Matéria Zaika dos Santos - O Tempo

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O TEMPO Belo Horizonte DOMINGO, 31 DE MAIO DE 2015

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Toda a força da mulher negra tou um morador de rua sobre as tranças de Zaika dos Santos, quase ao mesmo tempo em que nos sentamos num banco do Parque Municipal para esta entrevista. “É, uai. É cabelo, igual ao seu”, respondeu a cantora mineira. “Já estou acostumada”, completou bem-humorada, enquanto arrumava seu coque de tranças nagô, deixando à mostra as tatuagens nos dois antebraços que, juntas, exibem seu bordão: “vibe positiva”. De fato, se há uma pessoa que consegue ser enfática em suas lutas e, ao mesmo tempo, serena e zen, essa é Zaika dos Santos. Nascida no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, Zaika teve contato com o meio artístico ainda criança. “Sou filha de uma cantora de música popular brasileira, que se chama Selma Santos, e de um produtor cultural de São Paulo”, conta a cantora, 27. “Acompanhei a correria musical da minha mãe até os 8 anos de idade, quando ela decidiu parar. Vivi em meio a muitas linguagens musicais, que permearam minha infância”, afirma, citando ritmos como funk, soul, bolero, brega, samba, forró e reggae. Dos artistas, a cantora cresceu ouvindo Jorge Ben, Bob Marley, Belchior, Michael Jackson, James Brown, Lindomar Castilho, entre outros. O hip-hop apareceu por volta dos 10 anos, quando Zaika começou a dançar break e ouviu Racionais pela primeira vez. “O Racionais chegou muito forte na comunidade, através da Rádio Favela. E teve também o Câmbio Negro, que era mais político e me encaixou muito, socialmente, num lugar de pertencimento”, destaca. “Eu já escrevia, mas não me animava a cantar. Minha mãe que me despertou para esse lado da voz”, relembra. Quando se mudou para Contagem com a mãe, a artista ficou mais ativa na cena. “Comecei a participar dos coletivos, a dar oficinas de break. Aí entrei em dois

“Eu tenho dificuldade de assumir esse discurso do feminismo branco como sendo meu”

grupos de rap, o Vulgo Elemento e o Estilo Feminil, que eu fiquei por um tempo e depois saí fora”, relembra. “Até que um dia apareceram duas meninas na porta da minha casa, me chamando para montar um grupo de rap. E assim surgiu o Ideologia Feminina”. Com o grupo, Zaika alçou seus primeiros voos autorais: em 2006, o Ideologia Feminina venceu o festival Hip Hop In Concert, no Teatro Francisco Nunes, e, um ano depois, foi finalista do emblemático Prêmio Hutúz. As companheiras de banda decidiram abandonar a carreira artística e Zaika, firme em seu obje-

tivo, migrou para o Leal Sound System, dedicado a ritmos jamaicanos que flertam com a música eletrônica, como o ragga e o dancehall. Com a trupe, surgiram as músicas “Vibe Positiva” e “Acorda, Menino”, embriões do primeiro disco solo, “Desabafo”, que começou ser gravado em 2010. Na mesma época, Zaika entrou para o grupo Coletivo Dinamite, única mulher do grupo. “Mas era muita testosterona”, brinca a cantora. “Era a única banda de rap que tinha mulher em BH”, relembra. Três anos depois, o desejo de finalizar “De-

sabafo” bateu forte, e Zaika deixou o Coletivo Dinamite. O disco solo veio em 2014, lançado gratuitamente na internet, no estilo “do it yourself” que sempre permeou o corre de Zaika dos Santos. “É engraçado, porque a gente fala que a rua não tem dono, mas ela tem. Essa coisa de ‘a rua é nóis’ é bem complexa, e para a mulher negra, então, é ainda pior. Já a internet, sim, é livre”, reflete. “O disco é um desabafo mesmo. Eu estava bem cansada do hip hop, de algumas demago-

“Luto pra mostrar que a pessoa não tem o direito de tocar no meu cabelo porque acha diferente, que eu não estou numa galeria de arte” MAXWEL VILELLA/DIVULGAÇÃO

¬ LUCAS BUZATTI ¬ “É de verdade?”, pergun-

Empoderamento. Zaika dos Santos não se limita nem ao rap como gênero nem ao feminismo como ideologia. “Minha luta é para empoderar outras irmãs negras como eu”, afirma a cantora mineira

gias do movimento, do machismo, que é velado, mas muito presente”, critica. O debut rendeu o clipe de “Manauë” e vários shows, entre eles nos festivais Conexão BH, Transborda e Virada Cultural. Em paralelo, porém, Zaika – workaholic assumida – já produzia o segundo álbum, “Akofena”, com o parceiro Wagner Dubalizer (produtor musical e engenheiro de som paulista que já trabalhou com Nação Zumbi e Tribo de Jah). “Eu nunca me limitei ao rap. Não sou mais só uma MC. Sou cantora, ‘toaster’ de sound system. Eu diria que hoje o que faço é música eletrônica”, pontua. “‘Akofena’ é um símbolo adinkra. A simbologia africana sempre foi muito forte para mim”, explica. “Cresci com essa coisa de: ‘Olha, você é negra e se te discriminarem você não vai aceitar. Essa aqui é a sua cultura e você tem que passar adiante’. E o adinkra é uma dessas referências, que eu misturo nas minhas roupas, nas letras do primeiro disco e também do novo, que deve sair ainda este ano”, afirma, lembrando que o primeiro single, “As Negas”, foi lançado recentemente. “É uma música que fala da aceitação da mulher negra. De se assumir do jeito que é, com suas formas, com seu nariz, com seu cabelo, com sua cultura”, afirma. “O feminismo nunca me aderiu cem por cento porque sou mulher negra. E ele se limita a discutir os números da população negra. Maior número de mulheres estupradas, assassinadas, violentadas. Pô, a gente paga até a maquiagem mais cara”, brinca. “Eu tenho dificuldade de assumir esse discurso do feminismo branco como sendo meu”. Zaika diz que a escrita é sua válvula de escape para lidar com problemas como o machismo e o racismo estrutural. “Antes eu fazia um discurso mais frontal, hoje entendo que a melhor forma de educar é o abraço. Mas também não fico lutando para educar quem não quer”, pondera. “Luto para empoderar mais irmãs negras. Para mostrar que se eu estiver no shopping, com o meu cabelo, não vou aceitar segurança me seguindo. Que se eu estiver numa loja, não quero radar de preto. Que a pessoa não tem o direito de tocar no meu cabelo porque acha diferente, que eu não estou numa galeria de arte”, crava. “Se o outro não me aceita, o problema está com ele. É ele quem está doente”.


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