Revista 356 net

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Ano 61 / janeiro-fevereiro 2015 / Nº 356 / € 1.50

ON D E A B ÍB LIA S E FA Z V ID A

Santa Teresa de Jesus, fundadora do Carmelo Ávila, 28 março 1515 – Alba de Tormes, 4 outubro 1582

Ano da Vida Consagrada

TERRA SANTA

Os Lugares Santos e o Statu Quo

Que diz a Bíblia sobre a reencarnação?

SAGRADO E PROFANO, NA BÍBLIA


Sumário

Os sete cântaros da Vida Consagrada

N

Ano 61 / Nº 356 / janeiro-fevereiro 2015

o primeiro domingo de Advento o Papa Francisco abriu o Ano da Vida Consagrada, que se prolongará até ao dia 02 de fevereiro de 2015.A Conferência Episcopal Portuguesa, na sua última reunião, em Fátima, escreveu uma Nota Pastoral referindo-se ao assunto como uma feliz notícia, e um Ano de bênção e de graça, já que a Vida Consagrada está no coração da Igreja. A esta Nota Pastoral da CEP fui buscar estes Sete Cântaros, onde qualquer samaritana, mulher ou homem, pode ir buscar a Água viva.

SITUAR a palavra 01 Os sete cântaros da Vida Consagrada ESTUDAR a palavra

03 Que diz a Bíblia sobre a reencarnação? 02 09 10 23

CELEBRAR a palavra

Salmo 27 Leituras bíblicas de fevereiro e março Quaresma e renovação da família Cântico: Senhor, tu sabes tudo SECÇÕES

31 CrÓnICa: Um cego em Londres 33 MOVIMentO BÍBLICO: ações bíblicas 2015

em Fátima, Programa da XXXVIII Semana Bíblica nacional, XX Semana Bíblica dos açores, XV Semana Bíblica de Gondomar. 36 terra Santa: Os Lugares Santos e o Statu Quo 46 nOtÍCIaS do mundo bíblico

DOSSIÊ

ano da vida consagrada

14 17 24 26

entrada: ano da Vida Consagrada BÍBLIa: O sagrado e o profano na Bíblia PrOJetO: reavivar o encanto da VC teSteMUnHO: Irmã Vera Maria, Carmelita

CAPA: Jesus Cristo. CONTRA-CAPA: Rubens, Santa Teresa d’Ávila. A 28 de março celebrar-se-á o V Centenário do seu nascimento.

Memória «Fazer memória agradecida do passado é o primeiro objetivo desta celebração.» Os Bis-

Cristo, nosso Caminho, Verdade e Vida

ASSINATURAS Portugal: € 10,00; Europa, Macau, Guiné Bissau, S. Tomé e Príncipe: € 14,50; Países fora da Europa: € 17,50; Assinante Benfeitor: Quantia superior à indicada para a respetiva assinatura.

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pos recordam, a este propósito, o Concílio Vaticano II como especial momento de graça e oportunidade para a renovação da Vida Consagrada.

Esperança «As crises atuais e as incertezas no amanhã devem ser assumidas como desafio e

ocasião favorável para os consagrados crescerem em profundidade como homens e mulheres de esperança.» esperar não é ficar à porta parado, mas entrar em casa onde alguém nos espera. as crises são sempre uma oportunidade de renovação.

Encanto «O encanto, a alegria e o entusiasmo no seguimento de Cristo constituirão certamente fermento e atração de novas vocações à Vida Consagrada.» Só numa entrega dedicada e definitiva é possível avaliar o encanto e a beleza da Vida Consagrada.

Gratidão «Cheios de gratidão, damos graças ao Espírito Santo pela abundância de formas de

vida consagrada (…) num horizonte eclesial em que se articulam, de forma complementar, carismas e instituições.» a Igreja teria um rosto bem diferente sem a presença profética dos Institutos religiosos.

Comunhão «A Vida Consagrada está colocada mesmo no coração da Igreja, como elemento decisivo para a missão, visto que exprime a íntima natureza da vocação cristã.» É a variedade de Institutos religiosos que dá cor e sentido ao arco-íris teológico, cultural e litúrgico da Igreja.

Carisma «O grande dom da Vida Consagrada enriquece e alegra a comunidade cristã com a multiplicidade dos seus carismas e com os frutos da edificação de tantas existências, totalmente doadas à causa do Reino.» na multiplicidade dos Institutos religiosos a Igreja reflete a sua multiforme presença e é na pluralidade dos carismas que sopram os ventos do espírito. Profecia «Chamados a levar a todos o “abraço de Deus” e transformados na “alegria do Evangelho”, os consagrados poderão contribuir de modo especial para despertar o mundo.» as palavras apenas ensinam, os gestos convencem; por isso, precisamos de profetas, não de professores. também na Vida Consagrada.

O diretor

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bíblica ONDE A BÍBLIA SE FAZ VIDA

Sócio da AIC nº 258 Diretor

Manuel Rito Dias

Administrador

Salmo 27 Creio em Jesus ressuscitado; esta manhã falei com Ele.

Luís Manuel Leitão

Chefe de Redação Lopes Morgado

Redatores Permanentes

Abílio Pina Ribeiro, Acílio Mendes, António Marujo, Ariel Álvarez Valdés, César Pedrosa Pinto, Fernando Ventura, João Santos Costa, Manuel Arantes, Vítor Arantes

Direção gráfica Lopes Morgado

Paginação

Tânia Cordeiro

Edição

DiFuSoRA BíBLiCA (Franciscanos Capuchinhos)

Administração e Redação

Rua de S. Francisco de Assis,160 Apartado 208 2496-908 FÁTiMA Telefone: 249 530 210 Telemóvel: 926 261 459 Fax: 249 530 214 e-mail: difusora@difusorabiblica.com home page: www.difusorabiblica.com Av. Cons. Barjona de Freitas, 12 1500-204 LiSBoA Telefone: 217 742 445 Telemóvel: 926 261 457 Fax: 217 782 371 Propriedade Província Portuguesa da ordem dos Frades Menores Capuchinhos Pré-Impressão Difusora Bíblica/Fátima Impressão e Acabamento Sersilito - Empresa Gráfica, Lda. Apartado 1208 / 4471-909 MAiA Telefone: 229 436 920 e-mail: sersilito@sersilito.pt ISSN 0874-3061 Depósito Legal: nº 28340/89 NIF: 500 766 762 isento de registo na ERC, ao abrigo do decreto regulamentar 8/99 - 9/6 do artigo 12 nº 1a) Tiragem: 10.500 exemplares Fecho deste número: 12 de janeiro

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A BÍBLIA RESPONDE

O Senhor é minha luz e salvação: por isso, nada te inquiete.

Contra mim se levantaram testemunhas falsas: neste mundo, nada te assuste. Só uma coisa peço ao Senhor: porque tudo passa.

Serei forte e corajoso, pois a paciência tudo alcança.

Confia no Senhor: pois só Deus basta.

Digamo-lo já sem rodeios: a reencarnação é uma doutrina estéril, incompatível com a fé cristã, própria de uma mentalidade primitiva, destruidora da esperança na outra vida, inútil para dar respostas aos enigmas da vida, e, o que é pior, perigosa por ser um convite à irresponsabilidade. Pode um cristão acreditar na reencarnação? Claro que não. A ideia de tomar outro corpo e voltar à terra depois da morte é absolutamente incompatível com os ensinamentos da Bíblia. Ariel Álvarez Valdés arialvavaldes@yahoo.com.ar Mais do que pensávamos

ainda que um exército me cerque: nada temo e Deus nunca muda.

ainda que meu pai e minha mãe me abandonem: quem a Deus tem, nada lhe falta.

Que diz a Bíblia sobre a reencarnação?

Sta. Teresa de Ávila

Frei Manuel Rito Dias

Confia no Senhor! Sê forte e corajoso e confia no Senhor. (v. 14)

ainda não há muito tempo, uma conhecida atriz declarava a uma revista: «eu sou católica, mas creio na reencarnação. Já verifiquei que esta é a minha terceira vida. Primeiro fui uma princesa egípcia; depois, matrona do Império romano; e agora reencarnei como atriz.» É assombroso comprovar como um número cada vez maior depessoas, mesmo entre as que se dizem católicas, aceita a reencarnação. Um inquérito realizado na argentina pela empresa Gallup revelou que 33% dos inquiridos acredita nela. na europa, 40% da população adere gostosamente a essa crença. e nada menos que 70% dos brasileiros são reencarnacionistas. Por sua vez, 34% dos católicos, 29% dos protestantes e 20% dos não crentes professam-na atualmente. a fé na reencarnação constitui, pois, um fenómeno mundial. e, por tratar-se de um artigo de excelente consumo, tanto o rádio como a televisão, os jornais, as revistas e, ultimamente, o cinema, procuram tê-lo permanentemente na lista das suas ofertas. Mas, por que motivo esta doutrina seduz tanto as pessoas?

O que é a reencarnação

a reencarnação é uma crença segundo a qual, quando uma pessoa morre, a sua alma separa-se momentaneamente do corpo e, depois de algum tempo, toma outro corpo diferente para voltar a nascer na terra. e assim, as pessoas, neste mundo, passariam por muitas vidas. e porque precisa a alma de reencarnar? Porque numa nova existência deve pagar os pecados cometidos na vida atual, ou receber o prémio de haver tido um comportamento honesto. a alma, dizem, está numa evolução contínua. e as sucessivas reencarnações permitem-lhe progredir até alcançar a perfeição. então converte-se num espírito puro, já não necessita de mais reencarnações e submerge para sempre no infinito da eternidade. esta lei cega, que obriga a reencarnar num destino inevitável, é chamada a lei do “karma” (=ato). Para esta doutrina, o corpo não seria mais que una veste caduca e descartável, que a alma imortal tece por necessidade, e que, uma vez gasta, põe de parte para tecer outra. existe uma forma ainda mais escalafriante de reencarnacionismo, chamada “me-

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A BÍBLIA RESPONDE

Porque surgiu

tempsicose”, segundo a qual, se alguém foi muito pecador, a sua alma pode chegar a reencarnar num animal, e até numa planta!

As vantagens que oferece

Os que acreditam na reencarnação pensam que esta oferece muitas vantagens. em primeiro lugar, concede-nos uma segunda (ou terceira, ou quarta) oportunidade. Seria injusto arriscar todo o nosso futuro de uma só vez. além disso, angustiaria termos que nos conformar com uma só existência, às vezes geralmente triste e dolorosa. a reencarnação, por sua vez, permite começar de novo. Por outro lado, o tempo de apenas uma vida humana não é suficiente para conseguir a perfeição necessária. esta exige uma longa aprendizagem, que se vai adquirindo pouco a pouco. no momento da morte, nem as melhores pessoas se encontram em tal estado de perfeição. Ora, a reencarnação permite alcançar essa perfeição noutros corpos. Finalmente, a reencarnação ajuda a explicar certos factos incompreensíveis, como por exemplo: que algumas pessoas sejam mais inteligentes que outras, que a dor esteja tão desigualmente repartida pelos humanos, as simpatias ou antipatias entre as pessoas, que

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alguns matrimónios sejam infelizes, ou a morte precoce das crianças. tudo isto se entende melhor se eles estiverem a pagar dívidas ou colher méritos de vidas anteriores.

Quando ainda não existia

a reencarnação, pois, é uma doutrina sedutora e atrativa, porque pretende “resolver” questões intrincadas da vida humana. além disso, porque se torna apaixonante para a curiosidade da maioria das pessoas descobrir que personagem famosa foi na antiguidade. de certo modo, esta expetativa ajuda a esquecer a nossa vida intranscendente, e a evadirmo-nos da existência cinzenta e rotineira em que por vezes estamos submersos. Mas, como nasceu a crença na reencarnação? as mais antigas civilizações que existiram, como a suméria, egípcia, chinesa e persa, não a conheceram. O enorme esforço que dedicaram à edificação de pirâmides, túmulos e outras construções funerárias, demonstra que acreditavam numa única existência terrestre. Se tivessem pensado que o defunto voltaria a reencarnar noutro, não teriam feito o colossal desperdício de templos e outros objetos decorativos com que o prepararam para a sua vida no além.

a ideia da reencarnação surge pela primeira vez na Índia, no século VII a.C.. aqueles homens primitivos, ainda muito ligados à mentalidade agrícola, viam que todas as coisas na natureza, logo após cumprirem o seu ciclo, voltavam de novo. assim, o Sol surgia pela manhã, punha-se à tarde, e depois voltava a surgir. a Lua cheia decrescia, mas regressava sempre à sua plenitude redonda. as estrelas repetiam as mesmas fases e etapas cada ano. as estações do verão e do inverno partiam e voltavam pontualmente. Os campos, as flores, as inundações – tudo tinha um movimento circular, de eterno retorno. tudo o que era vivo parecia feito de ciclos que se repetiam eternamente. esta constatação levou a pensar que também o ser humano, depois de morrer, devia regressar outra vez à terra. Mas, como viam que o corpo do defunto se decompunha, imaginaram que era a alma que voltava a tomar um novo corpo para continuar a viver. Com o tempo, aproveitaram esta crença para esclarecer também certas questões vitais (como as desigualdades humanas, atrás mencionadas), que de outro modo se tornavam inexplicáveis para a incipiente e precária mentalidade daquela época. Quando, no século V a.C., apareceu na Índia, o Budismo adotou a crença na reencarnação. e com ele penetrou na China, no Japão, no tíbete, e mais tarde na Grécia e em roma. e assim entrou também noutras religiões, que a assumiram entre os elementos fundamentais da sua fé.

Job já não acreditava nisso

Mas os judeus nunca quiseram aceitar a ideia de uma reencarnação, e rejeitaram-na absolutamente nos seus escritos. Por exemplo, o salmo 39, que é uma meditação sobre a brevidade da vida, diz:

«Desvia de mim os olhos, para que eu possa respirar, antes que tenha de partir, e acabe a minha existência» (Sl 39,14). também o pobre Job, no meio da sua terrível doença, pede a deus, a quem considerava culpado pelo seu sofrimento: «Que Deus se afaste e me deixe, para que eu tenha um pouco de conforto antes de partir, para não mais voltar, para a região das trevas e da escuridão, terra tenebrosa e sombria, de escuridão e confusão, onde a própria luz é sombra» (Jb 10,21-22). e um livro mais moderno, o da Sabedoria, ensinava: «O homem, pela sua maldade, pode matar, mas não pode fazer regressar o espírito que tinha saído nem pode libertar a alma que desceu ao Abismo» (Sb 16,14).

Job, em sofrimento no meio dos seus amigos acusadores, não espera voltar depois da morte:

«Que Deus se afaste e me deixe, para que eu tenha um pouco de conforto antes de partir, para não mais voltar, para a região das trevas e da escuridão, terra tenebrosa e sombria.»


A BÍBLIA RESPONDE

Agora di-lo Jesus

O rei David, também não

A irrupção da novidade

Mas, por volta do ano 200 a.C., no povo judeu iluminou-se o tema do mais além. nessa época, surgiu a fé na “ressurreição” depois da morte. e, com essa noção, ficou definitivamente descartada a possibilidade da reencarnação. Segundo esta nova crença, uma pessoa, ao morrer, recupera imediatamente a vida. não na terra, mas noutra dimensão chamada “a eternidade”. e começa a viver uma vida diferente, sem limites de tempo nem de espaço. Uma vida que já não pode morrer mais. É a chamada Vida eterna. na Bíblia, esta doutrina aparece pela primeira vez no livro de Daniel. ali, um anjo revela-lhe este grande segredo: «Muitos dos que dormem no pó da terra acordarão, uns para a vida eterna, outros para a ignomínia, para a reprovação eterna» (dn 12,2). Portanto, torna-se claro que

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Jesus Cristo, com a sua autoridade de Filhode deus, confirmou oficialmente esta doutrina. na parábola do rico epulão (Lc 16, 19-31), contou que, ao morrer, um pobre mendigo chamado Lázaro foi levado pelos anjos imediatamente para o céu. Por aqueles dias morreu também um homem rico e insensível, e foi levado para o inferno a fim de ser atormentado pelo fogo das chamas. Jesus não disse que este homem rico devia reencarnar para purgar os seus numerosos pecados na terra. ao contrário, a parábola diz que, por ter utilizado injustamente os muitos bens que tinha recebido na terra, “agora” (isto é, no além, na vida eterna, e não na terra) devia pagar as suas culpas (v. 25). O rico, desesperado, suplica que permitam a Lázaro voltar à terra (ou seja, que reencarne), porque tem cinco irmãos tão pecadores como ele, para adverti-los daquilo que os espera se não mudarem de vida (v. 27-28). Mas respondem-lhe que tal não é possível, porque entre este mundo e o outro há um

Na parábola do rico epulão e do pobre chamado Lázaro, Jesus tornou bem claro que o comportamento nesta vida tem relação definitiva, de modo irreversível, com o prémio ou o castigo na eternidade, logo a seguir à morte. Ver S. Lucas 16,19-31. Codex Aureus Epternacensis.

o passo imediatamente a seguir à morte é a Vida eterna, a qual será feliz para os bons e dolorosa para os pecadores. Mas será eterna. a segunda vez que a encontramos, é num relato em que o rei antíoco IV da Síria tortura sete irmãos judeus para obrigá-los a abjurar da sua fé. O segundo, «prestes a dar o último suspiro, disse ao rei: “Ó malvado, tu arrebatas-nos a vida presente, mas o Rei do universo há de ressuscitar-nos para a vida eterna, se morrermos fiéis às suas leis”» (2 Mac 7,9). e ao morrer, o sétimo exclamou: «os meus irmãos, após terem suportado um breve tormento, participam agora da vida eterna» (2 Mac 7,36). assim, para o antigo testamento é impossível voltar à vida terrena depois de morrer. Por mais breve e dolorosa que tenha sido a existência humana, logo a seguir à morte começa a ressurreição.

Confirma-o São Paulo São Paulo também recusa a reencarnação. de facto, ao escrever aos Filipenses, diz-lhes: «Estou pressionado dos dois lados: tenho o desejo

Se Jesus prometeu o paraíso “hoje mesmo” ao ladrão arrependido, é porque este não voltaria a ter outra vida.

DA ViNCi

a crença de que nascemos uma só vez, aparece igualmente em dois episódios da vida do rei David. O primeiro, quando uma mulher, numa audiência concedida, o leva a refletir: «Quando morremos, somos como água que, uma vez derramada na terra, não mais se pode recolher» (2 Sm 14,14). O segundo, quando, ao morrer o seu filho nascido da mulher de Urias, exclama: «Quando o menino ainda vivia, eu jejuava e orava, pensando: “Quem sabe se o Senhor terá pena de mim e me curará o menino?” Mas agora que morreu, para que hei de jejuar mais? Posso, porventura, fazê-lo voltar à vida? Eu irei para junto dele; ele, porém, não voltará mais para junto de mim» (2 Sm 12,22-23). Vemos, pois, que no antigo testamento, embora ainda não se soubesse bem o que sucedia depois da morte, nem para onde ia a pessoa falecida, pelo menos algo já estava claro: da morte nunca mais se volta à terra.

abismo que ninguém pode transpor. (v.26). a angústia do rico condenado vem-lhe, justamente, ao confirmar que os seus irmãos também têm uma só vida para viver, uma única possibilidade, uma única oportunidade para dar sentido à sua existência. Conta o evangelho que, quando Jesus morria na cruz, um dos ladrões crucificado a seu lado pediu-lhe: «Jesus, lembra-te de mim quando estiveres no teu Reino.» Se Jesus tivesse admitido a possibilidade da reencarnação, deveria ter-lhe dito: “tem paciência, os teus crimes são muitos; deves passar por várias reencarnações até seres purificado completamente.” Mas, a sua resposta foi: «Em verdade te digo: hoje mesmo estarás comigo no Paraíso» (Lc 23,43). Se “hoje” ia estar no Paraíso, é porque nunca mais podia voltar a nascer neste mundo.

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ESCOLA DA PALAVRA

A BÍBLIA RESPONDE de partir e estar com Cristo, pois isso seria muitíssimo melhor; mas continuar a viver é mais necessário por causa de vós» (Fl 1,23-24). Se acreditasse que era possível a reencarnação, os seus desejos de morrer teriam sido inúteis, pois voltaria a encontrar-se com a frustração de uma nova vida terrena. e explicando aos coríntios o que sucede no dia da nossa morte, Paulo diz-lhes: «Assim também acontece com a ressurreição dos mortos: semeado corruptível, o corpo é ressuscitado incorruptível; semeado na desonra, é ressuscitado na glória; semeado na fraqueza, é ressuscitado cheio de força; semeado corpo terreno, é ressuscitado corpo espiritual» (1 Cor 15,42-44). Pode, então, um cristão acreditar na reencarnação? É claro que não. a ideia de tomar outro corpo e voltar à terra depois da morte é absolutamente incompatível com os ensinamentos da Bíblia. a afirmação bíblica mais contundente e lapidar, de que a reencarnação é insustentável, vem na Carta aos Hebreu: «está determinado que os homens morram uma só vez e depois tenha lugar o julgamento» (Hb 9,27).

Convite à irresponsabilidade

Mas, não são apenas as Sagradas escrituras que impedem de acreditar na reencarnação; também o sentido comum. de facto, já não é aceitável seriamente por ninguém que ela explique as simpatias e antipatias pessoais, o desentendimento entre os esposos, as desigualdades de inteligência das pessoas, ou as mortes precoces. a moderna psicologia ajudou a esclarecer, de maneira científica e concludente, o porquê destas e doutras manifestações estranhas da personalidade humana, sem impor a ninguém a crença na reencarnação. a reencarnação, pois, é uma doutrina estéril, incompatível com a fé cristã, própria de uma mentalidade primitiva, destruidora da esperança na outra vida,

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inútil para dar respostas aos enigmas da vida, e, o que é pior, perigosa por ser um convite à irresponsabilidade. Com efeito, se alguém acredita que vai ter várias vidas mais, além desta, não se preocupará muito com a vida presente, nem porá grande empenho naquilo que faz, nem se importará demasiado com o seu agir. no fim de contas, sempre pensará que o esperam outras reencarnações para melhorar a desídia desta.

Só uma vez

Mas, ao contrário, se alguém sabe que o milagre de existir não se repetirá, que tem apenas esta vida para cumprir os seus sonhos, só estes anos para se realizar, só estes dias e estas noites para ser feliz com as pessoas que ama – então, cuidará muito bem em não malbaratar o tempo, de o perder em trivialidades, de não desperdiçar as oportunidades. Viverá cada minuto com intensidade, porá o melhor de si mesmo em cada encontro, e não permitirá que lhe escape nenhuma oportunidade que a vida lhe ofereça. Pois sabe que nada disso voltará. em média, ao longo da sua vida, um homem trabalha 136.000 horas e dorme outras 210.000; come 3.360 quilos de pão, 24.360 ovos e 8.900 quilos de verdura; usa 507 tubos de pasta dentífrica; submete-se a 3 intervenções cirúrgicas; faz a barba 18.250 vezes; lava as mãos 89.000; assoa o nariz 14.080 vezes; faz o nó da gravata em 52.000 ocasiões e respira uns 500 milhões de vezes. Mas, absolutamente todo o homem, médio ou não, crente ou não, morre apenas uma vez, uma só vez. antes de cair o pano da vida, deus oferece-nos o único tempo que teremos, para o enchermos com as melhores obras de amor de cada dia. Tradução LOPeS MOrGadO

Leituras bíblicas

de fevereiro e março TEMPO CO MUM 01 de fevereiro VII DOMINGO COMUM 1ª: is 43,18-19.21-22.24b-25. Salmo 41,2-3.4-5.13-14. R/ Salvai-me, Senhor, porque pequei contra Vós. 2ª: 2 Cor 1,18-22. Evangelho: Mc 2,1-12. IV Semana. 08 de fevereiro V DOMINGO COMUM 1ª: Jb 7,1-4.6-7. Salmo 147,1-2.3-4.5-6. R/ Louvai o Senhor, que salva os corações atribulados. 2ª: 1 Cor 9,16-19.22-23. Evangelho: Mc 1,29-39. I Semana.

22 de fevereiro I DOMINGO QUARESMA 1ª: Gn 9,8-15. Sl 25,4bc-5ab.6-7bc. 8-9. R/ Todos os vossos caminhos, Senhor, são amor e verdade para os que são fiéis à vossa aliança. 2ª: 1 Pe 3,18-22. Evangelho: Mc 1,12-15. I Semana.

01 de março II DOMINGO QUARESMA 1ª: Gn 22,1-2.9a.10-13.15-18. Sl 116,10 e 15.16-17.18-19. R/ Andarei na presença do Senhor sobre a terra dos vivos. 2ª: Rm 8,31b-34. Evangelho: Mc 9,2-10. II Semana.

08 de março III DOMINGO QUARESMA 1ª: Ex 20,1-17. Sl 19,8.9.10.11. R/ Senhor, Vós tendes palavras de vida eterna. 2ª: 1 Cor 1,22-25. Evangelho: Jo 2,13-25. III Semana.

Abaixo: Marc Chagall, O Êxodo.

15 de março IV DOMINGO QUARESMA 1ª: 2 Cr 36,14-16.19-23. Sl 137,1-2.3.4-5.6. R/ Se eu me não lembrar de ti, Jerusalém, fique presa a minha língua. 2ª: Ef 2,4-10. Evangelho: Jo 3,14-21. IV Semana. 22 de março V DOMINGO QUARESMA 1ª: Jr 31,34. Sl 51,3-4.12-13.14-15. R/ Dai-me, Senhor, um coração puro. 2ª: Heb 5,7-9. Evangelho: Jo 12,20-33. I Semana. 29 de março DOMINGO DE RAMOS NA PAIXÃO DO SENHOR Procissão: Mc 11,1-10 (ou Jo 12, 12-16). Missa: 1ª: is 50,4-7. Salmo 22,8-9.17-18a.19-20.23-24. R/ Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes? 2ª: Fl 2,6-11. Evangelho: Mc 14, 1-15,47 [ou Mc 15,1-39]. II Semana.

15 de fevereiro VI DOMINGO COMUM 1ª: Lv 13,1-2.44-46. Salmo 32,1-2.5.7.11. R/ Sois o meu refúgio, Senhor; dai-me a alegria da vossa salvação. 2ª: 1 Cor 10,31–11,1. Evangelho: Mc 1,40-45. II Semana.

TEMPO Q UARES MA 18 de fevereiro QUARTA-FEIRA CINZAS 1ª: Joel 2,12-18. Salmo 51,3-4.5-6a.12-13.4-17. R/ Pecámos, Senhor: tende compaixão de nós. 2ª: 2 Cor 5,20 – 6,2. Evangelho: Mt 6,1-6.16-18. Missa/Liturgia das Horas: Féria depois das Cinzas.

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EVANGELIZAÇÃO

«A família é uma igreja doméstica». Esta afirmação, atribuída a S. João Crisóstomo, aparece clara no testemunho dos Santos Padres. Neles está bem presente a relação da casa familiar com a Igreja. A família cristã, nascida do sacramento do Matrimónio, pode e deve chamar-se «igreja doméstica» (FC 21), a mais pequena expressão da Igreja, Corpo de Cristo no lar.

N

Vítor Arantes

esta Quaresma, situada entre dois Sínodos cujo tema é a Família, apresentamos às famílias a proposta de recuperarem a sua consciência de «igreja doméstica».

10

QUARESMA: CONVITE A REFUNDAR A FAMÍLIA O convite à conversão, dirigido à Igreja na Quaresma, tem particular incidência na família, necessitada de se refundar como verdadeira «igreja doméstica». O cristianismo nasceu e arraigou-se na casa. Os cristãos juntavam-se em casas particulares, para a fração do pão e a proclamação da palavra (At 2, 42-46). Pode dizer-se que as comunidades do primeiro cristianismo se organizaram em famílias. a casa era, ao mes-

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mo tempo, o centro comunitário e o lugar de encontro. nas comunidades de S. Paulo a Igreja estruturava-se em casas particulares, «igrejas domésticas» (rm 16,15; Cl 4,15). Perante os complexos e numerosos problemas que se levantam hoje à família, a referência às primeiras comunidades pode ajudar-nos a redescobrir o verdadeiro «evangelho da família e da vida».

PRIMEIRAS “IGREJAS DOMÉSTICAS” O Matrimónio cristão possui uma dimensão cristológica e outra eclesial. e se é o sacramento que fundamenta a família, toda ela fica constituída em «igreja doméstica», participando da sua maternidade e fecundidade espirituais, através do sacerdócio dos

pais. Quando, antes do Sínodo, Kasper apresentou no Consistório dos Cardeais o documento preparatório, era precisamente isto que pedia: «famílias de um novo tipo», marcadas por verdadeira identidade eclesial, pequenas igrejas, de que Jesus é a “Cabeça”: «Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles» (Mt 18,20). Seria possível aduzir abundantes textos nos quais os Padres se referem à família como «igreja doméstica». Uma coisa é clara nos seus testemunhos: a relação da casa familiar com a Igreja admitido isso, tudo nela se torna sacramental. as casas e lares transformam-se em espaço eclesial, onde se devem cultivar as dimensões da primitiva comunidade de Jerusalém: escuta da Palavra, fração do pão, comunhão de vida e de amor e espírito de partilha (at 2,42-46). VÁRIAS DIMENSÕES DA “IGREJA DOMÉSTICA”

 A Casa-Templo.O «amor con-

jugal e familiar expressa e realiza a participação da família cristã na missão profética, sacerdotal e real de Jesus Cristo e da sua Igreja» (FC 5). Fica deste modo estabelecida a tríplice dimensão do ministério da família cristã. Sendo o lar «igreja domés-

tica», a casa adquire caráter sagrado. tal como às casas onde moram religiosos, também podemos chamar à casa da família «edifício sagrado» e «templo». tem, por isso, justificação o costume de «benzer as casas» durante o tempo Pascal. assim, todos os espaços do lar – sala, cozinha, quartos, despensa e também as refeições, os encontros familiares, o amor e o descanso possuem e gozam de sacramentalidade. toda a família participa da sacramentalidade da Igreja.

João Marcos Ícone na igreja de Miramar

“ A “explosão” de pequenas comunidades que,

sob diversas formas, mas todas alimentadas pela atenção e escuta da Palavra de Deus, se verificaram na Igreja depois do Vaticano II, contribuiu não pouco para renovar as famílias. Quer as «comunidades eclesiais de base» (EN 58), quer muitos outros grupos de amizade, oração e ação, como os grupos bíblicos, também as «igrejas domésticas» fizeram, da escuta da Palavra, condição para se manterem viva a identidade da família cristã.

 O Sacerdócio do lar. em virtude do sacerdócio batismal, vivido dentro do matrimónio, os pais gozam de um sacerdócio especial, cujo ministério recai sobre eles. Compete-lhes, por isso, uma vocação e missão sacerdotal, que se exercita participando na eucaristia e noutros sacramentos, bem como na vida de oração familiar e pessoal (FC 59). a família torna-se assim um verdadeiro santuário de oração e culto a deus. enquanto batizados, os filhos participam desse sacerdócio e tornam-se também evangelizadores dos pais. nas “igrejas domésticas”/famílias deve tornar-se realidade, dia a dia, o ideal da comunidade de S. Lucas: «um só coração e uma só alma» (at 2, 46).

STANiSLAo LEE

Quaresma e renovação da família

11

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 Escuta «assídua» da Palavra (at 2,42). a dimensão evangelizadora da família faz dos «cônjuges e pais cristãos» testemunhas de Cristo, tanto «no interior da família» como «com os afastados», quer cultivando a «vocação missionária dos próprios filhos» (FC 54). a “explosão” de pequenas comunidades que, sob diversas formas, mas todas alimentadas pela atenção e escuta da Palavra de deus, se verificaram na Igreja depois do Vaticano II, contribuiu não pouco para renovar as famílias. Quer as comunidades eclesiais de base (EN 58), quer muitos outros grupos de amizade, oração e ação, como os grupos bíblicos, também as «igrejas domésticas» fizeram, da escuta da Palavra, condição para manterem viva a identidade da família cristã. a partir daí, é mais fácil aos pais transmitir a mensagem e «acompanhar a vida dos filhos durante a infância, adolescência e juventude» (FC 53).  Tempo para a oração em família. não há “igreja doméstica” que se possa dispensar de conseguir espaços e tempos para a oração e o «culto familiar». Se a casa da família é verdadeiro “templo”, nela não pode faltar a cele-

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bração e louvor do Senhor. enquanto educadora da fé, só pode «educar», orando. Santo agostinho chega a afirmar que o pai em casa, por assim dizer, exerce uma função episcopal; a ele pertence presidir à oração familiar e testemunhar diante dos filhos a soberania do amor de deus sobre a sua Família, «casa e escola de comunhão». a pequena igreja, que é a família, define-se pela qualidade do amor e do calor familiar. a primeira missão do casal é fazer da família verdadeira «Igreja», onde o espírito do Senhor atua, através do testemunho de autêntica comunhão de amor. a família cristã só pode converter-se em «igreja doméstica», se fizer da casa uma «igreja», isto é, família em comunhão, marcada pela qualidade dos afetos e a intensidade do amor.

 Família, partilha e serviço. Pede-se hoje às famílias que estejam no mundo e se mostram abertas ao mundo. não devem, portanto, encerrar-se dentro das quatro paredes do lar. a sociedade e a Igreja precisam de famílias de partilha e de compromisso. estas devem, pois, realizar a sua missão, abrindo-se à Igreja e ao mundo, como testemunhas do amor a deus e aos irmãos, esforçando-se por dilatar o reino de deus. deve fazer sua a exortação de São Paulo: «rivalizai no amor.» Cada família deve construir um espaço de partilha de amor, de alegrias e dores com aqueles que mais sofrem. tornará, deste modo, mais visível o crescimento do «Corpo de Cristo». CONCLUINDO nesta Quaresma 2015 é preciso reacender o sonho duma Igreja diferente para um mundo diferente. a conversão da família, através do aprofundar a sua verdadeira dimensão eclesial, contribuirá não só para uma Igreja renovada, mas para uma sociedade mais feliz e esperançosa, que mostre que a família cristã constitui autêntica «Boa nova» para a sociedade do nosso tempo. nela, é Cristo quem convida o casal: «Convertei-vos e acreditai no Evangelho! Segui-me!»

DOSSIÊ

EVANGELIZAÇÃO

ano da vida consagrada

O Ano da Vida Consagrada decorre no contexto do 50º aniversário do Decreto “Perfectae Caritatis”, sobre a conveniente renovação da Vida Religiosa, feito no Concílio Ecuménico Vaticano II e promulgado por Paulo VI a 28 de outubro de 1965. Transcrevemos o seu segundo número.

A

adequada renovação da Vida religiosa comporta, não só um regresso constante às fontes e à inspiração primitiva dos institutos, mas também uma adaptação dos mesmos às mutáveis condições dos tempos. Esta renovação deve ser promovida sob o impulso do Espírito Santo e a orientação da Igreja, em conformidade com os princípios seguintes: a) Sedo a última norma da Vida Religiosa seguir a Cristo, como propõe o evangelho, esta deve ser tomada por todos os Institutos como regra suprema. b) Contribui para o bem da Igreja o facto de que cada Instituto tenha o seu caráter e fim peculiares. Por isso, deve reconhecer-se e conservar-se fielmente o espírito e as intenções dos Fundadores, assim como as sãs tradições, que constituem o património de cada Instituto. c) todos os Institutos participem da vida da Igreja, de tal modo que, segundo a sua

própria índole, façam suas e fomentem com todas as forças as iniciativas e intentos da mesma em matéria bíblica, dogmática, pastoral, ecuménica, missionária e social. d) Promovam os Institutos, entre os seus membros, o devido conhecimento acerca das condições das pessoas e dos tempos, bem como acerca das necessidades da Igreja; de modo que, apreciando sabiamente, à luz da fé, as condições do mundo de hoje, e inflamados de zelo apostólico, possam mais eficazmente auxiliar a humanidade. e) dado que a Vida religiosa se ordena sobretudo a que os seus membros sigam a Cristo e se unam a deus, através da prática dos conselhos evangélicos, é preciso ter seriamente em conta que as melhores adaptações às necessidades do nosso tempo não sortirão efeito se não forem animadas pela renovação espiritual, a que se há de dar sempre preferência, mesmo na realização de atividades exteriores.

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2015-2016: Ano da Vida Consagrada

«Escrevo-vos como sucessor de Pedro, a quem o Senhor Jesus confiou a tarefa de confirmar na fé os seus irmãos (cf. Lc 22,32), e escrevo-vos como vosso irmão, consagrado a Deus como vós.»

ano da vida consagrada

A

Lopes Morgado

ssim começa o papa a sua Carta apostólica de 21 de novembro passado, proclamando o anO da VIda COnSaGrada, e em que fala dos objetivos, das expetativas e dos horizontes acerca da sua celebração. a iniciativa deste ano foi anunciada pelo papa Francisco a 29 de novembro de 2013, no final de um encontro com os Superiores Gerais dos Institutos religiosos em roma. depois, em 2 de fevereiro de 2014, Festa da apresentação do Senhor e dia Mundial do Consagrado, a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica (CIVCSVa) dirigiu aos consagrados e consagradas uma Carta Circular. Intitulada “Alegrai-vos”, tem como epígrafe uma citação do Santo Padre: «Queria dizer-vos uma palavra, e a palavra é alegria. Onde quer que haja consagrados, aí está a alegria!» a Conferência Episcopal Portuguesa (CeP) fez-lhe eco em 13 de novembro, na nota Pastoral «Chamados a levar a todos o abraço de Deus»; e o mesmo fez o Bispo de Leiria-Fátima, numa outra mais breve, intitulada Profetas e semeadores de esperança, em 21 de novembro.

OBJETIVOS a CIVCSVa fixou-lhe três

objetivos. O primeiro é «fazer memória agradecida do passado», nomeadamente dos cami-

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esta paixão é assim caraterizada na nota Pastoral da CeP: «uma paixão de enamoramento, de verdadeira amizade, de comunhão; uma paixão por evangelizar a própria vocação e testemunhar a beleza do seguimento de Cristo; uma paixão para despertar o mundo com testemunho profético, em presenças significantes nas periferias geográficas e existenciais da pobreza.» Como o futuro só a deus pertence, toca-nos viver o presente com esta paixão, embora inspirando-nos em figuras do passado que marcaram o seu tempo e perduraram até ao nosso, como a de Santa teresa de Jesus, cujo V centenário de nascimento celebraremos também em 2015, a 28 de março. a extensa Nota Pastoral dos nossos Bispos, dividida em cinco apartados, analisa depois «a Vida Consagrada no coração da Igreja», fala do ano da Vida Consagrada como «Um ano de bênção e de graça», refere a

DOSSIÊ

IGREJA

necessidade de «Celebrar a Vida Consagrada na comunhão da Igreja» e conclui com «a alegria do evangelho no coração da Vida Consagrada», numa alusão à exortação apostólica do papa Francisco sobre “a alegria do evangelho”. INICIATIVAS apresentando uma série de iniciativas, umas novas e outras já consolidadas, a nota da CeP sublinha: «desejamos que todas as iniciativas deste ano da Vida Consagrada sejam assumidas com interioridade na santidade, com coerência na vida comunitária, com testemunho na missão. O encanto, a alegria e o entusiasmo no seguimento de Cristo, assumidos por todos os consagrados e consagradas na sua existência como discípulos missionários e por todas as formas de vida consagrada, constituirão certamente fermento e atração de novas vocações à Vida Consagrada.»

O que é a “Vida Consagrada”? a designação «Vida Consagrada» refere-se a um comum horizonte eclesial em que se articulam, de forma complementar, carismas e instituições: ordens e institutos religiosos dedicados à contemplação ou às obras de apostolado; sociedades de vida apostólica; institutos seculares e outros grupos de consagrados; formas novas ou renovadas de vida consagrada; a Ordem das Virgens, as viúvas e os eremitas consagrados; todos aqueles que, no segredo do seu coração, se entregam a deus com uma especial consagração (ver Vita Consecreta, 2).

nhos de renovação da Vida religiosa; o segundo, «abraçar o futuro com esperança», face às crises atuais e às incertezas do amanhã, quando a crise de natalidade e de valores ameaça a sobrevivência de bastantes Institutos, sobretudo na europa; o qual supõe, como complemento, um terceiro objetivo: «viver o presente com paixão».

Ainda faz falta, hoje? a «Vida Consagrada» está colocada mesmo no coração da Igreja, como elemento decisivo para a missão, visto que exprime a íntima natureza da vocação cristã. e continua a ser um dom precioso e necessário também no presente e para o futuro do povo de Deus, porque pertence intimamente à sua vida, santidade e missão. Os consagrados são chamados a assumir, na radicalidade do seu ser, a mesma exigência que é feita a todos os discípulos de Cristo, no horizonte das bem-aventuranças: «Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste» (Mt 5,48). CeP, Nota Pastoral

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BÍBLIA

IGREJA

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destaca as várias iniciativas previstas ao nível da Igreja universal, entre as quais «não faltará uma solene concelebração presidida pelo Papa, em finais de 2015, nos 50 anos do decreto Perfectae caritatis, quase a concluir as celebrações do ano da Vida Consagrada»; e especifica, para Portugal:

«neste conjunto de celebrações, queremos avivar o DIA DO CONSAGRADO, instituído universalmente em 1997 por São João Paulo II, para “ajudar toda a Igreja a valorizar sempre mais o testemunho das pessoas que escolheram seguir a Cristo mais de perto, mediante a prática dos conselhos evangélicos e, ao mesmo tempo, ser para as pessoas consagradas uma ocasião propícia para renovar os propósitos e reavivar os sentimentos, que devem inspirar a sua doação ao Senhor”.»

Como o futuro só a Deus pertence, toca-nos viver o presente com esta paixão, embora inspirando-nos em figuras do passado que marcaram o seu tempo e perduraram até ao nosso, como a de Santa Teresa de Jesus, cujo V centenário de nascimento celebraremos também em 2015, a 28 de março.

O sagrado e o profano na Bíblia Antecipando o estudo da próxima Semana Bíblica Nacional, durante este Ano da Vida Consagrada, a nossa revista vai dedicar alguns artigos ao tema do sagrado, que não é apenas para religiosos, religiosas e sacerdotes, mas para todo o cristão que, pelo seu batismo e vida cristã, é um verdadeiro consagrado a Cristo. Herculano Alves

1. DE QUE ESTAMOS A FALAR?

Pormenor da fachada do Carmelo de S. José, em Fátima, onde se destaca o placard do V Centenário de Santa Teresa. LoPES MoRGADo

ano da vida consagrada

Este Ano da Vida Consagrada insere-se no contexto da celebração dos 50 anos do Concílio Vaticano II, tantos como os do Decreto Perfectae Caritatis sobre a conveniente renovação da Vida Religiosa, que dele saiu

Chamamos sagrado a tudo o que tem relação com o divino, isto é, com o mundo do além, o mundo espiritual, com tudo o que não é propriamente deste mundo. O ser humano, pela sua própria natureza, participa e vive em relação com estes dois mundos: o mundo material e o mundo espiritual, transcendente. este modo de pensar a realidade é próprio de todas as culturas antigas, ao qual não é alheio o povo da Bíblia, tanto do antigo como do novo testamento. Isto significa que certas pessoas, lugares ou objetos são considerados sagrados ou profanos, porque, neles ou por meio deles, deus tornou-se mais ou menos presente ao ser humano. a partir deste pressuposto, poderíamos definir o ser humano, a partir de baixo, isto é, deste mundo, como um animal sagrado, porque, pertencendo ao mundo material, ele tem certos contactos com o mundo do sagrado; ou, na perspetiva a partir de cima, como uma espécie de anjo caído do céu, visto levar dentro de si mesmo um profundo anseio pelas coisas de deus. O ser humano não é um puro animal.

Portanto, os humanos vivem entre estes dois polos opostos, o que, em parte, explica os problemas com que nos defrontamos ao longo da vida: vivemos desgarrados entre duas forças que, como diz S. Paulo, nos levam a fazer o mal que não queremos e nos impedem de fazer o bem que queremos (rm 7,15.19). Somos, ao mesmo tempo, divinos e humanos e, em nós, é permanente esta relação entre o divino ou sagrado, e o humano ou profano; ao mesmo tempo, somos de barro, mas temos também o espírito de deus, que ele insuflou na nossa natureza (Gn 2,7). esta nossa relação com o sagrado-profano ou com o puro-impuro faz parte da or-

“ O ser humano, pela sua própria

natureza, participa e vive em relação com estes dois mundos: o mundo material e o mundo espiritual, transcendente. Este modo de pensar a realidade é próprio de todas as culturas antigas, ao qual não é alheio o povo da Bíblia, tanto do Antigo como do Novo Testamento.

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ano da vida consagrada

“O profano tem a ver com a condição criatural, isto é, com as coisas criadas, enquanto o sagrado pertence ao mundo do Criador. Tudo o que é criado, que é deste mundo, não pertencendo ao mundo do divino, é profano, em si mesmo.” ganização religiosa que cada cultura faz do mundo em que se movimenta. não podemos fugir desta situação, prescindir desta dupla relação com o sagrado e com o profano, que estão em nós e no mundo que nos rodeia. Isso aparece em imensas manifestações do pensamento e do agir humanos; um exemplo simples são as comidas: para um europeu, comer certas carnes é um ato impuro, ou seja, repugna-nos (comer carne de cão, por exemplo); para um asiático, essas carnes são perfeitamente puras e entram nos banquetes das festas. Por isso, ainda hoje, os humanos vivem dentro destas categorias do sagrado-profano e do puro-impuro. Frequentemente, um elemento desconhecido, mesmo inconsciente, é que determina se uma coisa é sagrada ou profana, pura ou impura. Já não se sabe o motivo pelo qual

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foi considerada como tal. Por exemplo, o porquê do sagrado e do puro pode estar relacionado com as fontes da vida humana, tornando as relações sexuais como algo sagrado, puro ou impuro.

deus e são sagradas na medida em que se relacionam mais ou menos com ele. É a maior ou menor proximidade daquele que é o sagrado e transcendente a este mundo, que faz as coisas do nosso mundo mais ou menos sagradas. tudo o resto pertence ao mundo do profano. Poderemos, pois, dizer que o profano tem a ver com a condição criatural, isto é, com as coisas criadas, enquanto o sagrado pertence ao mundo do Criador. tudo o que é criado, que é deste mundo, não pertencendo ao mundo do divino, é profano em si mesmo. a ideia de sagrado ou profano não arrasta consigo a qualidade de ser bom ou mau, belo ou feio, uma vez que todas as coisas são boas e belas em si mesmas, pois deus não podia criar coisas más (Gn 1). O sagrado ou o profano tão-pouco fazem parte da essência das coisas. Para serem sagradas, as coisas criadas é que recebem uma qualidade de mistério e de divino, que não lhes é própria.

3. AS ATITUDES

DOSSIÊ

BÍBLIA

QUE O SAGRADO SUSCITA

O sagrado suscita, naturalmente, o temor e o respeito (o tremendum), atitudes muito correntes na Bíblia, pois o humano reconhece nesse ser superior algo intrinsecamente misterioso (o fascinans). a relação com o sagrado torna a vida humana mais problemática, pois ele impõe-se por si mesmo, deixando no sujeito humano uma atitude de respeito perante o além, o desconhecido, o divino. É por isso que toda a gente – mesmo um ateu – tem medo da escuridão, da noite; não por causa dos ladrões, mas por causa de algum ser do outro mundo, ou um “espírito”, que possa aparecer-lhe. Isto acontece na Bíblia a propósito das aparições de personagens “do outro mundo”: Moisés, perante a sarça-ardente (ex 3,1-5), Pedro à vista da pesca abundante (Lc 5,8-10), Maria, na aparição do anjo (Lc 1,29).

O assombro de Moisés diante da sarça-ardente. Ver o livo do Êxodo 3,1-5.

2. O SAGRADO-CULTURAL E O SAGRADO-DIVINO

Pelo que acabamos de dizer, quando falamos de sagrado ou profano, em termos culturais, movimentamo-nos em terreno muito movediço, mesmo bastante relativo: uma coisa que é sagrada para uma cultura pode ser profana para outra. Mas, segundo a Bíblia, o único ser que é verdadeiramente sagrado e puro é o próprio deus; e as coisas, pessoas e lugares participam, de algum modo, na santidade de

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ano da vida consagrada

tudo o que é profano não pode ter contactos com o que é sagrado. assim, só o Sumo-Sacerdote pode entrar no Santo dos Santos; se alguém impuro ou profano entrar indevidamente num espaço sagrado ou assumir funções sagradas tem como castigo a morte; Moisés, perante a sarça-ardente, deve descalçar as sandálias (ex 3,5).

4. OS LIMITES

DO SAGRADO E DO PROFANO

Por definição, o sagrado e o profano não se misturam. Um e Pedro à vista da pesca abundante. Ver S. Lucas 5,8-10. outro são rodeados de uma barreira de interditos e de uma nuvem de mistéO contacto com estas realidades misteriosas pode torná-las “perigosas”. daí serem rio que os envolve. É necessário, por isso, rodeadas de interditos e proibições, de ges- marcar limites bem definidos, levantar setos e atitudes muito próprias (cair por terra, parações legais, para evitar o contágio entre descalçar as sandálias…); Zacarias, pai de os dois; pois, tocando-se, anulam-se mutuamente, produzindo o caos na organização do João Batista, até fica mudo (Lc 1,20). a energia própria da personagem do universo religioso que eles representam. e “outro mundo” pode mesmo causar a morte. isso seria dramático, pois os dois são necesPor isso, há proibição ou incapacidade hu- sários à vida humana: o sagrado, como a mana de ver deus (o vidente de ap 1,17, por fonte inesgotável que cria a vida, a mantém em ação e a renova; o profano, como o espaço exemplo). onde ela se desenvolve e cresce. assim, quando cantamos o “Santo, Santo, Santo”, na eucaristia, dizemos “Separado”, por três vezes, ou seja: dizemos que deus é o Santo, porque é “separado”, isto é, aquele

que é, na sua essência, absolutamente diferente de tudo o que é criatura deste mundo (Is 6,4). O conceito de sagrado ou santo, na Bíblia do antigo testamento, define-se por um termo hebraico que significa separar / separação. Por isso, ele é o único santo, por natureza, o único sagrado. Outro meio para atingir esta separação entre o sagrado e o profano são as proibições, que se designam com o tabou, termo da Polinésia francesa. O tabou impede que os dois se misturem, sem que se conheçam racionalmente os motivos verdadeiros. trata-se sempre de uma proibição; e sempre em forma de imperativo categórico. nunca apresenta motivações racionais ou de caráter moral, porque pretende manter a organização do mundo a todo o custo, de forma ditatorial, com caráter absoluto e definitivo; de outro modo, a terra pode deixar de produzir as colheitas, o gado pode tornar-se infértil, os astros podem deixar de girar nos céus…

DOSSIÊ

BÍBLIA

5. RITUAIS DO SAGRADO

Os ritos têm como função essencial produzir concretamente esta separação, já que sagrado e profano têm tendência natural a misturarem-se. esta ação faz-se de dois modos: a) Consagrar o profano, mudando a sua natureza profana, pelos rituais de consagração. É o que faz Moisés ao povo, reunido à volta do monte Sinai, onde se encontram sinais visíveis da presença do deus santo: ex 19,10-15; ver nm 16,18. Mesmo assim, o povo (impuro e profano) não pode tocar na montanha, que é sagrada, devido à presença de deus; os próprios combatentes das guerras de Javé se consideram consagrados, porque lutam, de algum modo, por uma causa divina (1 Sm 21,6; 2 Sm 11,11).

b) Dessacralizar o sagrado, devolvendo cada um à sua condição primitiva. São os rituais de dessacralização ou de expiação. Para

Moisés no monte Sinai, onde se encontram sinais visíveis da presença do Deus santo (Ex 19,10-15; ver Nm 16,18). O povo (impuro e profano) não pode tocar na montanha, que é sagrada, devido a essa presença de Deus.

“ A relação com o sagrado torna a

vida humana mais problemática, pois ele impõe-se por si mesmo, deixando no sujeito humano uma atitude de respeito, perante o além, o desconhecido, o divino.

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BÍBLIA  certos tempos, mais diretamente dedicados a deus (sábado, para os judeus, ou domingo, para os cristãos; ou determinados tempos festivos).

Senhor, Tu sabes tudo

Mas, o que se pretende no antigo testamento com o tema do sagrado é apresentar a ideia de que o povo de deus deve ser um povo consagrado a ele. Por isso, afirma-se que este povo é um povo sacerdotal (ex 19,6; ap 1,6; 5,10), isto é, todo o povo deve viver numa espécie de culto permanente ao seu deus, num exercício sacerdotal de santidade. O cristianismo considera que apenas o ser humano consciente e responsável se torna mediador do sagrado, o intermediário entre o sagrado absoluto, que é deus, e as criaturas deste mundo. numa palavra, só o ser humano pode participar na sacralidade, na santidade de deus. Só o ser humano é verdadeiramente sagrado, porque Jesus, o Filho de Deus, ao assumir a condição humana, pela Incarnação, consagrou a natureza humana. e, mediante os sacramentos, coloca-nos na órbita do Santo por excelência. Com Jesus, Sumo-Sacerdote da nova Lei, os seus discípulos, todos os cristãos são o povo consagrado a deus, por excelência, o povo sacerdotal.

ano da vida consagrada

“Os lugares sagrados são os espaços da manifestação ou presença, mais ou menos clara, do divino.”

evitar o castigo ou conservar o sagrado, isto é, a prosperidade em qualquer dos domínios do humano e terreno, os humanos consagram a Deus algumas coisas profanas que lhes pertencem, num sacrifício. Isto é, consagram aos deuses o que bem entendem, para que estes, por sua vez, lhes fiquem devedores e lhes concedam os bens que pedem ou o perdão pelo mal cometido. deste modo, o sacrifício é um modo de restabelecer ou conservar o equilíbrio, a ordem do mundo. daí surge o símbolo religioso, ou seja, um qualquer elemento do universo (animal, árvore, lugar, classes de pessoas…), para exprimir essa realidade teológica espiritual. nesse caso, o símbolo torna-se a realidade mediadora entre o sagrado relativo e o sagrado absoluto.

6. AS REALIDADES SAGRADAS: UM POVO SANTO

O sagrado encontra-se como uma propriedade de determinadas realidades do mundo criado:  os instrumentos do culto, pois estão em contacto com os sacrifícios oferecidos a deus;  os reis e os sacerdotes, pelas funções divinas que exercem nas sociedades de caráter religioso;  os lugares sagrados, como espaços da manifestação ou presença, mais ou menos clara, do divino;

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b

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DOSSIÊ

PROJETO

Reavivar o encanto da Vida Consagrada

ano da vida consagrada

Estamos a viver o Ano da Vida Consagrada (VC). A iniciativa apanhou a todos de surpresa. Pretenderia o Papa dirigir o foco da Igreja para um dos seus setores porventura menos estimado nos últimos anos? Ou, simplesmente, chamar a atenção para a situação atual da VC, cheia de riquezas, mas também de limitações, dificuldades e abandonos, sobretudo no hemisfério norte? Abílio Pina Ribeiro

Memória agradecida, alegria, esperança

três desafios são lançados às pessoas consagradas: evocar o passado com memória agradecida, viver o presente com alegria, encarar o futuro com esperança. O tempo que nos separa do Vaticano II e, particularmente, da publicação do decreto Perfectae caritatis, é para guardar no coração: 50 anos ricos de graças e de frutos de renovação, com bastantes nuvens e misérias à mistura. em primeiro lugar, Agradecer o Passado pelo dom da VC com que o Senhor enriqueceu e embelezou a Igreja. e agradecê-la com todo o Povo de Deus, porque é um património, um tesouro da Igreja inteira, uma parte irremovível da mesma.

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«Que seria da Igreja sem os religiosos?!» – disse Jesus a Stª teresa. Que seria da Igreja e do mundo no campo da espiritualidade, da educação, da saúde, das missões? em segundo lugar, Viver o Presente com fé, paixão e alegria. “evangelizar” a própria vocação, ou seja, apresentá-la como boa e bela: «Muito me agrada a minha sorte» (Sl 16,6). recuperar a autoestima vocacional, andar de cabeça erguida por termos sido escolhidos. em suma, reviver e reavivar o encanto da VC, a frescura do nosso primeiro ‘sim’, partilhar a própria experiência com os outros cristãos e dar um novo impulso ao serviço que prestamos à Igreja e à humanidade.

Finalmente, encarar e Abraçar o Futuro com esperança. toca-nos viver numa hora de crise que atravessa a sociedade e a Igreja e que também nos atinge. não queremos assumir esta crise como antecâmara da morte, mas como uma ocasião favorável para o crescimento em profundidade (Braz de Avis). a esperança não é apenas otimismo, baseado em indícios de que o amanhã será melhor, mas uma atitude teologal alimentada pela confiança em deus, que faz os desertos florescer e torna fecundos os ventres estéreis…

Despertar o mundo

tudo isto com um foco: despertar o mundo. Francisco deAssis despertou o mundo; todo ele era língua, testemunho, evangelho vivo. Teresa de Jesus, mística e prática, com o seu dinamismo de amor, espevitou o mundo. Teresa de Calcutá interpelou o mundo, ao tocar a carne de Cristo nos pobres. Os nossos Fundadores incendiaram o mundo, com a sua autenticidade, a sua faísca profética. O ano da VC é um acontecimento de graça para que as pessoas consagradas sejam cada vez mais essa “Igreja em saída” de que fala o Papa. Uma Igreja que vai ao encontro dos jovens, dos que sofrem, de quantos precisam

de conhecer a boa nova do amor e salvação de deus.

Sob o sinal da alegria

O ano da VC nasce sob o sinal, a bandeira da alegria. Que espécie de alegria, numa hora em que parece haver poucos motivos para festa? não se trata, obviamente, de os Consagrados andarem por aí ruidosos e festivos como gatos com chocalhos. essa é a “alegria do mundo”, facilmente confundida com a farra, o espetáculo, o fartote… a nossa alegria, pascal, situa-se para além dos números, do triunfo, do sucesso, do ruído, do frenesim, do consumismo. É a alegria de termos sido chamados. a alegria de fazermos parte do projeto de Deus para este mundo. Uma alegria saboreada quando estamos em comunhão com a Igreja, com os irmãos. Uma alegria que não brota de termos coisas, mas de havermos encontrado uma pessoa – Jesus Cristo. Cabe perguntar se o rosto da nossa vida consagrada é alegre ou se andamos para aí

como pintos à chuva. Importa que o mundo veja e proclame: «Grandes coisas fez por eles o Senhor» (Sl 126,2). a VC só tem significado, e só é apetecível, se nos tornar pessoas que oferecem uma

alegria que transcende e supera outras ofertas do mundo. «não deixemos que nos roubem a alegria!» – brada o Papa (Evangelii gaudium 83).

b

PARA A REFLEXÃO PESSOAL E DE GRUPO

o Ano da VC nada tem de «autorreferencial». Não é para os Consagrados se porem a olhar para si mesmos, numa atitude de auto-complacência e narcisismo. Por isso, o Papa deu-nos estas dicas:

1º Despertai o mundo. Começai por vós mesmos. É preciso «despertar a aurora» (Sl 57,9)... 2º Analisai a realidade a partir da periferia. Com os olhos dos pobres, dos doentes, dos que não têm Deus no seu horizonte e no seu radar. Não tenhais medo de partir para as periferias. A disponibilidade missionária, uma das glórias da VC. 3º Vivei o dom da profecia. Através duma vida que é “memória” da forma como Jesus viveu, “anúncio” do seu Reino, e “denúncia” de quanto se lhe opõe. 4º Mantende aceso o carisma. Arriscai: «o carisma não é uma garrafa de água destilada.» 5º Cuidai da formação. inicial e permanente. «A renovação espiritual tem caráter de urgência.» 6º Saboreai a alegria da fraternidade. Tratai os irmãos com «ternura eucarística».

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ano da vida consagrada

Na clausura, um espaço e um tempo para Deus A irmã Vera Maria, prioresa do Mosteiro do Carmelo de Bande, teve desde muito cedo a ideia da vida monástica. Mas não queria uma clausura de grades e portas fechadas à chave.... No início do Ano da Vida Consagrada e quando se celebram os 500 anos do nascimento de Teresa d’Ávila, o percurso e o retrato de uma carmelita.

D

António Marujo / jornalista *

esde cedo que a sua cabeça estava noutro sítio, diferente daqueles onde a família ou a instituição religiosa a pensavam colocar: fosse no curso de História, fosse numa congregação de irmãs franciscanas ou, mesmo, num serviço de enfermagem: «entre os dois e os oito anos, recordo que sentia grandes desejos de deus, mesmo se é difícil hoje definir o que experimentava. aos 14, já gostava muito de ler a Bíblia, particularmente os evangelhos, o apocalipse e as Cartas de S. João, os Profetas, o Génesis e o Êxodo», recorda a irmã Vera Maria, actual prioresa do Mosteiro do Coração de Maria, em Bande (Paços de Ferreira).

VOZES E PASSOS DE UMA VOCAÇÃO Só com 21 anos, no entanto, ela pôde experimentar com mais clareza que a sua vocação era a vida monástica. «Fiz dois meses

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de retiro e esse tempo foi como umas núpcias.» estava nessa altura nas Irmãs Franciscanas e a mestra de noviças ajudou-a no processo de discernimento. ainda teve uma experiência, muito positiva, como enfermeira, primeiro em hospitais no Porto e, depois, em dois centros de saúde na Chamusca.

e que história era essa? nem sempre foi um caminho fácil, recorda a irmã Vera Maria: educada num colégio católico no Porto, os pais não iam à missa, apesar de a mãe se considerar católica. «eu sofria, ao fim-de-semana, achava que aquilo não estava certo. de tal modo que chegava ao colégio à segunda-feira e a primeira coisa que queria era confessar-me por não ter ido à missa. essa fome de deus era um desejo quase natural.» as memórias remotas trazem-lhe os quatro anos, quando pegava nos livros de cânticos das irmãs e tentava cantarolar sozinha, na capela do colégio. na adolescência, ainda namoriscou, porque via as colegas, mas sentia «um vazio» grande. aos 17 anos, saiu de casa dos pais, mas «a única porta que a mãe deixou aberta foi a das franciscanas, convencida de que não ficaria lá.» durante o postu-

DOSSIÊ

TESTEMUNHO

lantado ainda fez História, mas «a cabeça já estava noutro sítio.» após o 25 de abril de 1974, foi leccionar no Colégio Luso-Francês, onde tinha estudado. tinha o tempo todo tomado por actividades com movimentos, grupos, aulas de Moral e religião. «não me sobrava um bocadinho para estar com Jesus, o amor da minha vida».

“ Deus coloca pessoas no nosso

caminho e podemos transmitir o que pretendemos mesmo através da clausura. Não ficamos alheias às necessidades das pessoas, sejam sociais ou espirituais.

A irmã Vera Maria, prioresa do Carmelo de Bande, no escritório.

ao mesmo tempo, a comunidade de que fazia parte animava a vida pastoral da paróquia. «Éramos ‘párocas’, fazíamos tudo menos consagrar e confessar...» Mas essa experiência, por paradoxal que pareça, foi mais um forte chamamento à vida monástica.

nesse percurso, já se disse, vários textos bíblicos foram fundamentais. O Livro do Êxodo era um deles. «revia ali a minha história, no sentido familiar e pessoal, no sentido da libertação e de alguém que caminhava para deus, de que deus tinha de facto algo para mim.»

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ano da vida consagrada

«A Irmã Vera Maria também pinta ícones: “O ícone é imaterial, tendo em conta que não é tridimensional. É uma escrita, não uma pintura, é catequese, é uma presença sagrada do Senhor, da Mãe de Deus ou do Santo que representa, é uma janela sobre o mundo invisível.”»

Vera Maria revê-se nesse texto: «deus coloca pessoas no nosso caminho e podemos transmitir o que pretendemos mesmo através da clausura. não ficamos alheias às necessidades das pessoas, sejam sociais ou espirituais.» também por isso acolheu «com muita alegria» a ideia do Ano da Vida Consagrada e a carta em que o Papa chama os consagrados «a viver com paixão o presente», na escuta do que o espírito hoje diz à Igreja. destaca, da carta, a ideia de que os consagrados têm não «apenas uma história gloriosa para recordar e narrar, mas uma grande história a construir». e comenta: «a abertura ao novo é muito importante, tanto quanto a memória do passado.»

“HILDEGARDA E TERESA

aos 20 anos, no momento de fazer a primeira profissão, a mãe opôs-se. Mesmo assim, fez mais um ano de noviciado, esperando pelos vinte e um, a maioridade na época, enquanto estudava enfermagem.

“SEM GRADES FECHADAS À CHAVE”

Finalmente entrou no Mosteiro a 2 de Fevereiro de 1980, fez agora 35 anos. «Para mim, a clausura foi sempre como um espaço e um tempo para deus, rodeado de silêncio e solidão. Um espaço físico mas, sobretudo, espiritual, que permite uma distância e uma separação face às relações sociais.» Falamos de clausura, falamos de grades e separações? «as grades e as portas fechadas à chave para que ninguém saia, sempre me repugnaram», diz. «actualmente, a mulher adquiriu uma dignidade e um lugar na sociedade e essas formas de vida diminuem a imagem da mulher.»

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a mesma perspectiva leva a irmã Vera Maria a encarar a oração comunitária como um espaço aberto. «Somos Igreja, somos uma parcela da Igreja no deserto.» e cita um versículo do capítulo 12 do Livro do apocalipse: «E a Mulher fugiu para o deserto onde Deus lhe preparou um lugar, de modo a não lhe faltar aí o alimento...»

“A nossa vocação reflecte o anseio de voltar a Jesus e ao evangelho, de deixarmos coisas que os séculos foram acumulando, para ajudar a revelar o verdadeiro rosto de Jesus.”

GRANDES VULTOS FEMININOS”

aos 59 anos, no quinto mandato de prioresa (dois de uma vez, dois de outra, intercalados com a missão de mestra de noviças), a irmã Vera Maria sente-se também herdeira de uma tradição que vem de longe: «admiro Hildegarda de Bingen, cada vez mais. É um dos maiores vultos medievais.» nas suas visões espirituais, Hildegarda sonhava com mulheres no altar... «Há duas ou três décadas, havia um grupo forte na comunidade que tinha muito empenho no tema. Pessoalmente, evoluí. O chamamento ao sacerdócio é da Igreja e é um serviço ao povo de deus. Hoje, não sinto falta de ser

DOSSIÊ

TESTEMUNHO

motivos óbvios, Vera Maria “ vêPorTeresa d’Ávila como um

«grande vulto humano universal feminino». E acrescenta: «É-me muito familiar, vejo-a bem ‘encaixada’ no nosso quotidiano, numa práxis discreta e eloquente, com uma sabedoria que continua a ter algo muito importante a transmitir-nos hoje. Vejo-a muito feminina, grande mulher empreendedora em tudo, verdadeiramente discípula apaixonada de Jesus Cristo e companheira clarividente em nossa viagem existencial, neste século XXI que atravessamos.»

“ Admiro Hildegarda de Bingen, cada vez mais. É um dos maiores vultos medievais.

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CRÓNICA

Um cego em Londres A vida é uma surpresa constante. Estando em Londres há uns tempos, telefona-me um padre amigo da comunidade brasileira para saber se estaria livre na manhã seguinte.

ano da vida consagrada

César Pedrosa Pereira Pinto

presbítera.» e o tema, não sendo prioritário, é, por vezes, conversado no mosteiro, sem tabus e com opiniões diferentes, mas sem exaltações. tal como Hildegarda, a irmã Vera Maria tem vários dotes pessoais: conhece qualidades e propriedades de plantas, faz encadernação e restauro, trata da biblioteca. também pinta ícones: «O ícone é imaterial, tendo em conta que não é tridimensional. É uma escrita – acrescenta ainda –, não uma pintura, é catequese, é uma presença sagrada do Senhor, da Mãe de deus ou do Santo que representa, é uma janela sobre o mundo invisível.» Por motivos óbvios, Vera Maria vê Teresa d’Ávila como um «grande vulto humano universal feminino». e acrescenta: «É-me muito familiar, vejo-a bem ‘encaixada’ no nosso quotidiano, numa práxis discreta e eloquente, com uma sabedoria que continua a ter algo muito importante a transmitir-nos hoje. Vejo-a muito feminina, grande mulher empreendedora em tudo, verdadeiramente discípula apaixonada de Jesus Cristo e companheira clarividente em nossa viagem existencial, neste século XXI que atravessamos.»

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“ As grades e as portas fechadas

à chave para que ninguém saia, sempre me repugnaram. Actualmente, a mulher adquiriu uma dignidade e um lugar na sociedade e essas formas de vida diminuem a imagem da mulher.

Vera Maria define bem os seus gostos: na pintura, aprecia impressionistas como Monet, Manet e Van Gogh. e na música (também compõe e toca), gosta de Beethoven «e tudo de Bach». Mas todos os dotes, a que se juntam a forte liderança espiritual da comunidade, estão ao serviço de algo maior: «a nossa vocação reflecte sempre o anseio de voltar a Jesus e ao evangelho, de deixarmos coisas que os séculos foram acumulando, para ajudar a revelar o verdadeiro rosto de Jesus.» (um portefólio do Carmelo de Bande, da autoria do fotografo Daniel Rocha, pode ser visto aqui: http://static.publico.pt/docs/sociedade/conventocarmelitas/)

*O autor escreve segundo a anterior norma ortográfica.

– Podes contar comigo, disse. – Podias, então, fazer-me um favor, não a mim mas a um amigo que precisava de alguém para lhe mostrar a Catedral de Westminster. – Certamente, e com todo o gosto. – Mas, disse o padre amigo, este é um turista todo especial. – alguma personalidade?, perguntei. – nada disso, é um cego, ouvi do outro lado. aproveitando o meu espanto, ele fez uma pausa e acrescentou: – Quer ‘ver’ a catedral, e pensei que não a veria mal pelos teus olhos. Fui inquieto e nervoso para a cama. Seria capaz de mostrar a catedral a um cego, o campanário e a torre de Stº. eduardo de 284 pés, a harmonia exterior com as construções próximas e a sua identidade neobizantina em tijolo vermelho e flamejante, a belíssima nave central, o crucifixo de 30 pés e a gravura policromada de nª Srª da Piedade, as 9 capelas laterais e a do Santíssimo onde nos sentimos forçados ao recolhimento, etc…? aqui, este mosaico, ali, os mármores entalhados, em cima, os capitéis todos diferentes, aquela pintura, o fresco… enfim, uma obra tão bela aos olhos de todos, nos mármores de Carrara, na madeira exótica, na cerâmica tão inspirada, e eu perdido.

a surpresa continuou quando o nosso homem, o Lorenzo, desceu do autocarro 82, no lugar do nosso encontro. tinha 25 anos, mas parecia mais novo. – Como andas sozinho no autocarro? – Oh!, sorriu com os seus olhos apagados, estou acostumado a andar em S. Paulo, onde vivo, e não me atrapalho. – Mas como te orientas? Pelo radar? – nada disso, continuou rindo; às vezes tropeço, mas sou ágil. Se cair não vou chatear-me, porque os que veem também caem, não é verdade? O que mais me pode acontecer é ir contra uma parede, mas isso até tem graça. Sim, talvez tenha radar: a alegria e a decisão de fazer as coisas o melhor que posso. eu tinha começado a tremer. Pedi para nos sentarmos um pouco ali nas escadas, antes de irmos “ver” a Catedral. explicou-me que era cego desde os 11 anos; depois de ter perdido a vista entrou numa grande e terrível agonia. Mas por

“Seria capaz de mostrar a catedral a um cego, o campanário e a torre de St.º Eduardo de 284 pés, a harmonia exterior com as construções próximas e a sua identidade neobizantina em tijolo vermelho e flamejante...

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CRÓNICA

XXXVIII SEMANA BÍBLICA NACIONAL Fátima, 23 a 27 de agosto de 2015

S A N T I F I C A DO S P E L A P A L A V R A Centro Bíblico dos Capuchinhos

Ações bíblicas em 2015

... a belíssima nave central, o crucifixo de 30 pés e a gravura policromada de Nª Srª da Piedade, as 9 capelas laterais e a do Santíssimo onde nos sentimos forçados ao recolhimento, etc…?”

pouco tempo: «Logo descobri que tinha dentro um coração e isso fez-me muito feliz. desde então decidi não me fechar, e viver como se os olhos me continuassem a iluminar. Por vezes, ao sair sozinho pelas ruas, perco-me e acabo no lugar oposto; mas encontro sempre alguém que me ajuda e ficamos amigos. Porque, disse com muita alegria no rosto, todas as pessoas são boas.» – Sabes muito bem que isso não é verdade, argumentei. – Quem o não sabe és tu, sorriu de novo. É preciso ser cego para saber que a humanidade é boa. Por vezes um pouco maluca. É preciso ser maluco para ser mau. não que todos os loucos sejam maus, mas todos os maus são loucos. e falou muito tempo sem o conseguir interromper. explicou-me como tinha aprendido a tocar guitarra, como concluiu o curso de intérprete oficial nos estados Unidos, como todos os anos usa as suas economias para ‘ver’ e conhecer um país novo. «Às vezes tenho problemas, mas já sei que na vida tudo tem saída.»

320 janeiro-fevereiro 2015 | Nº 356

Mas Lorenzo não me deixou ficar muito tempo na minha reflexão. «agora – disse, pegando-me na mão –, vamos ver a Catedral.» e, como notasse o meu pulso agitado, riu de novo e acrescentou: «dir-se-ia que sou eu que te guio a ti.»

E era verdade. Deixei-me conduzir pela sua alegria e mergulhámos na beleza da Catedral e na alma um do outro.

►14/15 fevereiro 2015 RECONCILIAÇÃO história e desafios atuais

para agentes de pastoral bíblica  (inscrição+hospedagem): quarto duplo, 44€; individual, 49€

►21-22 março 2015 SEDER PASCAL

 (inscrição+hospedagem): quarto duplo, 54€; individual, 59€.

►19-24 julho 2015 RETIRO BÍBLICO INSCRIÇÕES E INFORMAÇÕES

Telefones: 249 530 210; 249 539 215; 249 530 390; 926 261 463. E-mails: fatima@capuchinhos.org sndb@difusorabiblica.com

Ser consagrado Hoje, na Igreja, e no Mundo

23. DOMINGO

21:00, Apresentação da Semana. Frei Manuel Arantes, ofmcap / Secretário da Semana. 21:15, O consagrado num mundo secularizado: Frei Fernando Alberto, ministro provincial ofmcap. 21:45, PowerPoint. Frei Manuel Rito, ofmcap. 22:00, Oração da noite. Equipa de Liturgia.

24. SEGUNDA

10:00, O profano, o religioso, o sagrado e o consagrado na vida e na Bíblia. Frei Herculano Alves, ofmcap. 11:15, Intervalo. 11:45, Comunicação: Aliança e Vida Consagrada. Irmã Maria das Dores Rodrigues, fma. 15:30, Povo de Deus, um povo de consagrados. Padre Manuel Barbosa, scj.

25. TERÇA

10:00, Profetas, os consagrados à Palavra. Frei Bernardo Correia, ofm / UCP Porto. 11:15, Intervalo. 11:45, Comunicação: Consagrados ao serviço da Palavra. Irmã Núria, Verbum Dei. 15:30, Jesus Cristo, o consagrado do Pai, para o mundo. Doutor José Carlos Carvalho, UCP Porto.

26. QUARTA

10:00, Vocação e missão de Paulo, paradigma da vida consagrada. D. António Couto, Bispo de Lamego. 11:15, Intervalo. 11:45, Comunicação: Consagrados, santificados em Cristo. Irmã Graça Guedes, superiora provincial rad 15:30, Os consagrados na vida e na história da Igreja. D. Francisco Senra Coelho, bispo auxiliar de Braga.

27. QUINTA

09:30, Desafios e futuro da Vida Consagrada. D. Augusto César. 11:00, EUCARISTIA de encerramento. D. Augusto César.

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MOVIMENTO BÍBLICO esta Semana Bíblica juntou cerca de 300 pessoas na igreja de nossa Senhora de Fátima, no Lajedo. as sessões decorreram diariamente entre as 20:00 e as 22:00, com entrada livre. Começavam com uma pequena leitura, seguindo-se a conferência e depois a meditação da palavra com a animação de grupos de jovens. a Semana Bíblica diocesana é uma organização do Secretariado Bíblico de São Miguel, em colaboração com a diocese de angra e com o Movimento de dinamização Bíblica.

XX Semana Bíblica dos Açores

C

om o tema “Bíblia, o evangelho da Família”, a XX Semana Bíblica diocesana dos açores arrancou em Ponta delgada com a conferência de frei Herculano Alves sobre A Metáfora Matrimonial na Bíblia. as metáforas bíblicas traduzem o que é a humanidade, e a família «é a instituição privilegiada para falar da relação de deus connosco», disse o frade franciscano capuchinho, um dos biblistas mais credenciados em Portugal; «deus como esposo e Israel como esposa é a metáfora matrimonial na Bíblia que nos mostra o essencial da família e a forma como deus quer ter uma relação familiar com todos

nós», sublinhou. Partindo desta metáfora, frei Herculano dividiu a sua intervenção em oito pontos percorrendo o essencial da mensagem bíblica, sublinhando a importância do amor, da aliança, da fidelidade, do perdão, da misericórdia e da centralidade da palavra na vida cristã. na terça-feira, o orador foi o doutor José Carlos Carvalho, Professor da Universidade Católica do Porto, que falou sobre Cristo e a Igreja. na quarta-feira regressou frei Herculano Alves, com o tema Abraão e Sara. na quinta-feira, o Pe. Paulo Borges, pároco da Fajã de Baixo, falou dos Desafios da Pastoral familiar. e na sexta-feira, o Pe. Ricardo Henriques, vice-reitor do Semi-

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nário episcopal e pároco da Sé de angra, respondeu à questão: A Família Cristã: que futuro?, presidindo depois à EUCARISTIA de encerramento. de referir ainda que a oração inicial de cada dia da Semana foi feita por irmãos romeiros vindos de toda a ilha de S. Miguel e que consistia num salmo seguido de uma pequena meditação, ficando a celebração final de cada dia a cargo dos seguintes grupos de jovens: Grupo de Jovens do 10º ano da Catequese da Maia, paróquia do divino espírito Santo, freguesia da Maia; Grupo de Jovens Shalom, da paróquia de nª Srª dos anjos, Vila de Água de Pau; Grupo de Jovens Os Caminhantes, da paróquia de nª Srª da Saúde, arrifes (Ponta delgada);

Carmo Rodeia

Balanço positivo

e Grupo de Jovens Os Samaritanos, da paróquia de nª Srª da Oliveira, freguesia da Fajã de Cima.

A partir da esquerda: Bispo da Diocese de Angra, Emanuel Costa (coordenador do secretariado) e dois membros de Grupos Corais.

O Secretariado Bíblico de São Miguel/açores tem um novo coordenador, Emanuel Costa Correia, em substituição da senhora regina Pinheiro, que se mantém na equipa. em carta à nossa revista, o novo coordenador diz que «este Secretariado Bíblico faz um balanço positivo da 20ª edição da Semana Bíblica e agradece a quantos nos têm apoiado ao longo destes 20 anos, nomeadamente ao Secretariado nacional de dinamização Bíblica, à difusora Bíblica e à revista Bíblica» e envia «um abraço do tamanho do oceano que nos separa e da oração que nos une no amor à Palavra de deus».

XV Semana Bíblica de Gondomar A XV Semana Bíblica em Gondomar, decorreu de 3 a 8 de novembro na Cripta dos Capuchinhos subordinada ao tema “Bíblia, Evangelho da Família”.

O

rganizada pela Fraternidade dos Capuchinhos em colaboração com a Vigararia de Gondomar, pretendeu, sobretudo, ajudar a refletir sobre o que é “ser família cristã, hoje, na Igreja e no Mundo”. esta Semana Bíblica inseriu-se no contexto do último Sínodo dos Bispos, dedicado à Família, que serviu de preparação para uma nova assembleia a realizar em outubro de 2015. a iniciativa, tendo em conta o elevado número de participantes, constituiu «contributo valioso para a pastoral da Família na área da Vigararia», «sintonizando as pessoas com os objetivos do Sínodo e alertando as consciências para os graves problemas que se levantam à realidade familiar». “Família cristã: que futuro?” e “os desafios da pastoral familiar” foram alguns dos temas nestes dias. a XV Semana Bíblica significou a vontade de «despertar as novas gerações para a especificidade do Sacramento do Matrimónio e acentuar a importância da Pastoral da Família para as comunidades cristãs». Por isso, além das con-

ferências, também foi enriquecida com alguns testemunhos de casais. entre os oradores, pudemos contar como frei Herculano alves, o Bispo de Lamego, d. antónio Couto, o doutor José Carlos Miranda /UCB, a Psicóloga Cristina Sá Carvalho, do Secretariado nacional da educação Cristã e o doutor José Carlos Carvalho, Prof. na UCP Porto.

a coroar todo este caminho de reflexão, d. João Lavrador, bispo auxiliar do Porto, presidiu à eucaristia de encerramento.

Frei Vítor Arantes

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TERRA SANTA

© JK / CTS

© STANiSLAo LEE / CTS

Os Lugares Santos e o Statu Quo

a propriedade dos vários Lugares, mas o uso, e entregando-os à melhor proposta...

Os “Lugares Santos” da Terra Santa regem-se por umas normas especialmente complexas tanto do ponto de vista histórico como jurídico. Não é um problema atual, pois já desde o primeiro milénio do cristianismo começou a manifestar-se de maneiras diferentes.

A

s causas principais são: 1. a divisão dos cristãos, originada pelas controvérsias religiosas do século V (Concílios de Éfeso, em 431, e Calcedónia, em 451) e as consequências das discussões e desordens que ocorreram no seu interior. 2. O domínio dos muçulmanos sobre os Lugares Santos, a partir do ano 638 e até aos nossos dias, excetuando o parêntese do período cruzado (1099-1291) que, na realidade, se torna em menos de um século, uma vez que, a partir da batalha de Hittin (1187), Saladino se apoderou de todos os Lugares Santos do cristianismo, que assim continuaram nas mãos dos muçulmanas até ao breve período do Mandato Inglês sobre a Palestina, de 1917 a 1948.

324 setembro-outubro 2014 | Nº 354

Frei Emílio Bárcena

Revista Tierra Santa, Jerusalém * © MARiE-ARMELLE BEAuLiEu / CTS

A escada que se vê na fachada da Basílica é um símbolo permanente do Statu Quo que rege os Lugares Santos desde 1852.

Saladino

em 1948, parte dos Santuários encontra-se sob a soberania do rei jordano e parte sob as autoridades do recém-fundado estado de Israel. É explicável o amor de todos os cristãos pelos Lugares Santos, e o desejo de os possuírem e conservarem do modo mais digno possível; mas as autoridades muçulmanas sempre tentaram gozar de um controlo sobre eles e fazer-se pagar bem aos cristãos os “favores” que lhes podiam conceder com a sua “tolerância”, permitindo a visita desses Lugares. além disso, aproveitando-se da desunião dos cristãos, jogaram sempre com os vários grupos contendentes para lhes sacar muito sumo económico, permitindo-lhes, não

representantes de diferentes ritos cristãos celebravam normalmente nesses Santuários (Santo Sepulcro e Basílica da natividade de Belém). O problema agudiza-se principalmente no século XVI, com a chegada do Império Otomano e a ocupação da Palestina: 1517-1917. ao longo destes quatro séculos, as lutas pela posse dos Santuários, entre gregos ortodoxos e arménios por um lado, e os franciscanos em nome da Igreja Católica, por outro, encheram as crónicas de acontecimentos nem sempre agradáveis.

Acima, Carlos Magno; abaixo, Constantino, o Grande, resto de uma estátua em mármore do séc. IV d.C.

UM POUCO DE HISTÓRIA

É interessante constatar como Carlos Magno, no início do século IX, se interessou muitíssimo pela sorte dos cristãos da terra Santa. não vamos aqui entreter-nos com a discutida questão do seu presumível protetorado sobre os Lugares Santos, nem com as chaves do Santo Sepulcro que uns monges de Jerusalém lhe dão em sinal de agradecimento

janeiro-fevereiro 2015 | Nº 356 325


TERRA SANTA pelos seus desvelos em favor dos cristãos da terra Santa, promovendo, entre outras coisas, coletas para ajudá-los.

Resumimos a história dos Santuários em cinco períodos:

1º. O judeo-cristão, até ao tempo de Constantino o Grande (326).

2º. De Constantino o Grande, com a construção das basílicas do Santo Sepulcro e a Eleona, em Jerusalém e a da Natividade de Belém, até à invasão persa (614), que tenta apagar toda a marca cristã na Terra Santa.

3º. Desde esta invasão até à dos muçulmanos (com omar como conquistador de Jerusalém, em 638) passam apenas 27 anos. os cruzados chegam em 1099; mas, em 1187, Saladino desfaz-se deles na batalha de Hittin, consolidando o poder muçulmano até à chegada dos...

4º. … Otomanos, também muçulmanos, e que, como dissemos, permanecem na Terra Santa durante quatro séculos: 1517-1917.

5º. A partir de 1917, os britânicos, com o seu mandato sobre a Palestina, até 1948 e, a seguir, jordanos e israelitas repartem entre si o território. Com a Guerra dos Seis Dias (junho de 1967), israel encarrega-se da segurança nos Santuários.

326 janeiro-fevereiro 2015 | Nº 356

MAIS PORMENORES HISTÓRICOS

em 333, o Peregrino de Bordéus encontrou os Santos Lugares em paz e em ordem. O mesmo pôde constatar a famosa andarilha espanhola Egeria, em 387, referindo as diferentes liturgias celebradas em cada Santuário, em paz e harmonia. em 351, Juvenal apresenta-se no concílio de niceia como Patriarca de Jerusalém. em 614, com a nefasta invasão dos persas, tudo se vai desmoronar; tem que ser o abade Modesto a encarregar-se de restaurar a basílica do Santo Sepulcro (630). Só oito anos depois, em 638, Omar entra triunfalmente em Jerusalém e promulga um édito em que declara liberdade para os cristãos. Mas, com esta conquista, o Islão invade toda a Terra Santa até aos nossos dias; e as liberdades proclamadas por

“Em 638, Omar entra triunfalmente em Jerusalém e promulga um édito em que declara liberdade para os cristãos. Mas, com esta conquista, o Islão invade toda a Terra Santa até aos nossos dias; e as liberdades proclamadas por Omar não foram respeitadas por muitos dos seus sucessores com gloriosas exceções.”

Omar não foram respeitadas por muitos dos seus sucessores com gloriosas exceções, como já vimos com Carlos Magno que, em 797, estabelece relações muito amistosas com o famoso califa Hárum-al-rashid: em 808 recebe as chaves do Santo Sepulcro e, em 810, envia esmolas propter Aeclesias Dei restaurandas, isto é: para restaurar as igrejas de deus. no fim do século IX tem lugar o cisma de Fócio (891); mas não consta que entre os cristãos do Oriente houvesse problemas quanto ao culto nos Santuários. a partir do ano 969, são os Fatimitas do egito que mandam sobre os Santuários. Geralmente foram tolerantes, com exceção do fanático el Hakem (ano 1000), que não teve piedade com os cristãos nem com os Santuários, e arrasou, entre outros templos, o do Santo Sepulcro. Por volta do ano 1064, os turcos selêucidas começam a impor-se na turquia, e Jerusalém cai nas suas mãos em 1071. antes, em 1054, Miguel Cerulário consumava o Cisma do Oriente; e como, por outro lado, os turcos selêucidas começam a dificultar as peregrinações e a perseguir os cristãos locais, organizam-se as Cruzadas, de que resulta o reino Latino de Jerusalém, por ocasião da queda da cidade, em 1099. Consta-nos que, durante o período cruzado, se permitiu um culto partilhado nos San-

CRUZADO SEM ARMAS

As Cruzadas, de que resultou o Reino Latino de Jerusalém, por ocasião da queda da cidade, em 1099. De cima para baixo: Ricardo Coração-de-Leão (3ª cruzada, em 1192) e Frederico II (5ª cruzada, em 1229). Ricardo Coração-de-Leão foi convertido pela pregação de Foulques de Neuilly.

tuários, e tanto os latinos como os ortodoxos celebravam nos mesmos sem se incomodarem uns aos outros no exercício das suas respetivas liturgias. Porém, o êxito inicial das Cruzadas não se prolongou por muito tempo: passado um século, os muçulmanos voltam a tornar-se donos dos Santuários (recordemos a data de 1187). Mais tarde, em 1192, Ricardo Coração-de-Leão (na 3ª Cruzada) consegue alguma coisa em favor dos cristãos, tal como Frederico II, em 1229 (na 5ª Cruzada), devolvendo-lhe o Sultão os Santuários de Jerusalém, Belém e nazaré. Mas, passada uma trégua de alguns anos, tudo voltou a mãos muçulmanas, no meio da indiferença geral...

entre estes “cruzados”, temos um muito singular, animado por um espírito bem diferente: Francisco de Assis. ao dar-se conta de que, com as armas, se pode fazer muito pouco, procura atrair os seus irmãos – que são toda a gente – com o amor, o respeito mútuo e a compreensão. no ano 1219, assiste ao desastre dos cruzados na batalha de damieta; tinha prognosticado a derrota, mas não lhe fizeram caso. apresenta-se diante do Sultão do egito, Malek-al-Kamel, que o recebe benignamente, admirado do novo espírito que o guia; e dá-lhe autorização para visitar a terra Santa. desde esse momento até aos nossos dias, os franciscanos não abandonanram a terra Santa, sendo nomeados Custódios dos Santos Lugares. Mas, veremos com que sofrimentos e penalizações mereceram este título. a situação jurídica da presença franciscana na terra Santa, como Custódios dos Santuários, data de 1342 com a bula Gratias agimus de Clemente VI (21 de novembro), na qual se diz o seguinte, tanto ao Geral da Ordem, como ao Ministro Provincial de nápoles: 1º. Que os reis de nápoles, roberto de anjou e Sandia de Mallorca «non sine magnibus sumptis et laboribus gravibus» (gastando muito dinheiro e com muitas dificuldades), con-

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TERRA SANTA atender ao serviço do Santo Sepulcro e aos citados Lugares Santos.

Poucos anos depois, em 1347, o franciscano Poggibonzi, no seu Livro do Ultramar, diz que os cristãos de Jerusalém louvam todos juntos a deus na sua própria língua, distribuídos em diferentes Lugares. O qual indica que os franciscanos não vieram semear discórdia entre os cristãos locais. no ano 1444, os quaresmianos conquistam Jerusalém e, em 1453, Constantinopla cai nas mãos turcas otomanas. É um acontecimento que vai influir decisivamente na sorte dos Santuários. Vejamos como.

Fra Angélico, cerca de 1429. S.Francisco diante do Sultão Malek-al-Kamel.

seguiram da parte do Sultão do egito, Malek-an-nasser:

a) Que os franciscanos pudessem morar continuamente dentro da igreja do Santo Sepulcro.

b) Que pudessem ali celebrar missas solenes e outros ofícios litúrgicos solenes, tanto mais que alguns frades já se encontram dentro. 2°. O mesmo sultão concedeu aos ditos reis, que entregassem o Santo Cenáculo aos franciscanos, com as capelas da descida do espírito Santo e da aparição de Cristo ressuscitado aos seus discípulos.

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3°. Permite à rainha construir junto do Cenáculo um pequeno convento para os franciscanos que já viviam ali, embora em más condições e, às suas custas, quer manter doze frades para que possam Convento franciscano do Cenáculo.

O DOMÍNIO OTOMANO SOBRE OS SANTUÁRIOS (1517-1417)

Bem depressa, os súbditos do Império Bizantino passam a sê-lo do sultão de Constantinopla; e quando, em 1517, com a conquista de Jerusalém por Selim I, os Santuários passarem para a jurisdição

El Greco, Clemente VI. Foi este Papa que definiu a situação dos Franciscanos na Terra Santa como Custódios dos Santuários, em 1342. Selim I, por John Young. Quando ele, em 1517, conquistou Jerusalém, os Santuários passarem para a jurisdição dos Sultões de Constantinopla, que irão declarar-se seus legítimos proprietários, com desvantagem para os Franciscanos.

dos Sultões de Constantinopla, estes irão declarar-se seus legítimos proprietários. e a luta pelo culto nos Santuários vai conhecer agora uma fase muito crítica, com momentos de suma tensão e dramatismo graças ao arbitrário comportamento dos Sultões e seus primeiros ministros, que entregaram aqueles Santuários a quem melhor lhes pareceu ou ao melhor licitador, com desvantagem para os franciscanos por serem estrangeiros no país, ao passo que os gregos se declaravam «súbditos fiéis do império». além disso, estes tinham intérpretes da sua mesma raça junto da Sublime Porta, enquanto que os franciscanos dependiam desses mesmos intérpretes, que, com frequência, tergiversavam os documentos ou os traduziam como melhor convinha aos gregos, adversários dos franciscanos. de casos de corrupção deste tipo, estão cheias as crónicas da época. Isto levou os franciscanos a prepararem jovens “latinos” de Jerusalém e enviarem-nos a Constantinopla para se treinarem no perfeito conhecimento da língua turca e assim poderem desempenhar, depois, corretamente o ofício de tury-imanes (intérpretes).

AS “CAPITULAÇÕES”

este situação, certamente difícil, desagradável e incómoda para os franciscanos dentro do

Império Otomano, viu-se de algum modo mitigada com a entrada em vigor das famosas Capitulações (convénios bilaterais) entre os estados ocidentais e o Sultão, principalmente entre Francisco I de França e Solimão o Magnífico, em 1535. nelas estipulava-se, entre outras coisas, que os franciscanos poderiam exercer o seu culto nos Santuários sem ser molestados por ninguém, pois eram protegidos pelo rei de França. a estas Capitulações, entre Francisco I e Solimão o Magnífico, seguiram-se outras entre o rei Henrique IV (1569, 1587, 1597 e 1604) e os Sultões de Constantinopla. Outro tanto fizeram mais tarde Luís XIV (1673) e Luís XV (1740). Mas não serviram de muito, se considerarmos a contestação do Grão Visir ao embaixador francês, depois dos factos de 1757, que praticamente decide pela manutenção de tudo como estava na origem dos mesmos. de todos os modos, desde o momento das primeiras Capitulações, a França vai considerar-se protetora oficial dos cristãos francos (estrangeiros ocidentais, isentos de pagar impostos) que viviam no seio do Império Otomano. Quanto aos cristãos orientais, vai ser a mesma Sublime Porta a encarregar-se de “protegê-los”, coisa que mais tarde será impugnada pela rússia quando se encontre com a força suficiente para enfrentar o Império turco, perguntando-

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TERRA SANTA

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as grandes polémicas e as lutas cerradas pela posse dos Santuários tem o seu ponto álgido ao longo dos séculos XVI-XVII. Parece ser que até 1534 os Patriarcas greco-ortodoxos de Jerusalém não eram gregos-helenos mas gregos-árabes. Mas, a partir do Patriarca Germanos que sucedeu a abadallah neste mesmo ano, todos são “helenos”. a Igreja de

Jerusalém também se “heleniza”. e os Sultões, por seu, ao considerarem-se sucessores do basileos do império bizantino, julgam-se capazes de poder fazer tudo o que o basileos bizantino podia pretender fazer, chegando até a nomear bispos e consideram o Patriarca de Constantinopla obra sua, como Chefe espiritual dos cristãos súbditos do seu império. Os dragomanes ou intérpretes, tomados do seio da

Túmulo da Virgem Maria, no Vale do Cédron e Basílica da Natividade.

© JK / CTS

VAMOS ALGUNS PASSOS ATRÁS

© JK / CTS

-se com bastante lógica se uma nação muçulmana com toques de fanatismo religioso pode proteger uma comunidade cristã... a partir deste momento, vai aumentar a oposição entre a França e a rússia, aquela defensora dos católicos e esta dos ortodoxos; e, ao longo de todo o século XIX, as coisas vão complicar-se de tal forma que nos encontraremos com a famosa “Questão do Oriente” com o aparecimento do não menos famoso STATU QUO relativo aos Santos Lugares num acordo do ano 1852, no qual se sanciona esta realidade de conservar tudo tal como ficou no início dos acontecimentos de 1757 e cujas consequências perduram até aos nossos dias com vantagens para os gregos ortodoxos, graças a una arbitrária resolução do Sultão como consequência dos nefastos acontecimentos que tiveram lugar no domingo de ramos de 1757, no Santo Sepulcro, data em que os gregos se apoderaram violentamente dos principais Santuários. Face aos irados protestos do embaixador francês por este atropelo, a resposta do Grão Visir, em nome do Sultão, foi contundente: «O Sultão é dono e senhor dos Santuários e entrega-os a quem melhor lhe parecer.» a justiça otomana não foi, com frequência, mais do que a razão da sem-razão, entregando os Santuários não a quem aduzia melhores argumentos, mas a quem melhor pagava...

população grega, jogam um papel muito importante nas questões jurídicas entre cristãos e decantam-se pela igreja do Phanar que reclama para si a primazia religiosa sobre as outras denominações cristãs do Império. a vida monástica é proibida aos não helenos, com o qual se lhes impedia o acesso ao Patriarcado, uma vez que os bispos e o Patriarca são sempre eleitos entre os monges helenos. O Phanar impõe a sua lei. além disso, ao considerarem-se legítimos sucessores do clero bizantino que possuiu os Santuários até à chegada de Omar a Jerusalém, reclamam-nos para si; e assim, pouco a pouco, conseguem usurpar o que os franciscanos haviam conseguido legalmente, devido à compra de alguns Santuários efetuadas pelos reis de nápoles e outros monarcas. a partir do ano 1630 intensifica-se a luta grega contra os franciscanos pela posse dos Santuários de Jerusalém e Belém e conseguem apoderar-se deles dois anos depois (1632) para serem recuperados pelos franciscanos passado pouco tempo (1636). Mas, no ano seguinte, uma nova tentativa dos gregos vê-se coroada de sucesso em 1645, quando o Sultão cede diante dos gregos e, em 1669, chegam a conseguir o templete do Santo Sepulcro em exclusivo. Graças à incansável obra do franciscano Fr. Domingo de Lardizábal, em 1690,

consegue recuperar os referidos Santuários, secundado na sua ação diplomática pelos embaixadores de França e Veneza e com a ingente ajuda económica aportada por espanha. no intervalo entre os anos 1690-1757, os franciscanos restauraram os Santuários, sendo o trabalho mais notável o executado na cúpula do Santo Sepulcro em 1719, pelo infatigável e enérgico Procurador-Geral da terra Santa, Fr. andrés de Montoya, e a da Basílica da natividade, em Belém. assim permaneceram as coisas até 1757. neste ano, nefasto na história dos Santuários, os gregos-helenos arrebataram violentamente aos franciscanos o Santo Sepulcro, a Basílica da natividade e o tumulo da Virgem Maria, este em Getsémani. e esta situação, por vontade do Sultão, manteve-se até aos nossos dias sem que tenham valido para nada os protestos dos católicos nem as tentativas de uma solução justa em diferentes conferências internacionais e posteriores tratados à data destes acontecimentos.

sia força a turquia a fazer certas concessões estipuladas no tratado de adrianópoles. e proclamar-se-á protetora dos ortodoxos orientais como a França já o é desde há muitos mais anos dos “francos”. Mas, não é só com a turquia que a rússia tem problemas; é também com a França, que ajuda a turquia na guerra da Crimeia, em 1855, e ganha. Porém, a turquia já contará bem pouco no mundo da política internacional relacionada com os Santos Lugares; e, embora o seu desmoronamento total não chegue até 1917, já no tratado de paz de Berlim (1877) é afastada completamente das conversações. O protetorado russo sobre os cristãos ortodoxos orientais já tinha começado a ser exigido por Pedro I o Grande (1721), confirmando-se a petiPedro I, o Grande.

NO SÉCULO XIX

no século XIX começa a decair o Império turco. a rússia espera o momento oportuno para fazer sentir a sua presença na região e, pouco a pouco, consegue-o. nas guerras entre russos e turcos nos anos 1803-12 e 1828-29, a rús-

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TERRA SANTA ção feita diretamente por Catarina II nos tratados de Cuchuk-Kainardi (1774) e, mais tarde, na convenção de ainali-Kavac (1779), reivindicando-se novamente no tratado de Viena, de 1815. Por causa da luta da independência grega (1821), Mahmud II dependurou o Patriarca grego da porta do Phanar, assassinando também muitos bispos e sacerdotes ortodoxos. a separação das duas Igrejas ortodoxas, russa e grega, consumou-se, e a igreja da Palestina cai sob a proteção russa.

© STANiSLAo LEE / CTS

Estrela da Gruta da Natividade.

em 1847 é roubada a estrela da gruta da natividade de Belém, em cuja inscrição aparecia bem clara a propriedade dos franciscanos, ao estar escrito em latim, sobre ela, o texto seguinte: Hic de Virgine Maria Jesus Christus natus est. este facto foi o fulminante que fez rebentar a guerra da Crimeia, entre a França e a turquia, por um lado, e a rússia, por outro. Mas a verdade era bem outra que a luta pela questão dos respetivos protetorados. tratava-se de dominar os estreitos do Bósforo e

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Os dardanelos pela rússia e assim forçar a turquia a uma rendição humilhante. Os países ocidentais opõem-se, e a França, aliada com a turquia, ganha a guerra. Infelizmente, a França, não aproveita para reivindicar os direitos sobre os Santuários e a decisão do Sultão de 1852, que desfavorece os franciscanos, é devida à pressão que a rússia exerce sobre a Porta Sublime. no ano 1877, a rússia declara uma nova guerra à turquia. O motivo dado por alexandre II, é o de que os cristãos vivem uma vida desesperada e no seio do Império turco, e reclama a sua proteção ao longo e ao largo desse Império. a rússia ganha a guerra. no ano seguinte, no congresso de Berlim, nem a França, nem a turquia contam para nada; é Bismark quem decide o que há que fazer... Logo a seguir, não será a França a exclusiva protetora dos cristãos francos no Império turco; a alemanha reivindica a proteção dos seus. Pela primeira vez aparece a palavra STATU QUO (artigo 62) e a questão dos Santos Lugares é internacionalizada, se assim podemos dizer, ainda mais. Com a turquia ausente, a França, humilhada (Guerra francoprussiana), apresenta-se, com muito pesar seu, em condições de perder. na verdade, tanto a alemanha como outras nações ocidentais, pretendiam o mesmo no Oriente:

defender ali os seus interesses nacionais, sem depender da França para nada. em fins do séc. XIX, as obras religiosas e as fundações multiplicam-se na Palestina, tanto por parte das potências ocidentais como por parte da rússia. e no que se refere à isenção de pagamentos, direitos aduaneiros e outros, chega-se à Convenção de Mitilene que declara isentas de pagamento de alfândega todas estas obras de caráter religioso e social acima referidas. esta convenção é ratificada no ano 1913 e com base nas suas conclusões, hoje, os diplomatas ocidentais continuam a fundamentar os seus argumentos para a proteção e isenção de taxas de um determinado grupo de obras pias.

O MANDATO BRITÂNICO

Com a queda do império turco, os Lugares Santos passam a mãos cristãs: o Mandato Britânico prolonga-se entre 1920-1948 e os problemas relativos aos Santuários são discutidos nos foros internacionais como a Conferência da paz de 1919 na qual, os franciscanos apresentam um memorial a reivindicar os seus direitos nos Santuários. e a turquia, que em várias ocasiões tinha pedido o foral das Capitulações, a partir deste momento vê confirmado o seu desejo; embora, na

realidade, já se tratasse de letra morta, ao ficarem os Santuários fora da sua jurisdição, coisa que tem lugar no dia 12 de março de 1917. Pelo tratado de S. remo (27.IV.1920), é confiado à Grã-Bretanha o mandato sobre a Palestina e são abolidas definitivamente as famosas Capitulações. Mas, a questão dos Lugares Santos, em vez de se resolver satisfatoriamente, complica-se ainda mais por uma razão muito simples: enquanto que a França advoga a prática do estipulado nas Capitulações de 1740, os gregos, capitaneados pela rússia, invo-

cam a situação de facto criada por altura dos acontecimentos de 1757, favoráveis a eles. e assim continuam as coisas, bastante pantanosas, até ao dia de hoje. Mais tarde, em diferentes ocasiões a Santa Sé propu-

gnou, temos de reconhecer que sem êxito, a internacionalização dos Santos Lugares (1947). Pouco tempo depois, rebenta a guerra árabe-judaica, ficando a Palestina dividida entre a Jordânia e Israel, desde 1948 até 1967.

Em 1967, por ocasião da chamada Guerra dos Seis Dias (1967), israel apoderou-se da zona jordana e responsabilizou-se pela salvaguarda dos Santuários; e a situação criada quando dos acontecimentos de 1757 e as normas dadas pelo Sultão em 1852 continuam vigentes, continuando os franciscanos, apesar de todos os pesares, a ter que respeitar este injusto STATU QUO.

Interior do bairro cristão de Jerusalém, vendo-se ao fundo a torre da Igreja de São Salvador, na sede da Custódia da Terra Santa, destacada à esquerda em primeiro plano.

© JK / CTS

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otícias com a revista TIERRA SANTA *

O Consistório, solidário com os cristãos perseguidos

Cardeais, patriarcas das Igrejas católicas orientais e oficiais da Cúria romana debateram em Consistório a situação do Médio Oriente. O Papa manifestou o seu agradecimento aos presentes e exprimiu-lhes a sua constantepreocupação.

U

ne-nos o desejo de paz e estabilidade no Médio Oriente e a vontade de favorecer a resolução dos conflitos através do diálogo, a reconciliação e o esforço político». destacando a necessidade de fazer tudo o possível para ajudar as comunidades cristãs

locais, o Papa sublinhou que «não nos podemos resignar a ver um Médio Oriente sem cristãos, que desde há dois mil anos confessam ali o nome de Jesus. Os últimos acontecimentos, sobretudo na Síria e no Iraque, são muito preocupantes. assistimos a um fenómeno terrorista de dimensões antes inimagináveis. Muitos são nossos irmãos perseguidos, que tiveram que deixar as suas casas de maneira brutal. Parece que se perdeu a consciência do valor da vida humana, parece que a pessoa já não conta e pode ser sacrificada a outros interesses. e tudo isto, por desgraça, perante a indiferença de muitos.»

Cinco foram os temas tratados nas intervenções: a necessidade de paz e reconciliação no Médio Oriente, a defesa da liberdade religiosa, o apoio às comunidades locais, a importância de educar as novas gerações para o diálogo e o papel da comunidade internacional.

Ouviu-se uma condenação unânime da violência perpetrada em nome de deus pelos terroristas do “estado Islâmico” e foi destacado o papel único de Jerusalém como capital da fé para as três grandes religiões monoteístas. «À comunidade internacional – diz o comunicado final – pede-se que garanta aos refugiados cristãos a possibilidade de regressar em quantoantes a suas casas, criando “zonas de segurança”, por exemplo no vale de nínive. Finalmente, faz-se um apelo a que ninguém se esqueça de todas as pessoas sequestradas no Médio Oriente.»

Shlemon Warduni, bispo auxiliar caldeu de Bagdad, saúda o papa Francisco.

Os últimos acontecimentos, sobretudo na Síria e no Iraque, são muito preocupantes. Assistimos a um fenómeno terrorista de dimensões antes inimagináveis.

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Pelo reconhecimento do Estado da Palestina A meados do passado mês de outubro, líderes religiosos das Igrejas da Terra Santa – o patriarca latino emérito de Jerusalém, Mons. Michel Sabbah, o arcebispo do Patriarcado greco-ortodoxo de Jerusalém, Hanna Attala, e o bispo Munib Yunan, a Igreja luterana na Jordânia e na Terra Santa, e mais uma centena de líderes árabes cristãos – assinaram um manifesto pelo reconhecimento do Estado da Palestina.

d

e Jerusalém, a nossa capital ocupada, enviamos esta mensagem urgente ao mundo inteiro e em particular à europa: aspiramos à justiça e à paz. reconhecer a Palestina e definir as fronteiras de Israel não é mais do que o primeiro passo para este objetivo» – explica o comunicado. a voz de alarme soa poucos meses depois da guerra do verão passado, que causou 2. 147 mortos palestinos e 70 israelitas, enquanto na Faixa de Gaza começa a reconstrução. O fracasso das negociações entre Israel e a autoridade nacional Palestina, sob o patrocínio dos estados Unidos, interrompidas no passado mês de abril levou os cristãos (na sua maioria árabes palestinos presentes na terra Santa

antes de 1948) a dirigirem-se à europa. «É tempo de a europa compreender que o único modo de vencer o extremismo e o terrorismo na nossa região é alcançar a justiça para todos, começando por pôr fim à injustiça histórica infligida ao povo palestino, uma ferida aberta que continua a sangrar [...]. a comunidade internacional, e em especial a europa, têm uma responsabilidade histórica para com os direitos do povo palestino. a europa tem uma longa trajetória na defesa dos valores da paz e dos direitos humanos. Hoje pode pôr em prática estes princípios, ajudando a Palestina.» Vários países europeus – como a Hungria, a república Checa, Chipre, a Polónia e a roménia – já reconheceram a Palestina como estado. O texto recorda que, do ponto de vista palestino, a criação do estado judaico em 1948 provocou o exílio de boa parte do povo e, desde 1967, a ocupação.

«Sofremos a expropriação e o exílio forçado desde 1948, quando a maioria dos cristãos da Palestina foram expulsos à força das suas casas. Mantivemo-nos firmes durante os 66 anos de exílio e os 47 de ocupação, agarrando-nos à mensagem de paz de nosso Senhor. estamos cansados das chamadas ao regresso às negociações, enquanto nem sequer podemos aproximar-nos (livremente) das nossas igrejas

por causa de uma potência estrangeira, e os nossos fiéis continuam a ser humilhados por uma ocupação indesejável.»

Em nome da utopia com raiz bíblica: “As crianças ao poder!”

O comunicado, que recolhe o consenso de um bom número de personalidades de campos diferentes, propõe a criação do estado palestino nas fronteiras de 1967, com a capital em Jerusalém este (anexada por Israel em 1967). Isto deveria realizar-se ao mesmo tempo que, segundo os signatários, cessa a colonização na Cisjordânia que «destrói as perspetivas de paz». embora a esperança na concretização de possíveis alterações seja bastante débil, esta ação serve, pelo menos, para fazer ouvir a voz dos cristãos palestinos para além das diferenças confessionais e para mostrar que muitos deles são protagonistas da sociedade civil. Segundo os signatários do manifesto, o reconhecimento do estado pales-

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NOTÍCIAS tino é ao mesmo tempo uma questão de justiça e semente de paz. «Pôr fim à ocupação israelita é o único modo de a Palestina – cristãos e muçulmanos unidos – gozar de una vida de prosperidade e progresso. É também o modo mais seguro de garantir uma presença cristã duradoira na nossa terra Santa e de garantir a Israel a segurança que reivindica. Sem justiça não haverá paz nem segurança.»

«É urgente acabar com o “Estado Islâmico”»

São palavras de Shlemon Warduni, bispo auxiliar caldeu de Bagdad (ver pág. 46), ao jornalista da Custódia, Carlo Giorgi.

e

lança um alerta:«atenção! Vai chegar um dia em que, se estes terroristas não forem detidos no Iraque, hão de ir mais longe. Comportam-se como canibais!Os seus crimes são contra a humanidade inteira, não apenas contra o Iraque.» além do seu trabalho pastoral na diocese de Bagdad, é também presidente da C ritasiraquiana e conhece bem o sofrimento do seu povo. «São terroristas que fazem muito mal aos cristãos e às minorias. É necessário, sobretudo, ter garantias das nações que ago-

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ra os estão a ajudar, de que interrompam imediatamente o seu apoio e não lhes forneçam mais armas. É necessário, também, garantir os nossos direitos humanos, que neste momento são sistematicamente violados. expulsar as pessoas da sua casa, obrigá-las a romper com as suas raízes... isto é algo terrível no século XXI. expulsaram-nos das nossas aldeias, humilharam a nossa gente, especialmente quando venderam as nossas mulheres no mercado por centenas de dólares... São canibais! nunca se tinha visto coisa igual! Sim, antes vendiam pessoas para as escravizar; mas agora estão a vender mulheres porque as consideram indignas, para calcar os seus direitos; e além disso, deixam as crianças morrer por desnutrição, sepultam os homens vivos...

Como é possível que aconteçam coisas semelhantes? Pedimos à comunidade internacional que ponha fim a tudo

isto. a comunidade internacional deve levar esta situação muito a sério. Chegará um dia em que, se estes terroristas não forem detidos no Iraque, hão de ir mais longe. Os seus crimes são contra a humanidade inteira, não apenas contra o Iraque. Lanço um alerta em nome das nossas crianças, dos nossos enfermos, dos nossos velhos e das nossas mulheres – conclui Mons. Warduni. Há que pôr fim a esta situação e libertar os nossos povos e a nossa cidade de Mossul, que é cristã desde há dois mil anos, mas onde não se ouve ressoar nenhuma oração cristã desde que foi conquistada pelos terroristas a 11 de junho passado. a primeira coisa que peço a todos é que rezem por nós; depois, que façam respeitar os direitos humanos no coração de toda a gente de boa vontade; e finalmente, que todas as pessoas saibam que estes terroristas querem fazer mal ao mundo inteiro. * Tradução / LOPeS MOrGadO

“Expulsaram-nos das nossas aldeias, humilharam a nossa gente, especialmente quando venderam as nossas mulheres no mercado por centenas de dólares...”

Novidade E

ste livro contém 37 poemas de Natal, acompanhados por 146 imagens da Coleção “Evangelho da Vida”, com 1300 presépios, recolhidos e expostos em Fátima no Centro Bíblico dos Capuchinhos. o autor explica: «Com as imagens, não pretendemos ilustrar os poemas, embora fizéssemos algum esforço de aproximação. Qualquer feliz coincidência é a mais valia de ter, aqui, dois livros num só» (p.82). De facto, com este livro, o leitor pode fazer duascaminhadas: uma, através dos poemas; outra, pela via das imagens. Caminhadas paralelas, mas complementares, pela mão de expressões artísticas diferentes – no autor, na procedência geográfica, nos materiais, nos estilos, na época, nos pormenores. Por uma inculturação semelhante à “condescendência” com que Deus há dois mil anos encarnou no nosso meio, no nosso tempo e na nossa carne, e continua a encarnar, de preferência na periferia e nas pessoas mais inesperadas. o livro encerra com 21 páginas, profusamente ilustradas, sobre aquela Coleção. E assim, torna-se um repositório de arte, literatura, espiritualidade, história, Bíblia e vida sobre o Natal e a sua expressão artística em 75 países do mundo. Por sua vez, o espaço museológico, onde as peças são apresentadas, é um lugar de evangelização sobre Aquele que dividiu em duas a História – antes e depois de Cristo. Difusora Bíblica, Fátima, 2014. 108 páginas. Preço: €12.

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