PLA NETA António Carrapato MALA GUEI RA 28.07 > 17.09.2017 BIBLIOTECA PÚBLICA DE ÉVORA
PLA NETA Antรณnio Carrapato MALA GUEI RA
A Malagueira é uma obra de arte. A arte do arquitecto, a arte do processo participativo, a arte de uma certa forma de exercício do poder local democrático. Fotografar é uma arte. A arte de jogar com a luz a sua ausência. A arte de olhar, vendo. A arte de transformar um mero registo numa metáfora iluminada ou obscurecida. A arte de António Carrapato usou a obra de arte de Álvaro Siza para registar uma outra Malagueira, uma outra vida para além dos desenhos que saíram do génio do arquitecto. Gente que deambula, roupa que esvoaça no estendal, qual bandeira que regista a presença humana que tudo transforma, até o património mais empedernido. É esta visão de uma outra Malagueira, de uma cidade moldada pela presença humana, que António Carrapato nos mostra através do seu olhar atento, crítico, quantas vezes inundado de um humor irónico apenas perceptível aos que param para ver, para além do óbvio. Com esta exposição celebramos todas estas artes, e a arte maior que é transformar a nossa efémera passagem pelos espaços, na perenidade que só a presença humana confere a cada Cidade.
Eduardo Luciano
Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Évora
Bairro da Malagueira A resiliência do projecto Inevitavelmente, as obras arquitectónicas uma vez concluídas pelos seus autores passam a ganhar uma vida própria. O bairro da Malagueira não é nenhuma excepção à regra, tendo acumulado, no tempo, inúmeras e ubíquas modificações em relação ao projecto original que comprovam a existência de um constante diálogo, não propriamente pacífico, entre o mesmo e as várias gerações de residentes que residiram e que ainda residem no bairro. Apesar deste fenómeno, a Malagueira tem conseguido manter um forte interesse à escala internacional, enquanto obra arquitectónica de excepcional relevância ao longo dos seus 40 anos de existência, culminando, mais recentemente, com a sua candidatura por parte do ICOMOS, à sua classificação a Património Mundial, por parte da UNESCO. A uma escala mais local, este interesse tem sido sempre visto com um certa perplexidade, devido, em parte, à conotação social da intervenção e também por a sua identidade arquitectónica ser frequentemente julgada como atípica e desenquadrada. Esta percepção contrasta com o profundo interesse que Álvaro Siza Vieira teve em enraizar o projecto através de estratégias que tinham como prioridade a sua contextualização, tanto territorial como social. É no próprio plano que se devem encontrar as razões da resiliência da obra em relação às numerosas alterações que assumiu e que permite, ainda hoje, reconhecer com clareza a sua coerência arquitectónica e urbana. Após o 25 de Abril de 1974, o bairro da Malagueira torna-se a mais extensa intervenção urbana extra-muros, em Évora, chegando a juntar a maior concentração populacional da cidade. A dimensão da intervenção tinha claramente o poder de alterar a relação entre a cidade intra-muros e a sua envolvente, na altura ainda muito rural, pontuada por pequenos aglomerados urbanos dispersos, de origem clandestina. Contrariamente ao que seria de se esperar, na realização de um plano de expansão da cidade, Siza Vieira opta por conferir ao mesmo um carácter semi-rural, enraizado na pre-existente Quinta da Malagueira, e fortemente inspirado pelas estruturas urbanas dos pequeno aglomerados rurais da região. Esta estratégia faz do bairro uma zona urbana de transição entre o Centro Histórico e a envolvente rural, claramente contrariando a tendência para a criação de uma cidade dentro da outra, que de facto se veio a concretizar a seguir.
A pre-existente quinta nunca desapareceu por completo. A sua estrutura topográfica foi absorvida na íntegra e a incorporação de uma série de pre-existências serviu para a introdução de referências, por vezes acidentais, que assumem um papel fundamental de conectar o plano com o passado do local. A antiga quinta torna-se parque urbano e elemento central de toda a intervenção. Ao longo do seu perímetro, Siza Vieira posiciona os vários conjuntos habitacionais que, por sua vez, obedecem à topografia do local e dialogam com a estrutura viária dos bairros contíguos. Os arruamentos dos conjuntos habitacionais, invariavelmente, apontam para a bolsa verde central, reproduzindo a típica relação visual dos pequenos aglomerados rurais do Alentejo, onde o contexto rural é enquadrado pelo topo das suas ruas. O mesmo perfil da cidade histórica é cuidadosamente incorporado no bairro, através do extenso espaço perspectivo proporcionado pelo parque urbano. Embora parte do parque não tenha sido completado e as zonas inacabadas sejam agora objecto de ocupações com hortas clandestinas, o mesmo tem sido relativamente bem cuidado e continua a ter um papel fundamental de assegurar a unidade do bairro, que não viu a realização de muitos dos outros equipamentos previstos no seu plano. Para além de muitos habitantes provenientes do contexto rural da região, as cooperativas que promoveram a construção de grande parte das habitações que compõem a Malagueira vieram a abranger uma população socialmente mais diversificada. Enquanto muitos dos seus habitantes chegaram ao bairro eminentemente por escolhas ligadas a existência de programas de apoio do governo e aos baixos custos das habitações, assistiu-se também à chegada de profissionais vindos frequentemente de outras partes do país, que decidem viver no bairro não somente por razoes económicas, mas também por reconhecerem qualidade no mesmo e nas suas habitações. A construção do bairro da Malagueira, tal como se encontra hoje, concretizou-se durante os seus primeiros 25 anos, com a realização de 1200 habitações evolutivas com pátio, implantadas quase invariavelmente sobre lotes com uma configuração rectangular de 8x12m, obedecendo, com poucas excepções, a três projectos tipo de habitações evolutivas. A realização dos equipamentos públicos concretiza-se durante o mesmo período mas, conforme já mencionado, nunca chega a ser completada, ficando no
papel equipamentos que teriam sido fundamentais para assegurar ao bairro a necessária complexidade e autonomia funcional. Se por um lado, o bairro nunca foi completado, por outro, ao longo dos anos, foi objecto de um incessante processo de alteração de iniciativa particular. Assim, as 1200 habitações, que de origem tinham poucas variações arquitectónicas, registaram ao longo do tempo a sedimentação de inúmeras alterações. Parte destas alterações foram fomentadas pela mesma capacidade evolutiva das habitações, nem sempre executada conforme tinha sido previsto pelo plano. A chegada de novos sistemas construtivos e, em particular, a vulgarização do uso de caixilharia em alumínio, também contribuíram para a alteração da imagem original das habitações, que tinha sido fortemente caracterizada pelos desenhos e cromatismos da sua caixilharia em madeira. No entanto, as alterações de maior impacto são as que pretendem subverter a linguagem arquitectónica das habitações, através de uma anárquica tentativa de individualização das mesmas, em oposição à sua continuidade em banda, e da sobreposição de uma identidade vernacular através da introdução de embasamentos, socos e alisares pintados. São talvez estas as modificações mais difundidas e que maior impacto visual têm sobre a coerência do bairro, uma vez que fragmentam a unidade arquitectónica das habitações em banda que definem as ruas, aparentando em alternativa uma sequência de edifícios distintos. A presença dos pátios nas habitações tem um papel fundamental na resiliência arquitectónica do bairro. Ao actuar como “buffer” entre a esfera pública e privada, os pátios resguardam, em relação à rua, não só a vivência das casas mas também muitas das alterações físicas que foram feitas nas habitações. Como é evidente a partir de qualquer vista aérea do bairro, os pátios têm sido objecto de numerosas tentativas de re-interpretação funcional. Os esquissos do Siza Vieira sugerem claramente que, no seu entender, o pátio não teria somente a função de “hall” de transição entre a habitação e a rua, mas também a de espaço de lazer por excelência, que iria proporcionar uma extensão directa da vivência interior da habitação para o seu exterior, por meio de portas-janelas em todos os compartimentos do piso térreo. As diferentes formas de utilização e ocupação do pátio têm sido objecto de numerosos estudos que revelam a sua extensa variedade. Em muitos casos, este foi alterado para responder a
funções de carácter práctico. Alguns habitantes viram no pátio a oportunidade de perpetrar hábitos de origem rural e de implementar uma atitude utilitária, ocupando-o com anexos, alpendres e outras estruturas de apoio. Durante a última fase de construção do bairro, surge uma nova forma de adaptação do pátio. A pedido das cooperativas, o projecto é alterado de forma a permitir a realização de muros baixos abrindo visualmente o pátio à rua. As habitações que incorporam esta solução deixam, para todos os efeitos, de poderem ser consideradas como habitações com pátio. A total ausência de privacidade dificulta a utilização do mesmo como extensão da vivência da habitação, transformando-o em espaço representativo de enquadramento visual da habitação em relação à rua. Existem também exemplos mais pontuais, de intervenções que, embora introduzam alterações aos projectos tipo, actuaram no sentido de acentuar a utilização do pátio como espaço central da vivência da habitação, através da introdução de aberturas mais desafogados que permitem uma mais acentuada continuidade com o interior da casa. Desde a sua construção inicial, as habitações do bairro têm sido objecto de um processo constante de alteração. No entanto, como a maior parte das alterações que afectam a coerência arquitectónica do bairro são de facto bastante superficiais, tal deixa entrever a possibilidade de que este processo de alteração possa um dia vir a ser invertido e que uma maior consciencialização do valor cultural do bairro possa servir de incentivo para a iniciação de um processo de reversão das alterações, a favor de uma recuperação da coerência original da obra. A nível dos equipamento públicos, a questão é radicalmente diferente uma vez que em muitos casos os mesmos nunca chegaram a ser realizados. A lista de equipamentos que faziam parte do plano compreende, entre outros, a semi-cúpula central, a rua comercial “Broadway”, uma igreja, uma clínica, um “apart-hotel” e um restaurante panorâmico. Trata-se de estruturas que, embora não indispensáveis, devem ser consideradas como fundamentais para completar a identidade do bairro. Seria auspicioso que o renovado interesse à volta da Malagueira, suscitado pelos seus 40 anos e pela sua candidatura a Património da Humanidade, possa não só contribuir para uma maior compreensão do valor da obra, mas também para que se reconheça a importância de concluir uma obra que há tempo demais espera uma conclusão. Andrew Shore
ANTÓNIO CARRAPATO Nascido em Reguengos de Monsaraz, no ano de 1966, António Carrapato inicia-se em 1991 como repórter fotográfico. Passa por várias colaborações na imprensa escrita, fotografando para os principais jornais diários do país, o Público é o órgão de comunicação social com o qual estabelece uma relação mais estreita. Em paralelo, tira o curso de fotografia na AR.CO e, a partir do ano 2009, desenvolve trabalhos de fotografia de autor. A Colecção da Sociedade de Advogados PLMJ, em 2002, passa a integrar fotografias suas e também se vê representado em algumas coleções particulares. As suas exposições individuais já foram acolhidas, entre outros locais de Lisboa, na Galeria Modulo (2016), na Galeria Ermida Nossa Senhora da Conceição (2010), e na Fábrica do Braço de Prata (2012 e 2015). No resto do país, podem enunciar-se O Museu de Évora (2009 e 2016) e o Museu da Aldeia da Luz (2013). De entre as exposições colectivas em que participou, apontam-se a exposição Riso, da Fundação EDP, em Lisboa, em 2012, a edição de 2013 do Copenhagen Photo Festival, na Dinamarca e mostra na Pequena Galeria, em 2013. Em contextos urbanos internacionais ou no território rural do Alentejo, o seu local de residência e um dos seus principais cenários de acção, António Carrapato, invulgar observador, capta e reproduz a ironia do universo humano. Os acasos excêntricos e as coincidências absurdas dominam o seu trabalho, conferindo-lhe o humor que o define como fotógrafo. Antonieta Felix
FICHA TÉCNICA CATÁLOGO Concepção gráfica e Impressão: RuiBelo design&print / milideias.pt