1 Tudo começou nos anos 60 ou as “Efemérides do Efêmero”* Lucio Agra
Com essa pequena pérola trocadilhesca, Haroldo de Campos se referiu ao cinema de Ivan Cardoso – e mais especificamente a um de seus filmes, com o qual colaborou. A minha intenção aqui não é comentar a obra de Haroldo ou Ivan mas simplesmente tomar essa bela idéia para tentarmos juntos nos entender sobre quais aspectos da abstrata noção de efêmero podem emergir do que também abstratamente temos chamado de contemporâneo. Para isso quero evocar mais um imagem. A primeira de algumas, não muitas, porque o tempo é curto e naturalmente o que importa é a discussão que possamos aqui suscitar. Essa imagem – um blog – caiu nas minhas mãos por esses dias, quando eu percorria a lista de links que um amigo meu me enviava dentro de um mail. Esse amigo esteve aqui há alguns dias, vive e trabalha em Cingapura mas viaja o mundo todo. Chama-se Lee Wen e fez uma performance que permanece na memória dos que não a registraram. Pergunto-me se ficou também nos registros que eventualmente foram feitos, mas deixo propositalmente essa pergunta no ar. O blog chama-se “Rooted in the Ephemeral Speak” (http://rootedintheephemeralspeak.wordpress.com/ ) 1, integralmente dedicado à performance. O título “Enraizado no falar efêmero” (poderíamos, talvez, sugerir plantado) é seguido pela frase “para o suporte e desenvolvimento de práticas, discursos, infraestrutura e plateias da arte da performance”. Não há dúvidas do que se trata. Dizer que a arte da performance tem que ver com o efêmero é hoje quase um clichê. Mas isto certamente revela alguma verdade “ancestral” por assim dizer. No intento de compreender o que se passava com um novo gênero de criação artística que surgia no momento mesmo de seu ensaio, Susan Sontag, num texto bastante famoso (SONTAG, [1962]), assinala: “Uma maneira pela qual os Happenings afirmam sua desvinculação do tempo é por sua impermanência deliberada. Um pintor ou escultor que realiza Happenings não faz algo que possa ser adquirido. Não se pode adquirir um Happening; pode-se apenas agüentá-lo. Ele é consumido nas premissas. Isto aparentemente tornaria o Happening uma forma teatral, pois se pode apenas assistir a uma performance teatral, não se pode levá-la para casa. No teatro, entretanto, existe um texto, um "roteiro" completo da encenação que está escrito, pode ser adquirido, lido, e que possui uma existência independente de qualquer encenação. Os Happenings tampouco são teatro, se por teatro entendermos peças. No entanto, não é verdade (como alguns espectadores supõem) que os Happenings sejam improvisados na hora. Eles são cuidadosamente ensaiados por uma semana ou por vários meses — embora o script ou roteiro seja mínimo, em geral não mais que uma página de orientações gerais para a movimentação e a descrição dos materiais. Grande parte do que ocorre na apresentação foi elaborada ou coreografada no ensaio pelos próprios *
Parte desse texto foi apresentado no Seminário “Outras utopias da arte contemporânea”, realizado de 21 a 23 de outubro de 2010 no Tuca (Teatro da PUC-SP) e na Bienal daquele ano. O título refere-se a uma passagem do texto “Glauberhélio Heliglauber” de Haroldo de Campos. A presente versão reúne um outro, anterior, que restava ainda inédito. 1 O site migrou para um novo endereço. Agora está localizado, sob o título Rooted in the Ephemeral Speak em http://www.rootedintheephemeralspeak.com/news.html.