Prefácio Teresa Nóvoa AEPGA
O principal objectivo do projecto “The young and the old: looks on women in the rural world” foi promover encontros. Entre jovens e idosos. Entre o mundo urbano e a realidade rural. Entre mulheres e homens. Entre culturas e saberes. Graças à acção 1.2 do programa Juventude em Acção, jovens de três nacionalidades – portugueses, espanhóis e romenos – trabalharam em conjunto para conhecer e dar voz às mulheres do campo dos seus países, no sentido de contactarem com pessoas e com um meio geralmente votados ao esquecimento. Assim, realizaram um longo trabalho de campo e procuraram retratar fiel e intimamente as mulheres com quem se cruzaram, tanto em fotografia como em vídeo. Deste modo, tiveram a oportunidade de reflectir sobre os vários assuntos que pretendemos abordar: a igualdade de género e de direitos;
a urgência de um desenvolvimento rural sustentado e participado pelas populações rurais em que a difusão de informação tem um papel fulcral; os jovens locais como principais agentes desse mesmo desenvolvimento e da construção de um futuro mais equilibrado e tolerante, em Portugal, Espanha e Roménia como na Europa; a interacção entre jovens e idosos como importante fonte de transmissão de saberes em risco de desaparecimento, a ser integrados nas perspectivas de desenvolvimento dos mais jovens. De forma a partilhar o resultado deste trabalho, foi preparada uma exposição, inagurada na Casa de Cultura de Vimioso em 2009 e entretanto já apresentada em Miranda do Douro e em Alfândega da Fé. Este livro-DVD representa o passo seguinte de divulgação, juntando às fotografias e aos vídeos recolhidos testemunhos dos jovens que participaram nesta iniciativa, bem como palavras enriquecedoras de quem conhece e tem vindo a pensar as mulheres do/ no mundo rural. Um forte agradecimento a todos os que participaram nestes (re) encontros e (re)descobertas de uma realidade tão próxima mas tão distante.
Apresentação do grupo português Teresa Nóvoa AEPGA
O desafio lançado pela direcção da AEPGA parecia simples, mera extensão do trabalho quotidiano de proximidade com a população do planalto mirandês, tendo acabado por revelar-se mais intenso e enriquecedor do que prometia. Durante alguns meses entrámos na casa e na vida de várias mulheres, pela primeira vez ou já com amizade mais antiga, com pezinhos de lã ou de mangas arregaçadas para ajudar ao trabalho. Abrindo portas ou pequenas janelas, todas nos mostraram algo de novo e de mais íntimo da sua história sempre com o à vontade de quem sabe medir as fraquezas e as forças, as incertezas e os saberes a mostrar. Histórias de violência, de comando e de empreendedorismo na família; de continuidade e reinvenção de tradições de cozinha, de artesanato e pastoreio, bem como de maneiras de viver. A cumplicidade que com elas construímos mostrou realidades que despertaram a reflexão sobre o lugar diverso da mulher na esfera rural: não o da marginalização, raras vezes o da desigualdade, com frequência o do esquecimento; um lugar presente, valorizado, para o futuro – a que nos cabe dar continuidade.
As mulheres não podem estar paradas.
Das mulheres de Trás-os-Montes: a propósito duma foto Paula Godinho
Dep. Antropologia e IELT – FCSH/UNL
As mulheres não podem estar paradas, salvo se forem ricas. As proprietárias podem ficar nas suas casas, nos seus pátios interiores, rezarem muito, resguardarem-se do sol e terem a pele branca. Estão preservadas dos perigos dos campos, de tornar as águas nos lameiros pela noite fora, no Verão, de atravessar encruzilhadas onde todos os males podem sobrevir. As lavradoras pegavam na rabiça do arado como agora montam num tractor, gritavam aos bois no final dum rego e, sobretudo depois dos homens terem partido para fora, lançavam a semente à terra, rogavam para que o ano fosse farto e as trovoadas escassas, punham mãos à obra na ceifa, faziam a acarreja e contratavam a malhadeira. Cumpriam todo o ciclo do pão, se fosse preciso, orgulhando-se algumas de não precisarem de ajuda para pôr o saco do grão em cima dum macho e levá-lo até ao moinho. Pagavam a maquia, traziam a farinha de volta, amassavam e benziam a massa e punhamna no forno. As jornaleiras, que não tinham terras próprias, faziam tudo isto por escasso pagamento, de sol a sol e podiam começar com cinco ou seis anos como pastoras ou criadas em casa alheia. Trabalharam arduamente em França, no ménage ou nas fábricas, como agora em Espanha, a servir à mesa ou no serviço doméstico. Outras estudam mais que os rapazes do seu tempo, prosseguem pelo ensino secundário, pelo politécnico e pela universidade, mas é raro que alcancem posições de chefia. As mulheres não podem estar paradas e de pequenas lho ensinavam. Antes, depois ou em vez da escola, o trabalho da casa, o cuidado dos irmãos e dos avós idosos, o acompanhamento do ciclo do linho, fiar e tecer a lã. Na matança do porco aparam o sangue, lavam as tripas e preparam o fumeiro. Limpam a casa, lavam a roupa, acodem aos seus
velhos, como fez anos a fio uma mulher de Ifanes à sua mãe acamada, que clamava de noite com medo das trevas e da morte. Fazem a comida todos os dias, antes um caldo com um pouco de unto ou uma sardinha para três, agora mais abundante e variada. Vão ao rebusco da castanha e da azeitona, recolhem cogumelos e merujas. Antes dos dias de festa amassam folares com muitas gemas e carne de porco, fazem económicos e matrafões, aproveitam os frutos maduros para compotas e licores. As mulheres não podem estar paradas, e é assim pelo ciclo da vida. Entreajudavam-se no parto com uma sabedoria empírica, como a da tia Sardinha de Vale de Pena, que pedia às mulheres que soprassem numa almotolia para aguentarem o trabalho que dá fazer nascer um filho. Quando pariam ficavam recluídas e demoravam mais tempo a
purificar-se para serem aceites na igreja se tivesse nascido uma menina. Enterravam bem fundo a placenta, para que nenhuma animal a desenterrasse e faziam o mesmo com o cordão umbilical mumificado. Cantavam aos filhos de sono arredio e lastimavam a perda precoce do leite. Perderam, no passado, filhos a fio – o coro de anjos que lhes servia de consolo quando um dia elas próprias morressem. A sua impureza menstrual interditava-as de fazer o pão ou encher chouriças. Adoeciam com mal de madre. Cozinhavam os manjares cerimoniais dos casamentos, faziam as talanqueiras e distribuíam os entremoços nas aldeias de Vimioso. As festas de raparigas, com assumido protagonismo, foram escassas e a-periódicas. Salvo em Vale de Lamas, no passado raramente conseguiram o estatuto que hoje em Deilão ou em Ousilhão conquistaram: estar de corpo inteiro nas festas. Em Rio de Onor terá havido uma vez uma comezaina só de mulheres casadas,
mas não temos deste lado da fronteira equivalentes às cerimónias em honra de Santa Águeda. Levavam longe a submissão quando maltratadas, raramente irradiando um marido agressor. Viúvas precoces com filhos pequenos punham mãos à obra. Como uma mulher de Varge, que contava histórias de lobos que abriam alas para que passasse, condoídos da sua situação de mãe que tinha que ir ao contrabando para sustentar os filhos. Podiam afundar-se na inveja, dizerem-se alvo de mau-olhado e procurar a benzedeira ou o médico. Se seguirem a vida religiosa, jamais a hierarquia católica permite que sejam protagonistas numa missa. Os sinos tocavam um número par de badaladas quando uma mulher morria. Lavavam e vestiam os mortos, choravam-nos e visitavam o cemitério, enfeitavam as campas no dia de Finados e rezavam o terço. As mulheres não podem estar paradas. As que vemos nesta foto já
não precisariam de ter as mãos ocupadas. Hoje, as curtas pensões de reforma ajudam na velhice, mas como eliminar o que é um hábito de toda a vida? Por isso, estas três mulheres, na sombra dum fim de tarde do Verão de 2009 em Freixo de Espada à Cinta, entre o Douro e o Sabor, não param. Quando eram raparigas fizeram o enxoval, prepararam as coisas da casa que pelas construções de género cabem às mulheres. Agora, há sempre filhas, netas, bisnetas à espera duma colcha ou duma cobertura de camilha, dum naperon de cozinha ou doutros lavores em que são peritas. Ocupam o espaço da rua, juntam-se a algumas vizinhas neste repouso ocupado, vêem quem passa, comentam as vidas locais e das personagens das novelas televisivas. Assustam-se com o futuro dos netos e com a pandemia de gripe. Laçada atrás de laçada, prosseguem o croché na tarde quente de Julho. As mulheres não podem estar paradas.
Perguntas a uma mulher Ana Paula Guimarães IELT – FCSH/UNL
Quem é esta mulher de quem não vejo sequer fotografia? Como se chama ela? Custódia? Decerto. Para se proteger contra o Diabo, pois então. Eva? Por ser a quarta filha seguida e para evitar que ela corra o fado, isto é, que ande sete anos ao pé dos lobos? Jerónima? Ah! Já sei, por ter nascido em quinto lugar, depois de quatro irmãs. Se não se chamasse assim, ela correria o risco de passar a ir, todas as noites, para as encruzilhadas, transformada em lobisomem. Maria!? Claro. Maria… para que houvesse tranquilidade na família, para evitar bruxedo em sua casa. Primeiras sementes lançadas à terra deverão ter sido sempre lançadas por ela. Não pôde nunca sofrer feitiço, nem ser bruxa. Desde há muitos anos, quando se invocou, durante as tempestades, o seu nome… o vento mudou de rumo. Capaz
de sanar maleitas, que sorte chamar-se assim, mulher desconhecida. Mulher sabe. É muito mau uma mulher grávida ser madrinha de uma criança porque esta sai com certeza muda ou idiota. Mulher, muito tempo depois, mãe? Embalou e cantou? Cabeça de burro Bocê nu m’antende?... Al pai del nino Na cama se ‘stende…Oh! Ró, ró! Q’agora, nó!... Mulher canta e conta. Só ela sabe a quem se dirige a letra da canção (?!), por sua vez, entoada para outros que tenciona e intenta adormecer: filho e, sobretudo, marido. Mulher conta. Histórias e pontos acrescentados.
Menina que tanto sabe Diga-me lá o seu saber Uma camisa bem feita Quantos pontos vem a ter?
Mulher desvenda, desembaraçando.
Quantos pontos vem a ter Vou-lhe já ‘despelicar’ Não são mais nem são menos Qu’aqueles que lhe querem dar.
Mulher costura. Tece. Enreda. Cose. E coze. Cozinha.
Que outro molde a poderá mover senão o de transmitir aquilo que lhe ensinaram? Ser si própria? In-de-pen-den-te? (Como se soletra essa palavra difícil?) Leva tempo? Quanto? Quantos a apoiarão? Quantas?! Ah sim. Quantas mulheres estarão ao seu lado? – Não posso perder o pé. Quero ser eu mesma a liderar meus talentos, minha habilidade tanto para bainhas como para remates, para cantar e seduzir, para aliviar dores de outros e suturar males da gente. Não me perguntes mais nada. Deixa-me estar sozinha pensando como coordenarei duas tenções: uma, a de continuar a repetir e transmitir os mesmos gestos; outra, a de inovar recriando saberes e sabores, dos que nos sabem tão bem…
Apresentação do grupo romeno Popa Andreea & Urjan Teodora HAIR
First of all we found out that their childhood was completely different than ours. As a child they had to take care of their young brothers or sisters; to take care of the animals like sheeps, cows and pigs and the household.
Usually, the girls had to marry with somebody (rich) chosen by their parents. The girl’s parents gave their daughter, at wedding, a dowery. As a young wife she has to stay home and to take care of children, to do chores and to prepare dinner for her husband when he returned from work. Usually, behind the house there was a garden where she cultivate vegetables. The woman’s right was not took in consideration, as a example she didn’t has the right to vote.
Most of their parents didn’t have the possibility to let their children at kindergarden or even at school, because at that time the school was not compulsory. Sometimes children ran at school without the permission of their parents because they wanted to de something for their future. The girls stayed home and they had to make carpets and wool clothes.
All the family has to do what the man says because he was the only one who bring money at home. But nowadays it is not the same situation because there is another conception and woman wants to be independent. She has another social status and she has the same rights as a man. It’s all about the women’s empowerment.
For this project we have spoken to three old people who told us some things about their childhood and about their life.
Women in rural areas - statistical benchmarks Adina Enus
PHD in economy
Some considerations regarding women’s life in Romania in 2008. In Romania female population is dominant in the country’s population structure, representing 51.3% of the total. In urban areas, this represents 52.2% of the total, while in rural areas is is only 50.1% . The average length of life for rural women is 75.50 years (with more than 7.37 years for the rural men), while the average length of life for urban women is 76.64 years (with 6.68 years more than the urban men). The background decrease of the population in Romania is driven mainly by negative natural growth, a continued aging demographic being more marked in female population than in the male, and more in rural areas than in urban areas. In rural areas women over 60 years
represent over one quarter of the total population (27.3%) and those over 65 years old, 22% of the total! At the same time, women over 80 years in rural areas represent 4.5% of the total, while men only 2.7%. The average age of population in rural areas was 39.9 years, compared to 38.5 in urban areas. In rural areas, female population average age was 3.3 years higher than that of male population and in urban areas only 2.6 years! As for the situation of live births by mother’s educational level, in the whole country, half (45.5%) of the total number of live births were from non-employed mothers, in rural areas their share was 64, 1%, while the corresponding value in urban areas was 29.5%! In rural areas, the frequency of births outside marriage was higher (30.4% of total) compared with the urban (23.5%).
Poema da D. Ester D. Ester
Aldeia de Uva
Vou falar de Uva A toda a gente As mulheres eram escravas Antigamente. Coitadinhas das mulheres Que tanto trabalhavam Com os filhos Ă s costas E nada ganhavam. E lĂĄ iam elas Para o campo trabalhar E vinham para casa E tinham que fazer o jantar. Juntando-se todos Ă mesa Para comer O marido era mau E maltratava a mulher.
Muitos batiam nas mulheres Sem ter razão Porque faltava dinheiro E também faltava o pão.
Elas faziam as meias Para os filhos calçar Coziam fornadas de pão E os maridos a reclamar.
As ricas eram estimadas Porque não lhes faltava nada Mas as pobres coitadinhas O que por elas passava.
Já acabou esta lenda Hoje é tudo diferente As mulheres têm liberdade Não é como antigamente.
E tinham que andar contentes Sem nada reclamar E ficar caladas Para ninguém desconfiar. Tinham a seis e sete filhos Sem ninguém lhe valer E não saíam de casa Para os filhos nascer.
Fotos de Lucia
Burbano
Fotos de
Jo達o Pedro Marnoto