ON D E A B ÍB LIA S E FA Z V ID A
TERRA SANTA
Basílica da Dormição
Ano 62 / julho-agosto 2016 / Nº 365 / € 1.50
As OBRAS de MISERICÓRDIA
Quem era a b a i l a ri n a q u e f e z de g o l a r J o ã o B a t i s t a ?
Sumário
Ano 62 / Nº 365 / julho-agosto 2016 SITUAR a palavra
01 As outras obras de Misericórdia ESTUDAR a palavra 03 Quem era a bailarina que fez degolar
João Batista?
CELEBRAR a palavra 02 Salmo 103 31 Jonas: Jogral para o Ano da Misericórdia 29 Quando os braços estendi (Cântico) SECÇÕES 10 ecuMeniSMo: um concílio ortodoxo a
meio caminho
12 crónicA: estive doente e [não] vieste
ver-me
37 TerrA SAnTA: Basílica da Dormição 40 FAMÍLiA: A Família à luz da Misericórdia 42 De SicAr A Jericó: o segredo de Santa
Teresa de calcutá
44 MoviMenTo BÍBLico: Programa do retiro
Bíblico e da XXXiX Semana Bíblica nacional
45 noTÍciAS do mundo bíblico
DOSSIÊ
As Obras de Misericórdia 13 As obras de
Misericórdia
14 obras
“corporais”
22 obras
“espirituais”
CAPAS: As “Sete obras de misericórdia”, pintor da escola de Noord-Hollandse de Haarlem, Países Baixos (1580), Museu Boijmans Van Beuningen, Roterdão, Holanda. Note-se um pormenor significativo: entre um pobre e o doador, mesmo na dobra da capa, vê-se a figura de Cristo abençoando, a agradecer o que é feito aos outros como se fosse feito a Ele próprio (Mt 25,34-40).
XXXIX SEMANA BÍBLICA NACIONAL
Inscreva-se! Começa a 28 de agosto. Na pág. 44 tem programa e informações. ASSINATURAS Portugal: € 10,00; Europa, Macau, Guiné Bissau, S. Tomé e Príncipe: € 14,50; Países fora da Europa: € 17,50; Assinante Benfeitor: Quantia superior à indicada para a respetiva assinatura.
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AS OUTRAS OBRAS DE MISERICÓRDIA
O
catecismo católico enumera apenas catorze, sendo sete corporais e sete espirituais. o papa, na Mensagem para a Quaresma deste ano, explica o sentido: «Se, por meio das obras corporais, tocamos a carne de cristo nos irmãos e irmãs necessitados de ser nutridos, vestidos, alojados, viDefender a vida em sitados, as obras espirituais tocam mais diretodos os momentos tamente o nosso ser de pecadores: aconselhar, ene situações para sinar, perdoar, admoestar, rezar. Por isso, as obras dar mais dignidade à morte. corporais e as espirituais nunca devem ser separadas» (nº 3). no domingo da Divina Misericórdia (ii da Páscoa), Francisco, dirigindo-se à Associação para a Igreja que Sofre (AiS) convida-nos a todos «a fazer uma obra de misericórdia, mas que permaneça, porque a misericórdia é a carícia de Deus». A Fundação AiS, neste momento já com mais de 6 mil projetos em curso, vai levar mais longe este desejo do papa lançando uma campanha internacional em quatro grandes áreas: necessidades, apóstolos, lugares e frutos de misericórdia. De facto, os gestos de bondade de uns com os outros não se reduzem a sete mais sete obras de misericórdia. cada gesto de bondade tem um destino definido, um rosto concreto, num lugar certo; responde a uma urgência singular, num tempo sempre atual. Por isso, além daquelas, hoje é necessário dar uma resposta de misericórdia às Outras Obras de Misericórdia:
1. Alimentar alguém com os excedentes de comida que se perdem todos os dias, 2. Abrir um poço de água potável num dos países do Sahel, 3. Plantar uma árvore para vestir o planeta e diminuir a pegada ecológica, 4. Dar um lugar habitável a quem dorme debaixo da ponte, 5. construir um centro materno-infantil em Timor-Leste para as crianças, 6. Destruir as fábricas de armas para acabar com o terrorismo e as guerras, 7. Defender a vida em todos os momentos e situações para dar mais dignidade à morte.
8. Promover a cultura do diálogo e da tolerância em todos os países, 9. incentivar o otimismo e as capacidades para o bem, a verdade e a beleza, 10. Lutar pelos direitos civis de todos os cidadãos, 11. educar para os deveres políticos e sociais, no país e no mundo, 12. Aceitar a diferença para que a humanidade seja fraterna e plural, 13. Perdoar as dívidas aos países mais pobres para maior justiça mundial, 14. rezar juntos por todos e com todas as religiões.
O diretor
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bíblica ONDE A BÍBLIA SE FAZ VIDA
Sócio da AIC nº 258
http://difusorabiblica.com/index.php/ catalogo/revista-biblica-23/ estatuto-editorial.html
Diretor
Manuel Rito Dias
Salmo 103
Administrador
A misericórdia é, aos nossos olhos, a maior fraqueza de Deus.
Luís Manuel Leitão
Chefe de Redação Lopes Morgado
Redatores Permanentes
Abílio Pina Ribeiro, Acílio Mendes, António Marujo, Ariel Álvarez Valdés, César Pedrosa Pinto, Fernando Ventura, Herculano Alves, João Santos Costa, Manuel Arantes, Vítor Arantes
Direção gráfica Lopes Morgado
Paginação
Tânia Cordeiro
Edição
DiFuSoRA BíBLiCA (Franciscanos Capuchinhos)
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Fecho deste número: 22 junho
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Deus está longe do pecado mas está perto do pecador. Ele cura as feridas do doente no caminho de Jericó; liberta da cadeia os oprimidos e derruba os muros da prisão. Mostra-nos um caminho a seguir e faz-se nosso companheiro. Chega mais depressa que nós à meta da nossa oração. A sua misericórdia chega primeiro ao nosso coração, do que o nosso arrependimento ao coração de Deus. Olha a nossa miséria a partir da sua grandeza e os nossos males a partir da sua bondade. Ele é o sopro eterno que mantém de pé este barro.
frei Manuel Rito Dias
Como um pai se compadece dos filhos, assim o Senhor se compadece dos que o temem. (v. 13)
A BÍBLIA RESPONDE
Quem era a bailarina que fez degolar João Batista? Uma das bailarinas mais famosas do mundo é, sem dúvida, Salomé. Não sabemos se bailava bem. Só sabemos que, por uma única dança, ficou célebre no mundo inteiro. Foi na festa de aniversário de Herodes, o governador da Galileia, que ela pediu, como paga pela sua atuação, a cabeça de João Batista. Ela, não; a mãe. Leia e saiba como a figura de uma menina de 12 anos foi adulterada pela ignorância. Ariel Álvarez Valdés
arialvavaldes@yahoo.com.ar
Beleza assassina
o macabro acontecimento marcou a sua fama para sempre. Desde então, muitos artistas pintaram-na com a cabeça ensanguentada de João na dobra do seu vestido ou numa bandeja e um sorriso satisfeito. outros, no dramático instante do baile, excitando a imaginação de Herodes com os seus movimentos. A literatura, o teatro e a ópera também a escolheram como tema central em muitas ocasiões. É a favorita de dezenas de filmes, desde o início do cinema. e o seu baile tornou-se tão popular, que a famosa “Dança do ventre” e a “Dança dos Sete véus” dizem ter sido inspiradas por aquele seu espetáculo. Tudo isto, fez dela o símbolo da mulher sexualmente diabólica, personificando o comportamento desenfreado e a depravação. Mas, o que há de certo em todo esse relato do evangelho? Quem foi, na verdade, Salomé?
Para arranjar um bom marido
Salomé era uma princesa judia, descendente de uma familia real estranha e com-
plexa. Seu pai chamava-se Herodes, e era filho do famoso rei Herodes que mandara matar os meninos de Belém quando Jesus nasceu (Mt 2,13-18). Mas o pai de Salomé não se dedicava à política. era um tranquilo cidadão que vivia em roma, dedicado à sua família. Sua mãe chamava-se Herodíade, e era filha de outro filho do rei Herodes (Aristóbulo). ou seja: o pai e a mãe de Salomé eram tio e sobrinha. e Salomé era, ao mesmo tempo, neta e bisneta do rei Herodes! A menina veio ao mundo cerca do ano 16 d.c., no luxuoso palácio que a sua família tinha na capital romana. Desde muito pequena, foi educada na tradição e nos costumes judaicos. Mas, por viver em roma, Salomé também recebeu uma educação mais liberal, própria das meninas romanas. como elas, aprendeu a ler e a escrever, e teve aulas de baile e de música. Toda a sua formação tinha um único objetivo: conseguir um bom casamento. Por isso Herodíade, sua mãe, mulher ambiciosa e ávida de poder, procurava casá-la com o homem mais influente possível, que permitisse a toda a família subir ainda mais na escala social.
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A BÍBLIA RESPONDE
A visita inesperada
Mas, quando Salomé tinha apenas 11 anos, ocorreu um facto que mudou a sua vida para sempre. Por volta do ano 27, chegou de visita a sua casa um tio da menina, irmão de seu pai, chamado Herodes Antipas. Tratava-se de um personagem importante, pois era nada menos que tetrarca (isto é, quase um rei) da província mais rica da Palestina: a Galileia. Antipas fazia periodicamente estas viagens da Palestina a roma, e sempre se hospedava em casa de seu irmão Herodes. como a Palestina era uma região que dependia politicamente de roma, Antipas costumava ir prestar contas da sua administração ao imperador Tibério, e de passo aproveitava para criticar outro governador da Palestina, Pôncio Pilatos, que mandava sobre o território da Judeia, ao sul da sua província. Pilatos sabia das más informações que Antipas costumava levar ao imperador acerca dele, e por isso tinha uma inimizade de morte por Antipas (ver Lc 23,12). Mas, naquele ano, a visita de Antipas a roma teve um rumo inesperado. enamorou-se loucamente da sua cunhada, e, movido pela paixão, propôs-lhe que abandonasse o seu marido e fosse com ele para a Galileia. A ideia não desagradou a Herodíade. em roma levava uma vida escondida e monótona; ao contrário, na Palestina teria o título quase de rainha, e teria uma vida social ativa no ambiente político local, com grandes possibilidades de se alcandorar ainda mais. De modo que decidiu aceitar a proposta.
Por um pregador inoportuno
Herodíade, depois de acordar um divórcio apressado, abandonou o seu marido e tio, e foi com o seu novo marido e também tio Antipas. A pequena Salomé, sem perceber muito bem o que estava a acontecer, foi com eles.
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Mas a manobra de Antipas teve que enfrentar outro obstáculo mais sério: o tetrarca estava casado, e a sua mulher era uma princesa árabe, filha do rei Aretas iv, vizinho da sua província. Quando a mulher soube que o seu marido regressava a casa com outra mulher, temendo pela sua vida e pelo seu futuro, resolveu fugir e procurar refúgio em casa de seu pai, na nabateia. Assim, quando Antipas chegou à sua residência, verificou que a sua esposa já a tinha abandonado, deixando-lhe o terreno livre e desocupado para começar a viver o seu novo casamento. então, Herodíade e Salomé instalaram-se imediatamente e sem maiores problemas no palácio de Antipas, na recentemente construída capital da Galileia, Tiberíades, sobre a margem ocidental do lago da Galileia. Ali, a menina levou uma vida cheia de luxos e comodidades, própria de uma verdadeira princesa, convivendo com membros das famílias aristocráticas da sociedade palestinense. Mas, o segundo matrimónio de Antipas provocou um grande escândalo em todo o país, pois violava abertamente a Lei de Moisés que proibia a uma mulher casar-se com o irmão de seu marido (Lv 20,21). Para a mentalidade judaica, o de Antipas com Herodíade era um incesto. e semelhante imoralidade não escapou às repreensões de um fogoso pregador, chamado João Batista, que nos seus sermões começou a denunciar o vergonhoso casamento do casal governante, dizendo: «Não te é lícito ter contigo a mulher do teu irmão» (Mc 6,18). e, assim, acabou a paz para a recém-chegada Herodíade.
O baile mais caro da história
A pedido de Herodíade, que se sentia ultrajada com as denúncias, o marido mandou prender João Batista. Mas não quis matá-lo. Antipas sentia certo respeito, e até ve-
neração pelo profeta judeu, a quem às vezes ia ouvir na prisão. Por isso preferiu mantê-lo vivo (Mc 6,17-20). Mas pouco depois teve lugar o acontecimento que daria origem à lenda de Salomé e que marcaria o seu destino para sempre. São Marcos conta que Antipas celebrou uma festa de aniversário, e convidou os personagens mais notáveis da corte, gente na sua maior parte endinheirada, mas provinciana, e por isso ansiosa por conhecer e admirar os refinamentos da capital. Herodíade, que gostava de se jactanciar do nível cultural adquirido na metrópole do império, encontrou a forma de assombrar os comensais, e de passagem mostrar a hierarquia da corte do seu marido. Preparou Salomé, que na alta sociedade romana tinha aprendido atrativos bailados, dos que aquela gente tosca não fazia a menor
ideia, para que oferecesse um espetáculo original. e em pleno festim, quando os humores do vinho e o enfartamento pela comezaina se haviam apoderado dos convidados, a pequena Salomé, quase sem saber o que se passava, foi introduzida na sala do banquete para fazer a sua exibição.
A cabeça como salário
Segundo Marcos, quando a dança terminou, Antipas prometeu à bailarina oferecer-lhe o que ela quisesse, «nem que seja a metade do meu reino». ela, então, consultou a sua mãe: «Que hei de pedir?» (Mc 6,22-24). É estranho que alguém com 16 ou 17 anos, como foi imaginada pela arte ao longo dos séculos, ou como parece deduzir-se da palavra utilizada pelas Bíblias, se mostre tão dependente de sua mãe; e que, tendo a pos-
Benozzo Gozzoli, A Dança de Salomé e a morte de João Batista. Aqui, a jovem tem a sua idade real.
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A BÍBLIA RESPONDE sibilidade de enriquecer enormemente num instante, com tal proposta, acabe por pedir algo que para ela não tem nenhum valor, como a cabeça do profeta João. Marcos parece dar-nos a explicação. Quando fala dela usa a palavra grega korásion (Mc 6,22), que, embora as Bíblias traduzam por «jovem», ou “rapariga”, na realidade é usada para falar de uma menina pequena, que ainda não chegou à puberdade. Salomé, pois, na noite do seu baile, deveria ter 11 ou 12 anos. isto é confirmado pelo episódio da ressurreição da filha de Jairo. Ali, Marcos também chama à menina ressuscitada korásion, e diz que «tinha doze anos» (Mc 5,42). Por isso Salomé pergunta a Herodíade; e por isso acaba por pedir algo sem valor para ela, embora o tivesse para a sua mãe. esta, vendo a oportunidade de se libertar do pregador que tanto a tinha humilhado, respondeu que pedisse a cabeça do Batista. e assim, nessa tarde, o desditoso profeta foi decapitado e a sua cabeça entregue, num prato, à bailarina, que, seguindo o relato, deve ter recebido com horror o macabro presente, pois, sem compreender muito bem, o entregou logo à sua mãe satisfeita.
Ecos distantes de salvação
os meses foram passando, e Salomé continuou com uma vida agradável e tranquila em casa do padrasto. ocupava o tempo em reuniões sociais, tertúlias de ócio, e sobretudo na bisbilhotice, um dos passatempos preferidos no palácio herodiano, onde nunca faltavam escândalos. Precisamente nessa altura, circulavam os rumores acerca de um camponês da Galileia, chamado Jesus, que percorria as povoações e aldeias a pregar uma nova mensagem de salvação. Toda a elite herodiana estava alarmada, porque Jesus, tal como João Batista, não temia criticar o poder, denunciar o modo
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Bernardino Luini Pintor (1482-1532), Salomé com a Cabeça de João Batista, ao jeito renascentista. como eram tratados os mais pobres e anunciar a chegada do reino de Deus. Mas, um pormenor especial tinha transformado Jesus no aperitivo favorito das mulheres do palácio: e era que Joana, a esposa de cusa, o superintendente de Antipas (mais ou menos equivalente a Ministro da economia), se tornara sua seguidora e o ajudava com os seus bens a custear os gastos dele e dos discípulos (Lc 8,2-3). ou seja, que Jesus estava a receber apoio financeiro da própria casa herodiana! Podemos imaginar o espanto e os comentários que tal notícia terá levantado. É mesmo possível que Salomé tenha ouvido falar de Jesus à própria Joana. Mas não deve tê-lo visto pessoalmente, uma vez que Jesus nunca foi pregar a Tiberíades; é que esta cidade estava construída sobre um antigo ce-
mitério, o qual a fazia impura, pelo que não habitava ali nenhum judeu. Por isso Jesus, que dirigia a sua mensagem especialmente aos judeus, não teve motivos para lá ir pregar.
Uma boda desagradável
nos inícios do ano 30, Salomé já tinha 14 anos, idade com que as adolescentes costumavam casar. Herodíade encontrou o candidato ideal para a sua filha, na própria família: um tio de Salomé, chamado Filipe, irmão de seu pai/padrasto. Também ele era tetrarca, governando a região a norte da Galileia. nesse sentido, tratava-se de um magnífico enlace, pois ia permitir à jovem continuar a ocupar um dos escalões mais altos da pirâmide do poder. Mas o noivo de Salomé tinha um problema: era uns cinquenta anos mais velho que ela. ou seja, a candidata viu-se depressa numa situação muito incómoda, ao estar comprometida com alguém que podia ter sido seu avô. não sabemos se aceitou resignadamente o seu destino, ou se chorou e suplicou à sua mãe que mudasse de opinião. o certo é que, chegado o momento, Salomé abandonou Tiberíades e mudou-se para a cidade de cesareia de Filipe, uns 90 quilómetros ao norte, onde vivia o seu noivo, para celebrar o matrimónio. nunca chegou a saber que, nessa mesma altura, na distante Jerusalém, crucificavam o pregador galileu que um dia tinha conquistado o coração de Joana, e de quem ela tanto ouvira falar nas horas livres de Tiberíades.
A única imagem de mulher
o marido de Salomé era homem bom e justo e um governante reto. Mas o tempo ia passando e ele não dava filhos a Salomé, que deseja ansiosamente um herdeiro que lhe garantisse posteridade e justificasse a sua presença na corte. Finalmente, após um curto
período de matrimónio, o seu marido morreu no ano 34. com apenas 18 anos, Salomé tornou-se uma triste viúva sem filhos. e embora lhe permitissem continuar no palácio, a sua situação corria perigo. Tinha que voltar a casar-se quanto antes possível. Para cúmulo dos seus males, pouco depois chegou-lhe de Tiberíades a triste notícia de que a sua mãe Herodíade e Antipas caíram na desgraça do imperador de roma, que os desterrara para as Gálias (França). Salomé perdeu assim a sua mãe, que não mais voltou a ver. Já não tinha a quem recorrer, como na noite do baile de aniversário, para se aconselhar nos seus problemas. Mas a sorte voltou a sorrir-lhe depressa. Por volta do ano 41, um seu primo chamado Aristóbulo engraçou com ela e elegeu-a para esposa. Salomé teve, então, que transladar-se para um lugar muito longe daquele onde vivia, mais para norte. Mas estava feliz. este marido era nove anos mais novo que ela (tinha apenas 15!), e seria o futuro rei da Arménia Menor (na atual Turquia); de modo que, Salomé em breve seria rainha. com isso subiria mais um degrau na escala social: de esposa de um tetrarca, passaria a esposa de
“ A verdadeira Salomé foi
apenas um joguete nas mãos de Herodíade, que a usou para saciar a sua vingança. Mas, hoje, Herodíade é quase desconhecida e Salomé tornou-se famosa, embora por motivos errados: a tradição transformou-a num símbolo de perversão e lascívia.
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A BÍBLIA RESPONDE um rei. e, como se fosse pouco, Aristóbulo ia dar-lhe algo que ela não tinha conseguido com o seu anterior marido: três filhos, aos quais chamou Aristóbulo, Herodes e Agripa. o novo marido de Salomé deveria gostar muito dela, porque no ano 56 cunhou no seu reino uma moeda, em que apareciam os dois, um em cada face, com esta inscrição na face dela: “rainha Salomé”. Por esta moeda, Salomé tornou-se a única personagem mencionada nos evangelhos cujo retrato chegou até nós. Pouco depois, Aristóbulo emitiu outra moeda, mas desta vez só com a imagem dele. Talvez a sua amada rainha tivesse morrido. não chegou a cumprir 45 anos.
Cabeça por cabeça
Salomé não foi uma mulher perversa. Parece ter sido uma boa filha, boa esposa e boa mãe. e o episódio mais famoso da sua vida não foi querido por ela: deveu-se aos desejos de vingança da sua mãe, que a utilizou para os seus propósitos. contudo, o sentimento popular nunca se esqueceu daquele incidente e assanhou-se com a sua memória. Assim, uma lenda medieval conta que certo dia, quando ela cruzava um rio congelado, o gelo quebrou-se e ela caiu à água; e com tão má sorte, que o afiado borde do gelo lhe cortou a cabeça. Deste modo, o destino ter-lhe-ia devolvido o que ela fizera a João: cabeça por cabeça! Também a pintura se encarniçou com ela. Se nos quadros mais antigos a cabeça do Batista aparece pintada nas mãos de sua mãe Herodíade, a partir do renascimento é Salomé quem a segura, atribuindo à infausta princesa o crime da sua progenitora (ver pág. 6). Algo semelhante sucedeu na literatura. Já em 1863, o escritor francês ernest renán, numa biografia de Jesus, a descrevia como depravada e artista de bailes eróticos. Mais tarde, em 1877, Gustave Flaubert compôs
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uma breve história de Herodíade, onde o baile de Salomé é uma espécie de “Dança do ventre”. Mas será oscar Wilde quem lhe vai dar o tiro da misericórdia, em 1892, com a sua famosa obra de teatro “Salomé”. nela, imagina-a enamorada de João Batista: antes de começar a festa de aniversário, declara-lhe o seu amor e tenta beijá-lo, mas o austero pregador rejeita-a. então decide seduzir Antipas com o seu baile, para lhe poder pedir a cabeça do Batista; e quando lha trazem numa bandeja, perante o horror dos presentes, beija os lábios frios e inertes do profeta decapitado e exclama, triunfante: «Finalmente beijei a tua boca, profeta!» A obra de Wilde, com a sua necrofílica Salomé, foi posteriormente transformada em ópera por richard Strauss. A partir daí, a novela, o teatro, o ballet, o cinema, a dança, o striptease e todo o espetáculo erótico que se quis promover, teve como anzol o nome da princesa judia. A verdadeira Salomé foi apenas um joguete nas mãos de sua mãe Herodíade, que a usou para saciar a sua vingança. Mas, hoje, Herodíade é quase desconhecida e Salomé tornou-se famosa, embora pelos motivos errados: a tradição transformou-a num símbolo de perversão e lascívia!
Aristóteles dizia: «Zangar-se é fácil; mas, zangar-se com a pessoa certa, pelo motivo certo, e na medida certa – é exclusivo de sábios.» Tinha razão, Aristóteles. Com Salomé, a tradição comportou-se como néscia. Mas algo podemos fazer, ainda, para reabilitar a sua memória.
b
Tradução / LoPeS MorGADo
ESCOLA DA PALAVRA
agosto e setembro TEMPO COMUM
7 de agosto XIX DOMINGO COMUM 1ª: Sb 18,6-9; Salmo 33/32, 1.12.18-19.20.22; R/ Feliz o povo que o Senhor escolheu para sua herança; 2ª: Heb 11,1-2.8-19). Evangelho: Lc 12,32-48. Semana III do Saltério
14 de agosto XX DOMINGO COMUM 1ª: Jr 38,4-6.8-10; Salmo 40/ 39,2.3.4.18; R/ Senhor, socorrei-me sem demora; 2ª: Heb 12,1-4; Evangelho: Lc 12, 49-53. Semana IV do Saltério
21 de agosto XXI DOMINGO COMUM 1ª: Is 66,18-21; Salmo 117/ 116,1-2; R/ Ide por todo o mundo, anunciai a Boa-Nova; 2ª: Heb 12,5-7.11-13; Evangelho: Lc 13,22-30. Semana I do Saltério
28 de agosto XXII DOMINGO COMUM 1ª: Sir 3,19-21.30-31; Salmo 68/67,4-7ab.10-11; R/ Na vossa bondade, Senhor, preparastes uma casa para o pobre; 2ª: Heb 12,18-19.2224a; Evangelho: Lc 14,1.7-14. Semana II do Saltério
04 de setembro XXIII DOMINGO COMUM 1ª: Sb 9,13-19; Salmo 90/ 89,3-6.12-14.17; R/ Senhor, tendes sido o nosso refúgio através das gerações; 2ª: Flm 9b-10.12-17; Evangelho: Lc 14,25-33. Semana III do Saltério 11 de setembro XXIV DOMINGO COMUM 1ª: Ex 32,7-11.13-14; Salmo 51/50,3-4.12-13.17.19; R/ Vou partir e vou ter com meu pai; 2ª: 1 Tm 1,12-17; Evangelho: Lc 15,1-32. Semana IV do Saltério
18 de setembro XXV DOMINGO COMUM 1ª: Am 8,4-7; Salmo 113/ 112,1-2.4-6.7-8; R/ Louvai o Senhor, que levanta os fracos [ou: … que exalta os humildes]; 2ª: 1 Tm 2,1-8; Evangelho: Lc 16,1-13. Semana I do Saltério
25 de setembro XXVI DOMINGO COMUM 1ª: Am 6,1a.4-7; Salmo 146/ 145,7-10; R/ Ó minha alma, louva o Senhor; 2ª: 1 Tm 6, 11-16; Evangelho: Lc 16,19-31. Semana II do Saltério Peter Paul Rubens, A Assunção da Virgem Santa Maria. Solenidade: 15 de agosto.
Leituras bíblicas
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ECUMENISMO
Um Concílio ortodoxo a meio caminho* Um passo tímido no caminho da unidade, ainda tão cheia de escolhos. O Concílio ortodoxo reuniu em Creta, mas a sua vontade de unidade ficou tolhida pelas divergências e ausências.
A
António Marujo ** Jornalista do religionline.blogspot.pt
quele que deveria ter sido um acontecimento histórico, ficou a meio caminho: pela primeira vez em mil anos (desde 1054, quando se deu a separação formal entre a igreja do ocidente e a igreja do oriente), dez patriarcas das igrejas ortodoxas autocéfalas encontraram-se para o Concílio Pan-Ortodoxo. Mas quatro outros decidiram, à última hora, não participar no encontro, comprometendo o processo iniciado há meio século. entre os ausentes, estava o patriarca cirilo, da igreja russa, a mais importante numericamente, pois congrega um terço dos fiéis de todo o mundo. o dia escolhido para o início da assembleia – domingo, 19 de Junho, festa de Pentecostes segundo o calendário juliano, usado no oriente – viu, assim, traída a sua simbologia, apesar dos cerca de 200 participantes, entre patriarcas, metropolitas e bispos. os patriarcas das igrejas da Bulgária, Antioquia e Sérvia foram os primeiros a demarcarse da assembleia. Depois, com o argumento de que ou estavam todos ou não estava ninguém, cirilo reuniu de emergência um sínodo da igreja russa, que decidiu, poucos dias antes do concílio, não ir a creta. em causa, para estas igrejas, estavam referências dos textos preparatórios ao diálogo ecuménico com católicos e protestantes. estes de-
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veriam ser definidos, na sua perspectiva, como hereges e não como igrejas. Mas havia também reparos sobre questões relacionadas com o matrimónio e com a presença das igrejas ortodoxas no mundo contemporâneo. Já antes, outra divergência entre Moscovo e constantinopla pusera em causa a preparação da assembleia: inicialmente, a reunião estava prevista para a antiga catedral de Santa irene, onde, em 553, se realizou o segundo concílio de constantinopla (actual istambul). Mas o clima de tensão nas relações entre a rússia e a Turquia levou à mudança de local, para a Academia ortodoxa de creta, território neutro, já que está localizado na Grécia, embora sob jurisdição do Patriarcado de constantinopla – cujo estatuto de primado de honra e de “primus inter pares” é cada vez mais contestado em termos práticos por Moscovo, que o considera uma espécie de “papado” ortodoxo.
RELIGIÃO E POLÍTICA
estas divergências explicam e revelam alguns dos problemas da ortodoxia, entre os quais a coincidência da jurisdição “nacional” com o território de missão, e a interpenetração entre questões religiosas e políticas: as igrejas ortodoxas (cuja oposição ao poder centralizado em roma se foi afirmando ao longo de séculos e se consumou no cisma de 1054) prezam muito a sua autonomia – mesmo a que as diferencia umas das outras. o oriente europeu viveu também, ao longo dos séculos, problemas e tensões várias que tiveram consequência no modo como os cristãos daquela região se foram relacionando com as suas sociedades: as cruzadas e o saque de constantinopla estão bem vivos na memória colectiva dos cristãos ortodoxos, como momento violento da divisão entre o cristianismo ocidental e oriental. Mas acontecimentos como a
queda da constantinopla cristã, o império otomano, as duas guerras mundiais e as décadas de domínio soviético influenciaram também muito do que é hoje a experiência ortodoxa. Depois da queda da antiga união Soviética e das mudanças das sociedades do Leste europeu, questões como a presença das igrejas greco-católicas (de rito oriental, mas unidas a roma), a democratização política, o pluralismo social, as crises financeiras e bélicas (como a guerra na ucrânia) ou as graves ameaças ambientais trouxeram à luz do dia a necessidade de um “aggiornamento” das igrejas ortodoxas e da sua presença social. outro factor importante foi a mundialização da ortodoxia através das diásporas. A génese da ortodoxia é a das igrejas autocéfalas – ao contrário do que sucedeu no ocidente, em que a centralização de roma se foi afirmando ao longo dos séculos. com a mundialização e a emigração de muitos, coloca-se o problema da fidelidade à igreja-mãe ou da autonomização de novas igrejas. «Se estas diásporas são uma oportunidade para incitar as igrejas a abrir-se e a cooperar, elas arriscam-se ao mesmo tempo, a fechá-las em guetos étnicos», dizia o padre ortodoxo nicolas Kazarian, um dos peritos do concílio, citado pelo La Croix no primeiro dia da assembleia.
LITURGIA E ATRASOS
A renovação litúrgica é outra questão a enfrentar. A ortodoxia guardou muitas tradições do cristianismo primitivo, mas a liturgia ficou também menos participada – pelo menos, para um olhar ocidental. na praça onde foi celebrada a eucaristia inaugural, por exemplo, não havia quase ninguém durante as longas leituras e salmodias iniciais. os fiéis só apareceram depois, para a liturgia eucarística propriamente dita. «Que sinal de comunhão isto reflecte? comunhão com quem?», perguntava um jornalista grego, citado também pelo La Croix. A mensagem de comunhão foi precisamente aquela em que o patriarca Bartolomeu, de constantinopla, insistiu na sua homilia. «A nossa igreja ortodoxa deve dar ao mundo um testemunho de amor e unidade», declarou. Mas isso «exige um esforço ao nível do que se vive», em relação ao qual, admitiu, os ortodoxos estão, «infelizmente, muito atrasados». Aquele que já era referido como um “vaticano ii” dos ortodoxos, que iria actualizar a presença no mundo contemporâneo, está, assim, ainda por vir. nada de novo, olhando a história de tantos concílios na história: creta terá sido apenas um tímido passo no caminho para a unidade, ainda cheia de escolhos e separações...
Os cerca dos 200 patriarcas, metropolitas e bispos, que participaram no Concílio Pan-Ortodoxo, celebrado na Academia Ortodoxa de Creta. * Por motivos de calendário de fecho da revista, o texto foi escrito antes do final do Concílio.
**O autor escreve segundo a anterior norma ortográfica.
b
11
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CRÓNICA
ESTIVE DOENTE e (não) vieste ver-me
os agentes principais, agora, são os profissionais da saúde: médicos, enfermeiros, maqueiros, pessoal auxiliar… e, num instante, descobrimos serem todos eles os amigos mai-
ores da nossa vida (e da nossa saúde). «Agora esta pica. neste braço. não, naquele, pois aqui a veia não ajuda. Tome este vaso e vá ao quarto de banho urinar. Já está? A dor, quando chega, pode ser um aviso então, deixe tudo aqui e suba para a maca, para amigo; e a doença, uma ocasião outro exame. Tem esse vestiário, tire a sua roumaravilhosa para abandonar o ruído pa, fique só com as cuecas e ponha esta bata de avassalador do mundo e entrar numa papel. Quando estiver pronto deite-se ali, que nós vimos já.» contemplação silenciosa da vida. recordo, de Santo Agostinho, que «não há doente incurável; só aquele que não conhece a sua doença». e também dos jornais do nosso tempo: César Pedrosa Pereira Pinto «A investigação das doenças progrediu tanto, que é impossível encontrar alguém totalmente saudável.» Felizmente, os nossos agentes de saúde pode ser, também, um tempo de pri- têm muita qualidade: claros na comunicação, vilégio, pois a cruz, que nunca está ar- bem-dispostos e sempre sorridentes. e o doente rumada, torna-se mais purificadora, e passa a colaborar melhor nesse trabalho enora vida, preciosa como o ouro, merece este me, cujo maior beneficiário é ele próprio. momento purificador e redentor. Já disse que o doente se pode encontrar na verdade, com a doença chegou tam- num tempo novo, em que as dimensões da albém o tempo de já não sermos nós a mandar; ma se estão a ampliar. e há doenças que tornam a saúde agradável e boa. visitar os doentes, sim; visitar ‘sempre’ os doentes, quem sabe?, paA doença pode ser uma ocasião ra que possam ter paz, pois a sua inmaravilhosa para abandonar o ruído timidade pode estar a construir-se. avassalador do mundo e entrar numa estar doente não é uma desgracontemplação silenciosa da vida. ça; mas, ficar doentio à conta disso, é que não. Até porque a doença pode ser o preço a pagar pela «alma por ocupar o corpo, pois, como inquilina, tem deveres e direitos no apartamento onde mora», como pensavam os clássicos.
e
“
e é assim: bendito seja Deus pelos amigos dos doentes que os visitam; e bendito seja Deus pelos amigos dos doentes que nem sempre os visitam – porque bem sabem deles para além das aparências.
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DOSSIÊ
As obras de Misericórdia
À
igreja não foi confiada apenas a tarefa de proclamar e professar a misericórdia divina, mas também a de a tornar visível numa prática generosa através do acolhimento e do perdão (MV 13 e 14). É um dos critérios de discernimento a que Jesus recorreu para avaliar a verdade da vida: «Uma árvore conhece-se pelos seus frutos» (Lc 6,44). A vinha da misericórdia, cuidadosamente lavrada por Deus, há de oferecer os frutos que Deus espera (ver Is 5,2; Mt 3, 8-9). Tiago alude às obras como expoentes da veracidade da fé (Tg 2,18), e Paulo diz que a fé atua pela caridade (Gl 5,6). Quais são os frutos, as obras de um coração cheio de misericórdia? na Bula do jubileu, o Papa Francisco identifica-os com a prática das chamadas obras de misericórdia, que são as concretizações do amor cristão. um amor que nos urge a ser misericordiosos como Deus é misericordioso (Lc 6,36). obras que se configuram a partir do discurso do “juízo final” (Mt 25,31-46), para as chamadas corporais, e de outros textos da Sagrada escritura, de atitudes e ensinamentos de Jesus, para as chamadas espirituais. Sem esquecer textos proféticos tão significativos como os de is 58,1-12 e ez 18,5-9. escreveu João Paulo ii: «A pregação de Jesus apresenta-nos estas obras de misericórdia para que possamos dar-nos conta se vivemos ou não como seus discípulos. (...). «não podemos escapar às palavras do Senhor, e com base nelas seremos julgados: se demos de comer ao faminto e de beber ao sedento. Se acolhemos o estrangeiro e vestimos o nu. Se dedicámos tempo a acompanhar quem estava doente ou preso (Mt 25,31-45). igualmente se nos perguntará se ajudámos a superar a dúvida, que faz cair no medo e às vezes é fonte de solidão; se fomos capazes de vencer a ignorância em que vivem milhões de pessoas, sobretudo as crianças privadas da ajuda necessária para serem resgatados da pobreza; se fomos capazes de ser próximos de quem estava só e aflito; se perdoámos a quem nos ofendeu e rejeitámos qualquer forma de rancor ou de ódio que conduz à violência; se tivemos paciência seguindo o exemplo de Deus que é tão paciente connosco; finalmente, se encomendámos ao Senhor na oração os nossos irmãos e irmãs» (Dives in Misericordia, 13-15). Textos do Dossiê:
Domingo Montero
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OBRAS DE MISERICÓRDIA “CORPORAIS”
1. Dar de comer a quem tem fome
“Tive fome e deste-me de comer ”
A
(Mt 25,35)
As obras de Misericórdia
fome é um drama e um dos exponentes mais claros da injustiça e da fragmentação da sociedade. os seus números aterram-nos. enquanto uns se assumem como consumistas, outros não atingem os níveis da subsistência. Se uns vivem fechados na sua autonomia e autossuficiência, outros morrem de fome nos umbrais da sociedade do esbanjamento, na indigência mais radical, porque ninguém lhes dá de comer (Lc 16,19-21). Atender esta urgência foi o que, de voz em grito, pediu Isaías em nome de Deus: «O jejum que me agrada é este: repartir o teu pão aos esfomeados... Então, a tua luz surgirá como a aurora» (Is 58,6.7.8). Jesus também teve compaixão das multidões famintas (Mc 6,34ss e par.) e ele mesmo se fez pão entregue (Jo 6,51; Mc 14,22 e par.). É preciso dar de comer ao faminto! Mas não transformar a sociedade num refeitório para marginados e famintos. não criar a fome para, depois, tentar aliviá-la “misericordiosamente”. não “produzir” pobres para depois erguer comedores de pobres, mas trabalhar para que a sociedade seja um espaço onde cada qual possa viver comdignidade e autonomia, disfrutando dos direitos fundamentais, entre eles o do pão de cada dia, com todas as ressonâncias que esse “pão” implica. Porque dar de comer ao faminto tem implicações e horizontes mais amplos que os do alimento material, pois «nem só de pão vive o homem» (Mt 4,4). nas Bem-aventuranças, Je-
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sus falará de fome de justiça (Mt 5), e também este pão deve ser servido e reivindicado. e, além disso, declara bem-aventurado quem sinta essa fome. e de que saciedade? É preciso evitar reduções. Face à tentação “materialista”, devemos «aspirar às coisas do alto e não às da terra» (cl 3,1-2), pois, uma vez mais, «nem só de pão vive o homem» (Mt 4,4); e, face à evasão “espiritualista”, insistir em que a fome é uma carência e uma urgência humana concreta, assumida pelo próprio Jesus («Tive fome…» Mt 25,35); do posicionamento que adotarmos perante ela, dependerá não só a “felicidade” dos famintos, mas a nossa própria “felicidade”.
Dar de comer ao faminto tem implicações e horizontes mais amplos que os do alimento material.
A
água potável e limpa representa uma questão de primeira importância, porque é indispensável para a vida humana… na verdade, o acesso à água potável e segura é um direito humano básico, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas, e portanto é condição para o exercício dos outros direitos humanos. este mundo tem uma grave dívida social com os pobres que não têm acesso à água potável, porque isso é negar-lhes o direito à vida radicado na sua dignidade inalienável.» estas palavras, da encíclica “ecológica” do papa Francisco, Laudato si’ (nn. 28. 30), situam-nos de um modo realista perante esta urgência humana e ambiental. Habituados a abrir uma torneira e ver jorrar água potável e limpa, e acostumados à oferta indiscriminada das bebidas mais variadas, podemos tornar-nos insensíveis à realidade da sede. Mas ela existe e angustia grandes franjas da humanidade. «nalguns países há regiões com abundância de água e ao mesmo tempo outras que sofrem grave escassez» (LS’ n. 28). Dar de beber a quem tem sede não é uma questão “piedosa” mas um direito fundamental das pessoas e da própria «irmã mãe terra» (São Francisco de Assis, no Cântico das Criaturas), que languidesce em muitas áreas do planeta por carência ou por injusta repartição deste precioso dom de Deus. A água é o berço da vida, e em torno dela floresceu e se organizou o dinamismo da humanidade. Já no relato do Génesis, «um rio nascia no Éden e ia regar o jardim, dividindo-se, a seguir, em quatro braços» (Gn 2,10).
De facto, a história da humanidade poderia resumir-se na busca da água. os povos antigos procuravam assentar perto dos rios. Sabiam avaliar os caudais de água e preocupavam-se em administrá-la com esmero. A cultura e a civilização humana cresceram junto das correntes de água. A história bíblica tem belas cenas em torno dos poços de água. em todas elas se destaca o tema de dar de beber ao sedento. Água e sede são termos polissémicos. evocam realidades físicas e espirituais. o próprio Deus se apresenta como «manancial de águas vivas» (Jr 2,13), e Jesus, como fonte de água viva (Jo 4,10; 7,37-38). o mesmo acontece com a sede: sede física, sede espiritual (de justiça: Mt 5,6), de cultura, da verdade (Jo 7,37), de Deus (Sl 42,3…). Jesus disse que nem um copo de água dado em seu nome ficará sem recompensa (Mc 9,41). Mas, dar de beber aos sedentos é um dever inclusivo: abrange toda a sede.
Dar de beber aos sedentos é um dever inclusivo: abrange toda a sede. Carlo di Camerino (1396-1450). Também das págs. 14, 16, 18 e 20.
“Tive sede e deste-me de beber ”
(Mt 25,35)
DOSSIÊ
2. Dar de beber a quem tem sede
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3. Vestir os nus
“Estava nu e vestiste-me… ”
N
(Mt 25,36)
As obras de Misericórdia
a Sagrada escritura, a nudez geralmente vem associada com a desgraça e a vergonha (Is 47,3; Jr 13,22; Os 2,5; Ap 3, 18). Também com a injustiça e a pobreza. vestir e despir são ações que refletem a responsabilidade humana perante a pobreza e a debilidade do próximo. A Lei de Moisés procura que os pobres não sejam despojados das suas vestes: «Se penhorares o manto do teu próximo, devolver-lho-ás até ao pôr do sol, porque a capa é tudo o que ele tem para cobrir a pele. Com que é que ele se deitaria? E se vier a clamar a mim, ouvi-lo-ei porque eu sou misericordioso» (Ex 22, 25-26; ver Dt 24, Amós denuncia os ricos prestamistas que não devolvem o manto do pobre que receberam como penhor, depois de observar, com escândalo, que «se estendem sobre as roupas recebidas em penhor» (2,8). Assim, pois, vestir o nu manifesta o interesse por praticar a justiça com os pobres. um oráculo profético revela que o jejum será aceite por Deus quando os crentes decidirem cobrir o nu (Is 58,7). Hoje, mudaram os parâmetros da sensibilidade em relação ao “nu”. na nossa cultura exibicionista, a roupa, mais do que cobrir, “descobre” o corpo, exibe-o… Mas, aqui não falamos de uma questão cultural/estética; falamos de um problema social que afeta muitos homens e mulheres sem a roupa necessária para se vestirem. A roupa não é apenas uma realidade “térmica”, que protege do frio, mas uma realidade “espiritual”, que nos permite viver a nossa vida com dignidade. É verdade que, na nossa sociedade excedentária, também há excedentes de roupa, que se destinam a cobrir essa carência / ne-
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cessidade primária não apenas de viver aquecidos, mas com intimidade. Porém, o problema não afeta apenas este aspeto da indigência material: também atinge o tema da justiça. não se trata só de vestir o nu, mas de não desnudar quem está vestido, pois muitos dos nus que vestimos foram antes desnudados. Por quem? Talvez pela mesma sociedade que depois os quer cobrir com as suas roupas descartadas... «Se, pois, há de ir para o fogo eterno aquele a quem ele disser: «Estive nu e não me vestiste», que lugar terá no fogo eterno aquele a quem disser: estava vestido e tu me despiste?» (Stº Agostinho).
Não se trata só de vestir o nu, mas de não desnudar quem está vestido, pois muitos dos nus que vestimos foram antes desnudados. Por quem?
“Era peregrino e recolheste-me ”
O
(Mt 25,35)
homem é existencialmente peregrino, forasteiro em busca da pátria definitiva. não tem aqui morada permanente, vive a caminho, buscando realizar a sua vida. A cultura/espiritualidade bíblica, por seu lado, é uma cultura/espiritualidade da hospitalidade. Abraão é apresentado como exemplo de hospitalidade (Gn 18). Facto enfatizado na carta aos Hebreus: «Não vos esqueçais da hospitalidade, pois, graças a ela, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos» (13,2). o povo de Deus viveu intensamente a experiência do estrangeiro/emigrante; e interiorizou-a: «Meu pai era um arameu errante…» (Dt 26,5). e tirou dela uma conclusão para a vida: «Se um estrangeiro vier residir contigo na tua terra, não o oprimirás. O estrangeiro que reside convosco será tratado como um dos vossos compatriotas e amá-lo-ás como a ti mesmo, porque fostes estrangeiros na terra do Egito» (Lv 19,33-34). «Amarás o estrangeiro, porque foste estrangeiro na terra do Egito» (Dt 10,19). e esse acolhimento faz parte do jejum que Deus quer (Is 58,7). As circunstâncias atuais a este respeito são novas. Já não se trata apenas de acolher o peregrino que faz um percurso religioso/turístico (o Caminho de Santiago, por exemplo), pois para isso há bons albergues; mas de abrir as fronteiras nacionais e pes-
DOSSIÊ
4. Dar pousada aos peregrinos
soais às massas ingentes de população deslocada, dos lugares de origem, pela violência que ameaça as suas vidas. As migrações revestem-se de caraterísticas dramáticas. e temos de juntar-lhes os “deslocados internos”. Perda de emprego e habitação, viver na rua, ter que mudar de residência ou de país por medo, perseguição, pobreza… são situações de perda que, prolongadas, criam sofrimento pessoal e familiar, desespero, incerteza e preocupação. As pessoas, sem amparo social e comunitário, sentem-se desprotegidas, desalojadas e podem chegar à depressão e ao vazio existencial. Muitas batem às nossas portas, muitas outras morrem nas nossas costas. Ao caraterizar a igreja como “hospital de campanha”, o papa Francisco refere-se a esta dimensão acolhedora, “hospitaleira”, com as portas permanentemente abertas. e não o esqueçamos: Abraão, acolhendo os “outros”, acolheu o outro, que culminou de bênçãos a sua vida (Gn 18).
Ao caraterizar a Igreja como “hospital de campanha”, o Papa refere-se a esta dimensão acolhedora, com as portas abertas.
5. Assistir os enfermos
O
As obras de Misericórdia
“Adoeci e visitaste-me ” (Mt 25,36)
caminho histórico de Jesus foi juncado de encontros com enfermos. Basta lembrar que, das cerca de 250 unidades literárias em que se dividem os evangelhos, numa sinopse típica, a quinta parte refere-se a atividades de Jesus com doentes ou a exorcismos praticados por ele e seus discípulos. Dos sete sinais feitos por Jesus, segundo São João, quatro implicam uma cura ou uma recuperação. A doença, na cultura judaica contemporânea de Jesus, tinha ressonâncias sociais, além das estritamente físicas: excluía da comunidade. Sem temer contágios reais ou rituais, Jesus viverá sem barreiras protetoras. não poderá ser testemunha de um sofrimento sem ficar profundamente comovido e implicado (Mt 9,36; 14,14; Lc 7,13; Jo 11,38). Jesus não suprime o sofrimento, mas consola os que sofrem (Mt 5,5); não elimina as lágrimas – só enxuga algumas ao passar (Lc 7,13), como antecipação do dia em que Deus «enxugará as lágrimas de todos os rostos» (is 25, 8; Ap 7,17; 21,4) –, mas ilumina-as. irrompe no mundo com esta missão: «Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância» (Jo 10,10). Quer dizer, mais qualidade do que quantidade de vida; e não só para a outra vida, mas também para esta. Porém, o mais significativo é destacar que a sua aproximação aos doentes, à dor ou à marginalização não foi periférica: «Ele tomou as nossas enfermidades e carregou as nossas dores» (Mt 8,17); «pelas suas chagas fostes curados» (1 Pe 2,24). não consta que Jesus tivesse qualquer doença concreta; mas sabemos que não foi indiferente a nenhuma. A doença mais grave é a que se vive na solidão, no meio da indiferença. visitar os en-
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fermos, levando-lhes calor humano e esperança cristã; implicar-se num melhor cuidado sanitário da sociedade; aproximar-se dos doentes com espiritualidade samaritana, para aprender com eles, deixar-se evangelizar por eles, porque fazem parte do evangelho de Jesus, é o modo cristão de visitar os enfermos. Sem esquecer que a doença tem muitos rostos: não afeta só o corpo, mas também a alma. Jesus realizou uma aproximação integral do enfermo. o cristão, ao assistir um enfermo, poderá não lhe devolver a saúde física; mas pode levar-lhe ternura, consolo, confiança e, sobretudo, poderá ele próprio ser curado da indiferença, da falta de humanidade… os doentes podem-nos curar!
A doença mais grave é a que se vive na solidão, no meio da indiferença.
“Estive na prisão e foste ter comigo ” (Mt 25,36)
J
esus incluiu a atenção aos cativos no seu programa messiânico: «O Espírito do Senhor… enviou-me a proclamar a libertação aos cativos…, a mandar em liberdade os oprimidos» (Lc 4,18). visitar os presos é uma das tarefas mais significativas na prática da misericórdia evangélica. A realidade da prisão é mal conhecida. Geralmente vista como hostil e um lugar de castigo, esquece-se que ela é, antes de mais, um lugar de convívio, onde habita uma comunidade humana; e que não deve ser apenas considerada um corretivo ou um “purgatório”, mas um espaço de educação, de humanização e de reinserção social. ora, isso só se conseguirá numa base de humanidade e caridade. o preso já foi condenado à reclusão; não há motivo para aumentar ou agravar a sua pena com o esquecimento. A prisão é difícil, mas é um espaço humano que deve ser evangelizado e que, por sua vez, evangeliza. Dos meus anos de assistência espiritual numa prisão, conservo recordações elucidativas e evangelizadores. várias pessoas disseram-me que se tinham reencontrado ali com Deus. Mas, visitar os presos não pode ser um ato isolado, nem dispensar-nos de procurar, em nome da dignidade humana, formas de reconstruir a personalidade dos presos, respeitar e promover a sua dignidade. e, deste modo, contribuir para «libertar os que foram presos injustamente, livrá-los do jugo que levam às costas, pôr em liberdade os oprimidos quebrar toda a espécie de opressão» (Is 58,6).
DOSSIÊ
6. Visitar os presos
Pois, se eles perderam espaços de liberdade, a sua dignidade permanece intacta. Jesus advertiu os que o seguiram, de que seriam levados aos tribunais e sofreriam todo o tipo de humilhação (Mc 13,9.13; Lc 21,12). e ele próprio suportou a prisão humilhante, durante o processo que o condenou à morte na cruz (Lc 22,47-55 e par.). os primeiros membros da igreja foram várias vezes presos: Pedro e João (At 12,6-7; 4,3), vários Apóstolos (At 5,17-42), Paulo (At 21, 33; 2 Cor 6,5; 11,23) e seus companheiros de evangelização (Rm 16,7; Cl 4,10; Flm 1,23). Para Paulo, a prisão foi uma “cátedra” onde anunciou o evangelho e pôde gerar, assim, novos filhos na fé (Fl 1,10). A igreja não deve ignorar essa sua história. «Lembrai-vos dos presos, como se estivésseis presos com eles, e dos que são maltratados, pensando porque também vós tendes um corpo» (Heb 13,3). visitar os presos, nas várias modalidades das suas “prisões”, faz de nós visitadores do Senhor (Mt 25). Face ao programa do Senhor, a visita aos presos deve ser sempre libertadora, estimulante e portadora de esperança. Por outro lado, há muitas prisões e escravidões íntimas que não devem ser descuidadas pela nossa misericórdia: pessoas encerradas em profundas crises de solidão e angústia, amarradas às suas grades…, clamam do seu silêncio e isolamento e necessitam, igualmente, de ser visitadas e redimidas.
A prisão é difícil, mas é um espaço humano que deve ser evangelizado e que, por sua vez, evangeliza. A visita aos presos deve ser sempre libertadora, estimulante e portadora de esperança.
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7. Enterrar os mortos “Colocou-o num sepulcro ”
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As obras de Misericórdia
(Mc 15,46)
ar sepultura aos mortos é um ato de respeito, piedade e humanidade. Ajuda a conservar, identificada, a memória dos que nos precederam no sinal da fé e dormem o sono da paz. É um convite a manter viva a memória da vida. A morte não faz desaparecer definitivamente as pessoas; a sua recordação fica, de certo modo, é perpetuada no sepulcro. Todas as culturas antigas conhecidaspor israel (egito, Mesopotâmia e canaã) mostraram uma grande sensibilidade acerca do cuidado da memória dos defuntos. os relatos patriarcais referem o “túmulo” como lugar da memória/presença perpétua dos “pais” do povo de Deus (Abraão, isaac, Jacob, Sara, David...). Ser privado de sepultura, em israel, era visto como um mal horrível e uma infâmia (Sl 79,3). Daí cuidarem deste serviço póstumo com grande sensibilidade. A figura de Tobias é emblemática, a este respeito (Tb 1,17-18). Porquê este comportamento com os restos mortais das pessoas? Para além das conotações culturais, o crente em cristo pretende sublinhar a visão transcendente que tem da pessoa e do corpo humano. na exortação apostólica pós-sinodal Amoris Laetitia, o papa Francisco refere que a nós, crentes, «consola-nos saber que não se verifica a destruição total dos que morrem, e a fé assegura-nos que o ressuscitado nunca nos abandonará. Podemos, assim, impedir que a morte “envenene a nossa vida, torne vãos os nossos afetos e nos faça cair no vazio mais escuro”. A Bíblia fala de um Deus que nos criou por amor, e fez-nos de um modo tal que a nossa vida não termina com a morte
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(ver Sb 3,2-3). São Paulo fala-nos de um encontro com cristo logo a seguir à sua morte: «tenho o desejo de partir e estar com Cristo» (Fl 1,23). com ele, espera-nos depois da morte aquilo que Deus preparou para aqueles que o amam (ver 1 Cor 2,9). De forma muito bela, assim se exprime o prefácio da Missa dos Defuntos: “Se a certeza da morte nos entristece, conforta-nos a promessa da imortalidade. Para os que creem em vós, Senhor, a vida não acaba, apenas se transforma.” com efeito, “os nossos entes queridos não desapareceram nas trevas do nada: a esperança assegura-nos que eles estão nas mãos bondosas e vigorosas de Deus”» (n. 256).
O túmulo é um memorial de piedade, de humanidade, de gratidão e de fé.
DOSSIÊ
E A INCINERAÇÃO?
No horizonte do nosso momento cultural, vai-se estendendo a prática da incineração/cremação dos cadáveres. Até 1963, a Igreja católica era contrária a ela, por várias razões, mas nem todas tinham a mesma força argumentativa. A partir dessa data, começou a considerar tal possibilidade, embora com matizes: «A Igreja aconselha vivamente que se conserve o piedoso costume de sepultar o cadáver dos defuntos; contudo, não proíbe a cremação, a não ser quando é escolhida por motivos contrários à doutrina cristã» (Código do Direito Canónico, c. 1176). Porém, não é favorável à dispersão das cinzas ou à sua distribuição por espaços diferentes. As novas situações e sensibilidades irão marcando o modo de concretizar esta obra de misericórdia, que sempre reivindicará o tratamento respeitoso e piedoso dos “restos” humanos.
A realidade corporal de quem foi templo do espírito Santo – «Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo?» (1 cor 6, 19) – merece ser rodeada com respeito e veneração. A fé na ressurreição dos mortos também contribuiu para essa prática: «Pois, para Deus, todos estão vivos» (Lc 20,38). o túmulo é um memorial de piedade, de humanidade, de gratidão e de fé. contudo, o horizonte desta obra de misericórdia não se limita a dar sepultura ao cadáver: prolonga-se para além disso. Por exemplo, no acompanhamento cristão e humano da família que fica privada do ser querido. Também aqui é preciso tornar visível a proximidade misericordiosa. como Jesus com a viúva de naim (Lc 7,11-15) ou com as irmãs de Lázaro (Jo 11,1-44).
«Abandonar uma família atribuladapor uma morte seria uma falta de misericórdia, seria perder uma oportunidade pastoral, e tal atitude pode fechar-nos as portas para qualquer eventual ação evangelizadora» (Francisco, Amoris laetitia, n. 253). não só há que acompanhar o defunto; há que acompanhar também os seus familiares, de um modo construtivo, crente e inteligente, para que a memória dos queridos defuntos não hipoteque a vida a viver. «não desgastemos energias ficando anos e anos no passado. Quanto melhor vivermos nesta terra, mais felicidade poderemos partilhar com os seres queridos no céu», recorda o papa (Francisco, Amoris laetitia, n. 257)
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OBRAS DE MISERICÓRDIA “ESPIRITUAIS” 1. Dar bom conselho
“Instruí-vos e admoestai-vos com toda a sabedoria ” (Cl 3,16)
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As obras de Misericórdia
o nosso tempo, onde prima a relativização dos valores e uma oferta indiscriminada de respostas de consumo imediato, as pessoas precisam de um conselho sereno, clarividente, orientador. o concílio vaticano ii, na constituição sobre a igreja no mundo atual (Gaudium et Spes), descreve bem esta situação (ver nn. 4-10). Pelo dom do conselho, o ser humano, por obra do espírito Santo, intui nas diversas circunstâncias da vida, com rapidez e segurança, o que é vontade de Deus, ou seja, o que convém fazer em ordem ao fim sobrenatural. enriquecida com este dom do espírito, a pessoa fica habilitada a tomar boas decisões, em consonância com os valores éticos e, em definitiva, com a verdade última do ser humano e oferecer orientação aos vários pedidos de sentido na vida. com esta iluminação do espírito clarifica-se, em primeiro lugar, o juízo valorativo da pessoa em ordem a fazer um discernimento vital de si mesma, e ao mesmo tempo se capacita para oferecer um serviço pastoral aos que pedem uma orientação para esclarecer o seu caminho cristão em momentos de particular dificuldade ou perplexidade. nos escritos do Antigo Testamento, o bom conselho era um dos dons mais apreciados. o Saltério transforma em súplica ardente o pedido da instrução e iluminação divina para caminhar nas sendas do Senhor (Sl 27, 11; 31,4; 139,24;119). Mas também se alerta em abundância para o perigo dos maus conse-
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lheiros que afastam do caminho da verdade. Paulo tem consciência da necessidade deste dom do espírito (Fl 1,9-10), e considera necessário que os cristãos, capacitados pelo espírito, exerçam fraternalmente entre eles este serviço de admoestação e conselho (Rm 15,14; Cl 3,16). Jesus, apresentado como único Conselheiro (Mt 23,10), não se nega a responder às perguntas que lhe fazem, se orientadas a procurar os objetivos do reino; porém, recusa-se a aconselhar em questões que a pessoa deve assumir por si mesma (Mc 11,33; Lc 12,13-15; 25,57). o dom do conselho tem um horizonte bem preciso: ajudar a iluminar a consciência dos que buscam a verdade, não a substituir a pessoa nessa procura. Encontro de Jesus com Nicodemos. (Jo 3,1-21)
Aconselhar sem pretender manipular as pessoas, e sem paternalismos, é um dom do Espírito Santo. Jesus assim fez.
“Ensinai-os a cumprir o que vos mandei ” (Mt 28,20)
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sta “obra” implica um compromisso contra a “ignorância” que impede o acesso das pessoas ao conhecimento de conteúdos e meios para poder viver com dignidade. o direito à cultura é um direito fundamental e universal, pois a falta de cultura é uma das causas fundamentais da marginalização pessoal e social. Mas, “ensinar a quem não sabe” é, além disso, uma exigência da evangelização: ensinar Jesus cristo, «sabedoria de Deus» (1 cor 1,30). e trata-se também de uma tarefa das “instituições” da igreja; a educação é uma ação pastoral que não pode ser esquecida nem descuidada. os colégios geridos pela igreja não podem ser apenas centros académicos, mas espaços onde se ensine e aprenda a viver a vida com critérios do evangelho. Jesus denunciou os que convertiam o “magistério” em privilégio pessoal, em degrau para a própria subida (Mt 23,7; Mc 12, 39). Todos precisamos de aprender dos outros; ninguém está desprovido de verdade, e ninguém a possui em plenitude. A espiritualidade do evangelho não é espiritualidade de “mestres”, mas de “discípulos” que dão testemunho da verdade do seu Mestre. Porém, dito isto, também devemos sublinhar que o Mestre nos confiou uma “luz” para que ela brilhe, instrua e mostre o caminho. não a podemos esconder (Mt 5,14-16). Há duas cenas sugestivas nos Atos dos Apóstolos: 8,26-40 e 17,19-32. na primeira, o diácono Filipe explica ao ministro da rainha da etiópia um texto de isaías relacionado com cristo, movendo-o ao batismo. na segunda, Paulo, em contexto de debate dialé-
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2. Ensinar quem não sabe
tico no Areópago de Atenas, anuncia o “Deus desconhecido”. Há muitas pessoas a precisarem de alguém que se aproxime delas e as ajude a ler e entender a vida, e lhes mostre o verdadeiro rosto e o nome de Deus, revelado em Jesus cristo. um cristão humilde e convicto pode fazê-lo, fornecendo uma chave de leitura salvadora: a de Jesus, o revelador de Deus. evangelizar é “ensinar”, com a vida, quem não sabe o caminho da vida.
Há muitas pessoas a precisarem de alguém que se aproxime delas e as ajude a ler e entender a vida.
O diácono Filipe sobe ao carro do funcionário da Rainha da Etiópia e explica-lhe o sentido do texto de Isaías sobre o servo de Javé, que ele ia a ler sem entender (At 8,26-40).
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3. Corrigir a quem erra
“Se o teu irmão pecar, repreende-o…”
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(Mt 18,15)
As obras de Misericórdia
orrigir significa iluminar, ajudar a ver a verdade, a retificar… por um sentido profundo de amor ao irmão, do qual nada nos deve ser indiferente. A correção cristã não pode limitar-se à denúncia; há de ser fraterna, com verdade e humildade: «Se o teu irmão pecar, vai ter com ele e repreende-o a sós. Se te der ouvidos, terás ganho o teu irmão. Se não te der ouvidos, toma contigo mais duas ou três pessoas… Se ele se recusar a ouvi-las, comunicao à Igreja» (Mt 18,15-17). Segundo o papa Francisco, «a correção fraterna é um ato para curar o corpo da igreja. imaginemos que, no tecido da igreja, há um buraco que é preciso remendar. e assim como as mamãs e as avós, ao remendar, o fazem com muita delicadeza, assim deve ser feita a correção fraterna. Se não fores capaz de a fazer com amor, com caridade, em verdade e com humildade, farás uma ofensa, destruirás o coração dessa pessoa, dirás apenas mais uma palavra, que fere, e transformar-te-ás num cego hipócrita, como Jesus disse».
A correção fraterna deve ser…
• Paciente, compassiva e compreensiva. com uma prévia purificação: «tira primeiro a trave da tua vista e, então, verás melhor para tirar o argueiro da vista do teu irmão» (Mt 7,3-5; Lc 6,42). • Feita com amor. não se pode fazer uma intervenção cirúrgica sem anestesia, porque o doente morreria de dor. ora, a caridade é como uma anestesia que ajuda a receber a cura e a aceitar a correção» (Papa Francisco). • Um ato de amor. não é um juízo de superioridade sobre os irmãos, ou uma intromissão na sua vida, mas um serviço humilde de
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quem, por sua vez, também deve estar e está disposto a recebê-lo. • Com verdade e por amor à verdade. não se procurando a si mesmo, mas o bem do irmão. • Discreta: enfrentar o problema, e não enfrentar o irmão. Jesus não acusou a mulher de adultério nem fez perguntas mortificantes, mas convidou-a a olhar e viver o futuro com dignidade (Jo 8,1-11). • Construtiva, não demolidora. não se pretende “demolir” o outro, mas “recuperá-lo”; é para “ganhar o irmão” (Mt 18,15). • Misericordiosa. Se o irmão precisa de ser corrigido, também precisa de ser amado. • Salvadora como a de Deus (1 Cor 11,32), que brota do seu amor: «o Senhor corrige os que ama» (Heb 12,6). Jesus exerceu a correção com os escribas e fariseus: exterioridade (Mt 6,5), rigorismo (Mt 23,4), formulismo (Mc 7,4), hipocrisia (Mt 23,3); os poderes políticos e económicos: a idolatria do dinheiro (Mt 6,24); a visão dos seus discípulos: populismo (Mc 1,35-37) e carreirismo (Mc 9,33-37; 10,35-40). Mas fê-lo sempre com esperança e amor. É paradigmática a “confrontação/correção” de Paulo a Pedro, por ser ambíguo no cumprimento da Lei (Gl 2,11-14). Abaixo.
Corrigir significa iluminar, ajudar a ver a verdade, a retificar…
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“Consolai o meu povo ” (Is 40,1)
esde a antiguidade, Deus, é apresentado como nosso «consolo» e nosso «consolador» (is 57,18; 66,13; 54,11; Jr 31,33). e diz-nos: «Consolai, consolai o meu povo» (is 40,1). Jesus encarnou esse consolo, curando as nossas «doenças» (Mt 4,23) e consolando os tristes. o seu encontro com o sofrimento humano e com as lágrimas é um dos dados mais presentes nos relatos evangélicos: leprosos, condenados à semivida da exclusão social (Mc 5,2ss); pobres e doentes (Mt 4,24); cegos (Mc 8,22ss; 10,46ss); pais preocupados pela saúde de seus filhos (Lc 8,41-42); mães estrangeiras que suplicam uma migalha de compaixão (Mt 15,22ss); mulheres que choram o irmão morto (Jo 11,33); viúvas que perderam o seu filho único (Lc 7,11ss); mulheres marginais, prostradas a seus pés (Lc 7,38)… A caminho do calvário, esquecendo-se de si mesmo, iluminará o sentido das lágrimas das que se lamentavam da sua sorte (Lc 23,28); e junto do seu próprio túmulo, já ressuscitado, iluminará as lágrimas de Maria de Magdala (Jo 20,11-18). Felizes os que choram – disse Jesus. Felizes porque choram? não! Felizes porque serão consolados (Mt 5,4)… por Deus. É uma forma provocadora de dizer que neles poisa, de modo especial, o amor de Deus; que Deus não é indiferente à sua dor; que se sente profundamente afetado por eles. e isso, desde «há muito tempo» (is 45,21). esta “bem-aventurança” será cumprida quando Deus enxugar todas as lágrimas, já não houver morte nem pranto, e o mundo velho tiver passado (ver Ap 21,4; Is 25,8). Até lá, os seguidores de Jesus temos a tarefa de chorar com esperança, de dar esperança a
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4. Consolar os tristes
quem chora e de consolar os tristes. Porque, por muito que nos pese, as lágrimas fazem parte da nossa história (Lc 6,21). no Saltério, as lágrimas são grito que se ergue até Deus: «Não fiques insensível às minhas lágrimas» (Sl 39,13). um grito esperançoso, na convicção de que Deus não despreza um coração contrito e arrependido (Sl 51, 19b), e de que, «aqueles que semeiam com lágrimas,/ vão recolher com alegria» (Sl 126,5); e um grito agradecido, porque «Ele […] livrou das lágrimas os meus olhos» (Sl 116,8)… o evangelho da dor não glorifica a resignação, mas proclama uma esperança e uma experiência: a de um Deus inclinado para quem sofre. e é, também, um modo concreto de convidar os crentes a voltar o olhar e a abrir o coração para tantos doridos que transitam pela vida, que esperam ou desesperam por não terem alguém que os aproxime da piscina da “cura” (ver Jo 5,2-18).
Jesus encarnou o consolo de Deus, curando as nossas «doenças» e consolando os tristes. Jesus consola a viúva de Naim, ressuscitando-lhe o filho que já ia a enterrar (Lc 7,11-17).
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5. Perdoar as ofensas
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“Perdoai e sereis perdoados ” (Lc 6,37)
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perdão das ofensas é a mais evidente expressão do amor misericordioso e, para nós cristãos, é um imperativo de que não podemos prescindir. Muitas vezes, como parece difícil perdoar! e, no entanto, o perdão é o instrumento colocado nas nossas frágeis mãos para alcançar a serenidade do coração. Deixar de lado o ressentimento, a raiva, a violência e a vingança são condições necessárias para se viver feliz. (...) chegou de novo, para a igreja, o tempo de assumir o anúncio jubiloso do perdão. É o tempo de regresso ao essencial, para cuidar das fraquezas e dificuldades dos nossos irmãos. o perdão é uma força que ressuscita para nova vida e infunde a coragem para olhar o futuro com esperança» (Papa Francisco, Misericordiae vultus, nn. 9 e 10). Perdoar, até quando e até quanto? (Mt 18,21-22). Pôr limite às coisas dá mais segurança, mas também as empobrece. nós perdoamos como e porque Deus nos perdoou (Ef 4,32). «Perdoai-vos mutuamente, se alguém tiver razão de queixa contra outro. Tal como o Senhor vos perdoou, fazei-o vós também» (cl 3, 13).
Perdoar é…
• Aceitar a desculpa do ofensor e protagonizar a reconciliação (Mt 5,23-24). • não viver preso à memória da ofensa (‘perdoo, mas não esqueço’), mas renovar o rosto das coisas e das pessoas a partir da renovação do próprio coração (ver 1 Cor 13,5). • não aceitar pacifismos acríticos, renunciando à verdade e à justiça. Distinguir entre o comportamento errado ou injusto (que deve ser denunciado) e a pessoa (que deve ser perdoada).
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• correr o risco de nos colocarmos nas mãos do ofensor, pois foi o risco que o Filho de Deus correu (ver Mt 26,45). Perdoar não é rebaixar-se, mas elevar-se até Deus e elevar o outro até nós, passando de nosso inimigo e ofensor a nosso irmão e amigo. • Perdoarmo-nos a nós mesmos, para que, reconhecendo as nossas falhas, aceitemos o perdão dos outros e de Deus. não é fácil, nem cómodo; mas é necessário. • Não se deixar dominar pelo mal recebido: libertar-se da acidez, da amargura, do ressentimento. Criar outra relação: vencer o mal com o bem (ver Rm 12,21). O resto – «fazer bem aos que vos fazem bem... também os pecadores fazem o mesmo» (Lc 6, 32-34). • Antecipar-se a perdoar – a grande originalidade de Deus (Rm 5,8). Só perdoando como Deus, se rompe a cadeia inexorável de ataques e contra-ataques, reações e contrarreações que atenazam o mundo.
Para nós cristãos, perdoar as ofensas é um imperativo de que não podemos prescindir. Parábola do senhor que perdoou ao seu servo (Mt 18,23-35).
“ O amor... é paciente ” (1 Cor 13,4)
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paciência, hoje, não tem boa imprensa, pois vivemos no signo contrário: a urgência, o imediato e a precipitação... Talvez porque destacamos o seu aspeto de resistência, persistência e resignação estoica, esquecendo os mais dinâmicos – constância, perseverança, lucidez, serenidade e paz. A paciência é uma virtude intimamente vinculada com • a esperança: «Sede pacientes, irmãos [...) Vede como o lavrador espera o precioso fruto da terra, aguardando com paciência que venham as chuvas temporãs e as tardias» (Tg 5,7-8); • o otimismo na bondade última das coisas, porque «Deus pode tirar filhos de Abraão das pedras» (Lc 3,8; ver Mt 13,25-40); • o amor: «O amor... é paciente» (1 cor 13,4) e é «fruto do Espírito» (Gl 5,22); • a mansidão (Mt 5,4). Deus, que é Amor (1 Jo 4,8), também é paciente, porque é misericordioso e salvador. Por isso «usa de paciência para convosco, pois não quer que ninguém pereça, mas que todos se convertam» (2 Pe 3,9); a sua paciência é a nossa salvação (2 Pe 3,15). A paciência não é uma fraqueza, mas uma força (é o que significa a palavra latina virtus) para enfrentar as “provocações” da vida, sem se ofuscar, incorrendo em decisões ou juízos precipitados, por uma leitura deficiente e pouco ponderada da realidade. Também é fruto do espírito (Gl 5,22). A paciência dá tempo ao tempo, porque «há um tempo para cada coisa» (ecl 3,1) e porque é generosa e pensa bem. Sabe respeitar
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6. Suportar com paciência as fraquezas do próximo
os ritmos da vida, os tempos da pessoa, a dinâmica do crescimento e da maturidade, e também compreender a imaturidade e fragilidade da vida. A paciência encontra o seu verdadeiro rosto na bem-aventurança dos mansos proclamada por Jesus (Mt 5,4), que tem mais a ver com a fortaleza, a serenidade e a paz interiores, do que com a resignação e a passividade. Mas esta bem-aventurança não se identifica, sem mais, com a “não violência”; supõe, antes, um estímulo a “se fazer violência” pelo reino (Mt 11,12), gerando atitudes não só de resistência passiva, mas de protagonismo interior, vencendo o mal com o bem (Rm 12,21). São Paulo recomenda-a vivamente, na lista da indumentária cristã: «Como eleitos de Deus, santos e amados, revesti-vos de sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência…» (cl 3,12).
Constância, perseverança, lucidez, serenidade e paz. “Sede pacientes como o lavrador...” (Tg 5,7-8).
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7. Orar a Deus por vivos e defuntos
“Isto é bom e agradável a Deus, nosso Salvador ”
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(1 Tm 2,1.3; cf. 2 Mac 12,46)
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ezar é um ato de fé e de amor. Tornar presentes diante de Deus as pessoas que amamos, vivas ou defuntas, é uma excelente obra de caridade e misericórdia que também nos faz bem a nós. Orar pelos vivos, especialmente pelos mais necessitados, é um modo de manter aberta a comunhão na fé e no amor. o papa Francisco, consciente da sua importância e validez, conclui todas as suas intervenções com este pedido: «Por favor, não vos esqueçais de rezar a Deus por mim.» Orar pelos defuntos é a expressão da fé na misericórdia infinita de Deus, que «quer que todos os homens se salvem» (1 Tm 2,4). «A igreja terrestre, desde os primeiros tempos, venerou com grande piedade a memória dos defuntos, e ofereceu também sufrágios por eles, porque é santo e salutar o pensamento de orar pelos defuntos para serem livres das suas faltas (2 Mac 12,46)» – recordou o concílio vaticano ii na Lumen Gentium, 50. Além de orar pelos defuntos, devemos orar com os defuntos. De facto, «a união dos membros da igreja peregrina com os irmãos que adormeceram na paz de cristo, de maneira nenhuma se interrompe; pelo contrário, segundo a fé constante da igreja, reforça-se pela comunicação dos bens espirituais» (Lumen Gentium, 49).
A igreja, num espaço de tanta seriedade e densidade como o da celebração eucarística, introduz a oração: «Lembrai-vos, Senhor, dos vossos servos e servas, que partiram antes de nós marcados com o sinal da fé
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e agora dormem o sono da paz.» É uma oração que une os filhos da igreja peregrina com os que já fizeram a sua passagem do mundo para o Pai, unidos em cristo no vínculo da fé, alguns ainda a precisarem da plena purificação das suas faltas. A prática de orar “pelos” defuntos está vinculada, geralmente, a esta crença de uma “purificação” dos que morreram sem estar plenamente purificados das suas faltas e realizam essa “limpeza” no “purgatório”. «esta palavra (purgatório) não indica um lugar, mas uma condição de vida. os que depois da morte vivem num estado de purificação já estão no amor de cristo, que os liberta dos resíduos da imperfeição» (João Paulo ii, Catequese a 4 de agosto de 1999).
e, note-se, essa condição de purificação não é um prolongamento da situação terrena, como se, depois da morte, se desse uma possibilidade de mudar o próprio destino.
b
Tornar presentes diante de Deus as pessoas que amamos, vivas ou defuntas, é uma excelente obra de caridade e misericórdia que também nos faz bem a nós.
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Quando os braços estendi
2. Quando as minhas mãos abri, Semeando a paz na terra: – Tu, ó Senhor, ‘stavas comigo! Quando a minha voz ergui, Denunciando a morte e a guerra: – Tu, ó Senhor, ‘stavas comigo!
3. Quando os olhos eu abri, Recriando dignidade: – Tu, ó Senhor, ‘stavas comigo! Quando o coração senti, Dando amor, dando amizade: – Tu, ó Senhor, ‘stavas comigo!
4. Quando os lábios empreguei / P’ra beijar o irmão doente: – Tu, ó Senhor, ‘stavas comigo! Quando a vida entreguei / Para o Mundo ser dif’rente: (ver Is 58,6-9; Mt 25,34-40) – Tu, ó Senhor, ‘stavas comigo!
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JOGRAL
Texto: D. João Marcos, bispo-coadjutor de Beja Música: P. António Cartageno
para o Ano Jubilar J O N A S Jogral da Misericórdia (1 e 2 – senhoras; 3, 4 e 5 – homens)
I. Introdução
Cântico: Como é grande, Senhor, a vossa misericórdia!
1. Deus é amor. Deus é misericórdia. Deus quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade! 2. Deus quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade!
(pausa breve)
5. Que hei de fazer, para ser salvo? 2. Acredita no Senhor Jesus / e serás salvo! 1.2. Acredita no Senhor Jesus / e serás salvo! 1.2.3.5. Acredita no Senhor Jesus e serás salvo!
(pausa breve)
5. onde está Jesus? como poderei encontrar-me com ele?
(pausa breve)
4. não digas em teu coração: Quem subirá até ao céu para fazer descer cristo? Quem descerá ao abismo para fazer cristo levantar-se dos mortos? 2. Quem subirá ao céu? Quem descerá ao abismo? 4. cristo, a Palavra do Pai, está ao teu alcance, na tua boca e no teu coração. À esquerda, ícone historiado da vocação de Jonas. De baixo para cima: Jonas naufragado é devolvido à praia pelo cetáceo; Jonas prega na cidade Nínive; Jesus compara a sua morte e ressurreição com os três dias de Jonas no ventre do cetáceo (Mt 12,39-41).
Se confessares com a tua boca que Jesus é o Senhor e creres em teu coração que Deus o ressuscitou de entre os mortos, serás salvo! 1. Todo aquele que invocar o nome do Senhor, / será salvo! 1.2. Todo aquele que invocar o nome do Senhor, / será salvo! 1.2.3.5. Todo aquele que invocar o nome do Senhor / será salvo!
(pausa breve)
2. Mas, como poderão invocar Aquele em quem não acreditam? 1. e como poderão acreditar n’Aquele de que não ouviram falar? 2. e como poderão ouvir se não há quem pregue? 1. e como poderá alguém pregar se não for enviado? 5. A fé vem da pregação, da pregação da palavra de cristo! 3.5. A fé vem da pregação, da pregação da palavra de cristo! 3.4.5. A fé vem da pregação, da pregação da palavra de cristo!
(separador musical)
II. A vocação de Jonas
1. A Palavra do Senhor foi dirigida a Jonas, filho de Amati. 4. Levanta-te, vai a nínive, à grande cidade, e diz-lhe que a sua iniquidade cresceu tanto que chegou até mim. 3. nínive?! nínive?! esse é o último lugar aonde eu iria. odeio nínive e os assírios que destruíram o povo de israel. nínive? nem pensar! 1. Jonas levantou-se para fugir da presença de Deus e da cidade à qual era enviado. Desceu a Jope, encontrou um navio que ia para Társis, pagou a passagem e embarcou.
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(pausa breve)
2. Mas o Senhor fez soprar um vento fortíssimo, houve uma grande tempestade e o navio estava a ponto de se afundar. cheios de medo, os marinheiros começaram a invocar cada um o seu deus e lançaram ao mar a carga do navio. 1. no fundo do barco, Jonas dormia profundamente. o comandante do navio aproximou-se dele e disse-lhe: 5. como podes dormir? não vês o perigo em que estamos? 3. Quero lá saber! Deixem-me em paz! 5. Deixem-me em paz?! Ao menos, invoca o teu Deus! Talvez ele nos possa valer! 3. eu não quero invocar o meu Deus e penso que ele tem razão para não me querer ouvir. 5. Homem estranho, quem és tu? Que fazes aqui? 3. Sou um hebreu. Presto culto a iahweh, o Deus do céu, que fez a terra e o mar. 5. Se ele fez o mar, deve ter poder sobre o mar. invoca-o, pede-lhe para acalmar esta tempestade! 3. Dizes que eu sou estranho? o Deus de israel é que é muito estranho: não é nada parecido com os outros deuses. ele é misericordioso, clemente e compassivo, lento para a ira e rico de bondade, sempre disposto a perdoar. Foi assim que Se deu a conhecer a Moisés quando tirou do egito os nossos pais e fez uma aliança com eles. Até abriu um caminho no meio do mar, para os nossos pais atravessarem a pé enxuto. 5. Abriu um caminho através do mar? então ele tem poder sobre o mar! invoca-o! e se é misericordioso como dizes, que tenha misericórdia de nós!
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3. eu não me atrevo a pedir-Lhe nada porque Lhe voltei as costas!
(pausa breve)
escuta: eu não devia estar aqui! embarquei nesta viagem para fugir da sua presença, pois não quero fazer o que ele me ordenou. eu sei que esta tempestade se levantou por causa de mim. Sou eu o causador de toda esta desgraça. 5. e que havemos de fazer para o mar se acalmar? 3. eu não deveria estar neste barco! A minha vida está desencaminhada e eu sirvo apenas para criar problemas a toda a gente! Lançai-me ao mar, e salvareis as vossas vidas! não tenhais pena de mim! 1. Aqueles homens rezaram então ao Deus de israel. Pegaram em Jonas, lançaram-no ao mar, e o mar acalmou. Tomados de espanto temeram a Deus, adoraram-n’o e ofereceram-Lhe um sacrifício.
(pausa breve)
2. então o Senhor fez surgir um grande eixe que engoliu Jonas, e Jonas permaneceu três dias e três noites nas entranhas desse peixe. Aí, no meio do abismo, Jonas orou ao Senhor: 3. Senhor, salva a minha vida! Senhor salva a minha vida! na minha angústia clamo por Ti: responde-me, Senhor! Do seio do abismo grito por Ti: salva-me Senhor! escuta a minha voz! escuta a minha voz! 1. então o Senhor deu ordens ao peixe e este vomitou Jonas na praia.
Cântico: Como é grande, Senhor, a vossa misericórdia! ► pág. seguinte 4. Jonas és tu. Deus tem um desígnio acerca de ti, Deus tem um plano para a tua vida.
Como é grande, Senhor
não Lhe fujas. Procura conhecer a vontade de Deus a teu respeito. ele quer o teu bem e sabe, melhor do que tu, aquilo que te convém. não fujas do Senhor, porque apenas foges de ti mesmo, e vais provocar tempestades na vida dos outros. Fugindo do Senhor encontrarás o abismo, a destruição da tua pessoa. 2. reconhece que Deus te ama e quer o bem para ti. não sejas como Jonas, mas aprende com ele a orar: Senhor, salva a minha vida!
(pausa breve)
5. Senhor, Tu me perscrutas e conheces, Tu sabes quando me deito e me levanto. De longe penetras o meu pensamento, são-Te familiares os meus caminhos. 2. Ainda a palavra não chegou à minha língua, e já Tu, Senhor, a conheces toda. Tu me envolves por detrás e pela frente, e sobre mim pões a Tua mão.
5. Aonde irei, longe do teu espírito, aonde me esconderei da Tua presença? 2. Se subo ao céu, lá estás; se desço ao abismo, aí Te encontro. Mesmo aí a tua mão me conduz e me sustenta. 5. vê, Senhor, que eu não ande por mau caminho; conduz-me pelo caminho da vida eterna!
Cântico: Como é grande, Senhor, a vossa misericórdia!
III. A pregação de Jonas
1. Pela segunda vez, a Palavra do Senhor foi dirigida a Jonas: 4. Levanta-te, vai a nínive, à grande cidade e anuncia-lhe a mensagem que eu te disser. 1. Jonas levantou-se, obedeceu ao Senhor e foi a nínive. nínive era uma cidade muito grande, levava três dias a atravessar. Jonas entrou na cidade e percorreu-a durante um dia clamando: 3. Dentro de 40 dias, nínive será destruída! nínive será destruída!
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JOGRAL contagem decrescente: só faltam 40 dias para a destruição desta cidade! nínive será destruída dentro de 40 dias! nínive será destruída! Faltam apenas 40 dias: nínive será destruída! Quarenta dias apenas, e será destruída esta cidade! 1. Para surpresa de Jonas, 2. para grande surpresa de Jonas, 1. os homens de nínive acreditaram em Deus, convocaram um jejum e vestiram-se de pano grosseiro, desde o maior ao mais pequeno. A notícia chegou ao rei de nínive. ele levantou-se do trono, tirou o seu manto, cingiu-se com um pano de saco e sentou-se sobre a cinza. em seguida fez proclamar em nínive este decreto: 5. Homens e animais, gado graúdo e miúdo não comerão alimentos nem beberão água. invoquem todos a Deus, abandone cada um o seu caminho perverso e as violências que praticou. Quem sabe? Talvez Deus desista de nos castigar e possamos salvar as nossas vidas!
(pausa breve)
1. Deus viu as suas obras: viu como eles se converteram do seu caminho perverso e desistiu do mal que ameaçara fazer-lhes. nínive não foi destruída.
Cântico: Como é grande, Senhor, a vossa misericórdia! ► pág. 33
IV. Jonas perante a misericórdia de Deus
1. A pregação de Jonas foi um sucesso. Toda a gente se converteu e agradeceu ao Senhor a misericórdia que teve para com aquela cidade. Toda a gente? não. Jonas ficou cheio de desgosto e profundamente irritado.
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então queixou-se ao Senhor, dizendo: 3. Ah, Senhor, era exatamente isto que eu não queria! Perdoares a este povo criminoso e violento que nos fez tanto mal, que nos escravizou, nos arrancou da nossa pátria e nos deportou para a Assíria… Foi por isso que me apressei a fugir para Társis, porque sei que és um Deus de piedade e de ternura, lento para a ira e rico de misericórdia, que não gosta de castigar ninguém! em vez de perdoar aos ninivitas, deverias tê-los aniquilado! É o que merecem esses criminosos! isso é que seria justo! Por isso te peço, Senhor: tira-me a vida: para mim, é melhor morrer do que viver! 1. o Senhor respondeu-lhe: 4. Será que tens razão para te irritar assim?
(pausa breve)
1. Jonas saiu de nínive e instalou-se a leste da cidade. Aí construiu uma tenda e sentou-se à sua sombra para ver o que aconteceria à cidade, para ver se Deus iria destruí-la quando se completassem quarenta dias sobre a data da sua chegada. 2. cheio de compaixão pelo pobre Jonas encerrado na sua tacanhez justiceira, o Senhor Deus fez crescer um rícino para lhe dar sombra e o libertar da sua amargura. Jonas alegrou-se muito por causa do rícino: 3. Finalmente me acontece uma coisa boa! ó que maravilha esta sombra! 1. no dia seguinte, ao romper da aurora, Deus mandou um verme que picou o rícino e ele secou. Deus mandou então um vento quente do deserto: o sol bateu em cheio na cabeça de Jonas e provocou-lhe uma grande dor de cabeça. então pediu a morte e disse a Deus: 3. o que é bom dura tão pouco! Pouca sorte a minha! Tudo me corre mal! Para mim / é melhor morrer do que viver! 1. Deus disse a Jonas: 4. Tens razão para te aborreceres assim / por causa do rícino?
1. Jonas respondeu: 3. Tenho razão / e mais que razão / para me aborrecer mortalmente! 1. o Senhor disse-lhe: 4. Tu tens pena do rícino que não fizeste crescer, que numa noite cresceu e noutra morreu, e eu não haveria de ter misericórdia da grande cidade de nínive, onde há mais de 120 mil seres humanos que não sabem distinguir o bem do mal, assim como muitos animais?
Cântico: Como é grande, Senhor, a vossa misericórdia! ► pág. 33
V. Conclusão
1. Sede misericordiosos como o Pai do céu é misericordioso! 1.2. Sede misericordiosos como o Pai do céu é misericordioso! 1.2.3.5. Sede misericordiosos como o Pai do Céu é misericordioso! 1. reconhece a misericórdia do Senhor! 2. reconhece a misericórdia do Senhor para contigo! 1.2. Reconhece a misericórdia do Senhor para contigo! 4. na morte de Jesus por teu amor e na sua ressurreição de entre os mortos, prefiguradas na descida de Jonas ao abismo e no seu regresso para anunciar a misericórdia do Pai e o perdão dos pecados ao mundo inteiro, tu experimentas como é grande a misericórdia do Senhor! 2. reconhece a misericórdia do Senhor para contigo! 1.2. Reconhece a misericórdia do Senhor para contigo! 4. na mãe igreja, casa da Misericórdia, tu aprendes a viver da misericórdia de Deus, a praticá-la, e a dar testemunho dela. 1. Acolhe a misericórdia do Senhor, no sacramento da reconciliação! 3. Acolhe a misericórdia do Senhor!
2. Sê misericordioso, pratica as obras de misericórdia! 5. Sê misericordioso, pratica a misericórdia! 1. Dá testemunho da misericórdia do Senhor! 3.5. Dá testemunho da misericórdia do Senhor!
(separador musical)
4. A Palavra está ao teu alcance, na tua boca e no teu coração. Se confessares com a tua boca que Jesus é o Senhor e creres em teu coração que Deus o ressuscitou de entre os mortos, serás salvo. 1. Todo aquele que invocar o nome do Senhor, será salvo! 1.2. Todo aquele que invocar o nome do Senhor, será salvo! 1.2.3.5. Todo aquele que invocar o nome do Senhor, será salvo!
(pausa breve)
2. Mas como poderão invocar Aquele em quem não acreditam? 1. e como poderão acreditar n’Aquele de que não ouviram falar? 2. e como poderão ouvir se não há quem pregue? 1. e como poderá alguém pregar se não for enviado? 5. A fé vem da pregação, da pregação da palavra de Cristo! 3.5. A fé vem da pregação, da pregação da palavra de Cristo! 3.4.5. A fé vem da pregação, da pregação da palavra de Cristo!
(separador musical)
4. Jonas és tu. Deus tem um desígnio acerca de ti, Deus tem um plano para a tua vida. Procura conhecer a vontade de Deus a teu respeito. Por meio de ti, por meio de nós cristãos, Deus quer manifestar ao mundo a sua misericórdia. Quem enviará?
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JOGRAL
(pausa breve)
3. eis me aqui, Senhor: podes enviar-me! 5. Sou teu, Senhor: dispõe de mim! 2. Aqui estou, Senhor, para fazer a tua vontade! 1. eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra!
Cântico: A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que O temem.
► ao fundo desta página
FIM
PERGUNTAS PARA REFLEXÃO INDIVIDUAL E TRABALHO DE GRUPOS:
1. Que aprendeste com a história de Jonas, a respeito de Deus? 2. E a respeito de ti? 3. Em teu entender, o que é a misericórdia? 4. Que é preciso para te tornares misericordioso? 5. Como podem as pessoas conhecer a misericórdia de Deus? 6. Para que serve a Igreja? Qual é a sua missão? 7. És cristão. Deus tem um plano para a tua vida. Estás disposto a conhecê-lo e a aceitá-lo? Porquê?
A sua Misericórdia se estende (Lucas 1,50)
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TERRA SANTA
Basílica da Dormição É o nome de uma igreja de Jerusalém, situada no Monte Sião, do lado exterior das muralhas da Cidade Antiga. Foi consagrada em 1910 e entregue aos beneditinos, que nela têm a sua Abadia.
o
nome vem-lhe de ali se evocar a morte e a Assunção da virgem Maria, e de as igrejas ortodoxas e católica chamarem à morte ‘sono’ ou ‘dormição’. Daí a designação original de Hagia Maria Sion, ou Basílica da Assunção, Basílica da Dormição ou Abadia da Dormição. Fica ao cimo do Monte Sião, e o seu alto campanário cupulado vê-se de vários pontos da cidade. Ao lado está o local sagrado muçulmano de nebi Daud («túmulo de David»), que ocu-
pa o edifício onde tradicionalmente é situado o “cenáculo” ou «sala de cima» onde o Mestre celebrou a ultima ceia com os seus discípulos (Lc 22,7-13; At 1,13). Por isso, a torre sineira foi construída à distância suficiente para a sua sombra nunca tocar o nebi Daud. e assim, não é possível chegar até ela por dentro da igreja.
As várias igrejas do local
Devido à santidade específica do local, foi ali construída u-
ma igreja judaico-cristã conhecida como Igreja dos Apóstolos. no início do século v, os cristãos bizantinos construíram a grande basílica de Hagia Sion (Santa Sião), destruída pelos persas em 614. no século Xii, os cruzados construíram outra igreja ainda maior, chamada Sancta Maria in Monte Sion (nossa Senhora do Monte São), que também foi destruída em 1187.
o local ficou, então, abandonado até que, durante uma visita a Jerusalém em 1898 para a dedicação da igreja do redentor (luterana), o kaiser Guilherme ii comprou este pedaço de terra por 120000 marcos de ouro ao sultão Abdul Hamid ii e ofereceu-o à igreja católica na pessoa da “união Germânica da Terra Santa”. colocada a primeira pedra em 7 de outubro de 1900, dez anos foram suficientes para concluir a construção, orientada por Theodor Sandel,
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TERRA SANTA como para os residentes. o seu interior é de uma grande simplicidade e beleza. no centro da abside semicircular há um mosaico de Maria com o Menino Jesus, e, por baixo, as figuras dos doze apóstolos. em volta da igreja há seis capelas laterais decoradas por lindos mosaicos, sobre: Maria e o menino Jesus recebendo peregrinos, a árvore genealógica de Jesus, João Batista na margem do rio Jordão, São Bento de núrsia – fundador da ordem beneditina (festa a 11 de julho) e outros santos. A cripta é uma sala redonda, sustentada por pilares. Ao centro, a escultura jacente da virgem Maria “adormecida”; por cima dela, no teto, a figura de Jesus, que parece velar a sua Mãe, rodeado pelas grandes mulheres bíblicas: eva, Maria (irmã de Moisés e Aarão), Jael, rute, ester e Judite. Atrás desta sala principal, há várias capelas e outros altares doados por diversos países.
Morte e Assunção da Virgem Santa Maria
Interior da Basílica, em forma circular, com destaque para o grande mosaico frontal, o do chão, o altar-mor e a primeira das 6 capelas laterais.
membro da Sociedade do Templo. Finalmente, em 10 de abril de 1910, a Basílica foi dedicada pelo patriarca latino de Jerusalém. Trata-se de um edifício circular, tendo diversos nichos com altares e um coro. Duas
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escadas em espiral conduzem à cripta (onde se acredita que ocorreu a ‘Dormição’), e também ao órgão e à galeria, donde se pode aceder a duas das quatro torres da igreja. A Basílica é um destino popular tanto para os peregrinos
A Mãe de Jesus teria uns cinquenta anos quando o seu Filho morreu e «foi arrebatado ao céu» (Mc 16,19); e pouco mais de sessenta quando ocorreu a sua própria morte e assunção. em 1950, Pio Xii declarou, como dogma de fé, «quea imaculada sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrena, foi assumida em corpo e alma à Glória celeste».
A Solenidade da Assunção da virgem Santa Maria, atualmente celebrada a 15 de agosto, vem de uma liturgia de Jerusalém, introduzida no sé-
culo vi na liturgia bizantina e, um século mais tarde, na cidade de roma.
Lopes Morgado
Acima: Maria, irmã de Moisés e Aarão (Ex 15,20-21); abaixo, a rainha Ester.
Abaixo, escultura jacente da Virgem Maria “adormecida”; ao cimo, no teto superior da cripta, mosaicos com a figura de Jesus rodeado, da esquerda para a direita, por Maria (irmã de Moisés e Aarão), Jael, Judite e Rute.
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FAMÍLIA
A Família à luz da Misericórdia Fora e dentro das comunidades cristãs sobram críticas ao rigor pastoral e fraco acolhimento sempre que famílias não praticantes, ou em situação não canónica, pedem o batismo para os filhos e outros sacramentos ou sacramentais. A leitura atenta da Exortação Apostólica “Amoris Laetitia” é uma boa oportunidade para constatar como o Papa Francisco consegue unir as exigências evangélicas do amor matrimonial com um discernimento repassado de misericórdia, até em relação a situações familiares marginais à práxis tradicional da Igreja. Frei Vítor Arantes 1. Misericórdia perante a realidade familiar
na «lógica da misericórdia» encontra-se uma das chaves de leitura da Amoris Laetitia (AL 307-312). Mostrar coração de misericórdia para com as famílias a braços com dificuldades de qualquer índole em nada contradiz a missão de «propor o ideal do matrimónio em toda a sua grandeza» (AL 307).
uma pastoral familiar de cunho evangélico deve estar coberta com um manto de misericórdia, a fim de contribuir para o «crescimento, consolidação e aprofundamento do amor conjugal e familiar» (AL 89). Pastor algum das comunidades cristãs deveria perder de vista que o amor vivido nas famílias é força e contributo essencial para o
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dinamismo das comunidades cristãs e da própria missão da igreja.
2. Procurar unir o ideal e o real da família
o Papa Francisco dedica dois capítulos inteiros a aprofundar o amor sacramento, exaltando a epopeia do amor conjugal em cristo, especialmente, através de oportunos comentários ao Hino da caridade (1 Cor 13,4-7). estes comentários, aplicados ao amor conjugal, constituem lufada de ar novo acerca da verdadeira imagem do amor conjugal em cristo e da dimensão evangélica da família. Mas perpassa neles, igualmente, um repto aos pastores para que vejam o matrimónio também como caminho de cres-
cimento e de realização humana e não como «fardo a carregar a vida inteira» (AL 37). A dignidade do evangelho exige que o ideal do matrimónio cristão apareça como proposta, pelo que se deve evitar a tentação fácil do «deixa correr» e do «vale tudo» quanto à vontade e pretensão de tudo querer controlar. em comunidades cristãs evangelizadas devem considerar-se prioritários um real sentido de compreensão para com os casais “feridos” e a disponibilidade total em bem acolher as famílias, inclusive as vítimas de ruturas e falhanços matrimoniais. o Papa, citando-se a si próprio, fala mesmo daquela «misericórdia do Senhor, que incentiva a praticar o bem possível» (AL 308).
Mostrar coração de misericórdia para com as famílias a braços com dificuldades de qualquer índole em nada contradiz a missão de «propor o ideal do matrimónio em toda a sua grandeza» 3. Lugar ao discernimento
Sem discernimento pastoral e pessoal, especialmente em situações humanas e familiares complexas, os pastores correm o risco de aplicar, sem mais, normas frias, embora saibamos que norma alguma é «aplicável a todos os casos», e que nem todos possuem igual grau de responsabilidade (AL 300). o respeito pelas «exigências evangélicas da verdade e da caridade proposta pela Igreja» supõe esforço de discernimento, de modo a prestar atenção à caminhada de cada casal e, acima e tudo, a manter respeito pela consciência inviolável de cada um. uma igreja Mãe não deve dar a impressão de julgar e abandonar à sua sorte as famílias, sem lhes oferecer uma «tábua de salvação». São João Paulo ii considerava im-
prescindível, para ajuizar corretamente as dificuldades das famílias, ter em conta a «lei da gradualidade», importante no que se refere à interiorização de normas éticas, uma vez que o ser humano «conhece, ama e cumpre o bem moral, segundo diversas etapas de crescimento» (cit. em Familiaris consortio, 34; AL 300).
4. Respeito pela consciência de cada casal
uma atitude de misericórdia impõe-se, sobretudo, em relação a determinadas situações familiares, nas quais o grau de responsabilidade ética de cada casal pede que se tenha em conta a consciência dos fiéis, os quais respondem o melhor que podem ao evangelho. De facto, releva a propósito o Papa Francisco, «somos chamados a formar consciências, não a pretender subs-
tituí-las» (AL 37). À igreja cabe a missão de propor como meta a moral evangélica sobre a família, mas não impor comportamentos éticos, quando a consciência pessoal não está em condições de os assumir. Aliás, a exortação Pastoral admite circunstâncias que atenuam a responsabilidade moral, nomeadamente, «a imaturidade afetiva, a força de hábitos contraídos, o estado de angústia e outros fatores psíquicos ou sociais» (cit. em Reconciliação e Penitência, 17; AL 302).
Acrescentemos, a terminar,
que o amor é uma bússola que aponta para o Deus do Amor, pelo que a igreja não pode renunciar a propor o ideal pleno do matrimónio (AL 307). Todavia, este dever constitui responsabilidade acrescida para as comunidades cristãs, a fim de crescerem na consciência de que só uma presença atenta e compassiva junto das famílias respeita a sublimidade da vocação evangélica a um Amor de tão alto preço. Perante tal desafio, ninguém pode desistir de animar os casais a lutar pelo ideal do Amor evangélico, mesmo quando todas as esperanças parecem naufragar, porque nenhum esforço será excessivo para tornar possível “A Alegria do Amor”.
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DE SICAR A JERICÓ
O Segredo de Santa Teresa de Calcutá Ao canonizá-la no dia 4 de setembro deste Ano Jubilar que caminha para o seu termo, o Papa Francisco dirige o foco para um dos rostos mais impressivos e vincados da Misericórdia nos tempos de hoje.
T
Abílio Pina Ribeiro, claretiano
ive a sorte de viver diariamente com a Madre Teresa durante o mês que durou o Sínodo dos Bispos sobre a vida consagrada. Miudinha, franzina de corpo, dez reis de gente, mas translúcida ao espírito de Jesus, que a iluminava.
em seguida, pegando-lhe nas mãos acrescentou: «Sem Deus somos demasiado pobres para amar os pobres. Lembra-te disto: eu sou apenas uma mulher que reza. rezando, Jesus derrama o seu amor no meu co-
O SEGREDO
universalmente conhecida como a mulher da imensa compaixão para com os pobres, os descartáveis, os doentes, revelou o segredo do seu coração misericordioso no diálogo com um jovem sacerdote, Ângelo Comastri, hoje cardeal. num encontro casual, a irmã perguntou-lhe à queima-roupa: «Quantas horas rezas cada dia?» o padre ficou surpreendido, porque esperava dela um apelo ou um convite a dedicar-se mais aos pobres. e a Madre perguntava-lhe quantas horas ele rezava!
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A um repórter que lhe manifestou a convicção de que, apesar da sua admirável entrega aos pobres, o mundo ficaria praticamente igual a antes, respondeu com simplicidade: «Eu nunca pensei que podia mudar o mundo. Procurei apenas ser uma gota de água limpa, na qual pudesse boiar e brilhar o amor de Deus. Parece-lhe pouco?»
ração e, assim, posso amar os pobres.» Para ela, a misericórdia caía como chuva do céu a partir da união com Deus na oração. Assim se aprende a amar «até doer» – como dizia Teresa.
o contágio benéfico da misericórdia! A vida consagrada não existe para tapar todos os buracos e resolver todos os problemas. o seu papel consiste em ser uma parábola,
um painel indicador de pistas evangélicas. A partir daí, sim, um pequeno gesto de misericórdia pode transformar uma pessoa, uma família, uma comunidade, a igreja, o mundo inteiro.
A PARÁBOLA
Depois de ter recebido o Prémio nobel da Paz, em 1979, no seu regresso de oslo passou por roma, onde a esperava um enxame de jornalistas. recebeu-os pacientemente colocando na mão de cada um deles uma pequena medalha da imaculada. A um repórter que lhe manifestou a convicção de que, apesar da sua admirável entrega aos pobres, o mundo ficaria praticamente igual a antes, respondeu com simplicidade: «eu nunca pensei que podia mudar o mundo. Procurei apenas ser uma gota de água limpa, na qual pudesse boiar e brilhar o amor de Deus. Parece-lhe pouco?» Depois, no silêncio comovido que envolveu os jornalistas, prosseguiu: «Procure ser também você uma gota limpa e, assim, seremos duas gotas. É casado?» «Sim, Madre.» «Diga também isto à sua mulher, e seremos três gotas. Tem filhos?» «Três, Madre.» «Passe-lhes também esta mensagem: seremos seis.»
MEDITANDO COM A MADRE TERESA
«Somos religiosas e não assistentes sociais, enfermeiras, professoras… A diferença entre nós e os técnicos sociais é que eles agem em vista de alguma coisa, ao passo que nós agimos por causa de Alguém… Jesus é a única explicação da nossa vida.»
«A pior doença não é a tuberculose nem a lepra, mas o não sentir-se amado nem desejado, o sentir-se abandonado. A medicina pode curar todas as doenças do corpo, mas o único remédio para a solidão, o desespero, a falta de horizontes é o amor. Muitas pessoas morrem por não terem sequer um pedaço de pão; contudo, morrem muitas mais por falta de amor.»
«O nosso mundo ferido e cínico precisa de uma cura de misericórdia» (Papa Francisco, em O Rosto da Misericórdia). Atitude fundamental para conseguirmos respostas novas e transformadoras, em face dos graves problemas da atualidade.
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MOVIMENTO BÍBLICO
XXXIX SEMANA BÍBLICA NACIONAL
Re tiro Bíblico
“O Rosto da Misericórdia”
• Aberto a todos. • Data: 17 a 22 de julho. • Orientado por frei Manuel Arantes e frei Luís Leitão. • Temas: 1. o Jubileu da misericórdia. 2. o rosto do Deus da misericórdia no A.T. 3. Jesus cristo, o rosto da misericórdia do Pai. 4. Lucas, “o evangelista da misericórdia”. 5. A igreja, sacramento da misericórdia de Deus. • Inscrição: adultos 20€; jovens 10€.
CONtACtOS
Centro Bíblico dos Capuchinhos
Rua S. Francisco de Assis, 160 Apartado 208 / 2496-908 Fátima Tel. 249 530 215 / 249 530 210 E-mails: fatima@capuchinhos.org difusora@difusorabiblica.com sndb@difusorabiblica.com
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28 de agosto a 01 de setembro
28. DOMINGO
21:00 – Abertura, frei Manuel Arantes, Secretário do MNDB 21:15 – Saudação, frei Fernando Alberto, Ministro Provincial 21:30 – PowerPoint, frei Manuel Rito Dias, ofmcap 21:45 – Oração da noite, Equipa de Liturgia
29. SEGUNDA-FEIRA
09:00 – Oração da manhã 09:30 – “O que está a acontecer à nossa casa?” Doutora Helena de Freitas 11:00 – A origem da vida à luz da ciência Doutor Máximo Ferreira 15:00 – O rosto do Deus criador frei Armindo Vaz, ocd, UCP-Lisboa 16:40 – Os Salmos da Criação frei Herculano Alves, ofmcap
30. TERÇA-FEIRA
09:00 – Oração da manhã 09:30 – Os sem-terra, nos profetas frei Bernardo Correia, ofm, UCP-Porto 11:00 – Do homem de terra ao homem Deus Doutor José Carlos Carvalho, UCP-Porto 15:00 – Mesa-redonda: leituras do livro da Criação científica: José Alho crente: Margarida Alvim franciscana: frei Acílio Mendes
31. QUARTA-FEIRA
09:00 – Oração da manhã 09:30 – Cristo, o primogénito de toda a criatura D. António Couto, Bispo de Lamego 11:00 – Para “uma ecologia integral”, com Francisco de Assis frei Lopes Morgado, ofmcap 16:15 – Novos Céus e nova Terra frei Fernando Ventura, ofmcap
01. QUINTA-FEIRA
09:00 – Oração da manhã 09:30 – Da «Pacem in Terris» à «Laudato Sí’» D. Francisco Senra Coelho, Bispo auxiliar de Braga 11:00 – EUCARISTIA de Encerramento
otícias
Seleção de João Santos Costa
JERUSALÉM Abriu o terra Sancta Museum – Via Dolorosa
Neste Museu, peregrinos e visitantes poderão viajar no tempo até à época de Jesus, entre instalações multimédia e vestígios históricos e arqueológicos.
i
naugurado em março, o novo Museu fica entre os muros da cidade velha, no convento da Flagelação. É a secção multimedia de um projeto ambicioso que visa realizar, até 2017, duas outras áreas: arqueológica e histórica. A experiência que o Museu propõe não fica reservada apenas aos peregrinos. Se, por um lado, oferece aos visitantes a oportunidade de se identificarem com os eventos da paixão, morte e ressurreição de Jesus, por outro, oferece uma perspetiva histórica e artística inédita da cidade, também graças a um aturado trabalho de pesquisa e do uso de fontes históricas e literárias. Apresentamo-lo através do depoimento de vários especialistas: Manuela Pegoraro, Projet Maneger do Museu: «o Museu foi pensado de modo especial
Acima, fachada do novo Museu da Terra Santa. Ao lado, o logótipo do Museu. Ao fundo, um dos espaços arqueológicos que fazem parte da visita multimedia. para os peregrinos que vêm aqui e querem descobrir o que é a Via Dolorosa, onde se encontra, porque está dentro da atual “feira” da cidade; e através desta instalação multimedia, em 15 minutos, poderão entender onde se encontra e onde tudo teve início.» Pe. Eugenio Alliata, diretor do Museu Arqueológico Studium Biblicum Franciscanum: «estamos na área da antiga Torre Antónia, destruída pelos romanos durante a guerra judaica em 70 dc e desde então não voltou a ser reconstruída. Des-
de há séculos, os peregrinos escolhem a Fortaleza Antónia como lugar do Pretório. Todos vão a este lugar onde nos encontramos para recordar a condenação de Jesus, quando ele, levando a cruz às costas, começou a sua viagem até ao calvário.» Gabriele Allevi, Museólogo: «o extraordinário é o facto de o lugar onde realizamos a instalação multimedia ser também o lugar onde vieram à luz os vestígios arqueológicos; portanto, estamos a iniciar esta comunicação emocional den-
Sessão multimedia, no Museu. tro de um lugar de altíssimo valor histórico e arqueológico. os lugares da devoção cristã são lugares pertencentes, por direito, à identidade da cidade de Jerusalém. Hoje, para um turista ou residente, seja de que religião ou cultura for, estes lugares são parte integrante da sua identidade e, por isso, acho importante para um residente, um cidadão ou um turista visitar estes lugares para conhecer a origem e a raiz histórica e cultural deles.» Giovanni Tortelli, arquiteto: «neste lugar, o peregrino dar-se-á realmente conta da trajetória e dos passos que a história deu, através dos sinais das pedras colocadas nos pontos salientes deste espaço. e através dos próprios fragmentos das várias arquiteturas, de Herodes a Adriano, até à arquitetura cruzada, todos entenderão como evoluiu a história deste lugar e da cidade.» Charlotte Tamschick, diretora criativa - Tamschick Media Space: «esta modalidade é muito especial, pois, diferentemente da clássica tipologia de Museu, tem uma combina-
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ção de luzes, sons e projeções que ajudam a conhecer melhor a história e é um tipo de story telling muito emocional.» o projeto é promovido pela custódia Franciscana, com outros parceiros locais e estrangeiros. o seu objetivo é focar a atenção na Terra Santa, nos patrimónios artísticos, religiosos e históricos que ela guarda, começando pelo ponto de partida da via Dolorosa, onde se realiza a Via Crucis de Jerusalém.» A visita, disponível em 8 línguas diferentes, dura 15 minutos e desenvolve-se em três fases que misturam a experiência multimedia com a experiência concreta de um sítio arqueológico. Para consulta: www.terrasanctamuseum.org
ISRAEL Achado arqueo-
lógico confirma relato do livro de Josué
D
escoberto em 2014, durante meses de escavação na área com as ruínas da fortaleza em Khirbet el-Maqatir, a 9 km ao norte de Jerusalém,
um pequeno amuleto ajudou os arqueólogos a comprovarem mais um relato bíblico. o Antigo Testamento conta a história da cidade de Ai, que foi conquistada e incendiada pelos israelitas durante a conquista de israel. no Livro de Josué há um relato sobre isso, mas a sua localização nunca foi totalmente comprovada. A escavação, liderada pela Associates for Biblical research (ABr), um ministério especializado em escavações bíblicas, foi muito proveitosa. A equipa descobriu, numa caverna subterrânea, ruínas de uma casa e mais de 100 moedas. o que mais chamou a atenção foi um objeto com menos de dois centímetros. o relatório explica que é uma peça ornamental, usada provavelmente num colar, chamada escaravelho, devido à semelhança do seu formato com esse inseto. os antigos egípcios reverenciavam o escaravelho, pois relacionavam-no com o deus sol. considerado a mais importante descoberta arqueológica desse ano, o escaravelho, juntamente com outros artefactos encontrados no sítio de Khirbet el-Maqatir, ficará em exposição no Museu da universidade Batista de Houston. o relatório da ABr afirma que o escaravelho possui inscrições indicando que provavelmente pertenceu ao último rei de Ai. A datação dos objetos encontrados aponta para o final da era de bronze, entre 1550 e 1450 a.c. esse período
histórico é condizente com o historicamente aceite para a narrativa de Josué. os arqueólogos já tinham feito descobertas nesse local, noutros tempos, mas existiam dúvidas sobre a exatidão da narrativa da sua conquista. Agora foi encontrada a prova “definitiva”. «Há muitas descobertas arqueológicas diretamente relacionadas com as escrituras, que confirmam a historicidade do relato bíblico», afirma o material oficial divulgado pela ABr.» o doutor Henry Smith Jr., diretor de desenvolvimento da ABr, explica: «A nossa tese é que a fortaleza [de Ai] foi destruída no final da era de Bronze i. com base nas evidências arqueológicas que descobrimos, é do mesmo período, proporcionando uma data de ocupação independente da cerâmica. A Bíblia regista que a cidade de Ai foi ocupada no final do século Xv a.c, e destruída pelos israelitas. o escaravelho é consistente com essa afirmação.»
JERUSALÉM Descoberta
fortaleza dos tempos bíblicos
Arqueólogos anunciaram a descoberta das ruínas de uma fortaleza erguida pelos gregos em Jerusalém e mencionada no livro apócrifo dos Macabeus.
A
pesquisa, que durou mais de um século, foi dirigida pela Autoridade de Anti-
A fortaleza faria parte de uma cidade chamada Acra, erguida pelo rei Antíoco Epifânio (215 e 164 a.C.), que comandava o império selêucida helénico. guidades de israel. De acordo com os arqueólogos, a fortaleza teria sido erguida há mais de 2000 anos, no período que antecede o nascimento de Jesus. Teria sido usada primeiramente como centro de poder, e depois como bastião para conter uma rebelião judaica. A ruína situa-se fora dos muros da cidade velha de Jerusalém e tem vista para um vale ao sul, que, segundo os arqueólogos, terá sido uma área onde ficou concentrada a construção de Jerusalém, durante o reinado de David. A fortaleza faria parte de uma cidade chamada Acra, erguida pelo rei Antíoco epifânio (215 e 164 a.c.), que comandava o império selêucida helénico. Durante muito tempo, os pesquisadores acreditavam que ela havia sido construída onde hoje está a cha-
mada cidade velha de Jerusalém, e que teria vista para a igreja do Santo Sepulcro, ou ao lado do chamado Monte do Templo, onde hoje está a mesquita de Al-Aqsa. Doron Ben-Ami, arqueólogo que liderou a escavação na reta final, afirmou que «o rei Antíoco escolheu o local de Acra para poder controlar a cidade e a atividade no templo judeu». os arqueólogos encontraram as ruínas da fortaleza debaixo do espaço onde há uma década funcionava um estacionamento pavimentado. A equipa de Ben-Ami escavou uma colina artificial com várias camadas de terra deixadas por sucessivas culturas, descobrindo a construção com mais de 250 metros de comprimento e 60 metros de largura. «este é um exemplo raro de como rochas, moedas e terra
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TERRA SANTA se podem juntar num episódio arqueológico único para abordar realidades históricas específicas da cidade de Jerusalém», resumiu Ben-Ami.
LISBOA “In Principio – A Bíblia Medieval em diálogo com a pintura de Ilda David” A mostra sobre o tema, com curadoria de Luís Correia de Sousa, decorreu em Lisboa, na Biblioteca Nacional de Portugal, coorganizadora do projeto, em parceria com o Instituto de Estudos Medievais.
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por ocasião da exposição, com a chancela da editora Sistema Solar, foi publicado o volume, A Bíblia Medieval – do Românico ao Gótico (sécs. XII-XIII) – em diálogo com a pintura de Ilda David. «A constituição da coleção de iluminados da Biblioteca nacional de Portugal deveu-se fundamentalmente à incorporação das bibliotecas particulares de dois distintos bibliófilos setecentistas, que reuniram duas das mais notáveis livrarias existentes em Portugal, acompanhando a tendência de incremento de bibliotecas particulares que se verificou na europa, nos séculos Xvii e Xviii», escreveram Teresa Duarte Ferreira, Ana cristina de Santana Silva e Lígia de Azevedo Martins.
192 julho-agosto 2016 | Nº 365
As especialistas do Serviço de coleções de reservados da Biblioteca nacional começam por realçar «a extensa e valiosa doação de frei Manuel do cenáculo villas-Boas (1724-1814), bispo de Beja (mais tarde arcebispo de Évora), figura maior do iluminismo português, fundador e mecenas das principais bibliotecas do reino». «Do conjunto de 30 manuscritos iluminados que integravam a doação, alguns são exemplificativos da qualidade das escolas de iluminura estrangeiras, sobretudo francesa, como o Missal de Saint Martin d’Este, missal de altar datado de 1402, ou a Biblia Sacra Latina, da segunda metade do século Xiii, em velino e profusamente ornamentada com iniciais historiadas e ornadas, igualmente de produção francesa», explicam as autoras, a-
crescentando que a mudança de propriedade foi oficializada em 1797.
Por seu lado, a livraria de D. Francisco de Melo Manoel da câmara (1773-1852), adquirida pela Biblioteca nacional de Lisboa em 1852, «integrava cerca de 50 incunábulos, edições quinhentistas e seiscentistas extremamente raras, e um valioso conjunto de 35 manuscritos iluminados, tesouros bibliográficos únicos».
«Alguns dos manuscritos exemplificam o esplendor das escolas de iluminura francesas e italianas, como o magnífico Missal Carmelita do século Xiv. Além de sete Livros de Horas, salientam-se as cinco Bíblias, de reconhecida excecionalidade artística, nomeadamente as ‘parisienses’», referem as especialistas.
A Bíblia Sacra Latina, da segunda metade do século XIII, de produção francesa.
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rata-se de um Roteiro para 30 dias de caminhada, tendo para cada dia: um pensamento/lema, um salmo, um segundo texto da Bíblia, um comentário/reflexão e uma folha em branco para escrever o próprio diário e colocar o carimbo das casas ou abrigos de acolhimento aos pereginos. Para quem é este Guia? Responde o autor: «É para todos os que, em qualquer caminho, tiverem a coragem de parar um pouco e entrar em “modo de Deus” para acolher a sua mensagem. Poderá não ser fácil para muitos, sobretudo para aqueles que fazem do caminho um “doce caminhar”. A palavra de Deus nasceu numa cultura e época muito distantes e diferentes da nossa. Mas, é palavra de Deus para nós, hoje. O desafio é precisamente este: “O que me quer dizer Deus, neste momento, com estas palavras?” Os salmos escolhidos, sendo o coração da vida do povo de Deus transformada em oração, pretendem ser, também, o coração do caminho para o peregrino.» 2016, 136 pgs., 5,00€
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