT na psicologia social [Trabalho completo]. In: Associação Brasileira de Psicologia Social (Org.), Anais eletrônicos. Maceió, 2009. Disponível em: http://abrapso.org.br/siteprincipal/images/Anais_ XVENABRAPSO/627.%20dos%20estudos%20de%20g%CAnero%20%C0s%20 teorias%20queer.pdf. Acesso em: 2 out. 2019.

PINHEIRO, Anna Marina Barbará. O Feminismo Midiático de Rose Marie Muraro no Brasil dos anos de 1970. In: XIII Mundos de Mulheres e Fazendo Gênero XI, Florianópolis, 2017. Disponível em: http://www.en.wwc2017.eventos. dype.com.br/resources/anais/1517835155_ARQUIVO_ArtigoFazendoGeneroAnnaMarina.pdf. Acesso em: 23 mar. 2019.

PINHEIRO, Anna Marina Barbará. Rose Marie Muraro: Pensamento, subjetividade e ação. XXVII Simpósio Nacional de História. Anais eletrônicos. 2015. Disponível em: http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1427833791_ ARQUIVO_Trabalho-ANPUH-2015-Def.pdf. Acesso em: 29 mar. 2019.

PINTO, Céli Regina Jardim. Feminismo, história e poder. Rev. Sociol. Polit., Curitiba, v. 18, n. 36, p. 15-23, jun.2010. Disponível em: http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782010000200003&lng=en&nrm= iso. Acesso em: 18 out. 2019.

REIMÃO, Sandra. Mercado editorial brasileiro. São Paulo: ECA-USP, 2018.

98

REVISTA VEJA. São Paulo: Editora Abril, edição 1170, ano 24, n. 8, 20. fev. 1991.

RIBEIRO, Ana Elisa. Mulheres editoras no Brasil. Palestra proferida na Academia Mineira de Letras, ago. 2018. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=IX-NuYW08sk. Acesso em 25 set. 2019.

RICHARD, Nelly. Intervenções críticas: arte, cultura, gênero e política. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. 206 p.

SARTI, Cynthia Andersen. O feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória. Revista Estudos Feministas, v. 12, n. 2, p. 35–50, ago. 2004.

SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade. Porto Alegre, v. 20, n. 2, jul./dez. 1995, p. 71-99.

SENADO Notícias. Lei Maria da Penha. Disponível em: https://www12.senado. leg.br/noticias/entenda-o-assunto/lei-maria-da-penha. Acesso em: 18 set. 2019.

SOARES, Vera. Movimento feminista: Paradigmas e desafios. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, p. 11, jan. 1994. Disponível em: https://periodicos. ufsc.br/index.php/ref/article/view/16089. Acesso em: 07 ago. 2019.

WOITOWICZ, Karina. A resistência das mulheres na ditadura militar brasileira: imprensa feminista e prática de ativismo. Estudos em Jornalismo e Mídia , Florianópolis, v. 11, n. 1, p. 104-117, 2014. Disponível em: https://periodicos. ufsc.br/index.php/jornalismo/article/view/1984-6924.2014v11n1p104. Acesso em 05 out. 2019.

99

APÊNDICES

APÊNDICE A

Quadro de títulos da editora Rosa dos Tempos

Título do livro Nome do autor Gênero do livro Ano de publicação Gênero do autor Nacionalidade do autor

O complexo da loba: uma redefinição da juventude Colette Dowling Psicologia 1996 Feminino Estados Unidos

O jardim da serpente Judith Merkle Riley Literatura e ficção 1997 Feminino Estados Unidos

O Rei Pasmado e a Rainha Nua Gonzalo Torrente Ballester Literatura e ficção 1993 Masculino Espanha

Menopausa: a grande transformação Susan Flamholtz Trien Saúde 1991 Feminino Estados Unidos

Como pão no Prato Sagrado Rebecca Alpert Sociologia 2000 Feminino Estados Unidos

Por que as mulheres vivem mais que os homens? Royda Crose Saúde 1999 Feminino Estados Unidos

Labirintos do Êxito Clara Coria Psicologia 1997 Feminino Argentina

Autocontrole: nova maneira de controlar o estresse Ana Maria Rossi Auto-Ajuda 1991 Feminino Brasil

101

Título do livro Nome do autor Gênero do livro Ano de publicação Gênero do autor Nacionalidade do autor

Poemas para encontrar Deus Rose Marie Muraro Religião 1995 Feminino Brasil

Amor, desejo e escolha Josefina Pimenta Lobato Psicologia 1997 Feminino Brasil

Re-abrir o coração: tratamento espiritual para viciados Maria Duques Auto-ajuda 1998 Feminino Brasil

A mão esquerda de Deus Adolf Holl Religião 2003 Masculino Áustria

Amor a três: dos tempos antigos aos dias de hoje

Barbara Foster, Michael Foster, Letha Hadady Sexualidade 1998

Feminino, Masculino, Feminino Estados Unidos

Eu nua Odete Lara Biografia 2002 Feminino Brasil

O prazer de ser mulher Albertina Duarte Psicologia 1991 Feminino Brasil

Manual de consciência corporal

Barbara KassAnnes, Hal C Danzer Saúde 1998 Feminino, Masculino Estados Unidos

Um amor de fim de mundo Rosa Dhebusnello Literatura e ficção 1995 Feminino Brasil

Santa Blanca: uma casa no fundo do rio Maria Batista Literatura e ficção 1997 Feminino Brasil

A coragem de criar grandes homens: uma nova maneira de educar os filhos

Olga Silverstein, Beth Rashbaum Educação 1997

Feminino, Feminino, Masculino Estados Unidos

Menopausa sem mistérios: as mais recentes descobertas Aldineia Martins Saúde 1996 Feminino Brasil

Cosima, a sublime Françoise Giroud Biografia 1998 Feminino Suiça

102

Título do livro Nome do autor Gênero do livro Ano de publicação Gênero do autor Nacionalidade do autor

Mulher em ação Maria Conceição de Souza Auto-ajuda 1998 Feminino Brasil

Anatomia do genocídio Israel W. Charny Psicologia 1998 Masculino Estados Unidos

O estupro e o assédio sexual: como não ser a próxima vítima Isaac Charam Sociologia 1997 Masculino Brasil

As mais belas orações de todos os tempos Rose Marie Muraro, Frei Raimundo Cintra Religião 1993 Feminino, Masculino Brasil, Brasil

Confissões de Penumbra Lucia Fonseca Literatura Brasileira 1997 Feminino Brasil

O despertar de Minerva: um estudo sobre a criatividade ds mulheres Linda A. Firestone Psicologia 1998 Feminino Estados Unidos

O macho secreto Herb Goldberg Psicologia 1994 Masculino Alemanha

Rainha do lar? Uma ova! Onilza Braga Sociologia 1991 Feminino Brasil

Como cair fora de uma relação insatisfatória sem se machucar Richard Silvestri e Bryna Taubman Auto-ajuda 1997 Masculino, Feminino Estados Unidos, Estados Unidos

Mulheres que amam homens difíceis Judith Segal Auto-ajuda 1999 Feminino Estados Unidos

A vida sexual e afetiva dos gênios Edward Abelson Psicologia 1995 Masculino Estados Unidos

Jogando com sorte Luiz Carlos Amorim Auto-ajuda 2000 Masculino Brasil

O tesouro na rua Cristovam Buarque História 1998 Masculino Brasil

Como os homens pensam Adrienne Mendell Auto-ajuda 1996 Feminino Estados Unidos

103

O memorial da Bruxa: uma história de magia e erotismo no Brasil colonial

Alda Andreia Therkovsky Literatura Brasileira 1997 Feminino Brasil

Estratégias sexuais: como as fêmeas escolhem seus parceiros Mary Batten Biologia 1995 Feminino Estados Unidos

Eu nem imaginava que era estupro Robin Warshaw Psicologia 1996 Feminino Estados Unidos

A mulher à procura de si mesma Jean Baker Miller Psicologia 1991 Feminino Estados Unidos

Por que os homens são como são Warren Farrell Psicologia 1991 Masculino Estados Unidos Gravidez e Paranormalidade Carl Jones Esoterismo 1999 Masculino Estados Unidos

Os homens e as mulheres Françoise Giroud, Bernard-henri Lévy Psicologia 1996 Feminino, Masculino França, França

Gravidez e identidade do casal Maria Ignez Costa Moreira Psicologia 1997 Feminino Brasil

A idade da renovação: novas descobertas científicas sobre o processo do envelhecimento

Dr. Richard M. Restak Psicologia 1999 Masculino Estados Unidos

Jogo de cintura Rebecca Abrams Psicologia 2001 Feminino Reino Unido

A Mulher no Terceiro Milênio Rose Marie Muraro Sociologia 1992 Feminino Brasil

O mito da fragilidade Colette Dowling Psicologia 2001 Feminino Estados Unidos

As grandes amantes da História HRH Princesa Michael of Kent História 1996 Feminino República Tcheca

104
Título do livro Nome do autor Gênero do livro Ano de publicação Gênero do autor Nacionalidade do autor

Título do livro Nome do autor Gênero do livro Ano de publicação Gênero do autor Nacionalidade do autor

O corpo essencial Matilde Cavalcanti Psicologia 1992 Feminino Brasil

Dois mil anos de segredos de Alcova: de Nero a Hitler Claude Pasteur História 1997 Feminino França

Para mim, chega! Yvonne Bezerra de Mello Sociologia 1998 Feminino Brasil

Gravidez na adolescência Albertina Duarte Literatura infantojuvenil 1998 Feminino Brasil

Eros e os processos cognitivos Robin Schott Filosofia 1996 Feminino Estados Unidos

Mulheres que sabem solucionar problemas Pat Hudson Psicologia 1997 Feminino Inglaterra

Gênero e Ciencias Humanas: desafio às ciências desde a perspectiva das mulheres

Neuma Aguiar Sociologia 1997 Feminino Brasil

Meditando com a consciência suprema Halu Gamashi Outras Religiões 1996 Feminino Brasil

A intentona da Vovó Mariana Maria Helena Malta História 1991 Feminino Brasil

A coragem de criar grandes mulheres: como ajudar meninas a se tornarem fortes, seguras e criativas para uma vida adulta de sucesso

Jeanette Gadeberg Psciologia 1999 Feminino Estados Unidos

Mulheres sem Sombra Silvia Tubert Sociologia 1996 Feminino Argentina

A solidão das crianças Lilian Kos Chitman Psicologia 1998 Feminino Brasil

105

Título do livro Nome do autor Gênero do livro Ano de publicação Gênero do autor Nacionalidade do autor

Entre a virtude e o pecado Albertina de Oliveira Costa, Cristina Bruschini Sociologia 1992 Feminino, Feminino Brasil

Drogas: esse barato sai caro Antônio Mourão Cavalcante Saúde 1997 Masculino Brasil

O exercício da paternidade hoje Vera Regina Ramires Psicologia 1997 Feminino Brasil

Produção independente: criando meninos sem a presença do pai Leif Terdal, Patricia Kennedy Psciologia 1999 Feminino, Feminino Estados Unidos, Estados Unidos

O que fazer se ele não quiser mudar Dan Kiley Psicologia 1991 Masculino Estados Unidos

Plano Inverso: a Tríplice Aliança da Sombra Halu Gamashi Ocultismo 1998 Feminino Brasil

Elogio da masturbação Philippe Brenot Psicologia 1998 Masculino França

O sedutor da bicharada Marisa Raja Gabaglia Humor 1992 Feminino Brasil

A nova ética Pierre Weil Psicologia 1993 Masculino França

Homem/Mulher: encontros e desencontros Gilda Bacal Fucs Psicologia 1992 Feminino Brasil

Não pise nos meus sonhos Giselda Laporta Nicolelis Psicologia 1995 Feminino Brasil

Pecados safados Betti Brown Literatura Brasileira 1995 Feminino Brasil

Jovens Polacas Esther Largman Literatura Brasileira 1993 Feminino Brasil

Os seios de Eva Maria Helena Whately Literatura Brasileira 1997 Feminino Brasil

106

Título do livro Nome do autor Gênero do livro Ano de publicação Gênero do autor Nacionalidade do autor

Mecanismos e prevenção do stress Denizard Datti Auto-ajuda 1997 Masculino Brasil

Para seu próprio bem Barbara Ehrenreich, Deirdre English Psicologia 2003 Feminino, Feminino Estados Unidos, Estados Unidos

Mulheres audaciosas da Antiguidade Vicki León História 1997 Feminino Estados Unidos

Mulheres audaciosas da Idade Média Vicki León História 1997 Feminino Estados Unidos

A mudança de sentido e o sentido da mudança Pierre Weil Espiritualidade 2000 Masculino França

Senhoras do Santíssimo Feminino Marcia Frazão Literatura Brasileira 2005 Feminino Brasil

O sentido da solidão Phillis Hobe Auto-ajuda 1991 Feminino Estados Unidos

O que é afinal o orgasmo feminino? Teoria e mitos Maria Nadege de Souza Psicologia 1998 Feminino Brasil

Laura Alvim: anjo barroco Wanda Stylita Cardoso História real 1997 Feminino Brasil

Visualização: o sucesso através dos olhos da mente Ana Maria Rossi Auto-ajuda 1995 Feminino Brasil

Beco sem saída: eu vivi no Carandiru Neninho de Obaluaê História Real 1999 Masculino Brasil

Casal: como viver um bom desentendimento Antônio Mourão Cavalcante Psicologia 2001 Masculino Brasil

Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz Heloisa Maranhão Literatura Brasileira 1997 Feminino Brasil

Pais ansiosos: como superar sua insegurança na educação dos filhos

Michael Schwartzman, Judith Sachs Psicologia 1996 Masculino, Feminino Estados Unidos, Estados Unidos

107

Título do livro Nome do autor Gênero do livro Ano de publicação Gênero do autor Nacionalidade do autor

Caminhos de um aprendiz Halu Gamashi Ocultismo 1998 Feminino Brasil

Ainda temos o amanhã Odette de Barros Mott Literatura infantojuvenil 1998 Feminino Brasil

O sacramento do aborto Ginette Paris Sociologia 2000 Feminino Estados Unidos

Dr. Gaudêncio de Nova Responde Paulo Gaudêncio Auto-ajuda 1992 Masculino Brasil

Somos feitos da matéria dos sonhos Carlos Alberto Corrêa Salles Psicologia 1998 Masculino Brasil

O Garçom B: o diário verídico de um amor sadomasoquista Alma de Assis Biografia 1998 Feminino Brasil Mastectomia: mantendo sua qualidade de vida após o câncer de mama Sandra Segal Saúde 1995 Feminino Brasil

Mulher: feminino plural Dulcinéa da Mata Ribeiro Monteiro Psicologia 1998 Feminino Brasil

Mata Hari: a amante fatal Julie Wheelwright Biografia 1997 Feminino Inglaterra

Tarô Moderno Eunice de Barros Oliveira Ocultismo 1998 Feminino Brasil

Sexualidade da mulher brasileira Rose Marie Muraro Psicologia 1996 Feminino Brasil

Desejo de mulher Malvina Muszkat Psicologia 1994 Feminino Brasil Biografia do Diabo Alberto Cousté Religião 1996 Masculino Argentina

108

Título do livro Nome do autor Gênero do livro Ano de publicação Gênero do autor Nacionalidade do autor

Sexo e sexualidade da criança e do adolescente Christian Gauderer Psicologia 1996 Masculino Estados Unidos

Camille Claudel: criação e loucura Liliana Liviano Wahba Artes 2002 Feminino Brasil

Rio de Janeiro plural: um guia para políticas sociais por gênero e raça Neuma Aguiar Sociologia 1994 Feminino Brasil

Meus passos em busca de paz Odete Lara Biografia 1997 Feminino Brasil

Encontros noturnos: bruxas e bruxarias na Lagoa da Conceição Sônia Maluf Ocultismo 1993 Feminino Brasil

Mulher na menopausa: declínio ou renovação Edda Gutierrez Saúde 1992 Feminino Brasil

A musa sem máscara: a imagem da mulher na Música Popular Brasileira

Maria Áurea Santa Cruz Artes 1992 Feminino Brasil

Sexo sem mistérios Marcos Ribeiro Educação 1992 Masculino Brasil

O melhor de Carmen da Silva Laura Taves Civita sociologia 1994 Feminino Brasil

O corpo da deusa no mito, na cultura e nas artes Rachel Pollack Ocultismo 1998 Feminino Estados Unidos

Pedagogia simbólica: a construção amorosa do conhecimento de ser Carlos Amadeu B. Byington Educação 1996 Masculino Brasil

Romper para viver Simone Barbaras Psicologia 1998 Feminino França

109

Título do livro Nome do autor Gênero do livro Ano de publicação Gênero do autor Nacionalidade do autor

Memórias da transgressão: momentos da história da mulher do século XX Gloria Steinem Biografia 1997 Feminino Estados Unidos

Para além do falo Teresa Brennan Psicologia 1997 Feminino Austrália

O amor e o tarô Mariza Mattos Ocultismo 1997 Feminino Brasil

Masculino / Feminino Luiz Cuschnir Psicologia 1992 Masculino Brasil

A mãe dividida Rozsika Parker Psicologia 1995 Feminino Reino Unido

As prostitutas na História Nickie Roberts História 1998 Feminino Estados Unidos

A Casa de Pássaros Lúcia Aizim Literatura Brasileira 1992 Feminino Brasil

As mulheres na vida de Jung Maggy Anthony Psicologia 1998 Feminino Estados Unidos

Terra Grávida Betty Mindlin Antropologia 1999 Feminino Brasil

A ameaça David M. Jacobs Ocultismo 2002 Masculino Estados Unidos

Manual de intuição prática Laura Day Auto-ajuda 1997 Feminino Estados Unidos

Adolescência, sexualidade e culpa Nanete Ávila Desser Psicologia 1993 Feminino Brasil

Língua solta: poetas brasileiras dos anos 90 Beth Fleury Poesia 1994 Feminino Brasil

Educação sexual: novas idéias, novas conquistas Marcos Ribeiro Psicologia 1993 Masculino Brasil

110

Título do livro Nome

do

autor Gênero do livro Ano de publicação Gênero do autor Nacionalidade do autor

As prostitutas na Bíblia: algumas histórias censuradas Jonathan Kirsh História da Bíblia 1997 Masculino Estados Unidos

Erotismo no Império Romano Alfonso Cuatrecasas História 1997 Masculino Espanha

O Elixir da Iluminação A. H. Almaas Ocultismo 1991 Masculino Kuwait

Muito Prazer, Roberta Close Lucia Rito Biografia 1998 Feminino Brasil

A arte da conversa e do convívio Maria Tereza Maldonado, Alan Garner Psicologia 1992 Feminino, Masculino Brasil, Inglaterra

A Casa do Incesto & outras histórias Anaïs Nin Literatura Estrangeira 1991 Feminino França

A psicologia do amor: o que é o amor, por que ele nasce, cresce e às vezes morre

Nathaniel Branden Psicologia 1998 Masculino Canadá

O legado da deusa Mirella Faur Ocultismo 2003 Feminino Romênia

O complexo de perfeição Colette Dowling Psicologia 2001 Feminino Estados Unidos

A dança da Terra Elisabet Sahtouris Biologia 1998 Feminino Estados Unidos

Moqueca de maridos: mitos eróticos Betty Mindlin Antropologia 1998 Feminino Brasil

Essência A. H. Almaas Ocultismo 1992 Masculino Kuwait

Os Florais de Bach e as Síndromes do Feminino Maria Duques Medicina e Saúde 1996 Feminino Brasil

111

Título do livro Nome do autor Gênero do livro Ano de publicação Gênero do autor Nacionalidade do autor

Um grande amor Alexandra Kollontai Outras literaturas 1995 Feminino Rússia

Mitologia na vida moderna Joseph Campbell História 2002 Masculino Estados Unidos

Manual dos Inquisidores Nicolau Eymerich História 1993 Masculino Espanha

Estado e População: uma História do Planejamento Familiar no Brasil

Quem mandou nascer mulher?: estudos sobre crianças e adolescentes pobres no Brasil

Délcio da Fonseca Sobrinho História 1993 Masculino Brasil

Felícia Reicher Madeira Sociologia e Antropologia 1996 Feminino Brasil

O sexo oculto do dinheiro Clara Coria Psicologia 1996 Feminino Argentina

A Psicoterapia Transpessoal Vera Saldanha Psicoterapia 1993 Feminino Brasil

O Martelo das Feiticeiras Heinrich Kraemer, James Sprenger História 1991 Masculino, Masculino Alemanha

O Ciúme Patológico Dr. Mourão Cavalcante Psicologia 1997 Masculino Brasil

Histórias dramáticas: terapia breve para famílias e terapeutas Moisés Groisman Psicologia 1996 Masculino Brasil

O manual da cura pela imposição das mãos: um guia pratico para desenvolver seus dons curativos

Georgina Regan, Debbie Shapiro Ocultismo 1997 Feminino, Feminino Inglaterra, Estados Unidos

Sobre a Desconstrução Jonathan Culler Filosofia 1997 Masculino Estados Unidos

112

Título do livro Nome do autor Gênero do livro Ano de publicação Gênero do autor Nacionalidade do autor

O Caminho de Avalon Jean Shinoda Bolen Ocultismo 1996 Feminino Estados Unidos

Aos pais de adolescentes: viver sem drogas Eduardo Kalina, Halina Grynberg Psicologia 1999 Masculino, Feminino Argentina, Polônia

Você pode curar a depressão Colette Dowling Psicologia 2002 Feminino Estados Unidos

Ovelhas na névoa: um estudo sobre as mulheres e a loucura Carla Cristina Garcia Psicologia 1995 Feminino Brasil

As Deusas, as Bruxas e a Igreja Maria Nazareth Alvim de Barros Religião 2001 Feminino Brasil

Como fazer amor com a mesma pessoa por toda a vida e continuar gostando Dagmar O’Connor Psicologia 2001 Feminino Estados Unidos

Iara: reportagem biográfica Judith Lieblich Patarra Biografia 1992 Feminino Alemanha

Mãe: uma relação de amor e ódio Anne F. Grizzle Psicologia 1991 Feminino Estados Unidos

A Vida Secreta David Jacobs Ocultismo 1998 Masculino Estados Unidos

Teoria feminista e as filosofias do homem Andrea Nye Filosofia 1995 Feminino Estados Unidos

Compêndio de Análise Institucional e Outras Correntes Gregorio Baremblitt Sociologia 1994 Masculino Argentina

Gênero, Corpo, Conhecimento Alison M. Jaggar, Susan R. Bordo Filosofia 1997 Feminino Inglaterra, Estados Unidos

Sete vezes mulher Alcio Luiz Gomes Saúde 1997 Masculino Brasil

113

Título do livro Nome do autor Gênero do livro Ano de publicação Gênero do autor Nacionalidade do autor

Viagem ao mundo da contracepção Angela T. de Freitas Saúde 1991 Feminino Brasil

Coração de diamante A. H. Almaas Religião 1992 Masculino Kuwait

Declínio do patriarcado: a família no imaginário feminino Elódia Xavier Sociologia 1998 Feminino Brasil

Por que o sexo é bom? Gilda Bacal Fucs Saúde 1993 Feminino Brasil

Guia dos Direitos da Mulher Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito 1996 Feminino Brasil

Análise Institucional no Brasil Vida Rachel Kamkhagi, Osvaldo Saidon Sociologia 1991 Feminino, Masculino Brasil

Arte de ser mulher depois dos 40

Lila Nachtigall, Robert Nachtigall, Joan Rattner Heilman Saúde 1997 Feminino, Masculino, Feminino

Estados Unidos, Estados Unidos, Estados Unidos

Directorium Inquisitorum: Manual dos Inquisidores Nicolau Eymerich História 1993 Masculino Espanha

Feminismo como crítica da Modernidade Seyla Benhabib, Drucilla Cornell Sociologia 1991 Feminino, Feminino Estados Unidos, Estados Unidos

A resistência da mulher à Ditadura Militar no Brasil Ana Maria Colling História do Brasil 1997 Feminino Brasil

Curando a vergonha que impede de viver John Bradshaw Psicologia 1997 Masculino Estados Unidos

O sentido da vida no mundo em crise Jarbas Mattos Sociologia e Antropologia 1999 Masculino Brasil

Mulheres sem sombra Silvia Tubert Psicologia 1996 Feminino Argentina

114

Título do livro Nome do autor Gênero do livro Ano de publicação Gênero do autor Nacionalidade do autor

As 1001 dicas de Cláudia para donas de casa à beira de um ataque de nervos Pão de Açucar Autoajuda n/d Feminino Brasil

Fazendo amor com amor Dagmar O’Connor Psicologia 1997 Feminino Estados Unidos

O mito da monogamia: uma nova visão dos casos amorosos e como sobreviver a eles Peggy Vaughan Psicologia 1991 Feminino Estados Unidos

O sucesso não ocorre por acaso Lair Ribeiro Auto-ajuda 1992 Masculino Brasil

Eu, mulher da vida Gabriela Silva Leite Biografia 1992 Feminino Brasil

O universo autoconsciente Amit Goswami Filosofia 1993 Masculino Índia

Nossa paixão era inventar um novo tempo Daniel Souza, Gilmar Chaves História do Brasil 1999 Masculino, Masculino Brasil Complexo de sabotagem: como as mulheres tratam o dinheiro Colette Dowling Psicologia 2000 Feminino Estados Unidos

Os grandes mitos da feminilidade Iwonka Blasi, Cristina Rigler Psicologia 1996 Feminino, Feminino Brasil, Brasil

A deusa do rádio e outros deuses Heloneida Studart Literatura Brasileira 1995 Feminino Brasil

Jogando com a sorte: técnicas de sobrevivência em tempos de crise

Luiz Carlos Amorim Auto-ajuda 2000 Masculino Brasil

O despertar do sonho: reconstruindo sua história Luiz Carlos Amorim Auto-ajuda 2001 Masculino Brasil

115

Título do livro Nome do autor Gênero do livro Ano de publicação Gênero do autor Nacionalidade do autor

Meditações para mulheres que trabalham demais Anne Wilson Schaef Auto-ajuda 1993 Feminino Estados Unidos Seu sangue é ouro: resgatando o poder da menstruação Lara Owen Saúde 1994 Feminino Reino Unido

O reino de Deus está em vós Leon Tolstoi Religião 1994 Masculino Rússia

Meu corpo... meu espelho: aprenda a gostar mais de seu visual e de si mesma Rita Freedman Auto-ajuda 1994 Feminino Estados Unidos

Eunucos pelo Reino de Deus Uta RankeHeinemann Religião 1988 Feminino Alemanha

Chiquinha Gonzaga: uma história de vida Edinha Diniz História Real 1999 Feminino Brasil

Os seis meses em que fui homem Rose Marie Muraro Sociologia 1990 Feminino Brasil

Memoria De Helena De Troia Sophie Chauveau Literatura Francesa 1991 Feminino França

Psicanalise da maternidade: uma crítica a Freud a partir da mulher Nancy Chodorow Psicologia 2002 Feminino Estados Unidos Comunicação global: aumentando sua inteligência interpessoal Lair Ribeiro Auto-ajuda 1993 Masculino Brasil

Megatendências para as mulheres Patricia Aburdene, John Naisbitt Sociologia 1994 Feminino, Masculino Brasil, Estados Unidos

A magia do caminho real Anna Sharp Ocultismo 1993 Feminino Brasil

Sogras e noras: aprendendo a conviver Abrahão Grinberg,Bertha Grinberg Psicologia 1993 Masculino, Feminino Brasil

116

Título do livro Nome do autor Gênero do livro Ano de publicação Gênero do autor Nacionalidade do autor

Grupos e Instituições Em Análise

Heliana de Barros Conde Rodrigues, Maria Beatriz Sá Leitão, Regina Duarte Benevides de Barros

Psicologia 1992

Feminino, Feminino, Feminino Brasil, Brasil, Brasil

O pensamento feminista e a estrutura do conhecimento Mary McCanney Gergen Sociologia 1993 Feminino Estados Unidos

Uma voz diferente: psicologia da diferença entre homens e mulheres da infância à idade adulta

Carol Gilligan Psicologia 1992 Feminino Estados Unidos Entre o amor e o dinheiro: a vida de Christina Onassis William Wright Biografia 1991 Masculino Estados Unidos Organizações e tecnologias para o Terceiro Milênio Pierre Weil Psicologia 1991 Masculino França

Uma questão de gênero Albertina de Oliveira Costa, Cristina Bruschini Sociologia 1992 Feminino, Feminino Brasil, Brasil

Para além do amor: como casais podem superar os desentendimentos, resolver conflitos e encontrar uma solução para os problemas de relacionamento através da terapia cognitiva

Aaron T. Beck Psicologia 1995 Masculino Estados Unidos

Duplamente abençoado: sobre ser gay e judeu Christie Balka Sociologia 2004 Feminino Estados Unidos

Os tigres assustados: uma viagem pela fronteira dos séculos Cristovam Buarque Economia 1999 Masculino Brasil

117

Título do livro Nome do autor Gênero do livro Ano de publicação Gênero do autor Nacionalidade do autor

Todos os nomes da deusa Joseph Campbell Ocultismo 1997 Masculino Estados Unidos

Enfrentando a codependência afetiva

Pia Mellody, Andrea Wells Miller, J. Keith Miller Psicologia 1995 Feminino, Feminino, Masculino

Estados Unidos, Estados Unidos, Estados Unidos

Aprenda a nascer e a viver com os índios Moysés Paciornik Sociologia 1997 Masculino Brasil

118

APÊNDICE B

Trecho selecionado de entrevista com Tônia Muraro, realizada no dia 26 de outubro de 2019

Entrevistadora: A editora Rosa dos Tempos é considerada a primeira editora de estudos de gênero do Brasil. Você saberia dizer como eram feitas as escolhas dos títulos publicados?

Tônia Muraro: Foi a Rose, a Ruth Escobar e a Laura Civita, junto com a editora Record, que fizeram a editora. Era um braço da editora Record só dedicado às mulheres. As escolhas eram feitas pela Rose. Ela lia todos os títulos. Nada foi publicado sem a aprovação dela.

E.: Você sabe se tinha um conselho editorial?

T.M.: [as decisões] nem passavam pela Record. Quem decidia era minha mãe. Ela tinha total liberdade. Claro que existia um acordo, mas nada podia ser publicado sem passar por ela.

E.: Como se deu a criação da editora?

T.M.: Eu participei disso, mas eu trabalhava fora. Depois é que eu fiquei trabalhando na editora com ela, por um bom tempo. Eu era a parte administrativa, gerente-administrativa, que recebia, fazia os pagamentos, recebia os livros, passava para ela, mandava livro pra cá, mandava livro pra cá, que ela não publicava e as vezes mandava pra outras editoras, a própria Record recomendou muitos livros. Agora exatamente como aconteceu, essa

119

história eu não me lembro mais. [...] A Laura Civita era da editora Abril, e a Ruth Escobar era uma grande amiga dela, da cultura, atriz e tal, e ela se uniram e montaram essa editora.

E.: E sobre a relação que elas tinham com o Alberto Machado e com o Sérgio Machado?

T.M.: A relação delas era muito boa. Tranquila. Claro que ela [Rose Marie] era uma pessoa impulsiva, muito decidida, então ela brigava com todo mundo, ela era impossível mesmo, mas a relação de trabalho entre eles era boa.

E.: Como foi a recepção do público?

T.M.: A recepção foi muito boa. As mulheres estavam ansiosas pra ter algum meio de comunicação, pra poder falar alguma coisa, e não eram só mulheres, ela editou muitos livros de homens também, na busca por uma relação melhor entre eles, menos desigual. Todo mundo estava sedento por essas informações.

E.: E essa relação com a Abril deve ter facilitado na divulgação...

T.M.: Sim, ajudou. E cada uma era de uma linha: a Ruth era da área da cultura, a Civita que era da parte da mídia, da Abril, fez muito trabalhos pra editora, trouxe muita gente bacana, e a Rose que era da linha editorial. Juntou três personalidades, e tinha o respaldo da editora Record. Então foi muito bacana, pena que não foi adiante.

E.: A Rosa dos Tempos foi vendida integralmente para a editora Record em 1994. O que mudou?

T.M.: É, virou um selo da Record. Ela [Rose Marie] continuou trabalhando

120

um tempo lá, daí ela acabou se desgostando, se desentendeu na época com o Sérgio e saiu. Problema financeiro, na verdade. Existia sede de falar, mas as pessoas não compravam livro. Pra vender, minha mãe fazia palestras nas universidades, os workshops, ela carregava os livros e vendia. Ela vendeu muito pouco em livrarias. Porque olha só: há 30 anos atrás, as mulheres, as universidades nem tratavam desse assunto. Então nem pra pesquisa as pessoas compravam. Compravam as mulheres daquela época que queriam fazer a mudança interior. Elas é que liam. As pessoas que queriam mudança, elas compravam e liam. [...] A editora, apesar de ter sido uma coisa maravilhosa, a ideia maravilhosa, não se sustentou. Elas começaram a sair, a Laura acho que foi a primeira a sair, e aí logo saiu a Ruth e a minha mãe ainda continuou um tempo, ficou eu e ela, porque tinha coisa no meu nome na época, e nós continuamos trabalhando e tal, mas aí ficou... perdeu o efeito. Começa a ter influência das outras editorias da Record, e ela não queria esse tipo de influência.

121

APÊNDICE C

Trecho selecionado de entrevista com Gustavo Barbosa e Márcia Soares, realizada no dia 26 de outubro de 2019

Entrevistadora: Qual era a relação que vocês tinham com ela [Rose Marie Muraro]?

Gustavo Barbosa: Eu conheci a Rose porque tinha trabalhado no Pasquim. Ela tinha muita relação com aquela história toda. Não chegamos a fazer um trabalho juntos nessa época, mas tínhamos contato. [...] Eu entrei no Pasquim um pouquinho depois da entrevista que ela deu com a Betty Friedan, e fiquei cuidando da editora de livros. A gente não tinha contato diário, mas conhecia ela de algumas histórias, e de alguns eventos que a gente promovia. Quando saí do Pasquim, fui fazer outras coisas, e ela acabou me encontrando e me chamou para ajudar na Espaço & Tempo, por causa da experiência que eu tinha tido no Pasquim e na Rocco. Aí eu chamei a Márcia. Mas eu não tive um vínculo diário, embora tivesse uma relação permanente ali, eu cuidava da parte de marketing, [...] eu fazia um monte de coisas, mas eu não ficava lá o dia inteiro igual ela ficava. [...] Aí meu vínculo com ela foi esse, muita admiração intelectual por ela, e ela ao mesmo tempo... É engraçado, ela sabia conversar com os sócios, os empresários, o cara rico que botava grana, e sabia convencer ele das loucuras dela, o cara não era de esquerda, mas ela envolvia de uma forma...

Márcia Soares: Ela vendia geladeira pra pinguim.

Gustavo Barbosa: E ela não vendia mentindo não, ela mentia envolvendo,

123

seduzindo pelos argumentos dela, a gente ficava de queixo caído, sem conseguir nem contra-argumentar. Então ela conseguia ir fazendo as coisas dela assim, arranjando meios de fazer.

Márcia Soares: É porque ela tinha uma mente... ela era múltipla. Ela era muito sofisticada.

E.: E você, Márcia, qual era a sua relação com ela?

M.S.: Eu comecei a ter convivência com ela em 87, e aí, logo depois, acho que foi em 89, [...] ela me convidou para a Rosa dos Tempos, a gente ia fazer do zero uma editora. Era ela, a Laura Civita e a [...] Neuma Aguiar.

E.: E vocês sabem sobre a motivação, ela tinha essa vontade de criar uma editora voltada para mulheres?

M.S.: Ela tinha a vontade de uma criar uma editora de gênero, pra abrir espaço... Não era só livro de mulher, mas da temática da mulher, e que as mulheres pudessem publicar, porque tinham mulheres que não tinham como publicar em outras editoras, e publicavam lá. Essa era a proposta. Mas não tinha preconceito, com homem, com nada. E publicava coisas assim, apesar dela ser católica apostólica romana, a gente publicou um livro, de um cara que é super famoso agora [...]. Ela publicou um cara chamado Rupert Sheldrake, um inglês, que é muito famoso, e ele só fala sobre ciência e espiritualidade. A gente publicou isso na década de 90. [...] E eu não tinha a menor noção da importância daquele homem.

G.B.: E primeiro porque a Rose era covardia, né? Ela era intelectual demais e sabia muito. Só que não era nada metida. [...]

M.S.: E hoje o cara é “o cara”. E eu falava com esse cara, e achava aquilo... básico. Porque pra Rose, todo mundo era básico. Então assim, começou

124

o negócio de movimento de física quântica, eu me lembro como se fosse hoje... eu tava numa reunião na casa dela, e tocou o telefone. Ela falou assim: “pela hora, é o Noam Chomksy”. E eu falei: cê tá de sacanagem comigo! Ela está de sacanagem comigo! Márcia, atende o telefone. Hello, may I ask for Rose, please? Who is? Chomsky. Eu falei: eu não acredito... é o Noam Chomksy. Na maior naturalidade. E ela falava, e o Noam Chomksy ligava pra ela pra tirar dúvida. Então, assim... é uma pessoa desse tipo.

125

APÊNDICE D

Fotos tiradas no Instituto Cultural Rose Marie Muraro no dia 26 de outubro de 2019

127
128
129
Fonte: Luanna Luchesi (2019)

ANEXOS

ANEXO A

Capas dos livros da editora Rosa dos Tempos

131
132
133
134
135
136
137
138
139

ANEXO B

Termos de autorização de uso de imagem e depoimentos

141
142

ANEXO C

Materiais de divulgação da editora Rosa dos Tempos –Jornal de divulgação da editora, nº. 1

143
144

Materiais de divulgação da editora Rosa dos Tempos –Jornal de divulgação da editora, nº. 2

145
146

Materiais de divulgação da editora Rosa dos Tempos –Jornal de divulgação da editora, nº. 4

147
148
Material cedido por Gustavo Barbosa.

ANEXO D

Materiais de divulgação do Instituto Cultural Rose

Material cedido por Tônia Muraro.

149

Materiais de divulgação do Instituto Cultural Rose

Marie Muraro – Folder de divulgação do ICRM

Material cedido por Tônia Muraro.

151
152
153
154

Este livro foi desenvolvido na primavera de 2019, composto com tipogra a Bembo Std, impresso em papel Pólen Bold 90 g/m² na grá ca Impressões de Minas.

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.