Revista 357 net

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ON D E A B ÍB LIA S E FA Z V ID A

2015, Ano InternAcIonAl dA luz

Ano 61 / março-abril 2015 / Nº 357 / € 1.50

MENORIDADE: opção de Deus

S. João de Deus, fundador da Ordem Hospitaleira

Ano da Vida Consagrada

Montemor-o-Novo, 8 março 1495 – Granada, 8 março 1550

TERRA SANTA / Daqui, Cristo subiu ao céu

Quando foi a última ceia de Jesus?


Sumário

D

Ano 61 / Nº 357 / março-abril 2015 SITUAR a palavra

01 Ano Internacional da Luz ESTUDAR a palavra

03 Quando foi a última ceia de Jesus? CELEBRAR a palavra 02 Salmo 57 09 Leituras bíblicas de abril e maio 35 Cântico: Aleluias de Festa

SECÇÕES 10 TERRA SANTA: Daqui subiu Cristo ao céu 36 VIDA CONSAGRADA: Integrar a fragili-

dade, refazer a vida inteira 40 DE SICAR A JERICÓ: Os mais jovens da família 42 MOVIMENTO BíBLICO: Ações bíblicas 2015 XXXVIII Semana Bíblica Nacional/programa Beja, 60 anos depois XXIV Semana Bíblica de Barcelos 46 NOTíCIAS do mundo bíblico e da Igreja

DOSSIÊ

MENORIDADE: uma opção de Deus

Ícone da Ressurreição de Jesus.

ASSINATURAS Portugal: € 10,00; Europa, Macau, Guiné Bissau, S. Tomé e Príncipe: € 14,50; Países fora da Europa: € 17,50; Assinante Benfeitor: Quantia superior à indicada para a respetiva assinatura.

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cAPA: Lava-pés. Catedral de Lincoln. contrA-cAPA: São João de Deus, padroeiro dos hospitais, dos doentes e dos enfermeiros.

Já pagou a sua assinatura de 2015? No envelope da revista, a data junto do seu nome é a do ano que já está pago. LEMBRE-SE: esta revista só vive do pagamento dos seus assinantes.

Ano Internacional da Luz

eus disse: “faça-se a luz.” E a luz foi feita. Deus viu que a luz era boa» (Gn 1,3-4a). Até parece que Deus precisou da luz para construir o mundo. Segundo a Bíblia, a luz está na origem de todas as coisas criadas por Deus; segundo a ciência, a luz está na origem das forças naturais que promovem o desenvolvimento sustentável nas áreas da energia, educação, agricultura e saúde. O Ano Internacional da Luz, celebrado em 2015 por iniciativa da UNESCO, pretende chamar a atenção para as suas aplicações e implicações no crescimento e qualidade de vida nas pessoas. «A proclamação do AIL2015 é uma oportunidade única para a coordenação internacional de atividades educativas e para a promoção de novas iniciativas que suportem o potencial revolucionário das tecnologias da luz.»

P

orém, este aspeto físico deve ser ultrapassado para entender a luz na sua dimensão simbólica e metafórica. A luz marca as fronteiras da nossa existência: quando nascemos, todos somos dados à luz; quando morremos, todos entramos na luz perpétua. Esta visão metafórica da luz está presente em todas as mitologias antigas, identificando-a, em muitas delas, com a própria divindade. Além das festas saturnais dos romanos à volta do “Sol Invictus”, Amaterasu é a “deusa da luz” no xintoísmo, Aton é o “Sol” nos egípcios, Nanûr é a “Luz Perfeita” no Islão, Buda é o “Iluminado”. A luz é assumida por todas as civilizações como símbolo da presença e ação de Deus na história humana. Também na perspetiva cristã, sem identificar a luz com Deus, numa visão panteísta da realidade, a luz envolve o cosmos, a natureza e toda a existência humana. «Deus é luz» (1 Jo 1,5), e também «Eu sou a luz do mundo» (Jo 8,12). Mas apenas analogicamente o podemos dizer, só numa perspetiva simbólica, para entender que Deus é transparente, é imaterial, brilhante e omnipresente. As trevas, como antítese da luz, fazem parte do ato criativo de Deus, que «separou a luz das trevas» (Gn 1,4-5) e dá sentido à existência do mal no mundo e à dialética dia-noite, vida-morte, bem-mal. Para o cristão, o AIL-2015 A luz de cristo ilumina a terra inteira. Aleluia! começou com Jesus Cristo, o Sol Nascente da humanidade, no ano 0 da nossa era e atingiu o ponto mais alto na manhã de Páscoa, o Dies Domini, o dia da plenitude e da grande epifania luminosa, a caminho da Nova Jerusalém, onde «não haverá mais noite nem necessidade da luz do sol, porque o Senhor irradiará sobre eles a sua luz» (Ap 22,5).

O diretor

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bíblica ONDE A BÍBLIA SE FAZ VIDA

Sócio da AIC nº 258 Diretor

Manuel Rito Dias

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Luís Manuel Leitão

Chefe de Redação Lopes Morgado

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DiFuSORA BíBLiCA (Franciscanos Capuchinhos)

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Salmo 57 Ensina-nos assim a contar os dias para podermos chegar à sabedoria do coração. (Sl 90,12)

Quero despertar a madrugada para, com ela, despertar a cidade e ir a tempo de abrir a porta ao primeiro forasteiro.

Quero despertar a madrugada, chegar ao dia mais cedo que o relógio, mais rápido que a sentinela, e ser eu mesmo a fazer soar o clarim da alvorada. Quero despertar a madrugada e acabar de vez com o terror das noites perpétuas e o assalto de duendes furtivos ao sono das crianças.

Quero despertar a madrugada e dizer que o meu coração está firme para cantar e salmodiar, mesmo quando o pesadelo prolonga a noite e a madrugada tarda em chegar. Frei Manuel Rito Dias

O meu coração está firme, ó Deus. (v.8a)

A BÍBLIA RESPONDE

Quando foi a última ceia de Jesus? A paixão de Jesus foi muito mais longa do que geralmente pensamos. Não durou apenas algumas horas, mas vários dias. A sua morte não foi o desenlace abrupto de uma turba exaltada e irracional, que num lapso de tempo decidiu o seu fim, mas a resolução premeditada e consentida das autoridades judaicas e romanas, e de todo o povo. Mas, conforme uma teoria bem fundamentada, isso só se entende situando a sua última ceia na terça-feira à noite, seguindo o calendário solar, e não na quinta. Ariel Álvarez Valdés arialvavaldes@yahoo.com.ar A versão de São João

Na quinta-feira santa, todos os católicos do mundo celebram a última ceia de Jesus, durante a qual Ele instituiu a Eucaristia, lavou os pés aos seus discípulos e nos deixou o mandamento do amor ao próximo. No dia seguinte, às 3 da tarde, morria pregado numa cruz. Mas, aquela ceia foi mesmo numa quinta-feira? Para podermos levantar o problema, convém ter presente uma caraterística da cultura judaica. Enquanto que, para nós, o dia começa à meia-noite, isto é, às zero horas, para os judeus o dia começa na tarde anterior, cerca das 17 horas. Quer dizer, a segunda-feira começa no domingo à tarde, a terça começa na segunda à tarde, e assim sucessivamente. Ora bem, segundo o Evangelho de João, no ano em que Jesus morreu a Páscoa caiu num sábado (Jo 19,31); portanto, era preciso comer o cordeiro pascal na tarde anterior, isto é, na sexta. Mas, como Jesus ia estar morto nessa sexta às três da tarde, e não chegaria a cear com os seus discípulos, adiantou a ceia para a quinta-feira.

Por isso São João diz que Jesus celebrou a última ceia «antes da festa da Páscoa» (Jo 13,1), ou seja, na quinta-feira à noite. Daí os cristãos celebrarmos também esse dia como o da última ceia.

A versão dos Sinóticos

O problema surge quando vemos que os outros três Evangelhos, embora coincidam com João quanto à morte de Jesus na sexta-feira às três da tarde (Mt 27,62; Mc 15, 42; Lc 23,54), afirmam que Ele não adiantou a ceia, mas ceou mesmo no dia de Páscoa. Assim, Mateus e Marcos dizem que cearam «no primeiro dia da festa dos Ázimos», «quando se imolava a Páscoa» (Mt 26,17; Mc 14, 12). Os Ázimos era o primeiro dos sete dias que durava a Páscoa, e portanto, a sexta-feira à noite. Lucas, mais explícito, esclarece que «Jesus pôs-se à mesa e os Apóstolos com Ele», no «dia dos Ázimos, em que devia sacrificar-se o cordeiro» (Lc 22,1.7.14). Ou seja: enquanto que, para João, a última ceia foi antes da Páscoa (na quinta-feira), para os Sinóticos foi no próprio dia de Páscoa (na sexta). Qual das duas versões seria a verdadeira?

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A BÍBLIA RESPONDE

A solução: Qumrân

Ao longo dos séculos, foram propostas diferentes soluções, sem que nenhuma chegasse a convencer. Mas em 1947 foram descobertos os manuscritos do Mar Morto, em Qumrân, e com eles apareceu uma nova solução, que parece lançar novas luzes sobre esta incógnita. Que são os manuscritos do Mar Morto? Faziam parte de uma velha biblioteca do séc. I a.C., pertencente a uma seita judaica chamada dos essénios. Entre os numerosos livros ali encontrados, dois deles (o Livro dos Jubileus, e o Livro de Henoc), revelaram que no tempo de Jesus estavam em uso dois calendários diferentes. O primeiro, chamado “solar” (porque se baseava no curso do Sol), estava dividido em 12 meses – 8 de 30 dias e 4 de 31 –, com um total de 364 dias. Como este calendário tinha 52 semanas exatas, todos os anos eram iguais, isto é, começavam sempre no mesmo dia da semana (a quarta-feira), e todas as festas importantes também caíam no mesmo dia (na quarta). Jacopo Robusti (Tintoretto), 1518-1594. Última Ceia de Jesus.

Por que motivo o calendário solar dava tanta importância à quarta-feira? Porque, segundo o Génesis, quando Deus criou o mundo, foi no quarto dia, ou seja, na quarta-feira, que fez o Sol, a Lua e as estrelas – os astros que regem o calendário. Por isso, é a partir de quarta-feira que se deve começar a contar o curso do tempo. Este calendário parece ter sido utilizado pelos judeus nos primeiros tempos. De facto, alguns livros do Antigo Testamento, como o Pentateuco ou Ezequiel, mostram que certas datas, certos dados cronológicos, a festa da Páscoa (sempre à quarta-feira) e outras celebrações, se regiam por este calendário solar.

A alteração no calendário

No séc. II a.C., introduziu-se uma alteração no calendário. Por influência da cultura grega, os chefes israelitas adotaram o chamado calendário “lunar”, baseado nas fases da Lua. Este calendário tinha a vantagem de todos os meses começarem com a lua nova, o qual permitia que as festas religiosas pudes-

sem ser celebradas segundo as fases da Lua. Assim, por exemplo, a Páscoa coincidia com a Lua cheia. Mas também tinha uma desvantagem: as festas já não coincidiam sempre com a quarta-feira, podendo cair em qualquer dia da semana. Devido à praticidade desta nova maneira de contar o tempo, e por ser o que estava em uso internacionalmente, a pouco e pouco este calendário foi-se impondo na Palestina. Mas nem todos o aceitaram. Os círculos sacerdotais (que escreveram as tradições antigas dos Patriarcas no Pentateuco) preferiram continuar com o solar, sobretudo na liturgia. Também alguns grupos judaicos mais conservadores, e os estratos mais populares, mantiveram o calendário antigo. Sabemos, por exemplo, que um setor dos judeus (os essénios de Qumrân) se negou a aceitar o novo cômputo, considerando-o uma alteração à Lei de Moisés. Por isso, os livros referidos (o Livro dos Jubileus e o Livro de Henoc) mandavam manter o calendário primitivo. O mesmo se lê noutra obra, chamada Manual de Disciplina, também encontrada em Qumrân, que diz: «Que não se saia nem um passo fora do que a Palavra de Deus diz dos seus tempos. Que não se avancem as suas datas nem se atrase nenhuma das suas festas.»

Os dois tinham razão

Ao que parece, pois, no tempo de Jesus estavam em vigor os dois calendários: o solar (mais antigo) nos estratos mais populares, no qual a festa da Páscoa era sempre à quarta-feira (ou seja, na terça à noite); e o lunar, utilizado pelo sacerdócio oficial e as classes mais elevadas, no qual a festa da Páscoa podia cair em qualquer dia da semana. E, como dissemos, no ano da morte de Jesus caiu ao sábado, não na quarta-feira. Ora, supondo que Jesus com os seus discípulos celebrou a última ceia segundo o ca-

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lendário mais antigo (isto é, na terça à noite), dia em que o fazia também o povo mais simples, desaparecem as contradições dos Evangelhos. Pois, quando os Sinóticos dizem que Jesus celebrou a ceia “no mesmo dia da Páscoa”, referem-se ao calendário antigo; e quando São João diz que ceou “antes da Páscoa”, alude ao calendário oficial.

Impossível haver tempo para tudo

Supondo, pois, que Jesus celebrou a última ceia na terça à noite, e que essa mesma noite foi apressado pelas autoridades, solucionam-se também outras dificuldades, indicadas pelos estudiosos. Uma delas é a quantidade de episódios vividos por Jesus em tão poucas horas. Porque, se, como tradicionalmente pensámos, a última ceia foi na quinta-feira e a crucifixão na sexta, temos apenas 15 horas para colocar todos os acontecimentos da paixão de Jesus, que são muitos. De facto, depois da sua prisão no jardim do Getsémani, Jesus foi levado a casa de Anás, o ex Sumo-Sacerdote, onde teve lugar o primeiro interrogatório (Jo 18,12). Depois, foiconduzido a casa de Caifás, sumo-sacerdote de turno (Jo 18,14). Ali, esperaram que reunisse o Sinédrio, supremo tribunal de justiça dos judeus, integrado pelos sumo-sacerdotes, os anciãos e os escribas (Mc 14,53). Durante a sessão, tentaram arranjar testemunhas falsas para acusar Jesus; mas tornou-se difícil, pois as que encontravam não se punham de acordo (Mc 14,55-59). A seguir, humilharamno com golpes, cuspiram-lhe e fizeram chacota dele (Mc 14,65). Ao amanhecer, o Sinédrio reuniu-se pela segunda vez com os seus 71 membros (Mc 15,1) e decidiram condená-lo à morte.

O longo processo romano

Mas, as coisas não terminaram aí. Depois do processo religioso, levaram Jesus diante

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A nova distribuição

Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610), Beijo de Judas e prisão de Jesus no Horto de Getsémani.

de Pilatos, o governador civil (Lc 23,1). A sessão deve ter durado bastante. Houve, primeiramente, uma reunião dos judeus com o Prefeito romano, em que lhe apresentaram as acusações. Seguiu-se o interrogatório privado a Jesus, com a posterior declaração de inocência feita por Pilatos, e novas e repetidas acusações por parte dos judeus. Pilatos, para se desembaraçar do acusado, que julgava inocente, decidiu remetê-lo para Herodes Antipas, governador da Galileia, uma vez que Jesus, por ser galileu, pertencia à sua jurisdição (Lc 23,7). Também este encontro dever ter sido demorado, pois o Evangelho afirma que Herodes lhe fez muitas perguntas (Lc 23,9). Finalmente, devolveu-o outra vez a Pilatos (Lc 23,11). Então, o governador voltou a reunir os sumo-sacerdotes, os magistrados e todo o povo. Depois de falar outra vez com Jesus, decide submeter à opinião popular a sua libertação ou a de Barrabás. Perante a insistência das pessoas, Pilatos aceita soltar Barrabás (Mt 27,11-25). Seguiu-se o rito da flagelação, a coroação de espinhos, as últimas tentativas de Pilatos para libertar Jesus e, finalmente, a sentença de morte e a lenta caminhada até ao Calvário (Mt 27,27-31). E tudo isto, entre a noite de quinta-feira e o meio-dia de sexta!

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É impossível colocar todos estes passos em tão breve tempo. Porém, com a nova data da última ceia, tudo poder ser distribuído muito melhor, do modo seguinte: Terça: à noite, Jesus celebra a Páscoa. A seguir vai orar no monte das Oliveiras, onde é preso e levado perante o sumo-sacerdote. Quarta: de manhã, tem lugar a primeira sessão do Sinédrio, que ouve as testemunhas. Jesus passa a noite na prisão dos judeus. Quinta: de manhã, o Sinédrio delibera pela segunda vez e condena Jesus à morte. É levado imediatamente diante de Pilatos, que o interroga e o envia a Herodes. Jesus passa essa noite na prisão dos romanos. Sexta: de manhã, Pilatos recebe Jesus pela segunda vez. Manda-o flagelar e coroar de espinhos, pronuncia a sentença e entrega-o para ser crucificado. Às três da tarde, Jesus morre na cruz.

Um julgamento segundo a Lei

Há uma terceira vantagem, que favorece a nova hipótese da última ceia de Jesus na terça-feira. Fundamentando-nos na Mishná, (o livro sagrado dos judeus, que recolhe a legislação complementar do Antigo Testamento), mantendo a tradicional data da ceia, no julgamento de Jesus teriam sido violadas uma série de leis. Vejamos.

A legislação judaica ordenava que todo o julgamento fosse feito de dia. Se a ceia de Jesus fosse na quinta, devíamos supor que o Sinédrio reuniu imediatamente a seguir, e portanto de noite, o qual teria sido ilegal. Por outro lado, é improvável que os membros do Sinédrio e as testemunhas estivessem reunidos a essa hora para deliberar, sem ter a certeza de que Jesus seria preso. Mas, se a ceia foi na terça-feira à noite, podemos supor que as sessões tiveram lugar na manhã de quarta e na quinta.

Além disso, sabemos, pela Mishná, que era proibido condenar à morte um réu na véspera do sábado ou de festa. Se seguirmos o cômputo tradicional, Jesus teria sido condenado à morte pelo Sinédrio na sexta de manhã, véspera do sábado e da festa da Páscoa. Mas, com a nova teoria, Jesus seria condenado à morte na quinta de manhã, quando ainda faltava um dia e meio para a Páscoa e o sábado. A Lei judaica também ordenava que não se condenasse ninguém à morte dentro das 24 horas em que tinha sido preso, para evitar que os ânimos ainda exacerbados pesassem na decisão. Ora, segundo a cronologia breve, Jesus seria condenado à morte poucas horas depois de ser preso; ao contrário, com a cronologia longa, seria preso na terça-feira à noite e condenado na quinta de manhã, no prazo estipulado pela lei. Dado o respeito reverencial que os judeus tinham pelas suas normas, é improvável que, no processo de Jesus, fossem transgredidas de um modo tão grosseiro as leis que, eles mesmos, procuravam defender.

O silêncio dos dias

Outros pequenos detalhes também ficam mais claros, se aceitarmos que a última ceia

de Jesus teve lugar na terça-feira e que Ele morreu na sexta. Por exemplo, os Evangelhos narram passo a passo os últimos dias de Jesus até terça à noite. Mas, de quarta e quinta não dizem uma única palavra. Este misterioso silêncio levou a pensar que Jesus teria passado esses dias em privado com os seus discípulos. Agora, sabemos que esteve preso, como parte do longo processo da sua paixão.

Apoiado pela tradição

Finalmente, uma boa confirmação destahipótese da última ceia, encontramo-la no testemunho da Igreja primitiva. Assim, uma obra do século III, chamada Didascália dos Apóstolos, informa: «Depois de ter comido a Páscoa na terça à tarde, nós [os apóstolos] fomos ao monte das Oliveiras, e de noite prenderam o Senhor. No dia seguinte, que é a quarta-feira, Ele ficou guardado na casa do sumo-sacerdote» (5,14). Também Victorino de Pettau, bispo de Estíria, morto cerca de 304, deixou um escrito onde diz: «Cristo foi preso no quarto dia [terça à tarde, quarta para os judeus]. Pela sua detenção, jejuamos na quarta-feira. Pela sua Paixão, jejuamos na sexta.»

Situar a última ceia de Jesus com os apóstolos na terça-feira, resolve todos os problemas relativos ao tempo da sua prisão, à legalidade dos vários julgamentos por que passou, segundo os Evangelhos, e à data da sua morte.


ESCOLA DA PALAVRA

A BÍBLIA RESPONDE

Leituras bíblicas de abril e maio

Já a Didaké, um livro do século I, conhecia esta tradição, e recomendava: «Vós, jejuai na quarta e na sexta» (VIII, 1). Outro bispo, Epifânio de Salamina, em Chipre, que morreu no ano 403, escreveu: «Quando começava a quarta [terça à noite] o Senhor foi preso, e na sexta, crucificado.» Finalmente, o apócrifo Vida e Paixão de Cristo, atribuído ao bispo Cirilo de Jerusalém, escrito em copta por volta do ano 800 e descoberto no Egito em 1910, afirma que a ceia e a prisão tiveram lugar terça à noite. Há, pois, um antiquíssimo costume, já do século I, que parece apoiar a hipótese da ceia pascal na terça à tarde.

Fiel até ao fim

A Igreja, seguindo o Evangelho de São João, sempre recordou como dia da última ceia a Quinta-Feira Santa. Com a nova hipótese da terça, deveríamos alterar a liturgia da Semana Santa? Claro que não. A liturgia, na Igreja, tem uma finalidade pedagógica, e não histórica. Assim como celebramos o nasci-

O que convém ter em conta, é que a paixão de Jesus foi muito mais longa do que geralmente pensamos. Não durou apenas umas poucas horas, mas vários dias.

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mento de Jesus a 25 de dezembro, embora saibamos que essa data não é historicamente certa, podemos continuar a celebrar a última ceia na quinta-feira, pois da celebração pretende-se obter um proveito espiritual. Mas, o que convém ter em conta, é que a paixão de Jesus foi muito mais longa do que geralmente pensamos. Não durou apenas umas poucas horas, mas vários dias. Isso confirma que a sua morte não foi o desenlace abrupto de uma turba exaltada e irracional, que num breve lapso de tempo decidiu o seu fim, mas a resolução premeditada e consentida das autoridades judaicas, das autoridades romanas e de todo o povo. Deste modo, a paixão de Jesus reveste-se de contornos muito mais dramáticos e pavorosos do que estávamos habituados a meditar. Mas aparece também com maior clareza a sua firme vontade de seguir até ao fim, apesar dos penosos quatro dias de tormento em que procuraram quebrar a sua resistência. Jesus não foi fiel apenas durante algumas horas, mas todo o tempo que durou a sua paixão. Por isso, nós, os seus discípulos, também não devemos contentar-nos em ser fiéis num breve tempo, mas em todo o tempo da luta que a vida nos impõe. Tradução LOPES MORGADO

TEMPO PAS CAL 05 de Abril DOMINGO DE PÁSCOA DA RESSURREIÇÃO DO SENHOR 1ª: At 10,34.a37-43. Salmo 118,1-2.16ab-17.22-23. R/ Este é o dia que o Senhor fez: exultemos e cantemos de alegria. 2ª: cl 3,1-4; ou: 1 cor 5,6b-8. Evangelho: Jo 20,1-9. Semana I do Saltério.

12 de Abril II DOMINGO DA PÁSCOA

1ª: At 4,32-35. Salmo 118,2-4.16ab-18.22-24. R/ Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom, porque é eterna a sua misericórdia. 2ª: 1 Jo 5,1-6. Evangelho: Jo 20,19-31. Semana II do Saltério.

26 de Abril IV DOMINGO DA PÁSCOA

1ª: At 4,8-12. Salmo 118,1 e 8-9.21-23. 26 e 28cd e 29. R/ A pedra que os construtores rejeitaram tornou-sepedraangular. 2ª: 1 Jo 3,1-2. Evangelho: Jo 10,11-18. Semana IV do Saltério.

03 de Maio V DOMINGO DA PÁSCOA

LEITURAS: 1ª: At 9,26-31. Salmo 22,26b-27.28.30. 3132. R/ Eu Vos louvo, Senhor, no meio da multidão. 2ª: 1 Jo 3,18-24. Evangelho: Jo 15,1-8. Semana I do Saltério.

10 de Maio VI DOMINGO DA PÁSCOA

LEITURAS: 1ª: At 10,2526.34-35.44-48. Salmo 98, 1.2-3ab.3cd-4. R/ O Senhor manifestou a salvação a todos os povos. 2ª: 1 Jo 4,710; ou: 1 Jo 4,11-16. Evangelho: Jo 15,9-17; ou: Jo 17,11b-19. Semana II do Saltério.

17 de Maio

vii domingo dA páscoA

ASCENSÃO DO SENHOR

LEITURAS: 1ª: At 1,1-11. Salmo 47,2-3.6-7.8-9. R/ Ergue-Se Deus, o Senhor, em júbilo e ao som da trombeta. 2ª: Ef 1,17-23 ou Ef 4,1-13. Evangelho: mc 16, 15-20. Semana III do Saltério 24 de Maio DOMINGO PENTECOSTES 1ª: At 2,1-11. Salmo 104,1ab +24ac.29bc-30.31 e 34. R/ Mandai, Senhor, o vosso Espírito e renovai a terra. 2ª: 1 cor 12,3b-7.12-13; Gl 5,16-25. Evangelho: Jo 20,19-23 ou gl 5,16-25. Semana IV do Saltério 31 de Maio SANTÍSSIMA TRINDADE

1ª: dt 4,32-34.39-40. Salmo 33,4-6.9.18-20.22. R/ Feliz o povo, que o Senhor escolheu para sua herança. 2ª: Rm 8,14-17. Evangelho: mt 28,16-20. Semana I do Saltério.

19 de Abril III DOMINGO DA PÁSCOA

1ª: At 3,13-15.17-19. Salmo sl 5,2.4.7.9. R/ Fazei brilhar sobre nós, Senhor, a luz do vosso rosto. 2ª: 1 Jo 2,1-5a. Evangelho: Lc 24,35-48. Semana III do Saltério

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TERRA SANTA

Daqui subiu Cristo ao céu Frei rosário Pierri, ofm

Estudo Bíblico Franciscano de Jerusalém *

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alar do Monte das Oliveiras é como falar de Jerusalém. Tanto em relação às coisas positivas, como às negativas, a história da Cidade Santa cruza-se com a do Monte das Oliveiras, donde a observaram e conquistaram os diferentes invasores. Os dois lugares estão separados pela torrente do Cédron. Toda a zo-

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na, não excessivamente ampla, é um dos aglomerados com mais história desde a idade do Ferro até aos nossos dias. Para gozarem de uma vista incomparável de Jerusalém, os guias turísticos aconselham a subir ao alto do Monte e contemplar dali a cidade em todo o seu esplendor, sobretudo nas horas matinais quando o

sol a ilumina sem incomodar a visão de quem a contempla. Quem pretender chegar ao alto a pé, pode começar a subida partindo da Basílica de Getsémani e jardim das Oliveiras e encontrará, poucos metros mais acima, o mosteiro de Stª Maria Madalena, de monjas russas ortodoxas, para chegar, depois de franquear o cemité-

rio judaico, ao Dominus Flevit, que nos recorda a lamentação e as lágrimas de Jesus sobre a cidade deicida. Continuando a ascensão, e poucos metros mais acima, uma placa à direita da subida indica-nos o lugar denominado Túmulo dos Profetas, para atingir, finalmente, o cimo do Monte com um miradouro sobre o Ophel, a Esplanada do Templo, o Pináculo, as duas mesquitas da Esplanada (a De Omar e a de el Aksa), os diferentes bairros da Cidade Velha em cujo centro se encontra o Stº Sepulcro e; já fora das muralhas, o Monte Sião com o Stº Cenáculo, e a basílica da Dormi-

1 – Horto de getsémani (Jardim das oliveiras). 2 – Basílica de Todas as nações (pormenor abaixo). 3 – mosteiro de stª maria madalena (de monjas russas ortodoxas). 4 – santuário “dominus Flevit” (o senhor chorou). 5 – cemitério judaico no vale de Josafat.

STaniSLao LEE

O Monte das Oliveiras é, na realidade, uma pequena cadeia montanhosa cuja altura mais destacada é a do Monte Scopus. Tanto no Antigo como no Novo Testamento, tem uma importância especial: é o lugar da visão de Ezequiel e da Paixão de Cristo. Foi aqui que Jesus chorou sobre Jerusalém e passou a noite antes de ser preso, e onde também se encontra o lugar donde os discípulos o viram subir aos céus.

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TERRA SANTA

cAPelA do “doMInuS FleVIt”. Com desenho do arquiteto Barluzzi situase a meia altura do Monte das Oliveiras. Aqui, Jesus chorou por Jerusalém.

ção de Maria, confiada aos Beneditinos. «Ultrapassados os degraus da gloriosa subida, beijarei o Monte dos Oliveiras, donde Cristo subiu aos céus. Depois de ter louvado quanto me for possível a imensa profundidade da divina sabedoria, com que me salvou, dirigir-me-ei pressurosamente para ali. Onde iniciava veneráveis companheiros nos mistérios, iluminando recônditos abismos, que eu possa recolher-me. Pela porta majestosa, junto aos seus degraus, possa contemplar a beleza da cidade santa que se estende para ocidente. Que doce é contemplar o teu esplendor do Monte das Oliveiras, cidade de Deus!» (Anacr. XIX, 1-18). É o Patriarca de Jerusalém, Sofrónio (635), quem sintetiza neste hino os sentimentos de

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tantos peregrinos de ontem e de hoje. O que denominamos habitualmente Monte das Oliveiras é uma pequena cadeia montanhosa com três elevações. A primeira, para o norte, chamada Monte Scopus Ophel, é a mais alta e nela está implantada atualmente a universidade hebraica; a segunda em altura, no setor central, está ocupada atualmente pelo hospital Augusta Vitória, enquanto que na terceira e última, no setor sul, se encontra o lugar da Ascensão e uma povoação denominada Et-Tur, descendo gradualmente em direção a outros dois povoados: Ras-el-Amud e Silwan. O Monte das Oliveiras é mencionado várias vezes no Antigo Testamento. A primei-

ra vez, serve de fundo ao relato em que David, fugindo de seu filho Absalão rebelado contra ele, «subia o monte chorando, com a cabeça coberta e os pés descalços». Sobe para chegar ao lugar onde frequentemente se dava culto a Deus (2 Sm 15,30-32). Provavelmente foi este o motivo que levou Salomão a construir um «lugar alto» (lugar sagrado) dedicado a divindades pagãs (1 Rs 11,7). Referimo-nos ao Monte do Escândalo, a parte do Monte das Oliveiras em frente da cidade de David (O Ofel) e em cujo sopé se estendeu ultimamente a povoação de Silwan. O profeta Ezequiel, na sua visão do fim dos tempos, vê a glória do Senhor erguer-se e parar «sobre o monte que se encontra em frente da cidade» (Ez 11,23). Na representação do combate que levará à afirmação do monoteísmo, o profeta Zacarias diz que, «naquele dia, os seus pés [do Senhor] pousarão sobre o monte das Oliveiras, que está em frente de Jerusalém, ao oriente. O Monte das Oliveiras dividir-se-á em dois pelo meio, de oriente para ocidente» (Zc 14,4). No período do segundo templo, era queimada uma vaca com a pele de cor vermelha, e as suas cinzas eram destinadas à preparação da água lustral, sob as ordens do Sinédrio, e sobre o monte da Unção (outro nome de tradição hebraica dado ao monte das Oliveiras) acendiam fogueiras para indicar a chegada da Lua Nova.

edÍculA dA AScenSÃo. Segundo a tradição, deste lugar Jesus subiu ao céu, 40 dias depois de ressuscitar. Aqui, celebração da Festa pelos cristãos.

Em relação à tradição judaica, a cristã situa-se um pouco mais ao norte, querendo assim respeitar o itinerário de Jesus, que ligava a cidade de Jericó com a de Jerusalém e o Monte, meta de peregrinações. É a parte que, desde há séculos, os peregrinos cristãos visi-

taram, ilustraram e chamaram Monte das Oliveiras. São precisamente os evangelhos que nos recordam como Jesus com os seus discípulos se recolhiam ali habitualmente. Foi aqui que Jesus chorou sobre a cidade de Jerusalém, preanunciando a sua destrui-

ção e na encosta deste monte passou a sua noite de agonia antes de ser preso; e foi aqui, também, que os discípulos testemunharam a sua Ascensão aos céus, após a sua ressurreição, voltando em seguida para Jerusalém (At 1,9-12). Além destas memórias, há outras

1 – Mesquita de el aksa; 2 – Mesquita de omar; 3 – Santo Sepulcro; 4 – Esplanada do Templo; 5 – Cemitério judaico (pormenor).

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tÚMulo de zAcArIAS. É uma sepultura rupestre no vale do Cédron, junto ao Monte das Oliveiras. Data do século II depois de Cristo.

que a tradição cristã recorda como ocorridas neste Monte. Ei-las: na vertente ocidental, a que dá para o vale do Cédron, temos o Túmulo da Virgem e a Basílica da Agonia, em Getsémani; algo mais acima, o Dominus Flevit e, subindo mais para o alto, a igreja do Pater Noster e a edícula da Ascensão. Na vertente oriental que olha para Jericó, estão situadas as duas aldeias de Betfagé e Betânia. No cimo do monte, não longe do lugar da Ascensão, um grande recinto amuralhado encerra um jardim, o “Viri galilei”, com uma capela denominada da Palma que recorda o momento em que o arcanjo Gabriel anunciou a Maria o seu trânsito para a glória do Pai. Todas estas recordações explicam a multiplicação de igrejas e mosteiros no dito Monte, já desde o período constantiniano. A invasão persa arrasou todas as recordações bizantinas, embora não conseguisse apagar e memória das antigas tradições. Com os cruzados, muitos daqueles edifí-

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cios antigos foram restaurados e destinados ao culto; mas, uma vez mais, porpouco tempo: com a presença muçulmana ininterrupta depois da partida dos cruzados,tudo voltou a sofrer os mesmos destroços do período da invasão persa. O novos dominadores permitiram aos judeus voltar para Jerusalém e retomar as peregrinações. Mas, a partir do século VIII, quando não se lhes permitiu entrar na explanada do templo, o Monte dos Oliveiras tornou-se para eles um ponto de referência essencial. Por ocasião da festa de Hoshaná Rabbá, giravam sete vezes à volta do Monte, entre cânticos e orações. Era o momento em que se anunciava a lua nova, a festividade e o intercalar dos anos. Segundo uma reconstrução feita com base nalguns escritos, o lugar de reunião e de oração seria no flanco ocidental do Monte e precisamente na área hoje ocupada pelo cemitério judaico. No sopé do Monte existem túmulos monumentais escava-

* Revista “Tierra Santa” / Jerusalém

Tradução LOPES MORGADO

DOSSIÊ

dos na rocha. O mais vistoso é o denominado de Absalão. Segue-se o de Josafat, e outro dedicado à família sacerdotal dos Hezir, que a tradição cristã conhece como a de Santiago o Menor e o túmulo de Zacarias. Mais ao sul, já dentro da aldeia de Silwan, separados dos anteriores, ficam os túmulos chamados dos superintendentes do palácio, o denominado da filha do Faraó e o de Isaías. Na tradição cristã, o Monte das Oliveiras ocupa, naturalmente, um lugar importante. Não há peregrino do passado que não falasse ou descrevesse, não apenas os lugares, mas também as liturgias que se celebravam em cada lugar sacro. Trata-se de personagens citados nos melhores guias da Terra Santa, como Egéria (395), Pedro Ibérico (500), O Anónimo Placentino (570), Arculfo (670) e muitos outros que não citamos para ser breves. Atualmente, os peregrinos cristãos visitam os diferentes Santuários do Monte, rezam ali e leem os textos bíblicos relativos a cada lugar sagrado, ignorando as disputas quanto ao cuidado dos mesmos e ao destino político do Monte sagrado, cujo futuro incerto, seja qual for, nunca será capaz de apagar a marca religiosa que nele foi impregnada desde há muitos séculos.

A MENORIDADE: uma opção de Deus O Papa Francisco, sendo de formação jesuíta, tem insistido bastante no espírito de menoridade e pobreza, e na opção pelos excluídos e marginados. O Cristo apresentado por São Marcos também surge na linha do anónimo Servo de Javé, anunciado e caraterizado por Isaías nos quatro “Cânticos do Servo”: 42,1-9; 49,1-6; 50,4-9; 52,13-15. A vida consagrada, que este ano celebramos para agradecer, viver e esperar, também vai beber à kenose da Encarnação e da Paixão de Jesus. Daí este caderno central sobre a Menoridade à luz da Bíblia e as suas incidências na espiritualidade, nomeadamente na franciscana.

domingo Montero, ofmcap / biblista, diretor da revista “Evangelio y Vida”

Um conceito estranho

Há que reconhecer que o conceito e o termo “menoridade” não são muito habituais na reflexão religiosa. Ao preparar o tema, a primeira coisa que fiz foi ir à procura de fontes. Consultei o Dicionário da Vida Religiosa, e a minha deceção foi enorme: essa entrada não estava regis-

tada. Recompus-me logo, e até me reconfortei, ao pensar que tal silêncio se devia ao facto de ser um conceito e termo especificamente franciscano. Mas a deceção converteu-se em assombro, quando notei idêntica ausência no Dicionário Franciscano. É certo que o silêncio deste foi superado na segunda edição, com um artigo de JULIO MICÓ. Em todo o caso, me-

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noridade é um conceito que “se nutre”, “germina” e “floresce” em atitudes de humildade, pobreza, gratuidade, solidariedade... Aspetos que estão muito bem estudados. Apesar disso, julgo que a menoridade deve alcançar a sua “autonomia” e“ maioridade” na reflexão da teologia espiritual.

Menoridade

Um conceito difícil

Paradoxalmente, só a partir do conceito de maioridade é possível abordar o tema da menoridade, evitando derivações e desvios para a sua manipulação e tergiversação. Pois às vezes, com o apelo à menoridade está a publicitar-se a “submissão” acrítica das pessoas e das instituições. A menoridade não altera, não nega nem ignora a realidade: reconhece-a e valoriza-a. É profundamente crítica e autocrítica. Não é encolhimento do espírito, mas gratidão; não é auto-humilhação, mas proclamação do bem recebido. Não está sediada na exterioridade, mas no coração (Mt 11,29). E, a partir de um coração assim – manso e humilde, menor –, pode-se proclamar sem rubor, e aos quatro

“A menoridade, contra o que

poderia parecer, não é um conceito menor; é o marco e o tom “estrutural” que Deus assumiu para se revelar na história. Foi a sua opção. Daí que seja da contemplação de Deus que deve partir qualquer consideração “religiosa” sobre a menoridade. Antes de ser comportamento, a menoridade é auto-consciência face à realidade. Menor é quem se entende e vive como dom e se realiza na gratuidade.

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ventos, a obra que Deus faz em cada pessoa (Lc 1,46ss) e denunciar as resistências aos seus projetos. Antes de ser comportamento, a menoridade é auto-consciência face à realidade. Menor é quem se entende e vive como dom e se realiza na gratuidade. De facto, implica uma cosmovisão nova, na qual as pessoas, a natureza e os valores são percebidos a partir da gratuidade, do serviço..., de baixo e com os de baixo. A menoridade é outro nome da primeira bem-aventurança proclamada por Jesus – a dos pobres em espírito – (Mt 5,3), e ficam-lhe muito bem os rasgos com que Paulo descreve a caridade: «Paciente, serviçal, não invejosa nem jactanciosa...; alegra-se com a verdade. Tudo desculpa, tudo suporta» (1 Cor 13,4-7). Ser menor não é não ser, mas ser, com entidade específica. Uma entidade que me proponho iluminar com alguns textos tomados da Sagrada Escritura, reconhecendo de antemão que não pretendem ser exaustivos, e muito menos exclusivos; apenas indicativos.

Um conceito fundamental

A menoridade, contra o que poderia parecer, não é um conceito menor; é o marco e o tom “estrutural” que Deus assumiu para se revelar na história. Foi a sua opção. Daí que seja da contemplação de Deus que deve partir qualquer consideração “religiosa” sobre a menoridade. A «experiência» de Deus é determinante na vida. Na história da Igreja, isto é uma realidade evidente: a “espiritualidade” reinante traduz-se no “estilo” de vida imperante, dominante. Assim, o Deus omnipotente propicia uma sacralização do poder temporal; o Deus omnisciente serve de justificação para a pretensão de infalibilidade; o Deus eterno gera a imutabilidade jerárquica; o Deus transcendente, a distância reverente...

UM DEUS “MENOR”

E o Deus “menor”? O Deus “menor” é um Deus “urgente” (Fl 2,5; 2 Cor 5,14); um Deus abaixado, mas não rebaixado; um Deus gratuito, mas não desvalorizado; um Deus pobre, mas não um pobre Deus; um Deus humilde, mas não secundário... Já no AT podemos descobrir rasgos reveladores desta “dimensão” de Deus. É significativa a sua opção pelo filho menor: Jacob e David: um para canalizar a promessa (Gn 27), outro para organizar o estado (1 Sm 16); pelas situações perdidas ou de esterilidade: Sara (Gn 17) e Ana (1 Sm 1)... É certo que no AT existem formulações de um “Deus maior” (guerreiro, vencedor...). Julgo que uma leitura lúcida dos textos deve levar a estabelecer uma distinção clara entre o “Deus herdado” (o deus da religião, «os deuses que habitavam no outro lado do Rio» (Js 24,2) e o “Deus revelado” (o Deus da fé). Este luta por abrir passagem, nem sempre com facilidade e êxito, nos esquemas religiosos de Israel. Basta constatar a função “demolidora” dos profetas a respeito dos falsos rostos de Deus criados pelo povo. Também o é a eleição de um povo insignificante (Dt 7,7-8) e a sua preferência pelos Deus elegeu «o que não tem valor, para confundir o que tem valor...» (1 Cor 1,26-31)

DOSSIÊ

MENORIDADE: UMA OPÇÃO DE DEUS

“’anawin”, até ao ponto de se identificar com a sua causa (Pr 14,31; 19,17) e se tornar o seu mais fervoroso defensor (Pr 22, 22s). Não deixa de ser sugestiva a diferença entre os ídolos, que «têm boca, mas não falam; têm olhos, mas não veem; têm ouvidos, mas não ouvem; e nariz, mas não cheiram; têm mãos, mas não apalpam; e pés, mas não andam» (Sl 115,5-7), e Javé, que «vê» e «ouve» (Ex 3,7), «fala» (Ex 20,1), «cheira» (Is 1,13) e «caminha» (Ex 13,21; Dt 1,32-33), sempre implicado a favor de situações e pessoas “feridas” e “vulneráveis”. Mais tarde, São Paulo dirá que Deus elegeu «o que não tem valor, para confundir o que tem valor...» (1 Cor 1,26-31). E não deixa de ser eloquente, a propósito, a imagem do Deus oleiro (Gn 2,7ss), do Deus abandonado, burlado (Os 2,4ss; 11,1ss; Jr 2,11-13) e até questionado (Is 49,14; 50,2) pela sua “menoridade” (Ez 18,29) Deus gosta de trabalhar, fazer as suas melhores obras com material frágil. «Formou o homem do pó da terra…» (Gn 2,7). A eleição

“Deus gosta de trabalhar, fazer as

suas melhores obras com material frágil. «Formou o homem do pó da terra…» A eleição de Israel como “seu” povo, não se deveu à sua qualidade ética ou numérica; foi por puro amor. E «quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob o domínio da Lei», o qual, «esvaziou-se a si mesmo, / tomando a condição de servo» e «sendo rico, se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza».

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Menoridade

DOSSIÊ

MENORIDADE: UMA OPÇÃO DE DEUS de Israel como “seu” povo, não se deveu à sua qualidade ética ou numérica (Dt 9,4.6); foi por puro amor (Dt, 7,7-8). E «quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob o domínio da Lei» (Gl 4,4), o qual, «esvaziou-se a si mesmo, / tomando a condição de servo» (Fl 2,7) e «sendo rico, se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza» (2 Cor 8,9). Sim, «Deus escolheu o que há de fraco no mundo» (1 Cor 1,27; Tg 2,5). O próprio Jesus congratulou-se e felicitou o Pai por essa opção: «Bendigo-Te, ó Pai, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos entendidos e as revelaste aos pequeninos» (Mt 11,25). Maria engrandece ao Senhor, «porque pôs os olhos na humildade da sua serva» (Lc 1,46-48); e Paulo: «prefiro gloriar-me nas minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo» (2 Cor 12,9). Os testemunhos bíblicos poderiam multiplicar-se. A opção de Deus e o seu estilo estão claros. Opção e estilo que, frequentemente, contrastam com os nossos. A debilidade, própria e alheia, desestabiliza-nos e angustia-nos. Avaliamos e sobreva-

“Desta apresentação sumária

emergem duas constatações fundamentais: Deus assume a causa dos “menores”, não pelos méritos destes, mas por decisão livre de Deus; e assim, os “menores” tornam-se paradigma, cânon, do verdadeiro crente. O «pobre do SENHOR» é o humilhado, o humilde, o pobre e indigente, o que depositou a sua confiança no Senhor; mas é, também, uma figura carregada de protagonismo salvífico e crítico face a uma sociedade degradada.

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lorizamos os nossos haveres e saberes (Sl 20, 8)... Pretendemos construir o Reino de Deus com “outros” materiais; pretendemos seguir Jesus com “outros” estilos e conteúdos... Custa-nos assumir a realidade; preferimos encobri-la ou ignorá-la com questionamentos equivocados, que não passam de fugas para a frente (melhor: para nenhum lado, ou para o vazio). Temos de assumir o nosso barro, a nossa precariedade, com serenidadee gratidão: «Senhor…, nós somos a argila e Tu o oleiro. / Todos nós fomos moldados pelas tuas mãos» (Is 64,7); então perceberemos que «o Espírito vem em auxílio da nossa fraqueza» (Rm 8,26).

OS “MENORES” NO ANTIGO TESTAMENTO

Embora “menoridade” seja um termo alheio ao AT, a verdade que entranha não o é. Esta fica muito bem definida e visualizada na figura dos “anawim”, os “pobres de Javé”, cujo perfil aparece desenhado, sobretudo, nos chamados “salmos de lamentação individual” e cuja causa é reivindicada em não poucos textos proféticos. São os humildes e oprimidos, os que têm a sua confiança no Senhor, os justos, os piedosos e íntegros, os pacíficos..., e os pobres; embora haja que ter muito presente que no pensamento bíblico veterotestamentário o pobre é menos um indigente material do que um inferior, um pequeno, um marginalizado da oficialidade. O conceito de pobre/menor não é só, nem sobretudo, económico, mas social e religioso. Desta apresentação sumária emergem duas constatações fundamentais: Deus assume a causa dos “menores”, não pelos méritos destes, mas por decisão livre de Deus; e assim, os “menores” tornam-se paradigma, cânon, do verdadeiro crente.

• deus assume a sua causa. Deus cuida do

pobre e do desvalido (Sl 40, 18); «Ele é pai dos órfãos e defensor das viúvas» (Sl 68,6); «levanta-se para o julgamento, para salvar os humildes da terra» (Sl 76,10); «Ele levanta do pó o indigente/ e tira o pobre da miséria, / para o fazer sentar entre os grandes,/ entre os grandes do seu povo./ Ele dá família à mulher estéril/ e faz dela a mãe feliz de muitos filhos» (Sl 113,7-9). «O Senhor diz: “por causa da opressão dos humildes / e dos gemidos dos pobres,/ me levantarei e porei a salvo aquele que é desprezado”» (Sl 12,6), pois «os olhos do SENHOR estão voltados para os justos/ e os seus ouvidos estão atentos ao seu clamor» (Sl 34,16)... E tudo gratuitamente e por fidelidade a si mesmo. Os “anawim” sabem isto: «SENHOR, eu sei que defendes a causa do indigente/ e fazes justiça ao pobre» (Sl 140,13). «Eu sou pobre (´anî) e desvalido (`ebîon):/ Senhor, cuida de mim» (Sl 40, 18). Por isso, «que os humildes (os menores) saibam e se alegrem» (Sl 34,3); «por isso, hei de louvá-lo de todo o coração» (Sl 28,7) e «estou seguro e tranquilo,/ como criança saciada ao colo da mãe» (Sl 131,2).

• os “menores”, paradigma do verdadeiro crente. À medida que, obrigada ou impulsio-

nada pelas variantes históricas (particularmente o exílio babilónico), se foi “espiritualizando” a reflexão veterotestamentária sobre a identidade do verdadeiro crente, a figura do «pobre do SENHOR» foi adquirindo cada vez maior relevo como realidade prototípica, até chegar a definir a figura e a função do futuro messias (Sl 22; Is 52,13-54,12). Como já indicámos, o «pobre do SENHOR» é o humilhado (Is 57,15), o humilde (Sf 2,3), o pobre e indigente (Is 41,17), o que depositou a sua confiança no Senhor (Sl 28,1-3); mas é, também, uma figura carregada de protagonismo salvífico e crítico face a uma sociedade degradada (Sb 2-5). É uma figura “redimida” pelo Senhor, e uma figura “redentora” (por meio da qual o Senhor redime). Longe de encarnar uma espiritualidade “passiva”, revela-se dotada de um importante protagonismo (serviço), passando a tornar-se vocação e bem-aventurança (Mt 5,3ss).

Deus cuida do pobre e do desvalido; «Ele é pai dos órfãos e defensor das viúvas». E tudo gratuitamente e por fidelidade a si mesmo.

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MENORIDADE: UMA OPÇÃO DE DEUS

Menoridade

JESUS, “O MENOR”, REVELADOR DO DEUS “MENOR”

«A Deus, jamais alguém o viu. O Filho unigénito, que está no seio do Pai, foi Ele quem o deu a conhecer» (Jo 1,18). Uma expressão tão radical deita por terra pretensas visões de Deus e obriga a dirigir a atenção e o olhar para o único narrador credenciado, Jesus, o revelador de Deus e o Deus revelado. E como se revela Deus em Jesus? E como nos revela Jesus a Deus? Deus revela-se em Jesus, e Jesus revela-nos Deus como “menor”, em atitude de serviço, de kenose. É na Encarnação que a menoridade de Deus atinge a sua máxima densidade e luminosidade: «Ele, que é de condição divina, ... esvaziou-se a si mesmo, tomando a condição de servo.» (Fl 2,6-7). «E o Verbo fez-se homem [isto é, fraqueza] e veio habitar connosco. E [ali] nós «vimos a sua glória» (Jo 1,14).

Quem estiver familiarizado com o mundo conceitual do Antigo Testamento perceberá imediatamente a audácia desta afirmação. A glória de Deus (kebod Yahvéh) designa a força, o poder, a majestade divina. E isso é o que brilha na «carne», porque «a força – também a de Deus – se manifesta na fraqueza» (2 Cor 12,9). Trata-se de uma revelação paradoxal: o poder na fraqueza revela-nos o poder da fraqueza. A encarnação é o fundamento mais sólido da esperança dos “menores”, a partir dos quais Deus, não apenas ouve o grito dos “menores” deste mundo (Ex 3,7), mas faz-se grito de “menor” (Heb 5,7), podendo dizer com propriedade: «Tive fome, tive sede, estive preso…» (Mt 25,35ss). Essa “menoridade” é um espaço teofânico, um lugar teológico, mas polémico...; por isso é tão difícil reconhecê-lo (Jo 1,11; Mt 25, 37ss).

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Na vida de Jesus manifesta-se o ser mais íntimo de Deus; porque Ele não é uma revelação de Deus, mas a revelação de Deus. O nosso Deus não é bifronte; não existe um Deus interno, que se perderia no mistério distante e inacessível, e um Deus externo, que nos foi manifestado em Jesus Cristo. Por isso, na “menoridade” de Jesus manifesta-se uma “menoridade” anterior, que vive no coração do Deus eterno. Manifesta-se e manifesta a Deus como “menor”, porque Deus é assim. Os testemunhos evangélicos acerca da condição “menorítica” de Jesus são abundantes:

1. O seu nascimento

O testemunho dos evangelhos é unânime: Jesus nasceu num ambiente configurado pela pobreza. Na pobreza de um país dominado. A Palestina era um território submetido por Roma; o seu nascimento em Belém situa-se no contexto de um censo ordenado pelo imperador César Augusto (Lc 2,1-6). Num espaço físico pobre, longe do seu lar, tendo por berço a manjedoura de animais, «porque não havia lugar para eles na pousada» (Lc 2,7). Segundo o evangelho de Mateus, já na sua mais tenra idade, Jesus conheceu a penúria do exílio político (2,13-1); e segundo o relato de Lucas, ao ser apresentado no Templo, o resgate pago por seus pais foi o equivalente à oferta dos pobres: «duas rolas ou duas pombas» (2,24). S. Paulo, doutra perspetiva, sublinhará esta “menoridade” do Filho de Deus no seu nascimento com estas palavras: «nascido sob o domínio da lei» (Gl 4,4). Jesus nasceu na “periferia”, à margem da oficialidade política, religiosa e social. Nascendo assim, desorientou a muitos e reorientou muitas coisas...

3. O seu ministério

2. A sua infância e vida oculta

Os evangelhos não contêm testemunhos explícitos sobre o tema que nos ocupa durante o que se conhece como “vida oculta em Nazaré”. Uma aldeia perdida, irrelevante e até suspeita (Jo 1,46). Por algumas indicações (Lc 4,22; Mc 6,1-4) podemos concluir que a sua vida decorreu “normalmente” como a de um trabalhador qualificado como “carpinteiro” (Mc 6,3). Ou seja, uma existência sem destaque social, anónima. Mas, assumindo essa normalidade do quotidiano, participou de uma das caraterísticas dos humildes e menores da terra. «O meio social de Jesus é o grupo mais extenso e heterogéneo pela sua composição da Palestina de então. Negativamente, pertencem a esta classe os excluídos do poder, os privados de riquezas e privilégios, os iletrados considerados sobretudo como ignorantes em matéria religiosa. Tudo isto vai normalmente acompanhado pela sua pobreza, embora haja ainda que distinguir, dentro do grupo, diferentes condições sociais. Mais positivamente, os membros desta classe encontram-se na base da pirâmide social, ligados a atividades produtivas precisas» (H. ECHEGARAy, La práctica de Jesús, p 145. Ed. Sígueme. Salamanca 1982).

♦ Jesus irrompe no que se convencionou em chamar a sua “vida pública” com um gesto profético de menoridade: o batismo no Jordão (Mc 1,9 e par.). João oferecia este sinal de conversão, que supunha a confissão dos pecados e a aceitação de novas atitudes (Lc 3,10-15), nas margens do Jordão, que é mais do que um rio: é a fronteira que marca a passagem da escravidão para a liberdade, um espaço penitencial e de libertação. Ali vai Jesus, «identificado como homem» (Fl 2,7), como um pecador – a máxima pobreza – entre os pecadores (Lc 3,21). Ele, sem pecado, não duvida em homologar-se com os pecadores, porque só se salva partilhando com os de baixo, e a partir de dentro, a condição humana. Não veio para fazer ostentação da sua condição divina (Fl 2,6), mas para estimular a conversão; por isso, antes de anunciá-la, realizou-a na sua vida. ♦ Na mesma linha está a relato das tentações (Mc 1,12ss). Jesus aparece como um ser vulnerável aos problemas da vida, que hão de configurar o seu destino num discernimento arriscado e não isento de dramatismo (Mc 14,32-36). Não deixa de ser significativo que todo o relato das tentações do deserto gire em torno do tema da modalidade e metodologia do projeto messiânico: em poder ou em “menoridade”. ♦ Os anos do seu ministério público decorrem num clima de “menoridade”, como quem serve (Lc 22,27), como o verdadeiro “servo” de Javé (Lc 4,16ss).

“Jesus nasceu na “periferia”, à

margem da oficialidade política, religiosa e social. Nascendo assim, desorientou a muitos e reorientou muitas coisas...

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Menoridade

Ali vai Jesus, «identificado como homem», como um pecador – a máxima pobreza – entre os pecadores. Ele, sem pecado... ♦ Neste contexto é necessário sublinhar a cena do lava-pés aos seus discípulos (Jo 13,1-20). Trata-se de um dos gestos mais profundos, significativos e reveladores de Jesus. E a sua pergunta – «Compreendeis o que vos fiz?» (Jo 13,12) – não perdeu atualidade. É uma cena que recapitula toda a existência de Cristo. Ao vir ao mundo, o Verbo de Deus tomou a condição de servo. O gesto do lava-pés simboliza o programa da vida de Jesus: resgatar o mundo desencaminhado, mediante a própria entrega. O gesto de uns instantes, resume toda a sua vida e faz pressentir a Eucaristia (que João omite neste passo, embora a deixe entrever) e o Calvário, onde Ele se entregará, “em proveito de todos”, “para remissão dos pecados” (as afinidades com a linguagem eucarística são evidentes). No atual relato joanino é costume distinguir-se duas versões, originalmente diferentes. Uma designada A (13,6-11), de tom cristológico-sotereológico, reservada a Cristo; e outra designada B (13,12-20), de tom eclesiológico-pastoral, programática para os discípulos. É interessante recordá-lo, mas não o é

Agindo deste modo, manifesta a força da fraqueza, ao mesmo tempo que denuncia a debilidade da força. O menor, o irrelevante, o quotidiano e profano é elevado à categoria de elemento revelador da Boa notícia.

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4. A sua Morte

Agindo deste modo, manifesta a força da fraqueza, ao mesmo tempo que denuncia a debilidade da força. No destacar o quotidiano e minúsculo face ao aparatoso e espetacular (Mt 12,38-42; Mc 8,11-12) reside um dos rasgos do ministério de Jesus, que veio para alumiar, não para deslumbrar a humanidade. O menor, o irrelevante, o quotidiano e profano é elevado à categoria de elemento revelador da Boa notícia.

A morte de Jesus é o expoente máximo da sua caminhada humana em menoridade e pobreza. Nela, experimenta o abandono de Deus (Mc 15,35), o abandono dos seus (Mc 14,50) e o abandono da legalidade vigente, tanto a judaica como a romana (Mc 14,53-15,32). Morre sem direitos reconhecidos, desnudado, com uma morte afrontosa – a crucifixão. E evita a infâmia de ser atirado para uma fossa comum pela intervenção, à última hora, de um amigo clandestino (Mc 15,42-47; Jo 19,38).

B) “Bem-aventurados os pobres”

Na sua pregação, Jesus também deixou formulado o seu pensamento a respeito dos menores e da menoridade. Como dizia mais acima, sem pretender ser exaustivo, num tema tão amplo, podem ser sublinhadas em jeito de referências iluminadoras: A) O elogio do “menor” B) “Bem-aventurados os pobres”

• As Bem-aventuranças

5. A sua Pregação

A) O elogio do “menor”

Jesus não se deixou obnubilar pelo grandioso e eficaz; assim, valoriza muito positivamente a oferta da viúva pobre (Mc 12, 41-44) ou o copo de água dado em seu nome (Mc 9,41); convida a nos abandonarmos à providência de Deus, animados pela solicitude que Ele manifesta pelos com os lírios do campo e as aves do céu (Mt 6,25-30); estimula a confiança dos seus discípulos com as parábolas do grão de mostarda (Mt 13,31-32) e do fermento (Mt 13,33); escolhe um jumentinho para montada messiânica (Mc 11,1-11)...

O elogio do “menor” culmina na opção de Jesus pelos “menores” da terra: publicanos, pecadores, enfermos, mulheres, crianças..., o que não conta, o débil, o marginal (1 Cor 1,27-28). É na proclamação das bemaventuranças (Mt 5,1-12; Lc 6,20-23), na bendição de Jesus ao Pai, por se ter revelado aos humildes (Mt 11,25) e na proposta do “menino” como modelo de acolhimento do Reino onde ressoam com maior nitidez a opção de Deus pelos pobres e menores deste mundo. Deixando de lado os problemas literários das duas versões oferecidas pelos evangelhos (Mt 5,1-12 e Lc 6,20-26), que nos advertem para o facto de nos encontrarmos perante a elaboração literária e teológica de um núcleo temático anterior que, sem dúvida, remonta a Jesus, centraremos a atenção na sua relevância histórica e teológica.

• As bem-aventuranças na pessoa e atividade de Jesus

A quem lê os evangelhos com atenção não se torna difícil perceber como as bem-aventuranças encabeçam e configuram a tarefa e o estilo de Jesus. Ele foi pobre (Mt 8,20), manso e humilde (Mt 11,29), teve fome e sede de justiça (Lc 4,16-20), chorou (Lc 19,41), foi

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menos sublinhar a opção do autor do quarto evangelho, ao apresentá-las profundamente unidas. No lava-pés há uma revelação (A) e uma lição (B).

misericordioso (Mt 9,13), construiu a paz (Ef 2,14; Jo 14,27), foi perseguido e morreu por causa do Reino de Deus. Alguns testemunhos podem servir para confirmar estas afirmações: Jesus na sinagoga de Nazaré (Lc 4,16-21), a resposta à delegação do Batista (Mt 11,2-6 e Lc 7,18-23) e a parábola do “juízo final” (Mt 25,31- 46) No primeiro (Lc 14,16-21) é fácil descobrir os destinatários do anúncio da Boa-Nova: os marginados e indigentes. O facto de Lucas situar este episódio no início da atividade pública de Jesus adverte-nos do caráter programático e central que lhe concede. Na resposta dada aos enviados por João Batista da prisão (Mt 11,2-6; Lc 7,18-23) inclui como prova da sua específica missão a opção em favor dos cegos, coxos, surdos... e pobres, aos quais é anunciada a Boa-Nova. Na parábola do “juízo final”(Mt 25,31-46) reaparecem como paradigmas da preocupação de Cristo os pobres, os famintos, os perseguidos..., chegando a verificar-se, neste caso, não só a opção em favor deles, mas a identificação com eles. Destes dados, e partindo das coincidências das releituras de Mateus e Lucas, é possível reconstruir o núcleo e o tom original das bem-aventuranças. «Bem-aventurados os pobres, porque deles é o Reino dos Céus. Bem-aventurados os que sofrem, porque serão consolados. Bem-aventurados os que têm fome e sede, porque serão saciados. Bem-aventurados quando os homens vos odiarem, vos ultrajarem e prescreverem o vosso nome como mau por causa do Filho do homem. Alegrai-vos e saltai de felicidade: a vossa recompensa será grande no céu. Assim perseguiram os profetas anteriores a vós.» O P. Dupont, autoridade relevante no estudo das bem-aventuranças, distingue clara-

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mente a quarta das outras três (pobres, aflitos e famintos). Defende que a catequese cristã deixou a sua marca na formulação da última bem-aventurança (in Les Béatitudes, Paris, 19692). Nela se estabelece explicitamente que os sofrimentos têm como causa a adesão a Cristo; já não se insiste na proclamação do Reino de Deus em favor dos pobres, aflitos e indigentes, mas na recompensa aos que suportarem a perseguição por Cristo; o sentido cristológico passa de implícito a explícito. No que às três primeiras se refere, são a expressão do tom original da Boa-Nova. Muitos textos do AT apresentavam os pobres, aflitos e indigentes como os beneficiários privilegiados da definitiva intervenção de Deus no futuro (Sl 82,2-4; 72,1-2; 145, 14; 146,7-9; Is 11,2-5; 61,1-2; 29, 18-19; 35,5ss; Lc 1,46-55). Com estes pronunciamentos, Jesus anuncia a proximidade, a imediatez desse momento. O acento das bem-aventuranças nos seus lábios teria sido radicalmente teológico ou teocêntrico. A situação de salvação, de felicidade, não estaria pressuposta pelos requisitos, atitudes ou méritos dos destinatários. É, acima de tudo, uma graça, uma manifestação incondicional do amor de Deus.

Aqui reside o sentido radicalmente subversivo das bem-aventuranças, no Deus que revelam: um Deus com opção preferencial pelo perdido, pelo marginado. A religião judaica considerou esse Deus impossível, heterodoxo, e matou o seu arauto. Mas depressa teve lugar uma reinterpretação antropológica ou antropocêntrica; e o acento deslocou-se para as pessoas e para as atitudes a adotar a fim de participar nos benefícios do Reino. Mesmo antes da redação dos evangelhos, esta exegese “catequética” oferecia possibilidades para explicitações divergentes, como as que temos em Mt e Lc. É supérfluo dizer que estas não contradizem, mas complementam o sentido primi-

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tivo – pois são explicitações inspiradas – das bem-aventuranças pronunciadas por Jesus. Mas convém nunca esquecer a perspetiva teocêntrica, para perceber toda a profundidade e universalidade que encerram. Lê-las apenas como exigências morais limitaria enormemente o seu alcance e, sobretudo, deformaria o rosto e o coração de Deus que nelas nos quis revelar Jesus: Deus não é só remunerador, mas salvador.

Qual dos textos terá recolhido com maior fidelidade o tom original das bem-aventuranças pronunciadas por Jesus? Parece que Lucas é o mais próximo, sem que isto possa ser utilizado como argumento para desvalorizar a fidelidade do texto de Mateus, pois nenhum deles reproduz sem mais, antes interpreta e adapta a mensagem de Jesus às situações das suas comunidades eclesiais; e este procedimento, «sem dúvida, é mais respeitoso para com a intenção de Jesus, do que a repetição supersticiosa das suas palavras à letra» (Dupont). Mesmo quando Lucas fala de pobres e famintos sem precisões ulteriores – o que o aproxima mais do tom material das expressões de Jesus –, os conceitos têm conteúdos diferentes. As bem-aventuranças de Jesus proclamam felizes os pobres, famintos, marginados e indefesos..., porque Deus decidiu inaugurar o seu Reino e anunciar a defesa da sua causa. Deus ama os pobres, mas não quer pobres! As bem-aventuranças de Lucas proclamam ditosos os cristãos que são pobres..., pela sua fidelidade a Jesus, pois «o discípulo não é más do que seu mestre» (Lc 6,40). Mateus, por seu lado, declara bem-aventuradas todas as pessoas, cristãs ou não, que vivam as atitudes evangélicas e pratiquem a justiça do Reino, «pois não é o que diz “Senhor, Senhor” (título cristológico e por isso mesmo símbolo da fé cristã)...» (Mt 7,21).

Lucas, além disso, quer chamar a atenção para as desigualdades gritantes dentro da comunidade e denunciá-las (ricos e pobres, famintos e fartos..., são cristãos). Mateus, por sua vez, adverte acerca dos riscos da exterioridade e o legalismo farisaico, que ameaçavam os cristãos provenientes do judaísmo. Mateus e Lucas estão, pois, na mesma linha de fidelidade, embora, na sua forma externa, a formulação lucana seja a mais próxima das bem-aventuranças proclamadas por Jesus.

1. Aspetos teológicos

A relevância teológica das bem-aventuranças é indiscutível: são o núcleo do evangelho, e equivalem, na espiritualidade do Novo Testamento, àquilo que o decálogo supôs ou significou para o Antigo Testamento. Indicaremos alguns aspetos: O que se destaca à primeira vista é a sua formulação: trata-se de uma mensagem incondicional de felicidade: «Bem-aventurados.» Acima de exigências morais, são boa notícia (evangelho); anúncio de felicidade, mais que imperativo ético. Nos lábios de Jesus são re-

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MENORIDADE: UMA OPÇÃO DE DEUS

velação da iniciativa misericordiosa de Deus; não são recompensa, mas graça... Mas uma felicidade paradoxal, Surpreendente. São declarados felizes os pobres, os famintos, os perseguidos... Porque Deus se compraz nessas situações? Não; mas porque as sente e não as suporta. As bem-aventuranças são a expressão da opção de Deus em favor do pobre contra a pobreza, em favor do faminto contra a fome, em favor do que chora contra as suas lágrimas. Vêm romper um malefício que durante muito tempo se abateu e esgrimiu sobre os “desgraçados”: a identificação desgraça = pecado (Jo 9,1-3). O sofrimento não é reprovação nem afastamento de Deus... Na cruz de Cristo, e em toda a cruz, Deus revela-se particularmente como Emanuel (Deus-connosco). O pobre que sofre é um “agraciado” – não pela situação que sofre, mas pela opção de Deus em seu favor. Se isto não fosse uma verdade profunda, seria uma burla cínica: brincar com a esperança dos desvalidos; por isso Jesus fez desta proclamação o núcleo da sua mensagem e a causa da sua vida.

“As bem-aventuranças são a expressão da opção de Deus em favor do pobre contra a pobreza, em favor do faminto contra a fome, em favor do que chora contra as suas lágrimas. São, pois, a principal aportação teológica de Jesus: mostra-nos o coração de Deus, as suas preferências e sofrimentos. São, também, uma denúncia.”

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igreja das Bem-aventuranças.

As bem-aventuranças são, pois, a principal aportação teológica de Jesus: mostra-nos o coração de Deus, as suas preferências e sofrimentos. Daí que sejam também uma denúncia. «Eu bem vi a opressão do meu povo que está no Egito, e ouvi o seu clamor diante dos seus inspetores; conheço, na verdade, os seus sofrimentos. Desci a fim de o libertar da mão dos egípcios» (Ex 3,7-10). Assim começou a libertação de Israel, com um protesto de Deus contra o sofrimento e a injustiça. «Ao ver a multidão» (Mt 5,1) «cansada e abatida» (Mt 9,36)... Assim inicia Jesus a proclamação do Reino. As bem-aventuranças estão, pois, na mesma linha liberacionista que a gesta do êxodo e supõem a mesma carga de denúncia e compromisso. S. Lucas mostra este caráter polémico, insurrecionista, com a adição das quatro maldições (6,24-26), demonstrando que, assumir uma causa libertadora, exige adotar uma atitude demolidora contra o mal, a injustiça... O Deus que as bem-aventuranças nos revelam é um Deus de uma grande seriedade perante a dor humana: misericordioso e justo, pois não há misericórdia sem o restabelecimento da justiça. Já os indicámos: Deus ama os pobres, mas não quer pobres. Ama os pobres com predileção, mas não quer mais pobres.

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A isto acrescenta-se outro aspeto muito relevante: as bem-aventuranças anunciam uma nova era, a do reinado de Deus. São como a aurora no amanhecer de uma nova humanidade. «Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; arrependei-vos e acreditai no Evangelho» (Mc 1,15). Assim irrompeu Jesus na história.

Os tempos do homem esgotaram-se sem renovar o homem; começa o tempo de Deus, que tem como sinal de identidade a redenção do pobre. Um tempo cronológico que Jesus inaugura, mas que não esgota Jesus. A partir de então, o tempo divide-se em “tempo de Deus” – tempo de redenção – e “tempo morto” – tempo de não redenção –. Tempos que podem ser cronologicamente contemporâneos, mesmo na Igreja, mas que são qualitativamente antagónicos. O cumprimento das bem-aventuranças serve de critério de discernimento para saber em que tempo vivemos. Esta vinculação das bem-aventuranças à irrupção do Reino de Deus foi fundamental naquele tempo, como é hoje; sem essa referência, carecem de inteligibilidade, pois “humanamente” continuam a ser “loucura”. Finalmente as bem-aventuranças são um programa de vida para a comunidade cristã. O crente em Jesus há de abrir-se ao Deus que nelas se revela e ao homem em favor do qual Deus se revela. Isto é, há de acolher o projeto de Deus como programa de vida apresentado em Jesus. Se as bem-aventuranças são expressão da experiência que Jesus teve de Deus e dos homens, é válida a advertência de S. Paulo: «Tende entre vós os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus» (Fl 2,5). Sintetizando, e com todos os riscos de uma simplificação, poderíamos incluir a grande densidade teológica das bem-aventuranças nos seguintes enunciados:

As bem-aventuranças são:

Palavra teológica (revelam-nos o verdadeiro rosto de Deus). Palavra cristológica (revelam-nos o projeto e a causa de Jesus). Palavra antropológica (são programa para o homem novo). Palavra paradóxica (anúncio e denúncia, graça e exigência). Palavra escatológica (sinal da instauração do futuro de Deus entre os homens).

As bem-aventuranças são a vocação e a missão da Igreja. E é necessário respeitar essa ordem: só podem ser anunciadas a partir da sua vivência, tal como Jesus fez. E é preciso anunciá-las com clareza, como é preciso vivê-las. Quem faz das bem-aventuranças apenas uma denúncia, não anuncia o evangelho. E são o “código” da menoridade evangélica.

2. A glorificação do Pai por se revelar “aos menores”

A manifestação de Jesus, que S. Lucas qualifica como “feliz” e “inspirada”, pode ser considerada como prolongamento das bem-aventuranças ou uma ratificação delas: «Nesse mesmo instante, Jesus estremeceu de alegria sob a ação do Espírito Santo e disse: «Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai; e ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, nem quem é o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho houver por bem revelar-lho» (Lc 10, 21-22). É um texto significativo, por vários aspetos. Trata-se de um dos poucos passos que permitem o acesso às vibrações e emoções mais íntimas de Jesus, e o único que o apresenta como «cheio de alegria».

Por outro lado, nele é destacada a predileção de Deus pelos “menores”. Nos seus insondáveis desígnios (Rm 11,33), pareceu a Deus que a melhor estratégia era revelar-se aos pobres, aos pequenos (1 Cor 1,17-3,23). Jesus alegra-se por essa opção do Pai e por Lhe ter confiado essa missão a Ele (Lc 4,16ss). Transforma os pequenos, os menores, em evangelizadores, reveladores de Deus. A frase «os pobres são evangelizados» (Mt 11,5) tem o seu prolongamento nesta outra de estrutura similar: “os pobres são evangelizadores”, na medida em que neles, na sua existência, se está a fazer presente, está a ser anunciada a vontade salvadora de Deus. Deus aparece-nos como “menor” e nos “menores”; esse é o seu caminho (Jo 14,5), que marca o nosso caminho: ir a Deus como “menores” com os “menores”.

3. “Se não vos fizerdes como crianças...” (Mt 18,3)

• A figura da criança. Na sociedade e cultura

israelita e judaica, a figura da criança, como sujeito de direitos, não estava tão desenvolvida como na nossa. Só com a maioridade adquiria protagonismo, acedendo ao mundo dos adultos. Claro, a criança era amada, cuidada e educado, tarefas que eram assumidas preferentemente pela mãe. “Ser adulto” era o ideal; a criança estava desprovida de valores significativos e substanciais; não era uma referência existencial válida; era apenas “objeto” de esperança e em esperança. Ora, precisamente aqui é que vai situar-se o escandaloso de Jesus, ao apresentar-se como criança, manifestando a sua preferência pelas crianças e apresentando-as como referências significativas do reino de Deus, dos seus valores e exigências.

• os “ditos” sobre as crianças. O pensamento

de Jesus sobre isto deduz-se de dois grupos

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de textos que aparecem na tradição sinótica. O primeiro é constituído por Mc 10,13-16 e paralelos (Mt 19, 13-15; Lc 18,15-17); o segundo, por Mc 9,33-37 e paralelos (Mt 18,1-5; Lc 9,46-48).

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• Mc 10,13-16 e paralelos. Movidos pela es-

tima que o Mestre lhes merece, provavelmente os pais apresentam umas crianças a Jesus para que as abençoe. Os discípulos reagem, para proteger a tranquilidade e dignidade do seu rabbí, que não pode perder o tempo com crianças, pois tem que dedicar o seu tempo e as suas energias aos adultos, aos que podem entender a explicação da Lei e os Profetas. Segundo uma opinião amplamente divulgada no tempo de Jesus, a criança, que desconhecia a torá, nãotinha mérito algum na torá nem perante Deus. A reação de Jesus é imediata: «indignou-se (Mt e Lc suprimem o facto) e disse-lhes: “Deixai vir a mim os pequeninos e não os afasteis, porque o Reino de Deus pertence aos que são como eles. Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como um pequenino, não entrará nele”» (Mc 10,14-15). Ao proceder assim, Jesus rompe com a imagem comum de rabbi que as pessoas faziam a seu respeito: Ele não funciona com esses esquemas. Mostra a sua estima e apreço público pelos pequeninos, não apenas ao a-

“O Reino de Deus é para os que não

têm reivindicações nem esgrimem direitos face ao mesmo; para os que se abrem a ele com ilusão, confiança e generosidade; para os que se deixam conduzir e construir pela vontade do Pai; para os que permanentemente vivem com os olhos postos no Abbá..., como os pequeninos.

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bençoá-los (elemento que Mateus também regista), mas abraçando-os (elemento silenciado por Mateus e Lucas). Uma vez mais, Marcos apresenta-nos una imagem de Jesus mais próxima, do ponto de vista humano.

Mas a cena contém algo más. Depois de manifestar o seu apreço pelos pequeninos, Jesus, sublinha o seu significado: «O reino de Deus pertence aos que são como eles.» Quando os discípulos pensam que a Jesus só se acede na condição pessoal de adulto, Ele inverte esse critério recordando aos adultos a necessidade de votar a ser como os pequeninos. Uma proposta regressiva? Uma promoção do infantilismo? Não! É a proposta da conversão; o convite a aceitar o Reino de Deus como graça, como dom, desmontando toda a teologia farisaica do “mérito”. É o convite para «nascer de novo» ou «do Alto» (Jo 3,3), «da água e do Espírito» (Jo 3,5). O Reino de Deus é para os que não têm reivindicações nem esgrimem direitos face ao mesmo; para os que se abrem a ele com ilusão, confiança e generosidade; para os que se deixam conduzir e construir pela vontade do Pai; para os que permanentemente vivem com os olhos postos no Abbá..., como os pequeninos.

• Mc 9,33-37 e paralelos. A cena descrita por Marcos é enormemente sugestiva. Jesus, perante a discussão surgida entre os Doze acerca da prioridade no grupo, decide resolver a questão; e fá-lo graficamente. «Tomando um menino, colocou-o no meio deles, abraçou-o (precisão ausente em Mt e Lc) e disse-lhes: “Quem receber um destes meninos em meu nome é a mim que recebe”.» O menino é símbolo da falta de poder, força e autoridade. E o próprio Jesus identifica-se com essas “carências”: renunciando ao poder e à força, «esvaziou-se» (Fl 2,7), tornando-se “menor” (Jo 13,13).

O gesto está cheio de ressonâncias; por um lado, encerra um ensinamento eclesial, desmontando apetências e reivindicações de privilégio: Deus constrói com o que é frágil (cf. 1 Cor 1,27-29); e, por outro, uma lição cristológica: a opção salvadora de Deus, manifestada em seu Filho, passa pelo apagamento e o serviço. Jesus identifica-se com o “não ser” e o “não ter”, e denuncia as pretensões de “ser” e de “ter”. Para o tornar visível, coloca no meio um menino.

• o “escândalo” de Jesus menino. Habituados

à ternura que a imagem do Menino Jesus inspira, frequentemente passamos por alto, sem nos apercebermos, um facto transcendental: esse menino, «nascido de uma mulher, nascido sob o domínio da Lei» (Gl 4,4), na marginalidade oficial política, religiosa e social, é o Filho de Deus, «que é de condição divina..., tornou-se semelhante aos homens» (Fl 2,6.7), experimentando, já na sua mais tenra infância, a perseguição e o exílio. Contemplado com atenção, o mistério da Natividade torna-se humanamente incrível; na verdade, é uma antecipação e participação do mistério da Cruz, que São Paulo qualifica de «escândalo para os judeus e loucura para os gentios» (1 Cor 1,23).

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MENORIDADE: UMA OPÇÃO DE DEUS

Sim, a Natividade de Jesus é um “escândalo”: pelo que nela celebramos – algo impensável e impossível para os homens, não para Deus (Mc 10,27; Lc 1,37), e pelo modo como o celebramos, invertendo radicalmente o seu sentido, deslocando o acento para aspetos que a tornam praticamente irreconhecível. A imagem de Jesus menino é a expressão mais eloquente da sua opção por eles; e, por outra parte, nela alcança todo o seu significado o convite de Jesus: «Se não voltardes a ser como as criancinhas...» (Mt 18,3).

Não se trata de um apelo ao infantilismo, mas a assumir as atitudes de Cristo Jesus, que, no desígnio salvador de Deus, viveu a condição de criança, sujeito a seus pais (Lc 2,51), crescendo «em sabedoria, em estaturae em graça diante de Deus e dos homens» (Lc 2, 52); mostrando que o Reino de Deus não é só para os humildes, como as crianças, mas teve um início humilde com o Menino Jesus.

• crianças, sim ou não? Nos escritos paulinos

(1 Cor 3,1; 13,11; 14,20; Ef 4,4), a imagem da criança não sai muito beneficiada: indica imaturidade e incapacidade e, consequentemente, Paulo sugere superar essa fase mental e espiritual para conseguir a adultez. Porventura, Paulo contradiz Jesus? Não; ambos contemplam a A infância que Jesus reivindica não é a do infatilismo; é uma criança de dimensões humaproposta de conversão: aceitar o Reino de Deus como graça, nas diferentes. Jesus sublinha como dom, desmontando toda a teologia farisaica do “mérito”. a sua abertura e sentido da gratuidade; Paulo, a sua imaturidade como pessoa. Mas, no fundo, reivindicam o mesmo, embora com linguagem diferente: a doutrina da salvação como graça de Deus. Jesus diz que é preciso acolher o Reino sem aduzir reivindicações nem “méritos”; Paulo sublinha a necessidade

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de se despojar do «homem velho» (Rm 6,6), do «velho fermen-to» (1 Cor 5,7), de «velha condição» (Cl 3,9), isto é, de «nascer do alto» (Jo 3,3), para ser justificado pela fé, e isso só é possível na capacida-de de «ser como crianças». Com uma precisão importante: Jesus fala de «fazer-se como…». A infância que Jesus reivindica não é a do infantilismo, mas a da conversão.

CONCLUSÕES

O tema da menoridade no Evangelho reveste matizes particulares, e não pode ser reduzido a uma visão monocromática. Como síntese e proposta operativa, podemos sublinhar, os seguintes aspetos mais destacados, embora não únicos:

1. A menoridade de Jesus é significativa e anunciadora de valores alternativos. Pela in-

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versão de valores que propicia e anuncia, pode ser considerada expressão de uma autêntica revolução cultural e religiosa: reconhece-se o protagonismo dos marginados, do menor, denuncia-se a cultura do poder e do ter, privilegiando a do serviço e a do ser (Mc 10, 41-45). É um dos sinais dos tempos novos, e do homem novo, libertado da servidão dos ídolos.

2. A menoridade como opção e proposta. A menoridade de Jesus não foi um estigma que alastrou pela sua existência, mas uma opção positiva. Forjada no mistério trinitário (Jo 1, 1ss; Fl 2,6ss), torna-se visível na sua vida histórica, com dois momentos significativos: o batismo no Jordão, onde Jesus penetra no mais sombrio da história humana, o pecado (2 Cor 5,21), e o lava-pés dos discípulos. A partir daí, essa opção de Jesus torna-se proposta de Jesus (Mc 10,41ss; Jo 13,12-15; Fl 2,5ss).

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3. A menoridade de Jesus é “partidarista” e beligerante. As bem-aventuranças não são a ca-

nonização de formas deterioradas de vida, mas, como já indicámos, a expressão da opção de Deus em favor do pobre, contra a sua pobreza; em favor do faminto, contra a sua fome; em favor do que chora, contra as suas lágrimas...; linha de beligerância, também assumida pelo canto do Magnificat (Lc 1,46-55), paradigma do grito dos pobres de Javé. A figura de Maria em chave de menoridade, seria, sem dívida, outra proposta de leitura válida.

4. A menoridade de Jesus está motivada pelo Reino. A urgência do Reino de Deus é que

inspira as atitudes pessoais de Jesus (desenraizamento familiar, celibato...) e o apelo que Ele faz ao desprendimento-libertação das preocupações da vida e do afã das riquezas. Não é o desprezo das coisas mas a própria modalidade do Reino, para os menores e em fraqueza, que o justifica, pois só a partir desse “vazio” se cria espaço, há lugar e capacidade para acolher o Reino (Mc 10,13-16) e acolher os pequenos e marginados.

5. A pobreza-menoridade de Jesus foi vínculo de comunhão com as existências mais pobres.

O tipo de vida itinerante, assumido por Jesus para realizar o seu ministério público colocou a sua existência em contato direto e per-

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MENORIDADE: UMA OPÇÃO DE DEUS manente com os marginados social e religiosamente, com os enfermos e até com a morte. A sua vocação impedia-o de se manter em ambientes fechados. Viveu sem proteções de segurança ou moralidade, porque Ele irradiava as duas de dentro, sem receio de contágios reais ou rituais. Não recusou as “más companhias”, porque veio para acompanhar o ser humano necessitado de redenção na sua concretização histórica, a recuperar da marginalização certas existências, introduzindo-as no lar quente do Pai misericordioso, do qual, paradoxalmente, tinham sido excluídas em nome de Deus. A sua vida em menoridade foi vínculo de comunhão e via de acesso as menores, e dos menores a Deus. A opção cristã pelos pobres é resultado de uma experiência profunda de Deus, experiência que não pode ser ocultada nem pôr-se entre parênteses. Um cristão não pode aproximar-se de um pobre “como se Deus não existisse”, mas “porque Deus existe”. Jesus fez da menoridade uma via credível de encontro e comunhão com os mais pobres da vida, para lhes transmitir a esperança e o calor do amor de Deus.

de Deus: entre ambas existe uma profunda interação. A fé torna a menoridade livre (libertando-a da amargura), e a menoridade torna a fé livre (libertando-a de interesses).

6. A menoridade de Jesus foi experiência e testemunho de fé. Jesus convida a fundamentar

Mas também são denúncia (Lc 6,24-26). A fome, as lágrimas, a nudez..., não são apenas sinais da presença de Deus, mas da sua ausência, da falta de justiça, de solidariedade, de misericórdia..., pelo que se exige atitudes críticas, para não sermos colaboradores dos que dificultam ou impedem a sua chegada libertadora. Neste sentido, a menoridade deve ser beligerante.

a existência não tanto em valores transitórios, mas na solicitude que o Pai tem por todas as suas criaturas, e especialmente pelo ser humano (Mt 6,25-34). A experiência de um Deus “menor” deve ser o fundamento e critério inspirador da “menoridade cristã”. Esta não tem como paradigma de referência original os “menores” deste mundo, mas o Deus que se faz menor” em Jesus Cristo (Fl 2; Jo 13); e os menores deste mundo são a sua voz testemunhal, os que impedem a “evasão espiritualista” e representam o espaço da sua encarnação. A menoridade é uma forma concreta e audaz de tornar visível a fé na Providência

7. A menoridade de Jesus é anúncio e denúncia. Na vida de Jesus, as bem-aventuranças

são anúncio da chegada do Reino, que tem como um dos seus sinais identificadores a evangelização dos pobres, dos menores deste mundo (Lc 4,18). Estes não são apenas destinatários, mas seus protagonistas, enquanto que neles brilha a boa-nova de Deus. Os pobres, os menores são “palavra” de Deus. Um “lugar teológico”, um espaço teofânico, paradoxal e misterioso, como paradoxal e misteriosa é a linguagem escolhida por Deus em Jesus. Daí que, para entendê-la, se requeira «a sabedoria de Deus» (1 Cor 2,7), «porque o homem terreno não aceita o que vem do Espírito de Deus, pois é uma loucura para ele» (1 Cor 2,14); uma sabedoria que é “revelação” do Pai aos pequenos (Mt 11,25ss). De facto «quando te vimos faminto...?» (Mt 25,37); só quando Deus «brilhou nos nossos corações, para irradiar o conhecimento da glória de Deus que resplandece na face de Cristo» (2 Cor 4,6).

8. A menoridade, estratégia evangelizadora. As

formas não são tudo, mas são importantes. Jesus, na hora de apresentar métodos e estilos para evangelizar, elegeu o “tom menor”. Foi o seu estilo pessoal e o dos seus enviados (Mc 6,7-11 e par.). Nas primeiras intervenções dos

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Menoridade

discípulos, após a ressurreição, já se percebe este matiz: a equipagem do missionário é a sua mensagem, Jesus Cristo. «Não tenho ouro nem prata; mas o que tenho, isso te dou: Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-se e anda» (At 3,6) – diz Pedro ao paralítico que pedia esmola «à porta do Templo» (At 3,2). E desprovido de tudo, guiado apenas pelo Espírito, Filipe aproximou-se do carro do etíope (At 8,26-39) para lhe anunciar Jesus Cristo. «Basta-te a minha graça, porque a [minha] força – e a do Evangelho – manifesta-se na fraqueza» respondeu o Senhor a Paulo, que se sentia fragilizado pela provação (2 Cor 12,9). Face à obsessão pelos “meios”, que não poucas vezes se transformam em fins, Jesus sublinha a simplicidade, o ir a corpo descoberto, sabendo que Deus providencia pelos seus mensageiros. Quis uma perfeita simetria entre a mensagem – a Boa Notícia de um Deus voltado para o pobre – e a bagagem do evangelizador – ir como pobres –, despreocupados com a “eficácia”, pois ao discípulo não se pede tanto que seja “eficaz” mas que seja “fiel”, também nas formas delineadas por Jesus para anunciar a sua mensagem. Hoje, quando tanto se fala da “nova evangelização”, talvez fosse conveniente não esquecer os modos e o estilo da “primeira e-

“A menoridade deverá ser um dos

rasgos definitivos do perfil da Igreja, se ela quiser ser servidora e seguidora do “Deus menor”; de contrário, não conseguirá superar uma contradição existencial – a de pretender servir a dois senhores –, e não deixará de dar a sensação de estar situada permanentemente numa calculada ambiguidade e equidistância.

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vangelização”; não suceda que, pretendendo ser originais, nos afastemos da origem, anunciando “um Evangelho diferente” (cf. Gl 1,6-9) e de modo tão diferente, que se torne irreconhecível.

9. A pobreza-menoridade de Jesus, enriquecedora da existência. «Conheceis bem a bondade

de Nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza» (2 Cor 8,9). A pobreza-kenose de Cristo (Fl 2,6-7) foi ponto de partida para o seu enriquecimento pessoal (Fl 2,9-11), e também para o nosso (Ef 1,5; Cl 2,9). A pobreza evangélica e a menoridade, não podem significar um empobrecimento. A proposta de Jesus a «alguém» para se desprender das riquezas (cf. Mc 10,21) sublinha este aspeto enriquecedor da pobreza a dois níveis: um enriquecimento da existência dos mais necessitados («dá o dinheiro aos pobres») e um enriquecimento pessoal («e terás um tesouro no Céu»).

O ROSTO DA MENORIDADE, HOJE

Ao tratar o tema da menoridade, não devemos limitar-nos a uma dissertação bíblico-teológica, sem incidência no compromisso histórico. Daí esta concretização final. Identificar o rosto da menoridade não é difícil, pois a sua presença torna-se clamorosa numa sociedade “globalizada”, mas com enormes bolsas de excluídos e penalizados pelo sistema. Já é mais difícil a opção por ser “menor” com os “menores”, e por integrar esse valor como contraponto crítico e corretor de uma orientação e compressão da realidade excessiva, se não exclusivamente, consumista e mercantil. Hoje, os “menores” recuperam protagonismo. O poder, nas suas diversas concretizações, sabe-o e intenta arbitrar medidas pa-

ra controlar ou reprimir essa força emergente, que ameaça desbordá-lo. A imigração para o “Norte” ou primeiro mundo, a oposição ao exploração das matérias primas nos países empobrecidos, a reivindicação da paridade e respeito das culturas, os movimentos antiglobalização..., são outras tantas expressões dos gritos que, surgidos da periferia, reivindicam um lugar digno na sociedade. É verdade que estes movimentos correm o risco da manipulação. Contudo, permitem que aflore, às vezes com estridências e reducionismos, uma realidade manifestamente injusta e durante muito tempo sufocada e silenciada. E não se trata tanto de fazer concessões estratégicas – essas, fá-las o poder – quanto de tomar opções evangélicas. A Igreja de hoje é a Igreja do “Deus menor”? Não se trata de uma pergunta demagógica. É verdade que hoje, maioritariamente, a Igreja está “pelos” (a favor dos) “menores”; em menor proporção, está “com” (convive com) os “menores”; mas, em que medida “é” “menor”? A questão fundamental não é identificar e quantificar o papel da Igreja em favor dos “menores”, mas verificar o protagonismo dos “menores” na Igreja. Igreja “para” os menores (assistencial), ou Igreja “de” menores (essencial)?

DOSSIÊ

MENORIDADE: UMA OPÇÃO DE DEUS

A menoridade deverá ser um dos rasgos definitivos do seu perfil, se quiser ser servidora e seguidora do “Deus menor”; de contrário, não conseguirá superar uma contradição existencial – a de pretender servir a dois senhores (Mt 6,24) –, e não deixará de dar a sensação de estar situada permanentemente numa calculada ambiguidade e equidistância. E isto, necessariamente, obrigará a fazer “deslocações” significativas para essa “periferia” que Jesus redefiniu como o centro da vida e das opções de Deus. Periferia, para a qual insistentemente, e com escândalo de alguns, nos está a convidar o papa Francisco.

EUCARISTIA E MENORIDADE

Não é nenhuma artificialidade estabelecer tal relação, nem supõe forçar a realidade das coisas. A Eucaristia enquadra-se, com uma intensidade específica, no que chamamos o rosto e as opções do Deus “menor”. A Eucaristia é uma epifania privilegiada da menoridade de Deus. Na Admonição nº 1, sobre o Corpo e o sangue do Senhor, São Francisco escreveu: «Eis que Ele se humilha cada dia (Fl 2, 8), como quando baixou do seu trono real (Sb 18, 15) a tomar carne no seio da Virgem; cada dia vem até nós em aparências de humildade; cada dia desce do seio do Pai, sobre o altar, para as mãos do sacerdote. E assim como aos santos Apóstolos se mostrou em carne verdadeira, assim agora se mostra a nós no pão sacramentado.

Os Apóstolos, com a sua vista corporal, viam apenas a carne de Jesus; mas, contemplando-o com os olhos do espírito, acreditavam que Ele era Deus.

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MENORIDADE: UMA OPÇÃO DE DEUS Mas, não será pedir demasiado? Talvez. Nós reivindicamos direitos, às vezes históricos, para de algum modo pôr os outros a nossos pés. Aí temos Deus aos pés do homem, lavando os pés da história humana, também os da traição, limpando o barro de tantos caminhos errados. Mas, além de teofania da menoridade de Deus, a Eucaristia apresenta-se como o “alimento menor”, elementar, sem sofisticações, e como o “alimento dos menores”, autêntico pão dos pobres. Parece-me ser importante sublinhar este aspeto. Às vezes, de maneira paradoxal, elaboram-se projetos de grande densidade, confiando tudo a estudos e propostas..., esquecendo que, «se o Senhor não edificar a casa...» (Sl 127,1). E o Senhor está na Eucaristia. Com que alimentamos a nossa menoridade? Com a Eucaristia? Onde buscamos inspiração para a nossa menoridade? Na Eucaristia? Sem qualquer dúvida, uma profunda vivência e celebração da Eucaristia iria estimular e aportar critérios à concretização do nosso perfil de irmãos menores.

Menoridade

De igual modo, os nossos olhos de carne só veem ali pão e vinho; mas saiba a nossa fé firmemente acreditar que ali está, vivo e verdadeiro, o seu santíssimo Corpo e Sangue.» É deste modo (menorítico) que o Senhor está sempre com os que creem nele, segundo Ele mesmo prometeu: «Eis que Eu estou convosco até à consumação dos séculos» (Mt 28,20). Pois a Eucaristia insere-se no tom kenótico da revelação do Verbo de Deus. Não é por acaso que o IV Evangelho, no relato da Ceia, não fala expressamente da instituição da Eucaristia e, em seu lugar, transmite o gesto do lava-pés aos discípulos. Outro gesto “menorítico” de ressonâncias e consequências decisivas; pois aqui dá-se não só una lição, mas, sobretudo e em primeiro, lugar, uma revelação. «Ele, que amara os seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles até ao extremo» (Jo 13,1). Sim, isto é um excesso. Deus não só se faz homem: prostra-se aos pés do homem! Eis a “queda” mais importante da história: a de Deus à terra e aos pés do homem. Deus aos pés do homem! Um Deus assim é credível? De todos os modos, é um Deus numa posição difícil e incómoda. Porque ali está a produzir-se uma mudança de valores e de posições como se nunca tinha acontecido na história. E mudança obrigatória, pois quem não for por aí, quem não se deixar lavar assim «nada terá a haver comigo»; e quem não lavar assim os pés, não adota uma atitude cristã. «Dei-vos exemplo» (Jo 13,8.15).

O Papa beija os pés a jovens detidos em Casal del Marmo.

370

Tradução

LOPES MORGADO

oR

Aleluias de Festa


VIDA CONSAGRADA

Integrar a fragilidade, refazer a vida inteira A criadora da noção de cuidados paliativos dizia que “quando já não há nada a fazer, está tudo por fazer”. O padre António Pedro Monteiro, 31 anos, assistente religioso no maior hospital do país, diz que, perante o sofrimento, importa construir um caminho que integre a fragilidade e devolva a saúde pelo perdão de si mesmo e dos outros.

Q

António Marujo / jornalista *

uando chega junto de uma das camas, o padre António Pedro ajoelha. Vai conversar com uma doente que chamara alguém da capelania do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Durante dois ou três minutos permanece ajoelhado, pouco mais do que escutando, entre silêncios. O pouco que vai dizendo aponta para o presente e o futuro, para a alta que estará próxima, depois de oito meses de internamento, tratamentos e outros sofrimentos. A

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cena inverte o quadro habitual. “Importa mais escutar Deus que está no outro do que catequizar sobre Deus ou catequizar o próprio Deus”, responderá, quando perguntado sobre tal gesto. Nascido a 12 de Setembro de 1983, em Vizela (diocese de Braga), António Pedro Monteiro é padre do Sagrado Coração de Jesus (dehoniano) desde 26 de Setembro de 2010. Faz parte da equipa de três padres e um diácono que, diariamente, presta serviço de

assistência religiosa, em nome da Igreja Católica, no maior hospital do país. Uma semana antes de ter sido desafiado a fazer esse trabalho, em 2012, estava António Pedro na Madeira. Contactara todas as escolas da ilha, trabalhava num seminário, numa escola de enfermagem e num lar de idosos. Ao fim de dois anos, sentia que começava a “coser várias pontas”. Foi quando o superior provincial lhe confidenciou a possibilidade de um novo projecto pastoral: o patriarca D. José Policarpo pedira um capelão em Santa Maria, mas não sabia como responder. Nesse momento, nem um nem outro imaginavam que, três semanas depois, o diálogo ganharia um sujeito com António Pedro.

O outro como lugar teológico

Aqui está agora, de bata branca, acorrendo a quem chama – chegam à capelania uma média de 60 pedidos de assistência espiritual por semana. “No hospital, temos de ser não só antenas, mas patenas”, foi o que aprendeu na formação. “Se olhamos a pessoa doente como coitadinha e carente do que tenho para dizer-lhe, encaixamos no modelo anterior de assistência, que se propunha dar sacramentos e levar uma catequese prepa-

rada. Se trato a pessoa com dignidade e singularidade, e tento ver nela o rosto de Jesus, como propõe o texto de Mateus 25, então aprendemos que Deus está nessa fragilidade.” Mais do que ir junto dessa pessoa para falar de Deus, acrescenta, importa ter presente que se vai ter com o próprio Deus de Jesus: “A mim o fizestes.” O outro como lugar teológico. Esse é um princípio muito negligenciado, diz. E que colide mesmo com modelos de formação do clero: “Os padres são formados para a liderança, para ter a última palavra.” Tudo ao arrepio do que é necessário no hospital. “Se não deixarmos esse modelo de autoridade, não conseguiremos a empatia necessária para que o doente se abra e inicie um processo de construção de saúde total, não só biológica, mas biográfica. Nem aprenderemos que o Deus de Jesus Cristo também é impotente e frágil como nós.”

É importante ver a pessoa para lá da doença: “Já chega ter uma instituição centrada na saúde dos órgãos. A pessoa é bem mais do que isso, tem uma vida inteira para narrar.” E isso não acontecerá se apenas se olhar para a doença como se fosse o centro da vida da pessoa doente.

antónio Pedro, dehoniano, com 31 anos de idade, faz parte de uma equipa de três padres e um diácono que, diariamente, presta serviço de assistência religiosa, em nome da igreja Católica, no Hospital de Santa Maria, o maior do nosso país.


VIDA CONSAGRADA O dia do padre António Pedro é passado entre a capelania (onde diariamente celebra a eucaristia), os corredores e as mais de mil camas das enfermarias. A escuta do outro – doentes, mas também funcionários, médicos, enfermeiros, auxiliares, familiares dos doentes – e a atenção à fragilidade de cada pessoa é o seu ministério essencial. Numa das homilias recentes, comentava o episódio narrado por São Marcos, em que Jesus é chamado para curar a filha de Jairo e, no caminho, cura a mulher que tinha um fluxo de sangue: “Jesus age entre duas personagens femininas, entre uma idosa doente e uma adolescente moribunda… o trânsito de Jesus acontece no cúmulo da fragilidade (...) A relação, esse processo de não desistirmos dos laços, a fé, devolve saúde, devolve a vida na sua inteireza e coloca-nos no lugar onde Jesus gosta de estar: entre frágeis; entre semelhantes.” (Algumas das suas homilias publica-as num blogue – https://aquelequehabitaosceussorri.wordpress.com/; por vezes, decide dar o púlpito aos Padres da Igreja. Como foi o caso de São João Crisóstomo, no final de Fevereiro, sobre a reconciliação: “Faz assim com os teus irmãos: logo que vejas que eles estão separados da tua amizade, apressa-te tu a tentar a reconciliação.”)

O fascínio pela Bíblia

O evangelista Marcos não surge aqui por acaso: “Gosto muito de ler Lucas e Marcos”, diz António Pedro. “Marcos é o evangelho da periferia, que demora em lugares fora do centro: Jesus escolhe morar em Cafarnaum, a Galileia praticamente passa ao lado da grande história de Israel.” À volta de Jesus, aparecem ainda, no relato de Marcos, os que estão “fora do centro: aleijados, cegos, paralíticos, todos os que não cumprem as prescrições alimentares nem as regras do culto.”

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Ou seja: “Jesus escolhe e permite que o siga um grupo de desclassificados, sem lugar na cidade, na sociedade e na religião, em clara oposição a uma religião pura.” Mas, dois mil anos depois, “conseguimos converter o sonho de Jesus numa Igreja pura, muitas vezes em clara oposição a quem julga desclassificado”. O fascínio pelo texto bíblico nasceu cedo: ainda criança, António Pedro acompanhava um tio, monge em Singeverga, que viajava pelo país, acompanhando grupos do Renovamento Carismático. “Ele incentivava as pessoas a ler a Bíblia e os documentos do Concílio Vaticano II.” António Fernandes, o tio monge, tinha uma forma de estar e celebrar próxima das pessoas que o sobrinho admirava. “Quis sempre ser como ele.” Aos seis anos, já dizia a toda a gente que queria ser padre. Os pais, ambos operários fabris, foram-se habituando à ideia... A segunda escolha viria aos 12 anos, quando os dehonianos, num trabalho vocacional na escola que frequentava, o convidaram. A congregação foi sendo uma descoberta e uma integração natural, diz. “A vantagem é não termos um carisma vinculado a uma obra, mas estarmos disponíveis para servir onde for mais necessário, de forma cordial e próxima.” O próprio fundador, o padre Léon Dehon (1843-1925), apesar de ter bebido do ultramontanismo francês, “percebeu a indus-

Na Perfectae Caritatis, o decreto do Vaticano II sobre a renovação da vida religiosa, António Pedro lê “frases ainda programáticas e não concretizadas: os religiosos devem voltar às fontes do evangelho e à intenção do fundador, que são sempre um ir para a margem”.

Acerca da sua vocação de consagrado, o padre António Pedro diz: “A vida religiosa nasce como uma radicalidade. Não tenho de andar de tanga, mas estar num hospital pode ser um sinal dessa radicalidade.” trialização, a necessidade de cuidar dos operários, das crianças e famílias, apoiar os marginalizados e de ir além do assistencialismo, construindo com os patrões reflexão e modos de gestão com os critérios do pensamento social da Igreja”. Na Perfectae Caritatis, o decreto do Vaticano II sobre a renovação da vida religiosa, António Pedro lê “frases ainda programáticas e não concretizadas: os religiosos devem voltar às fontes do evangelho e à intenção do fundador, que são sempre um ir para a margem”. Contesta, por isso, ideias feitas: há poucas vocações? “Na Europa, o número é inferior a outros tempos, talvez por não levarmos a sério o estilo de vida ‘marginal’. A vida religiosa nasce como uma radicalidade. Não tenho de andar de tanga, mas estar num hospital pode ser um sinal dessa radicalidade.” “A vida comunitária é um grande desafio. É o maior tesouro mas também a maior penitência”, diz uma frase que ouviu. E dá exemplos: ajustar feitios e sonhos, modos de pensar a teologia, formas de entender o outro – como “alguém a converter ou alguém que é o rosto de Jesus”... Por isso, os desajustes ou os adquiridos são quotidianos – como nas famílias. “O desafio é ser cada um a criar comunidade”, contra a solidão que hoje atravessa tantas casas de vida religiosa: “Por

vezes, há gente mais amada fora da sua comunidade do que dentro.” É essa solidão radical, extrema, que se encontra no hospital. Aí, a imagem que cada pessoa tem de Deus fica mais viva: a doença ainda é, para muitas pessoas, sinal de que Deus não gosta delas; para outras, é um presente que Deus dá aos seus amigos para os purificar, como se o Deus-Amor amasse só os purificados. Cita, por isso, Arnaldo Pangrazzi, autor italiano que tem trabalhado na pastoral da saúde: “Debaixo da roupa estamos todos nus.” E explica: “Mais do que buscar razões ou culpados da doença, importa reconhecermo-nos frágeis, carentes de outros, à semelhança do Deus de Jesus. Se a doença inaugura um processo de perdas, de abandono por Deus, no hospital é possível perceber essa ‘nudez’ comum a cuidadores e cuidados e anterior a qualquer religião. E construir um caminho de sentido, de integração da fragilidade, de devolução de saúde pela inteireza da vida, de perdão de si e de outros.” Cicely Saunders, a “mãe” dos cuidados paliativos, dizia que “quando já não há nada a fazer, está tudo por fazer”. Para António Pedro, está tudo por fazer. * O autor escreve segundo a anterior norma ortográfica.

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DE SICAR A JERICÓ

Os mais jovens da família Já muitos o disseram: uma vocação religiosa que brota nesta sociedade materialista e sensual parece uma flor altiva no deserto. Um autêntico milagre.

A

Abílio Pina ribeiro

cultura de hoje não favorece em nada a consagração a Deus. Respira-se um ar contaminado pelo desejo de possuir e consumir de maneira tola; que tem isso a ver com o desprendimento que se professa na vida consagrada? Exibe-se o sexo como artigo a desfrutar em qualquer altura, assim ande no bolso o preservativo; que lugar se deixa para a vivência duma afetividade madura? Se a lei é cada um fazer o que lhe apetece, onde para o ideal da obediência consagrada? Numa cultura onde o individualismo impera, como viver em comunidade? Se tudo é provisório, efémero, descartável, como assumir a entrega definitiva a Deus e ao serviço dos irmãos? Para se decidirem pela vida consagrada, os jovens têm de passar por muitas provas: objeções graves da família, atração de uma sociedade sedutora e fácil, contínuo desa-

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creditar das instituições eclesiásticas e da moral cristã pela opinião pública.

Até que ponto os ajudamos?

Além disso, um enxame de dúvidas nos salta ao caminho. Perdidos no meio de pessoas que têm a idade dos seus avós, não raro anquilosadas em horários, dinâmicas, estilo de oração, serviços domésticos, encontram os jovens nas comunidades um pai ou mãe espiritual que os iniciem sabiamente? O critério para os colocarmos numa Fraternidade é o de terem ali um ambiente favorável ou, antes, o de taparem buracos, resolverem problemas de pessoal, receberem uma formação que visa a eficiência mas esquece outras dimensões essenciais? Até que ponto se acompanha o seu crescimento afetivo, numa altura em que os seus coetâneos estão na fase do noivado ou do namoro, se é que não estreiam

mesmo a paternidade ou a maternidade? Favorece-se o equilíbrio entre o progresso nas ideias e o aprofundamento da fé e da oração? Palavra de honra que a bondade e a coragem de muitos jovens me surpreende, chamados como são a viver no meio duma realidade assustadora.A suapresençanas comunidades pode ser, por vezes, desestabilizadora e inquietante. Eles interpelam, desmascaram a tendência dos mais velhos à hipocrisia farisaica, à incoerência entre o que dizem e o que fazem, à mediocridade e à acédia, à “esquizofrenia” e ao “alzheimer” espiritual, de que fala o Papa Francisco.

estímulo e confiança

Esperam-se dos mais velhos duas preocupações em relação aos jovens. Consiste a primeira em confiar neles. Quem não confia não é de confiar. Di-lo Timóteo Radiclife, no seu livro Imersos na vida de Deus: «Deus nasceu no meio de nós como um bebé recém-nascido. Festejamos, cada ano, o seu nascimento. Deus é jovem para sempre, mais fresco e mais vigoroso do que nós e, por isso, devemos confiar nos jovens: neles Deus está presente e abrir-lhes-á um futuro que não conseguimos imaginar.

Quando São Domingos enviou os seus jovens noviços a anunciar o Evangelho, os Cistercienses estavam convencidos de que eles se envolveriam com mulheres e ninguém mais os veria. São Domingos disse-lhes: «Tenho a certeza de que sairão e hão de regressar, serão enviados e virão de novo; mas os vossos jovens, guardados a sete chaves, hão de sair.» Não prefere o Papa Francisco uma Igreja acidentada a uma Igreja acomodada? A segunda preocupação consiste em impelir os jovens a carregarem no acelerador até ao fundo. Há uma fidelidade que tem as caraterísticas próprias da juventude, um período em que a seiva ferve e rebenta, a vitalidade é exuberante, bate o auge. Na juventude, é preciso viver com essa tensão de absoluto, de incondicional, de radical. Há que galvanizar o jovem para que eleve a fasquia ao máximo, dê o cem

por cento. A juventude é a primavera e, na primavera, a vida tem expressões exuberantes, transbordantes, ple-

tóricas. Os jovens querem-se fiéis em grau superlativo, a fim de ganharem balanço para a vida inteira.

PArA reFleXÃo PeSSoAl e de GruPo

“os jovens não precisam de programas que estabelecem um fim, mas de ideais que apontam o caminho. É mais importante o rumo do que a meta. Quem coloca a proa no sentido certo não precisa de saber até onde vai, mas para onde. os povos, como as pessoas, navegam sem nunca chegarem; quando recolhem as velas, é a quietude, a morte. as sendas da perfeição não têm fim. Beleza, Verdade, Justiça, quem sentir avidez de as perseguir não se detenha perante fórmulas intocáveis. Em qualquer arte, doutrina ou código, existem germes que são evidentes antecipações, possibilidades de infinitos aperfeiçoamentos. Face aos velhos que recitam credos retrospetivos, entoem os jovens hinos construtivos. É de povos exaustos contemplar o ontem em vez de preparar o amanhã” (JoSÉ inGEniERoS, pensador argentino). ►a vida só pode ser compreendida olhando para trás, mas só pode ser vivida olhando para a frente. ►na juventude aprendemos; com a idade, compreendemos. ►Quando a brasa incandescente do amor toca e purifica o jovem e a jovem, eles tornam-se audazes, livres. Põem-se à disposição; “Eis-me aqui, envia-me” (is 6,8); “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Tornam-se profetas do amor e da esperança, de um mundo novo.

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XXXVIII SeMAnA BÍBlIcA nAcIonAl Fátima, 23 a 27 de agosto de 2015

S A NT IF I C A D O S P E L A P A L A V RA Ser Consagrado, Hoje na Igreja e no Mundo ,

centro Bíblico dos capuchinhos

Ações bíblicas em 2015 ►21-22 março 2015

SEDER PASCAL  (inscrição+hospedagem): quarto duplo, 54€; individual, 59€.

►19-24 julho 2015

RETIRO BÍBLICO Sobre a leitura orante da Bíblia, ou Lectio Divina. Orientado por frei Manuel Arantes da Silva e frei Luís Manuel Leitão. INSCRIÇÕES E INFORMAÇÕES

Telefones: 249 530 210; 249 539 215; 249 530 390; 926 261 463. E-mails: fatima@capuchinhos.org sndb@difusorabiblica.com

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23. DOMINGO

21:00, Apresentação da semana. Frei Manuel Arantes, ofmcap / Secretário da Semana. 21:15, o consagrado num mundo secularizado: Frei Fernando Alberto, ministro provincial ofmcap. 21:45, powerpoint. Frei Manuel Rito, ofmcap. 22:00, oração da noite. Equipa de Liturgia.

24. SEGUNDA

10:00, o profano, o religioso, o sagrado e o consagrado na vida e na Bíblia. Frei Herculano Alves, ofmcap. 11:15, intervalo. 11:45, comunicação: Aliança e vida consagrada. Irmã Maria das Dores Rodrigues, fma. 15:30, povo de deus, um povo de consagrados. Padre Manuel Barbosa, scj.

25. TERÇA

10:00, profetas, os consagrados à palavra. Frei Bernardo Correia, ofm / UCP Porto. 11:15, intervalo. 11:45, comunicação: consagrados ao serviço da palavra. Irmã Núria, Verbum Dei. 15:30, Jesus cristo, o consagrado do pai, para o mundo. Doutor José Carlos Carvalho, UCP Porto.

26. QUARTA

10:00, vocação e missão de paulo, paradigma da vida consagrada. D. António Couto, Bispo de Lamego. 11:15, intervalo. 11:45, comunicação: consagrados, santificados em cristo. Irmã Graça Guedes, superiora provincial rad 15:30, os consagrados na vida e na história da igreja. D. Francisco Senra Coelho, bispo auxiliar de Braga.

27. QUINTA

09:30, desafios e futuro da vida consagrada. D. Augusto César. 11:00, EUCARISTIA de encerramento. D. Augusto César.

BEJA, 60 anos depois No dia 25 de fevereiro passado, os franciscanos capuchinhos celebraram os 60 anos da fundação da Difusora Bíblica e da revista BÍBLICA, e os 50 da 1ª edição da Bíblia na cidade de Beja. Deixando para o próximo número a reportagem especial do acontecimento, neste queremos apenas recordar o modo como tal evento foi celebrado.

C

omo não podia deixar de ser, para centro das celebrações foi escolhida a paróquia do SS.mo Salvador, em Beja, onde a Difusora e a Revista tinham nascido há 60 anos. Para isso, deslocaram-se até lá frei Luís Manuel Leitão, administrador da Editora, e o frei Lopes Morgado, chefe de redação da revista. De 23 a 27 de fevereiro, entre as 21 e as 22,30 horas., orientaram um curSo BÍBlIco no Centro Social do Salvador. “Com a Bíblia na mão e o Deus da Bíblia no coração”, foram refletidos os temas: 1º. CONSTRUIR a vida crente SOBRE A ROCHA da Palavra, à luz da Bíblia e da Igreja. 2º. A BÍBLIA nasceu da vida / a VIDA nasce da Bíblia, tendo o Êxodo por matriz e motriz do Povo de Deus, com uma celebração baseada emNeemias 8-10. 3º. Rezar a Vida e a História com os SALMOS, concluindo com o canto do Salmo 1 e um ppt a ligá-lo à vida. 4º. OS PROFETAS: homens de

Deus e do Povo, personificados em Isaías, Jesus, Povo de Deus e Ser profeta, hoje. 5º. JESUS CRISTO e o Evangelho de Marcos, com uma Lectio divina sobre o Evangelho do II domingo da Quaresma. Em resposta à oferta feita pelos capuchinhos, das paróquias e movimentos da cidade afluíram exemplarmente ouvintes da Palavra em média diária de 200 pessoas, chegando num dia às 225. No domingo, a celebração centrou-se numa eucArIStIA festiva, presidida pelo senhor Bispo de Beja, D. António Vi-

talino, a que se juntou o bispo coadjutor D. João Marcos, e também frei Henrique, carmelita pároco do Salvador, o ministro provincial dos capuchinhos frei Fernando Alberto, o presidente do Secretariado Nacional de Dinamização Bíblica, frei Manuel Arantes, e frei Lopes Morgado. Para se unirem à festa, vieram elementos de grupos bíblicos de Faro, Samora Correia, Cacém, Lisboa, Coimbra,

Grupo coral e assembleia na igreja do Salvador. Ao fundo, os dois Bispos e concelebrantes, no altar. Fotos LM

Famalicão da Nazaré, Barcelos e Fátima. Organizaram o cortejo de entrada com o andor da Palavra, participaram na Eucaristia, seguindo-se o AlMoÇo partilhado e o con-

VÍVIo, em que fraternamente

participaram também os dois senhores Bispos. Bem hajam os Carmelitas do Salvador, que acolheram os dois capuchinhos como seus irmãos; o padre Henrique, seu prior e pároco do Salvador, e todos os párocos da cidade, que zelosamente divulgaram o Curso e nele participaram.

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MOVIMENTO BÍBLICO

XXIV Semana Bíblica de Barcelos

D

e 26 a 31 do passado mês de janeiro realizou-se a XXIV Semana Bíblica de Barcelos. Como nos anos passados, decorreu no Salão das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria, em Arcozelo. O Tema da Semana foi: A Bíblia, Evangelho da Família. No primeiro dia, o Professor João Duque, da Faculdade de Teologia de Braga, desenvolveu o tema: Família cristã: Que futuro? No segundo dia, o frei Herculano Alves explicou A Estrutura da família no Antigo Testamento. No dia 28 de janeiro, foi a vez do padre Doutor João Alberto Correia, pároco de Prado e Professor na Faculdade de Teologia de Braga, falar sobre as Metáforas da Família, nos Profetas, particularmente em Oseias. Ao frei Acílio Mendes coube o tema: A Novidade de Jesus sobre a Família. E o Professor José Carlos

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Carvalho tratou o tema sempre atual da Pastoral Familiar e sua importância. A Semana terminou com uma solene Eucaristia presidida por D. Francisco Senra, bispo auxiliar de Braga, e conna Eucaristia final, houve um momento celebrativo dos 25 anos do Secretariado Bíblico Braga/Viana. no próximo dia 17 de maio, o Grupo Bíblico de Lijó também vai celebrar as suas bodas de prata, com um programa apropriado. parabéns!

celebrada pelo pároco de Lijó e os irmãos capuchinhos Acílio Mendes, Herculano Alves, Emídio Morais e Luís Gonçalves. Na homilia, o senhor D. Francisco salientou a importância destas Semanas Bíblicas e a necessidade de as continuar. Cada dia, a assembleia foi brindada com a representação de um tema bíblico, a cargo dos grupos bíblicos de Arcozelo, Abade Neiva, Apúlia, Matriz da Póvoa de Varzim e Lijó. O Grupo de Lijó animou também a Eucaristia. No final, houve uma saudação especial para o Secretariado Bíblico de Braga/Viana, pelas suas Bodas de Prata. Nesta Semana Bíblica, participaram mais de 230 pessoas. A paróquia mais representada foi a da Apúlia com 46 participantes. Além do Arciprestado de Barcelos, estiveram também representados os de Vila do Conde/Póvoa de Varzim, Vila Nova de Famalicão, Braga, Esposende e Ponte de Lima. Também marcaram presença alguns párocos dos Arciprestados de Barcelos, Vila Nova de Famalicão e Ponte de Lima.

Frei Luís Gonçalves

D. Francisco Senra Coelho (acima), novo bispo auxiliar de Braga, presidiu à celebração da Eucaristia de encerramento para uma numerosa assembleia.

otícias

seleção de João santos costa

Aproxime-se de Deus com “ousadia”

A imagem foi feita por um selo cilíndrico, típico de governantes da antiga Mesopotâmia, estando exposta no Museu Britânico, em londres.

À

direita do desenho, temos a inscrição suméria: «Ur Nammu, o homem poderoso, o rei de Ur; Hash-Hamer, governador de Ishkun - Sin, é o seu servo.» Na verdade, o desenho explica o texto. Sentado no trono, está o rei Ur Nammu, importante monarca da cidade de Ur dos caldeus, e fundador da terceira dinastia dessa cidade. Talvez Abraão tenha sido contemporâneo dele. O governador Hash-Hamer é conduzido à presença de Ur Nammu, e quem o guia é uma semideusa, também chamada de Lama, uma figura divina intercessora. Veja-se a mão sobre a boca de Hash-Hamer. Essa era a posição de oração entre os sumérios, tanto que o verbo kiri-shu-gal (orar) literalmente significa «colocar a mão sobre o nariz/a boca».

Imagem relativa ao texto da coluna à esquerda. Na argila fresca, o selo era rolado e formava o desenho. O tamanho dele é de 5,28 x 3,03 cm.

A cópia mais antiga dos Evangelhos deve ser divulgada oficialmente em 2015

Achado arqueológico pode ser o primeiro manuscrito do novo testamento que data do 1º século.

F

de estudos do Novo Testamento no Acadia Divinity College, no Canadá, e um dos 30 cientistas que estudam os achados, disse por meio de sua Máscara de múmia egípcia, dentro da qual se encontravam fragmentos do Evangelho de Marcos, até há 3 anos.

ragmentos do evangelho de Marcos, encontrados por pesquisadores há cerca de três anos numa máscara de múmia egípcia, devem ser divulgados até o final de 2015. O achado arqueológico pode ser a cópia mais antiga dos evangelhos localizada até agora. Os pesquisadores que investigam o papiro evitam afirmações categóricas antes da publicação oficial. Mas, nesta semana, Craig Evans, professor

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bém era um material caro na época, folhas que já tinham algo escrito costumavam ser reaproveitadas na mumificação.

Existência do rei David confirmada em achados arqueológicos

Fragmentos da que pode ser considerada a cópia mais antiga do Evangelho de Marcos.

página no Facebook que, se os estudiosos estiverem certos, realmente «este será o primeiro manuscrito do Novo Testamento que data do 1º século». O assunto voltou à tona depois da repercussão internacional de uma entrevista concedida por ele para uma reportagem que foi publicada no último dia 18 de janeiro pelo site Live Science. Evans explicou que as informações obtidas até agora por meio de uma combinação de métodos (como datação por carbono-14, estudo da caligrafia do fragmento e análise dos demais documentos encontrados junto com o trecho do evangelho) levam os pesquisadores a crer que o fragmento foi escrito antes do ano 90 de nossa era. Até ao momento, o fragmento mais antigo do Novo Testamento é um pequeno

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trecho do evangelho de João, datado de aproximadamente 125 d.C.. Nenhum manuscrito do 1º século ainda é oficialmente reconhecido. Acredita-se que Marcos tenha sido o primeiro evangelho a ser escrito. Alguns estudiosos, a exemplo do doutor Paroschi, chegam a datá-lo da metade do século I. «Se o fragmento for mesmo anterior ao ano 100, então a cópia foi feita ainda no período apostólico. O fragmento que traz cópia de trechos do evangelho de Marcos foi encontrado num papiro reutilizado na fabricação da máscara de uma múmia egípcia. Embora esse artefato costumasse ser de ouro no caso dos faraós, para pessoas comuns as máscaras eram confecionadas com papiro (ou linho), tinta e cola. Como, no entanto, o papiro tam-

Segundo textos da Bíblia, o rei david governou no século X ac, se usarmos a cronologia tradicional. Mas, até 1993, o seu nome nunca tinha visto em achados arqueológicos.

E

ste facto motivou grandes discussões entre as autoridades arqueológicas, chegando alguns a duvidar da existência do rei David. Os estudiosos que defendiam esta tese argumentavam que o rei David seria uma figura mítica, ou até uma criação literária de autores bíblicos posteriores. Finalmente a partir de 1993, com o achado da famosa inscrição do Tel Dan numa escavação liderada por Avraham Biran, começou-se a pensar diferente. Nestas pesquisas arqueológicas do Tel Dan, no norte de Israel, Biran trabalhava para a equipa como agrimensor, e foi Gila Cook, quem percebeu a inscrição numa pedra de basalto comum da região da alta Galileia, localizada nos fundamentos da parte inferior de uma parede. Era um escrito do século IX aC. em aramaico, e a inscrição fazia parte de uma estela que menciona a vitória de

Estela encontrada em Tel Dan, no norte de Israel, confirmando a existência de David neste país.

um rei estrangeiro sobre «o rei de Israel» e a «Casa de David».

Tal inscrição é importante, porque, mesmo um século depois de ter morrido, David ainda é lembrado como o fundador de uma dinastia – a Casa de David.

Objetivo: atacar os jovens

o padre jesuíta sírio ziad Hilal revelou à Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), após “um sangrento atentado” com um carro bomba, em janeiro, na cidade de Homs, na Síria, que o objetivo era atacar os jovens.

S

egundo este sacerdote, «a maioria eram estudantes universitários, jovens que não

tinham abandonado a cidade. Qual é a mensagem do atentado? Na minha opinião, o objetivo eram os jovens», segundo divulgou a AIS. O sacerdote explicou que um carro-bomba explodiu numa rua movimentada no centro da terceira maior cidade da Síria, Homs, fazendo 15 mortos e «pelo menos 50 feridos», alguns com gravidade, contando-se também cristãos entre eles. «O ataque ocorreu muito próximo da nossa igreja e do nosso centro de ajuda. Desconhecemos quem está por trás do ataque, mas foi uma tragédia, as imagens são horríveis», relatou o sacerdote sírio que estava a visitar as famílias das vítimas para «tentar» dar-lhes algum conforto.

A Fundação pontifícia AIS destaca também que o padre jesuíta se mostrou «desiludido» com a «falta de qualquer reação» dos meios de comunicação social internacionais. «Depois dos ataques em Paris todos os olhos se voltaram para França. E aqui? Tanto quanto sei, não houve nenhuma reação ao que aconteceu aqui. Nem uma palavra. Apenas silêncio. A Síria e o sofrimento quotidiano do povo

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NOTÍCIAS Sírio foram esquecidos», lamenta. Nesse sentido, o padre Ziad Hilal apela «ao mundo inteiro,especialmente aos benfeitores da AIS», que rezem pela Síria, sobretudo pelas vítimas deste «dramático ataque e pelas suas famílias». O trabalho humanitário do sacerdote jesuíta é apoiado pela AIS e, «graças» aos seus centros, foram distribuídos alimentos, roupa e artigos de higiene a milhares de pessoas, «independentemente da sua religião ou ideologia política».

Achado arqueológico em Israel confirma relato do livro de Josué

um pequeno amuleto, descoberto no ano passado, nas ruínas da fortaleza em Khirbet el-Maqatir, a 9 km ao norte de Jerusalém, ajudou os arqueólogos a comprovar mais um relato bíblico.

O

Antigo Testamento conta a história da cidade de Ai, que foi conquistada e incendiada pelos israelitas durante a conquista de Israel. No livro de Josué há um relato sobre isso, mas a localização da cidade nunca foi totalmente comprovada. A escavação foi liderada pela Associates for Biblical Research (ABR), especialista em escavações bíblicas. A e-

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quipa descobriu, numa caverna subterrânea, ruínas de uma casa e mais de 100 moedas. O que mais chamou atenção, dentre as descobertas, foi um objeto com menos de dois centímetros. O relatório explica que é uma peça ornamental usada provavelmente num colar, chamada scarabée. O ornamento recebe esse nome porque o seu formato é parecido com um escaravelho. Os antigos egípcios reverenciavam esse inseto, pois relacionavam-no com o deus do sol. O relatório da ABR afirma que o escaravelho possui inscrições indicando que provavelmente pertenceu ao último rei de Ai. A datação dos objetos encontrados aponta para o final da era de bronze, entre 1550 e 1450 a.C. Esse período histórico ajusta-se ao que é aceite para a narrativa de Josué.

Violência na União Indiana

A organização indiana ‘catholic Secular Forum’ divulgou em janeiro um relatório em que conta cinco cristãos mortos, mais de 300 sacerdotes, pastores e lidees de comunidades agredidos e feridos e duas mil mulheres indianas vítimas da violência durante 2014.

O

leigo católico Joseph Dias, responsável pelo Catholic Secular Forum (CSF), disse à Agência Fides, do Vati-

cano. «Esta lista é apenas indicativa e não definitiva.» O relatório sobre liberdade religiosa na índia revela que foi registado, «pelo menos, um caso de violência por dia» sobre pessoas, lugares ou líderes cristãos em 2014. No total foram mais de 7 mil incidentes dos «mais graves», envolvendo maisde 1600 mulheres abusadas e violentadas e 500 crianças. A CSF indica no relatório que são grupos extremistas hindus que causam violência, como «a maior ONG na índia», o ‘Rashtriya Swayamsevak Sangh’ (RSS) que promove a ideologia nacionalista hindu e quer “eliminar” do país as minorias religiosas. A agência de informação contabiliza também, segundo o documento, que o RSS se apropriou de 60 igrejas «profanando-as e transformando-as em bases». O ‘2014 Persecution Report’ constata ainda que há “cumplicidade” das instituições públicas, como a polícia, que «muitas vezes se recusa» a registar «atos de violência anticristã», ou os meios de comunicação social que «ignoram os abusos» por meio da “não-publicação de notícias». Chhattisgarh, no ocidente do país, é ainda o território onde se regista mais violência, sendo por isso o Estado em que «é mais perigoso» ser cristão. (Fides/CB/OC)

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Evangelho de Marcos (Lentzen-Deis): 2 “Atualidade Bíblica” (16 números): 6

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