O TEMPO Belo Horizonte DOMINGO, 10 DE MAIO DE 2015
M3
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Doce na vida, ácida no mic ¬ LUCAS BUZATTI ¬ Depois de deixar na escola
a filha Ciça, de 7 anos, Bárbara Sweet chega ao edifício Maletta de bicicleta para a sessão de fotos que antecederia nossa entrevista. O tempo curto, porém, faz com que o papo seja remarcado para a noite, no espaço 4y25, também localizado no boêmio edifício do centro da cidade. Enquanto a rapper mineira mostrava dificuldade em posar com sorrisos para as fotos – “esse lance de ser modelo é difícil, mano!” –, durante a conversa, o riso era solto. A simpatia e o flow dinâmico de ideias e histórias desconstroem qualquer impressão equivocada de que Sweet seja marrenta ou ríspida como a persona que muitas vezes assume no palco do Duelo de MCs. “A maioria, quando me conhece, diz que tinha essa impressão antes. As pessoas viajam, confundem as coisas. No palco, sou uma. Na vida, outra. Sou doce, adoro abraçar, conversar com todo mundo”, pontua a MC, 29, com seus característicos e brilhantes olhos azuis. Mas numa rápida conversa, é possível entender da onde vem a força que explode no palco: Sweet é uma frasista de mão cheia. Nascida em Belo Horizonte e criada entre as regiões Leste e Sul da capital, Bárbara Bretas Coelho mergulhou no universo do hip hop aos 12 anos. “Comecei colando em festas que foram marcos da cidade, como Dançarte, Casarão, Estrela”, conta a rapper, que afirma nunca ter vivido rodeada de “patricinhas”. “Na época, o rolê era o da pixação, da torcida organizada. Por isso que virei Sweet, que era o nome que eu marcava. Eu levava pra escola umas balinhas de uma loja que chamava Sweet Sweet Way, e aí acabaram me batizando assim”.
“‘Ah, te chamam de vadia, de piranha? Irmã, mas não te chamam disso na rua? O duelo é a sua oportunidade de retrucar. É o direito de resposta que o pedreiro não te dá’”
Do “pixo” – o irmão rebelde do graffiti, um dos quatro elementos da cultura hip hop –, vieram os primeiros contatos com a rua. “O pixo carregava essa vontade de ocupar o espaço público, de dar rolê na madrugada, de conhecer várias quebradas”, sublinha Sweet. Pouco tempo depois, o mesmo circuito acabou apresentando à mineira as primeiras canções de rap. “Se não me engano, o primeiro som que eu pirei mesmo foi ‘Capítulo 4 Versículo 3’, dos Racionais. Foi ali que eu tive aquele baque, saca? ‘Caralho, mano, quê isso!””, conta às risadas. Só depois vieram os primeiros raps “gringos”, apresentados por amigas e amigos. “Antigamente, não tinha isso de bater o nome no Google e descobrir tudo o que pessoa já fez. A gente traficava informação por fita cassete. Era todo um prazer analógico de
garimpar sons”, sublinha a MC. “E, porra, nesse sistema das fitinhas cassete conheci tudo. RZO, Facção Central, Ndee Naldinho, Wu-Tang Clan, Digable Planets, A Tribe Called Quest, Fugees”, elenca. “Por um lado, as coisas hoje estão mais fáceis, mas por outro são muito mais superficiais. Não tem a mesma dedicação, o mesmo esforço de estudo que tinha”. Sweet também comenta o fato de ser uma mulher, branca, e circular num movimento predominantemente masculino – marcado, em seus primórdios, por atitudes e letras machistas. “É lógico que o machismo sempre existiu, e não só ali. Antigamente, a gente não colava de saia, de calça justa. A estética do rap era masculina. Até porque não era bem visto, nem mesmo pelas mulheres, você ir de uma forma mais feminina no rap. Nisso a
gente já vê a misoginia da coisa. Não era autorizado ser mulher”, crava. “É claro que encontrei resistências por ser mulher, por viver onde eu vivo, pelos privilégios que tenho na vida. Mas não por ser branca, até porque não acredito que exista racismo reverso”. Para Sweet, contudo, os desafios de ter que se afirmar como alguém que entende de rap foram motivadores – e ainda são. “O tempo todo tem gente me dando carteirada de hip hop. Recentemente, colei no show de um MC bem famoso, conhecido por fazer freestyle, e a primeira coisa que o cara falou foi: ‘Ah, você faz freestyle, então faz aí pra eu ver’”, conta. “É tipo falar com um médico: ‘Ah, você é médico? Então opera aí pra eu ver!’. Claro que incomoda. Mas, se eu não desisti há dez anos, não vai ser agora”. A soma entre as aulas de
canto no coral da igreja (abandonadas depois do rap) e o gosto pela poesia fez com que Sweet se sentisse segura para começar a fazer rimas de improviso, aos 16 anos. “Comecei a escrever várias letras, mas nunca tinha gravado nada. O (rapper) Matéria Prima foi o primeiro cara que me incentivou, que falou que eu era capaz. Aí acabei entrando no Ponta Pronta”, afirma, lembrando o coletivo de rap que tinha MCs como Rato, DMS, Matéria Prima, Casper e a parceira Paulinha Ituassu, com que formou, anos depois, o duo Controvérsias. Aos 20 anos, Bárbara Sweet mudou-se para São Paulo. Lá conheceu o rapper Slim Rimografia, com quem se casou e teve a filha, Ciça. “A vida cobrou” e, após a separação, ela voltou para BH e dedicou-se à criação e a “pagar as contas” trabalhando no coLINCON ZARBIETTI
Rimas soltas. Após firmar seu nome no Duelo de MCs, Sweet prepara seu primeiro EP solo
mércio. Passados quatro anos, ela voltou a São Paulo de férias para busca r a inspiração que tinha deixado na cidade. “Quando voltei desse rolê em Sampa, estava uma máquina de fazer rimas”, lembra. “E aí as minas de BH me chamaram para um freestyle. Fiquei bitolada, treinando o dia inteiro. Lembro que estavam a Zaika, a Negra Lud. Mandei super bem, fiz um freestyle encaixadinho, bonitão”, diz. O sucesso do improviso motivou o convite para participar do Duelo de MCs, no Viaduto Santa Tereza, onde ela tornou-se conhecida no circuito alternativo de BH. “Em 2013, nas eliminatórias do Duelo, o Monge queria me colocar numa chave. Fiquei receosa, não tinha nenhuma mulher”, diz. “Comecei a rimar o dia inteiro, assisti a vários vídeos de batalhas. Pensei em todas os MCs que podiam me enfrentar. Cheguei lá morrendo de medo, ganhei de um e perdi de outro”, lembra. “Mas a que eu perdi foi para o Vinição, que me humilhou. Tinha acabado de parar de amamentar e ele falou justamente dos meus peitos. Eu só queria deixar o mic no chão e dar um direto na boca dele”. Aquilo mexeu com ela. “Pensei durante anos nas razões desse impacto todo. Porque essas coisas ‘escrotas’ mexem tanto com as mulheres, mas não com eles?”, questiona. “Voltei com sangue nos olhos, rimando pesado, deixando vários no chão. E é essa a ideia que dou para as minas hoje. ‘Ah, te chamam de vadia, de piranha? Irmã, mas não te chamam disso na rua? Ali é a sua oportunidade de retrucar. É o direito de resposta que o pedreiro não te dá’”, compara. “Hoje, quando me zoam com machismo eu até agradeço. É a minha especialidade, entrou no meu território. Tenho um arsenal de rimas para responder. E é só assim que vão aprender a mudar o discurso”, afirma a rapper, que já ganhou de MCs notáveis como Douglas Din. Nos últimos anos, Sweet viu-se impelida a registrar sua arte. “A música é uma coisa que fica, uma essência sua, e não só do momento, como o freestyle”, destaca. Intitulado “Doce”, o primeiro EP deve sair no segundo semestre deste ano, com cerca de dez faixas. “Espero que o disco fortaleça não só minha carreira, mas a de todas as minas. Que me leve para outros lugares onde eu possa mostrar o potencial das minhas irmãs. Às vezes, com 15 minutos você transforma uma menina numa MC”.