Matéria Drin Côrtes - Estado de Minas

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GERAIS

❚ CENA URBANA Cantora Amy Winehouse, que morreu em julho depois de longo histórico de drogas, serve de inspiração para artista chamar a atenção da cidade para a presença de usuários de crack ADRIANA LAGARES/DIVULGAÇÃO

Cinzas de fogueiras acesas por dependentes de crack foram usadas para desenhar o rosto de Amy Winehouse em viaduto do Complexo da Lagoinha, em BH

DYLAN MARTINEZ/REUTERS - 22/6/07

Alerta para um mundo

invisível SANDRA KIEFER E LUCAS BUZATTI

Quem tiver olhos para ver, veja a imagem deumaAmyWinehouseenvelhecidaeconsumida pelo vício, chapada no muro do Viaduto Sarah Kubitschek, no Complexo da Lagoinha, em Belo Horizonte. Quem tiver ouvidos para ouvir,ouçaolamentodacantorabritânica,que parece sussurrar a letra de Rehab, uma de suas últimas músicas: “Tentaram me mandar para a reabilitação/Eu disse não, não, não/É, eu estive meio caída, mas quando eu voltar/Vocês vão saber, saber, saber/Eu não tenho tempo”. Poucos dias depois de ser encontrada morta dentro de casa, em 23 de julho, Amy ressurgiu em meio às cinzas das fogueiras acesas pelos usuários de crack que batem ponto naquele viaduto. Por meio da contundente intervenção na paisagem urbana, o artista mineiro DrinCôrteschamaaatençãoparaosurgimento de mais uma cracolândia em BH. “Os usuários de crack são tratados como invisíveis. As pessoas sabem que eles estão lá e viram o pescoço para o outro lado. Tentei atrair o olhar do público para aquele lugar”, revela. Formado em belas-artes pela UFMG, o jovem artista tem 25 anos, dois a menos que a cantora tinha ao perder a vida. Apesar de ser contemporâneo de Amy, Drin Côrtes pensa diferente em relação à inglesa. Discorda dos excessos no álcool e nas drogas pesadas (ela chegou a aparecer em um vídeo em que aparece usando crack) e quer vencer a sina dos 27 anos, reservada a artistas. Ele aproveitou como mote a morte da cantora para homenageá-la e, ao mesmo tempo, fazer uma crítica social. “O fato de ela ter sido viciada não fez com que fosse ignorada como essas

pessoas são todos os dias”, pontua. Para desenhar os traços de Amy, Drin Côrtes usou apenas pincel e pano molhado, limpando a fuligem deixada pelas fogueiras do crack (que servem para derreter os fios de cobreconvertidosemdinheiropelosdependentes da pedra). Fez o extremo oposto da pichação: limpou, em vez de sujar os muros da cidade. Drin Côrtes não quer elogios. Nem assinou a fugaz obra de arte, que está se apagando com o tempo. Preocupou-se somente em mandar o recado. “A rua é o melhor lugar para transmitir alertas”, ensina.

CONVERSAS Ao todo, o trabalho levou quatro horas. Durante o processo, o artista esteve cercado por usuários de drogas pesadas, em plena luz do dia. “Eles vieram conversar comigo e um deles estava especialmente intrigado pelo fato de Amy ter caído naquela vida. Contou ter sido desapropriado com a família para a construção de um dos novos viadutos. Já teria perdido a mãe e uma irmã para o crack,

mas continuava viciado na pedra”, conta. Em um dado momento da conversa, três viaturas da PM estacionaram do outro lado da avenida. “Os policiais ficaram só olhando. Queria ver brigarem comigo com tanta gente cometendo crime ao meu redor”, comenta. Na concepção inicial de Drin Côrtes, Amy seria a primeira de uma série de celebridades ligadas ao crack que seriam grafitadas uma a uma nos viadutos de BH. A morte precoce da cantora precipitou o movimento. Quando saiu a notícia da morte dela, eu estava em um projeto de residência artística em Diamantina. Abandonei o projeto pelo meio e voltei correndo.Precisavatrabalharnaminhaideia”, afirma o artista. Ele ainda não sabe se dará continuidade à proposta, já que o objetivo maior está sendo atingido. A Amy das cinzas ganhou repercussão em sites especializados em grafite e entre entendidos em arte de rua, alémdeintrigaroshabitantesmaisatentosda cidade. “Podem ficar espertos que está vindo novidade por aí”, avisa. ALEXANDRE ORION/DIVULGAÇÃO

Fuligem de carros foi empregada no painel Ossário, em túnel de São Paulo

SAIBA MAIS SUJEIRA VIRA ARTE Produzido pelo artista mineiro Drin Côrtes, o trabalho de Amy Winehouse usou como plataforma a própria sujeira da parede, decorrente da fuligem de fogueiras acesas constantemente pelos usuários de crack. Para fazer os traços e detalhes, foram usados apenas pincel e pano molhados – técnica conhecida como grafitti reverso, eco-tagging ou graffiti limpo. A ideia surgiu do trabalho do paulista Alexandre Orion. O artista plástico fez uma intervenção no túnel Max Feffer, em São Paulo, onde desenhou, apenas com um pano molhado, quase duas mil caveiras. Enquanto desenhava, Orion foi parado diversas vezes por policiais, que apenas fizeram perguntas e anotações. No entanto, o projeto, intitulado Ossário, foi apagado no dia seguinte por um caminhão de água da prefeitura paulistana. Além de Orion, outro grande representante da modalidade é o americano Paul "Moose" Curtis. Em abril de 2008, o artista lançou o documentário The Reverse Graffiti Project, que mostra, em São Francisco, a arte como protesto contra a poluição e a falta de cuidado com as megalópoles do mundo.

LUIZ RIBEIRO/EM/D.A PRESS

CIDADANIA E SOLIDARIEDADE

Uma cidade para os meninos LUIZ RIBEIRO

Quem visita o local pela primeira vez tem a impressão de estar chegando à sede de um município, diante das ruas, escolas, padaria, cinema, praça de esportes, campo de futebol e uma igreja para 2,5 mil pessoas sentadas, dedicada a Nossa Senhora Imaculada Conceição. Não tem prefeitura, servidores ou cobrança de impostos. Pelo contrário, é dedicada somente à solidariedade. Este é o perfil do projeto social Cidade dos Meninos São Vicente de Paulo, que atende 4.360 crianças e adolescentes em Ribeirão das Neves, na Grande BH. Funcionam na entidade mais de 70 cursos profissionalizantes para cerca de 2,8 mil crianças e adolescentes, atendidos nos sistemas de internato e semi-internato. A “cidade” conta ainda com escola de ensino fundamental e médio freqüentada por 1.560 alunos, que têm assistência médica, odontológica e acompanhamentopsicológicoeatividadesesportivaseculturais gratuitamente. O projeto é administrado pela Associação de Promoção Humana Divina Providência. Os internos também colaboram com a manu-

tenção, pagando valor simbólico de R$ 15 por mês. Segundo o superintendente da instituição, Celso Paulino Fernandes, a “cidade” é custeada com o patrocínio de cerca de 200 empresas, que adotam os assistidos. É pago um salário por mês para cada criança. “Mas há empresa que adota até 16 crianças”, diz. Ele lembra que, além das empresas, o projeto conta com contribuições de cerca de 700 pessoas físicas que contribuem com valores que variam de R$ 10 a um salário mínimo mensalmente – as doações podem ser deduzidas no Imposto de Renda – até 6% do valor devido. “As pessoas comuns contribuem pouco, individualmente, mas como são em número alto, as doações ajudam muito”, diz. A partir de parceria entre poder público e iniciativa privada, está sendo articulada a criaçãodeumaunidadedoprojetoemMontesClaros, visando o atendimento a 500 crianças e adolescentes.Acasaassistencialseráerguidano Conjunto Village do Lago. O terreno já foi doadopelaprefeitura.Asobrasficarãoporcontada comunidade. Para isso, foi iniciada campanha junto a empresas locais para doação de material de construção.

“Para garantir a disciplina, desenvolvemos um trabalho de acompanhamento e conscientização das crianças e adolescentes, que são orientados sobre as boas maneiras de comporta- Instituição tem 70 cursos profissionalizantes e serve 3.680 refeições mento”, explica o secretário-ge- diariamente na sede em Ribeirão das Neves, na região metropolitana ral da “cidade”, Antônio Aguiar de Resende. Ele lembra que, nos comércio, indústria e prestação de serviços. fins de semana, todos os assistidos – semi-in“Além da preparação para o mercado de traternos e internos – são liberados para visitar balho, queremos que nossos alunos tenham suas famílias. “A liberação também visa possiformação moral”, informa o presidente da Asbilitar que eles não percam vínculo com suas sociação da Divina Providência, Jairo Azevedo. famílias”, ressalta. Na parede do ginásio da “cidade”, onde os alunos aprendem aulas de judô, uma frase ensina: ■ CURSOS SUPERIORES A PARTIR DE 2012 “Lutar, sempre; vencer, talvez; desistir, nunca”. A “cidade” foi construída num terreno de E “desistir nunca’ é o refrão empregado 510 mil metros quadrados, no bairro Santa por Edson Junior do Nascimento, de 16 anos, Paula, na Região Central de Neves. Mas, ao tocujo pai é faxineiro e a mãe, doméstica. Natudo, o projeto abrange 1,47 milhão de metros ral de Contagem, Edson iniciou há seis meses quadrados (o equivalente a 1.470 campos de o curso de torneiro mecânico. “Estou aqui pafutebol), pois inclui fazenda-escola, de 96 hecra me tornar um futuro cidadão. Quero ser altares, perto da sede da instituição. A partir de guém na vida e ajudar minha família”, afirma 2012, o projeto será ampliado com cursos suo aluno. É o mesmo pensamento de Itamar periores. O primeiro a ser implantado será o Vitor dos Santos, de 14, natural de Betim, que de sistemas de informação. Os cursos incluem faz o curso de chocolateiro.


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