Todo ser que respira...

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Todo ser que

RESPIRA… a missão da música na Igreja



Todo ser que

RESPIRA… a missão da música na Igreja

Luiz Carlos Ramos

Editeo

2010


Todo ser que respira... a missão da música na igreja © Luiz Carlos Ramos, 2010 Publicado pela Coordenação Nacional de Educação da Igreja Metodista em parceria com a Faculdade de Teologia (FaTeo) Catalogação preparada pela bibliotecária Aparecida Comelli Tavares (CRB-8-3781) – Biblioteca Jalmar Bowden

______________________________________________ 783 R147t

RAMOS, Luiz Carlos Todo ser que respira...: a missão da música na Igreja/ Luiz Carlos Ramos. São Bernardo do Campo: Editeo / São Paulo: CONEC, 2010. 72 p. il. (Educação cristã) ISBN: 978-85-88410-93-0

1. Música sacra 2. Música na Igreja 3. Música – evangelização I. A missão da música na Igreja II. Título CDD 18ª ed.

______________________________________________ Igreja Metodista Faculdade de Teologia da Igreja Metodista João Carlos Lopes (Bispo Presidente) Rui de Souza Josgrilberg (Reitor) Secretaria Para Vida e Missão da Igreja Joana D’Arc Meireles Coordenação Nacional de Educação Cristã – Conec Renilda Martins Garcia (Coordenadora) Josué Adam Lazier (Bispo Assessor) Departamento Nacional de Música e Arte DNMArte Edson Mudesto (Coordenador) Nelson Luiz Campos Leite (Bispo Assessor) Coordenação Regional do DNMArte 1ª RE – Edson Mudesto 2ª RE – Vilson Gavaldão de Oliveira 3ª RE – Liséte Espindola Couto 4ª RE – Eliézer Pessoa Wendling 5ª RE – Walter Fidelis de O. Segundo 6ª RE – Flávio Márcio O. de Almeida Remne – Edison Davi Oliveira Ramos Rema – Francisco Robson da S. Vasconcelos

Av. Piassanguaba, no. 3031 Planalto Paulista, São Paulo, CEP. 04060-004 Tel. (11) 2813.8600 Fax: (11) 2813.8635 www.metodista.org.br – conec@metodista.org.br

Coordenador da Editeo Helmut Renders Conselho Editorial Blanches de Paula Helmut Renders José Carlos de Souza Luiz Carlos Ramos Magali do Nascimento Cunha Tércio Machado Siqueira Organizadora desta publicação Renilda Martins Garcia Projeto gráfico, diagramação, capa e ilustrações Marcos Brescovici Revisão Hideíde Brito Torres e Renilda Martins Garcia Tiragem: 1.000 exemplares

Editeo Rua do Sacramento, no. 230, Rudge Ramos São Bernardo do Campo, São Paulo, CEP. 09640-000 Tel. (11) 4366.5958 Editora: editeo@metodista.br


“Tangei com júbilo e com arte” (Sl 33.3)

Para você que respira… com alegria e com arte



APRESENTAÇÃO O Metodismo brasileiro foi marcado por uma forte paixão missionária. Essa paixão é a herança que nos foi deixada por irmãs e irmãos que, na vivência da fé cristã, testemunharam a salvação em Jesus Cristo de maneira vivaz e melodiosa, apesar das contingências enfrentadas. Ainda hoje, na evangelização, as canções, os louvores e a arte, alimentam a fé e a vida das pessoas e espalha a esperança em Cristo. Ora, viver é uma arte e viver a fé permeada pela música e pela arte é uma dádiva de Deus. Esse desejo, do anúncio da Palavra por meio da música, ressoou no 18º Concílio Geral da Igreja Metodista, em 2006. Foi criado, então, o Departamento Nacional de Música e Arte (DNMArte). E agora, por iniciativa da Coordenação Nacional de Educação Cristã (Conec), em co-edição com a Editora da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista (Editeo), o DNMArte nos presenteia com este livro: Todo ser que respira…: a missão da música na Igreja, de autoria do Prof. Luiz Carlos Ramos que, com muita dedicação e fé, compartilha conosco esta preciosidade de saber que nos estimula a uma vida melodiosa e harmônica, em meio às adversidades do nosso tempo. Este livro propõe uma maneira de ver e ouvir a música no contexto da missão. Para isso, procura dar uma visão de conjunto da trajetória histórica da música na Igreja. Primeiramente, busca no referencial bíblico (Salmo 150 — “Todo ser que respira, louve ao Senhor…”), as respostas às questões fundamentais do louvor: a quem louvar, onde, por que, como, e quem deve louvar. A seguir analisa o “Percurso da hinódia protestante”, desde suas origens mais antigas até os nossos dias. E, assim como a


vida é repleta de vários questionamentos, a caminhada histórica da música também precisa enfrentar algumas inquirições relativamente complexas, “Música sacra ou música para o culto?”, o que torna sacra uma música? Outro capítulo analisa “a música no contexto da missão” e procura identificar o lugar e o papel da música nas diferentes áreas da ação missionária da Igreja. Por último, mas ainda não é o fim, pois a música e a arte continuam após a leitura deste livro, o autor propõe uma série de “Orientações práticas para o dia-a-dia do ministério da música na igreja local”. A feitura deste livro foi permeada por saberes e melodias variadas. As palavras foram agrupadas à semelhanças de acordes musicais que, ao serem entoados, têm o poder de revelar canções singulares a partir da própria experiência de cada pessoa que venha a saborear esta obra. Assim como as palavras, as frases e os textos estimulam o entendimento e dão sentido ao que antes era belo hábito. A música e a arte, regadas com compreensão, sabedoria e prazer, dão muito mais sentido à vida, na prática da fé. Louvamos a Deus pela vida do Prof. Luiz Carlos Ramos e agradecemos a Faculdade de Teologia da Igreja Metodista pela parceria nesta publicação. Com carinho e estima, Revda. Renilda Martins Garcia Coordenadora Nacional de Educação Cristã da Igreja Metodista (CONEC)

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO

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1 TODO SER QUE RESPIRA LOUVE AO SENHOR  1.1. Quem deve ser louvado? 1.2. Onde Deus deve ser louvado? 1.3. Por que Deus deve ser louvado?   1.4. Como Deus deve ser louvado?   1.5. Quem deve louvar a Deus?

11  12  14 15 16 21

2 PERCURSO DA HINÓDIA PROTESTANTE  2.1. O cântico litúrgico cristão na igreja antiga  2.2. O cântico litúrgico medieval  2.3. A hinódia protestante reformada  2.3.1. João Huss 2.3.2. Martinho Lutero 2.3.3. Ulrico Zuínglio 2.3.4. João Calvino 2.3.5. Johann Sebastian Bach 2.3.6. Felix Mendelssohn Bartholdy 2.4. Hinódia inglesa do séc. XVII  2.5. Hinódia do reavivamento evangélico inglês no séc. XVIII  2.6. Hinódia evangelística estadunidense  2.7. Hinódia das missões transculturais (séc. XIX e XX)  2.8. Hinódia protestante brasileira 2.9. A música como serviço à Palavra de Deus

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3 MÚSICA SACRA OU MÚSICA PARA O CULTO? 3.1. A melodia da lira ou o descanto da alma?  3.2. A harmonia dos acordes ou a dissonância da vida?   3.3. O ritmo do coração ou o compasso do corpo?   3.4. A letra que mata ou a música que vivifica?

49 49 50 50 51


3.5. A santidade do/a autor/a – compositor/a ou a graça de Deus?  52 3.6. O que torna sacra uma música?  52 4 A MÚSICA NO CONTEXTO DA MISSÃO  4.1. A música na vida: uma questão existencial 4.2. A música na Igreja: uma questão congregacional  4.3. A música na evangelização: uma questão missionária  4.4. A missão da música

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5 ORIENTAÇÕES PARA O MINISTÉRIO DA MÚSICA NA IGREJA LOCAL 5.1. A constituição da equipe ou ministério de música 5.2. O repertório musical 5.3. Cuidados técnicos importantes 5.4. Cuidados essenciais

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REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

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SER QUE RESPIRA 1TODO LOUVE AO SENHOR Este capítulo oferece uma introdução ao tema do louvor e da música a partir de uma leitura atenta do Salmo 150. A Bíblia é a nossa referência de fé e prática e este salmo, particularmente, nos dá as diretrizes a respeito de a quem louvar, onde louvar, por que louvar, como louvar

E

e quem deve louvar.

m geral, se diz da Bíblia que ela é a Palavra de Deus. E de fato o é, porque Deus nos fala quando lemos as Escrituras Sagradas. Mas, no caso do livro dos Salmos, não somente ouvimos a Palavra de Deus, como encontramos as palavras do povo de Deus, ditas na sua presença e diante da congregação dos/as fiéis. As Escrituras contêm, portanto, um grande diálogo: nelas, Deus fala ao seu povo e este responde com compromisso, testemunho e louvor. O saltério1 termina com uma peça apoteótica, no qual tudo e todos/as, em todos os lugares e circunstâncias, são convocados/as ao louvor daquele que é grandioso e que tem feito coisas grandiosas. A organização hebraica dos salmos agrupa-os em três seções: • A primeira pode ser chamada de “Salmos Amém, Amém”: por conterem principalmente súplicas e lamentos;

1

Saltério: neste caso, o livro da Bíblia que contém os Salmos.

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• A segunda parte pode ser chamada de “Salmos Amém, Aleluia”: porque incluem, além das súplicas e lamentos, o louvor e a exaltação da majestade de Deus; • E o terceiro bloco pode ser chamado de “Salmos Aleluia, Aleluia”: porque são de pura exaltação e glorificação do Senhor e Deus Todo-poderoso. Sim, neles não se encontra uma súplica ou lamento sequer. Isso parece sugerir um crescendo, isto é, uma gradação e intensificação progressiva. Os lamentos e as súplicas têm o seu lugar na experiência do povo de Deus, mas o louvor é a coroação de sua espiritualidade. Tanto é assim que os hebreus chamam a toda a coleção dos 150 salmos de Tehillim, que significa “louvores”, como se todos os 150 salmos fossem de louvor (mas nem sequer estes são a maioria: os de súplicas são muito mais numerosos). O louvor é o desfecho de todo o processo de lamento e súplicas. Este é o caso do Salmo 150: um “Salmo Aleluia, Aleluia”. Aliás, estas são justamente as suas primeira e última palavras, as que emolduram o texto. Nele o salmista apresenta os princípios norteadores de uma vida de louvor na presença do Deus Eterno. Podemos supor que o autor do Salmo 150 tinha em mente algumas perguntas cruciais, levantadas por seus contemporâneos e por seus eventuais leitores/as futuros/as. Procuremos identificar quais seriam essas perguntas cruciais.

1.1. Quem deve ser louvado? “Aleluia! Louvai a Deus…” (Sl 150.1a)

O tema do salmo é apresentado na sua primeira palavra. A expressão “aleluia” (halal, no hebraico) pode ser traduzida por 12


“louvar”, mas é muito mais rica e praticamente sem equivalente em português. Por isso, ao longo da história, optou-se pela transliteração adaptada do termo original. Trata-se, portanto, de um “hebraísmo”, isto é, uma construção própria da língua hebraica. E isso se deu em praticamente todos os lugares do mundo. Onde quer que se vá, o termo “aleluia”, com algumas poucas modificações, ficou preservado. Virou uma palavra mundial. “Aleluia”, portanto, é uma expressão carregada de sentidos, que não pode ser traduzida por uma única palavra. Ela exprime um sentimento, um modo de pensar, um estado de espírito, uma disposição de ânimo, um jeito, enfim, de ser e de agir diante do Sagrado. Secularmente, no entanto, “louvar” tem sentido mais limitado e significa “enaltecer (alguém ou a si próprio) com palavras; dizer bem de; dirigir louvores a; elogiar (-se), gabar (-se)” e seu emprego não está necessariamente restrito ao Sagrado. Pode-se louvar, elogiar, uma pessoa ou uma divindade. O Salmo 150, porém, deixa muito claro o sentido que o autor dá ao termo, e quem é aquele que deve ser louvado: “Louvai a Deus”. A Bíblia emprega vários verbetes para designar Deus. Neste salmo, em particular, a palavra empregada é YaHWeH, ou Javé. Trata-se do nome mais sagrado de Deus, com o qual Ele se autodesignou ao apresentar-se a Moisés, do meio da sarça ardente. Este é o nome que não deve ser tomado em vão, preceito que encabeça a lista dos Dez Mandamentos. Para pronunciar esse nome, os hebreus tinham que realizar todo um processo de purificação. Muitas vezes, quando liam as Escrituras Sagradas, simplesmente substituíam o nome de Deus por um silêncio e por um gesto de inclinação do corpo.

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Assim, está plenamente respondida a pergunta: Quem deve ser louvado? Resposta: O Único, o Santo, o Sagrado, Deus, Javé. Mas nunca de maneira banal, nunca deixando escapar da boca, descuidadamente, o Nome Sagrado. Assim, quando louvarmos, devemos ser “econômicos” em nossas palavras, evitando, principalmente, banalizar o Nome de Deus.

1.2. Onde Deus deve ser louvado? “Aleluia! Louvai a Deus no seu santuário; louvai-o no firmamento, obra do seu poder.” (Sl 150.1)

O salmista parece ter diante de si interlocutores que, como a mulher samaritana fez com Jesus séculos mais tarde (ver Jo 4.20), questionam: “Uns dizem que o lugar certo de se adorar é aqui, outros dizem que é acolá. Qual é, afinal, o lugar certo para louvar?” A resposta do salmista é inequívoca: há dois lugares privilegiados para louvar a Deus: no “santuário” e no “firmamento”. Provavelmente havia alguns que diziam que o louvor só era válido se fosse feito no Templo. Outros, críticos do sistema, rejeitavam o Templo e tinham muitos motivos para isso, pois este, com frequência, se convertia em “casa de salteadores” e lugar de “vendilhões”, sem falar na exploração do povo, promovida pelos profissionais da religião, por meio da cobrança de onerosos impostos. Havia, portanto, quem defendesse e quem rechaçasse o Templo. O Salmista defende, por um lado, o Santuário. Sim, há um lugar construído especialmente com a finalidade de oferecer ao povo um espaço condizente para prestar sua homenagem ao seu Deus. Mas há um “porém”: o Templo, obra de mãos huma14


nas, deve estar, a serviço ao culto, não o contrário. O culto não depende do Templo, é o Templo que existe por causa do Culto. Por essa razão, o autor do salmo acrescenta: “louvai-o no firmamento, obra do seu poder”. O vasto Universo é o grande Templo no qual Deus deve ser louvado. E, como se comprovará mais adiante, o próprio corpo humano será exaltado como lugar privilegiado da habitação divina, sim: “Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós […]?” (1Co 6.19). Deus é maior do que o Templo. Deus está no templo, mas não está confinado a ele: as abas das suas vestes já são suficientes para preenchê-lo completamente. A glória de Deus está no templo, mas não está restrita a ele. A glória de Deus ultrapassa a do Templo e inunda o mundo “como as águas cobrem o mar” (ver Is 6.1-3). Concluímos, então, que o lugar certo para adorarmos a Deus é qualquer lugar sob o céu, ou seja: “no firmamento”. Não é o espaço que condiciona o culto, mas o culto que define o espaço. É bom que tenhamos edifícios próprios para adorarmos, mas nunca devemos nos esquecer que, independentemente do lugar, “os verdadeiros adoradores adoram o Pai em espírito e em verdade” (Jo 4.23).

1.3. Por que Deus deve ser louvado? “Louvai-o pelos seus poderosos feitos; louvai-o consoante a sua muita grandeza.” (Sl 150.2)

A próxima pergunta, a que o salmista responde é: Por que louvar? Sua resposta aponta dois motivos principais: pelos “poderosos feitos” de Deus e por causa da sua “muita grandeza”.

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Louvamos, portanto, a Deus por aquilo que Ele faz e por aquilo que Ele é. • Adorar pelo que Deus faz: Os feitos de Deus são poderosos. Deus cria o universo, o ser humano, e os animais, os vegetais e os minerais de toda espécie, e também preserva e nutre sua criação; Deus salva o/a pecador/a, em Cristo, por sua graça eterna; Deus acolhe os seres aflitos e ouve o clamor dos/as oprimidos/as; Deus perdoa, cura, restaura; Deus julga e aplica a justiça e o direito, fartando de bens os pobres e repreendendo a ambição dos ricos; Deus visita a sua Igreja e a comissiona para que faça parte da sua missão no processo de implantação do seu reinado… Todos esses e muitos outros são motivos para louvarmos a Deus. • Adorar pelo que Deus é: Também devemos louvá-Lo por aquilo que Ele é. Deus é onipotente, onisciente, onipresente; Deus é justo e santo, benigno e misericordioso; Deus é amoroso, é pai materno, é castelo forte, é refúgio e fortaleza, é abrigo e amparo… As palavras de John Wesley sintetizam bem essa atitude de louvor quando exclamam: “Ó Deus, meu Deus, tu és meu tudo…”. Quando nos apresentamos diante de Deus para adorá-Lo, devemos trazer à memória esses motivos maravilhosos, para que nosso louvor seja consistente e condizente com aquele que haverá de recebê-lo.

1.4. Como Deus deve ser louvado? “Louvai-o ao som da trombeta; louvai-o com saltério e com harpa […] com adufes e danças…” (Sl 150.3-5)

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Já sabemos a quem louvar, onde louvar e por que louvar. Mas, como devemos fazer isso? A resposta do salmista é muito criativa. Ele sugere que tomemos como paradigma a estrutura de uma orquestra. Uma orquestra convencional, guardadas as devidas distâncias e diferenças entre as modernas e as dos tempos bíblicos, é constituída essencialmente por instrumentos de (1) sopro (madeiras e metais), (2) cordas e de (3) percussão. Ora, todas essas classes de instrumentos são mencionadas pelo salmista: 1. Sopro: trombetas (metais) e flautas (madeira); 2. Cordas: Harpas, saltério e instrumentos de cordas; 3. Percussão: adufes (tipo de pandeiro) e címbalos (tipos de pratos, percutidos um contra o outro).

Trombetas

Note-se que a ideia aqui apresentada não é, evidentemente, que cada instrumento se governe autonomamente e que todos se manifestem em uma cacofonia2 insana e competitiva, mas em perfeita harmonia, em mútua cooperação — como o apóstolo Paulo recomenda aos Romanos (15.6): “para que concordemente [num só coração] e a uma voz glorifiqueis ao Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.” Disso infere-se que a variedade e a multiplicidade de dons e talentos podem e devem estar a serviço do culto e da adoração. As diferenças somam, quando colocadas a serviço da harmonia conduzida pelo grande Mestre e Maestro do universo. 2

Cacofonia: som feio ou desagradável; união não harmônica de sons diversos.

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Chama a atenção também a referência, sem paralelo, que o salmista faz às “danças”, no versículo 4. O autor redige uma sequência de paralelismos deixando a dança como elemento central e único: A Trombeta (sopro) B Saltério3 (cordas) B’ Harpa (cordas)

Címbalos sonoros

A’ Flautas (sopro) C Adufes4 (percussão) D Danças B” Instrumentos de cordas (cordas) A” Flautas (sopro) C’ Címbalos sonoros5 (percussão) C” Címbalos retumbantes6 (percussão) Essa estruturação literária, com base em paralelismos, é frequente na cultura semita, e recebe o nome de Quiasmo (disposição cruzada da ordem

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Flauta

Saltério: neste caso, tipo de instrumento de cordas dedilháveis, semelhante à cítara.

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Adufe: tipo de pandeiro, feito de madeira leve com membranas retesadas de ambos os lados.

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Címbalos sonoros: instrumento de percussão constituído de discos de metal, pendentes na posição horizontal, que se percutem um sobre o outro; pratos.

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Címbalos retumbantes: semelhantes aos sonoros, mas maiores. Os sonoros se utilizam nos dedos, como castanholas, os retumbantes com as mãos.

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das partes simétricas de duas frases, de modo que formem uma antítese ou um paralelo). A sutileza do sistema está justamente naquele elemento que fica desparceirado, sozinho. A rigor, é justamente esse elemento solitário que se constitui no central ou mais relevante da estrutura narrativa.

Harpa

Se este for o caso deste salmo, então, devemos rever o nosso jeito de interpretá-lo. Para a nossa cultura (ocidental), a maneira como a “dança” é mencionada não pareceria indicar ou sugerir qualquer destaque. Mas, se levarmos em conta a estrutura semita7, então todo o peso recai justamente sobre a “dança” (mahol, em hebraico). Curioso é que, ao longo da história, a Igreja tenha sistematicamente combatido esse tipo de expressão artística, por associá-la com o que se passava nas festas pagãs. No entanto, é só procedermos a uma análise honesta que concluiremos, com facilidade, que o problema não está na dança em si, mas com o sentido e no propósito com os quais se dançam.

Adufe

Dançar, segundo os dicionários, é movimentar o corpo com intenção artística, obedecendo a um determinado ritmo musical ou como forma de expressão subjetiva ou dramática. Portanto, 7

Semita: relativo ao grupo étnico e linguístico ao qual se atribui Sem como ancestral e que compreende os hebreus, os assírios, os aramaicos, os fenícios e os árabes, ou membros desses grupos.

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a arte, que é o que nós temos de mais próximo de Deus na cultura humana, oferece múltiplas possibilidades para expressarmos objetivamente os nossos sentimentos, sensações e intenções subjetivas.

Címbalos retumbantes

Naturalmente, se a “intenção” é necessária para que a dança seja arte, não faz sentido uma movimentação aleatória e vazia de significado. A dança deve ser, portanto, inteligente e inteligível. É, igualmente, expressão coletiva. Essa dança da qual fala o Salmo 150 reporta-se às evoluções coreográficas realizadas pelo povo em suas festas e solenidades, e que eram realizadas, portanto, coletivamente e de maneira sincronizada, de modo que os corpos humanos chegavam a formar “desenhos em movimento”. Mas o que há de mais significativo nesta menção à dança é o fato de que o salmista traz o corpo para o culto. Sim, aquilo que durante séculos foi negado, na maioria dos contextos religiosos cristãos, é de vital importância para a espiritualidade bíblica. No entanto, essa centralidade do corpo não nos deveria causar estranheza nem provocar rejeição, uma vez que a principal doutrina cristã é justamente a da encarnação do Verbo: Deus Se 20

Saltério (o dos tempos bíblicos parece que continha 10 cordas)


fez corpo em Cristo. Desde então, a negação do corpo deveria ser encarada como heresia, como o faz o autor das epístolas de João: “Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus” (1Jo 4.2). Os que pensam diferentemente são anti-cristos, contra Cristo: “e todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo” (1Jo 4.3). A dança está no centro hierárquico do “como cultuar” porque mesmo que não tenhamos uma orquestra, nem órgão, nem violão nem mesmo uma flauta… e mesmo que a própria voz nos falte, ainda assim temos os nossos corpos para adorar a Deus. É com o corpo todo que cumprimos o grande mandamento: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e [não nos esqueçamos do outro lado da moeda]: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lc 10.27).

1.5. Quem deve louvar a Deus? “Todo ser que respira louve ao SENHOR. Aleluia!” (Sl 150.6)

De tudo o que foi visto até aqui, deduzimos que o autor tinha um público específico em mente quando escreveu o Salmo 150: os levitas. Os levitas eram os encarregados dos vários serviços de manutenção do Templo, bem como pelo cuidado dos procedimentos litúrgicos, e eram os encarregados da música, como cantores e instrumentistas. Esses, com frequência, se desviavam dos seus propósitos, e amiúde davam péssimo testemunho. A tal ponto chegou a péssima fama deles que quando Jesus se refere aos levitas, o faz de maneira muito pejorativa, como no caso da Parábola do Bom Samaritano (ver Lc 10): o le21


vita foi um dos que passou de largo daquele que havia caído nas mãos dos salteadores. Ao que parece, os tais levitas tinham a tendência de achar que somente eles é que sabiam e podiam louvar a Deus adequadamente. Talvez se achassem mais espirituais, ou mais dignos, ou mais capacitados que os demais fiéis. O salmista põe termo Partitura de cântico gregoriano a essa presunção, explicitando quem são aqueles que podem e devem louvar ao Senhor: “Todo ser que respira”. E ponto final. Para louvar a Deus, não dependemos dos levitas, nem de quem quer que seja: basta que estejamos vivos/as. Aliás, a nossa própria vida é que é o nosso verdadeiro louvor. O louvor não é o que dizemos, nem o que cantamos, nem os instrumentos que executamos: o louvor é a vida que vivemos de amor a Deus e ao próximo. Dito isso, devemos então reconsiderar e assumir que os verdadeiros destinatários do Salmo 150 somos todos nós, que recebemos de Deus o sopro, o fôlego da vida: “Porque nele vivemos, nos movemos e existimos” (At 17.28). Aleluia!

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2

PERCURSO DA HINÓDIA8 PROTESTANTE Este texto pretende oferecer uma síntese analítica das principais fases pelas quais passou a hinologia cristã (música litúrgica) e que resultaram na forma como a encontramos nas igrejas

N

protestantes atualmente.

ão há como precisar a origem da música, ou como nem por que surgiu. Há vestígios que indicam que ela acompanha a espécie humana desde os tempos mais remotos, quer como linguagem mágica, quer como ciência, oração, arte ou diversão. Por meio da música, como o faz por meio da dança (que desde o início está intimamente associada à música), da pintura, da escultura, da arquitetura, da literatura, etc., o ser humano expressa suas emoções. Mas, particularmente, o ser humano encontra na música uma maneira privilegiada para relacionar-se com o sagrado. Os historiadores são unânimes em reconhecer e afirmar a origem religiosa da música. Das civilizações mais antigas de que se tem conhecimento, os egípcios estão entre os primeiros a desenvolver um tipo de música sofisticada, empregando instrumentos elaborados, que eram executados por musicistas profissionais, que ocupavam lugares privilegiados na sociedade. Dentre os que mais se destacaram na arte da música, estão também os árabes, cuja rítmica era inspirada no passo cadenciado dos camelos e no galope dos cavalos. Na Índia, a música era parte integrante da constituição social, essencialmente religiosa. Da China, herdamos as primei8

Hinódia: é o estudo dos hinos.

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ras noções de arte musical (cerca de 4000 a.C.): a música tinha como objetivo orientar o povo na prática do bem e purificar-lhe os pensamentos, bem como expressar gratidão pelas dádivas dos céus e homenagear os mortos. Aos chineses devemos a tecnologia que originou o harmônio, tão usado no culto cristão. Naturalmente, os Hebreus também deram sua importante contribuição, particularmente para os cantos sacros, cujo principal legado nos chega por meio do livro dos Salmos. Nenhum povo, no entanto, se compara aos gregos, no que diz respeito ao cultivo das artes, em geral, e ao da música, em particular. O próprio termo “música” foi cunhado pelos gregos: “arte das musas”. Um cidadão grego deveria ter formação consistente no campo da ciência e da filosofia, bem como no das artes: pintura, escultura, arquitetura, poesia, teatro e, naturalmente, música. Mencionemos, por fim, os romanos. Estes nunca se interessaram muito nem pela música nem pelas artes ou pela cultura em geral. Seu foco estava na “arte da guerra”. Mas, à medida que conquistavam territórios, a cultura dos conquistados acabava, de alguma forma, respingando sobre a romana. Mais tarde, quando, sob Constantino (272-337 d.C.) Roma se torna o centro de referência da tradição cristã ocidental, o que hoje é conhecida como Itália se destacará como referência universal para a música erudita, e o é até o presente.

2.1. O cântico litúrgico cristão na igreja antiga As referências à música nas páginas da Bíblia são inúmeras. O livro dos Salmos se destaca, na Bíblia Hebraica, como “hinário oficial” da religião de Israel. Na literatura dos Pais da Igreja, especialmente a partir do Concílio de Niceia (325 d.C.), nota-se grande ênfase no canto do Salmo, considerado o canto cristão por excelência. 24


No Novo Testamento, a música está presente do princípio (nas narrativas do nascimento de Jesus) até o final (nas doxologias9 do Apocalipse). Os hinos bíblicos se constituíram no primeiro e principal referencial para o desenvolvimento da hinódia cristã. De fato, toda a hinódia antiga e medieval é dependente, quase que exclusivamente, dos hinos bíblicos. Nos primeiros séculos da cristandade, o chamado período pós-apostólico, a música já era parte rotineira do culto dominical, como o atestam vários documentos históricos (no entanto, não se pode saber como eram entoados, devido às limitações técnicas dessa documentação). Durante o segundo e terceiro séculos, os cristãos começaram a compor suas próprias canções com um sentimento distinto e próprio. No quarto século, a música passou a ocupar uma parte maior e mais significativa do ritual. Escolas de música foram estabelecidas exclusivamente para preparar aqueles (naquele tempo, somente homens podiam assumir essa função) que deveriam ficar encarregados do cântico no culto. Destacam-se, nesse período, os seguintes cânticos litúrgicos: • Gloria in Excelcis (Doxologia Maior: “Glória nas alturas”); • Gloria Patri (Doxologia Menor: “Glória seja dada ao Pai”); • Ter Sanctus (“Santo, Santo, Santo”); • Te Deum Laudamus (“Louvamos-te, ó Deus”); • Kyrie eleison (“Senhor, tem misericórdia”): não se deve ignorar as contribuições da Igreja Síria e os hinos da Igreja Oriental (grega).

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Doxologia: fórmula litúrgica de arremate nas grandes orações cristãs (hinos, súplicas, versículos, etc.) em que se glorifica a grandeza e majestade divinas.

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Vale notar que, nesse período, por razões que não cabem aqui esmiuçar, a dança foi praticamente banida do culto e sua associação natural com a música foi sistematicamente combatida.

2.2. O cântico litúrgico medieval Para melhor compreender a hinologia10 protestante, é necessário considerar seus antecedentes na liturgia medieval, pois, em certa medida, esta definiu aquela, quer afirmativa, quer negativamente. A música na igreja medieval integrava, principalmente, a liturgia da missa11. Esta se estruturava em duas partes principais: • A primeira, chamada de liturgia dos catecúmenos12, incluía orações, salmos do Antigo Testamento ou, ocasionalmente, hinos cristãos, leitura da Escritura e homilia13; • A segunda parte, chamada de liturgia dos fiéis14, compreendia a oblação15 dos elementos eucarísticos do pão e vinho, a oração eucarística especial de consagração, que 10

Hinologia: é a ciência que estuda os hinos (os dicionários também dizem que é a arte de recitar, cantar e compor hinos). “Hino” é um poema ou cântico composto para glorificar a Deus (o termo também é utilizado para designar o canto solene em honra da pátria e/ ou seus defensores). Neste escrito, o termo é utilizado para designar o cântico litúrgico, isto é, o cântico entoado no contexto do culto.

11

Missa: com o apoio do imperador romano Constantino (272-337 d.C.), o latim ganhou força na Igreja Ocidental (Romana), enquanto o grego foi preservado na Igreja Oriental (Ortodoxa). Assim, termos de origem grega, como “liturgia”, foram substituídos por seus equivalentes latinos. “Missa” (da mesma raiz da palavra “missão”) passa a ser o termo empregado para definir o ato de culto cristão por excelência, o que inclui a celebração do sacramento da Ceia do Senhor — curiosamente, no caso deste sacramento, mesmo na Igreja Ocidental, preservou-se a terminologia grega: “eucaristia” = “ação de graças”, da mesma raiz de “carisma”. Convém notar que ainda não havia a distinção entre Igreja Católica e Igrejas da Reforma, de modo que esses termos (missa e eucaristia, por exemplo) eram comuns aos cristãos em geral.

12

Catecúmenos: aquele/a que recebe instrução rudimentar nas doutrinas do cristianismo antes do Batismo, da Confirmação ou da Profissão de Fé.

13

Homilia: pregação em estilo familiar que busca explicar um tema ou texto evangélico.

14

Liturgia dos fiéis: isto é, das pessoas que já receberam o sacramento do Batismo.

15

Oblação: oferecimento a Deus dos elementos eucarísticos, feito pelo sacerdote.

26


incluía as palavras da instituição, e a comunhão partilhada dos elementos. Todas essas partes se faziam acompanhar de cânticos próprios e ordinários. Na Idade Média, as orações, os cantos, e as leituras que compunham cada culto eram colecionados em um breviário16, ou ordem de culto, para o ano todo. Deve-se a Santo Ambrósio (333-397 d.C.), bispo de Milão, a inclusão de hinos e antífonas na liturgia. Por influência de São Gregório (540-604 d.C.), que compilou cânticos litúrgicos selecionados em um Antifonário17, as melodias eram planas e não se empregava rítmica18 variada nem a polifonia19. O canto era entoado congregacionalmente (isto é, em conjunto), em uníssono20 e sem acompanhamento de instrumentos musicais — estes últimos só se tornariam mais comuns a partir do século XII. Mesmo depois da queda do Império Romano (séc. V), o latim foi mantido, o que restringia sua compreensão aos clérigos e dificultava seu acesso aos/às leigos/as: tanto a música, como a participação na celebração em geral, era privilégio do clero. Era, portanto, uma prática restrita aos religiosos da qual os leigos não participavam.

16

Breviário: livro que reúne os ofícios que os sacerdotes utilizam em suas orações diariamente contendo orações, salmos, antífonas, etc.

17

Antifonário: livro de coro que contém as antífonas, notadas em caracteres de cantochão; cantatório. Antífona: versículo que se diz ou se entoa antes de um salmo ou de um cântico religioso e depois se canta inteiro ou se repete alternadamente em coro; também pode ser a palavra ou expressão que se repete freqüentemente; estribilho, refrão.

18

Rítmica: ciência dos ritmos aplicada à música, à prosa e, especialmente, à poesia.

19

Polifonia: multiplicidade de sons; conjunto harmonioso de sons; combinação simultânea de várias melodias.

20

Uníssono: que tem o mesmo som, neste caso, sem harmonização de diferentes vozes ou linhas melódicas simultâneas.

27


Tratava-se, portanto, de uma hinódia clerical/monacal21, de estilo monódico22, diatônico23 e de ritmo livre, cujas letras eram composições sobre textos litúrgicos latinos24, muitos deles já estabelecidos no primeiro século da era cristã: • Gloria in Excelcis, Gloria Patri, Kyrie, Sursum Corda25, Ter Sanctus, Gloria et Hosanna, Agnus Dei26, Credo, Te Deum Laudamus; • Salmos bíblicos (e.g.: De Profundis 27 – Sl 130, também os Sl 113-118, etc.); • Cânticos evangélicos (Anunciação – Lc 1.30-33, Magnificat28 – Lc 1.46-55, Benedictus29 – Lc 1.68-79, Nunc Dimittis30 – Lc 2.29-32); • Outros textos evangélicos (Gloria in Excelsis – Lc 2.14, Hosanna et Benedictus – Lc 19.38/Mt 21.15); • Cânticos baseados em textos teológicos capitais, os chamados Hinos Apostólicos (At 4.24-30; Ef 5.14; Fp 2; 1Tm 3.16; 5.15-16; 2Tm 2.11-13; e vários em Ap). 21

Clerical: relativo ao “clero”. Clérigo: indivíduo que pertence à classe eclesiástica, que recebe ordem sacra. Monacal: o mesmo que “monástico”, relativo a “monge” ou “monja” e à vida no mosteiro ou convento: estabelecimento onde os monges vivem isolados do restante do mundo.

22

Estilo monódico: estilo cujo canto ou melodia é executado em uníssono.

23

Diatônico: que procede de acordo com a sucessão natural dos tons e semitons.

24

Textos litúrgicos latinos: textos escritos (e pronunciados) em latim, durante o culto.

25

Sursum corda: texto litúrgico tradicional, do latim, “Elevai os vossos corações”.

26

Agnus Dei: “Cordeiro de Deus”, do latim, expressão dita por João Batista quando viu que Jesus vinha para ser batizado por ele (cf. Jo 1.29: “No dia seguinte, viu João a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!”; e 1.36: “e, vendo Jesus passar, disse: Eis o Cordeiro de Deus!”).

27

De profundis: palavras iniciais do Salmo 130, “Das profundezas…”. Magnificat: expressão que inicia o Cântico de Maria, na versão da Vulgata (latim): “A minha alma engrandece ao Senhor…” (Lc 1.46-56).

28

29

Benedictus: o termo que dá início ao Cântico de Zacarias, pai de João Batista, “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel…” (Lc 1.68-79).

30

Nunc dimittis: palavras iniciais do Cântico de Simeão, entoado enquanto segurava Jesus no colo, “Despede agora em paz o teu servo, porque meus olhos viram a salvação…” (Lc 2.29-32).

28


Nota-se que a hinódia medieval era essencialmente bíblica. Praticamente tudo o que se cantava no contexto litúrgico eram trechos bíblicos literais ou textos teológicos com evidente referência ao conteúdo escriturístico.

2.3. A Hinódia protestante reformada 2.3.1. João Huss

Pouco se pode dizer com base documental confiável sobre a prática dos anabatistas31 (assim chamados por sua prática de rebatizar aqueles que não haviam sido batizados por imersão). No entanto, sabe-se que seu costume de cantar congregacionalmente influenJan Huss ciou diretamente líderes (Boêmia, 1369-1415) empenhados na reforma da Igreja Romana, tanto na Suécia, como na Alemanha e em outros países da Europa, entrte eles o sacerdote tcheco João Huss, que também introduziu o canto congregacional nas igrejas boêmias. Este, por sua vez, inspirou Martinho Lutero a empregar o cântico do povo no processo de consolidação da Reforma Protestante (séc. XVI).

31

Anabatistas: grupo protestante do séc. XVI, que desaprovava o batismo da criança antes do uso da razão e preconizava a reiteração do batismo na idade adulta (daquelas pessoas que haviam sido batizadas na infância).

29


2.3.2. Martinho Lutero

Martinho Lutero, o grande reformador alemão, tinha uma atitude de liberalidade em relação à liturgia. Coerente com a sua ênfase na Teologia da Graça, não rejeitava nada no culto a não ser que fosse algo explicitamente proibido pelas Escrituras. Admitia que as variações de temperamento e tradição deveriam encontrar métodos variados de adorar o mesmo Deus.

Martin Luther (Alemanha,0 1483-1546)

No prefácio do seu Livreto de Hinos Espirituais (1524), escreve: “Com alegria, eu gostaria de ver todas as artes, especialmente a música, no serviço daquele que as deu e as criou”. E afirma, ainda: “não condeno cerimônias”. Assim, encontramos em Lutero um incentivador das artes em geral e da música em particular, bem como um apreciador da beleza dos cerimoniais e dos rituais. Sabe-se que Lutero tinha conhecimentos musicais e atribui-se à sua autoria, pelo menos, 37 hinos. O mais conhecido de todos é o “Castelo Forte” (uma versão do Salmo 46). Supõe-se que ele mesmo não compusesse as melodias. Há quem afirme que ele emprestava as melodias das músicas populares que se cantava secularmente em sua época. No que diz respeito ao conteúdo lírico32, preservou os hinos medievais de origem latina, traduzindo vários deles para o ale32

Conteúdo lírico: neste caso, refere-se à obra em verso feita para canto ou própria para se musicar; especificamente, a letra dos hinos.

30


mão, bem como a salmódia. No entanto, estimulou novas composições, inclusive adaptando essas letras a melodias populares preexistentes. Lutero devolveu o canto, antes restrito ao clero, para a congregação (entende-se ser esta a sua maior contribuição no campo da música litúrgica). Também é o responsável pelo estímulo ao canto coral (isto é, o cântico a duas, três e até a quatro vozes, entoado juntamente com o povo). Pode-se notar a importância que dava à música, por sua afirmação: “a música governa o mundo e torna as pessoas melhores.” 2.3.3. Ulrico Zuínglio

Ulrico Zuínglio, um dos mais importantes teólogos do movimento reformador na Suíça, particularmente em Zurique, era, provavelmente, o musicista mais capacitado de todos os seus pares reformadores, mas, curiosamente, se dependesse dele, toda música e cântico seHuldreich Zwngli (Suíça, 1484-1531) riam dispensados, descartados, elimidados, do culto pela igreja. Isso se deve em parte à sua preocupação central com a leitura sistemática das Escrituras e a pregação professoral do Evangelho, fruto da sua enfática racionalidade. O culto regular dominical, dirigido por Zuínglio, era bastante austero e despojado de qualquer elemento acessório: • Começava com oração, seguida da Oração do Senhor; • Então vinha o sermão, geralmente em estilo expositivo; 31


• Depois, uma confissão geral de pecados, com absolvição; • Finalmente, outra oração e a bênção. Não há referência ou ênfase ao emprego do cântico litúrgico. Pelo contrário, o que se tem de registro é a sua resistência ao uso da música no culto. 2.3.4. João Calvino

João Calvino fez de Genebra, Suíça, o centro do protestantismo europeu. Em contraste notório com Lutero e sua Teologia da Graça, Calvino enfatizou a Teologia da Soberania de Deus. Entende-se assim porque a austeridade constituiu-se na principal característica litúrgica da espiritualidade calvinista. Para Calvino, só é permitido no culto o Jean Calvin (França/Suíça, 1509-1564) que a Bíblia permite, isto é, aquilo que pode ser encontrado nas páginas das Escrituras (enquanto que, para Lutero, tudo é permitido se a Bíblia não proibir explicitamente). Guilherme Farel, mentor de Calvino, retira o cântico do culto, mas Calvino, percebendo a sua importância e íntima relação com a oração, restitui-o e passa a incentivar o cântico congregacional. Entretanto, na sua opinião, só se pode cantar a Bíblia, especificamente, os Salmos. Calvino insistia na necessidade de se voltar à fonte do canto cristão, a Bíblia, para estabelecer as bases do canto litúrgico. Por isso, traduziu e metrificou vários Salmos. Insatisfeito com o que acontecia na Alemanha, sob a liderança de Lutero, no que diz respeito ao emprego de melodias 32


populares no culto, decidiu contratar musicistas como Clemente Marot, Louis Bourgeouis e Claude Goudimel (alguns a quem estavam dando asilo, e abrigando em Genebra, por serem foragidos, perseguidos em seus países de origem). Estes se tornariam importantes compositores das melodias dos salmos traduzidos e metrificados por Calvino (planejados para o canto em uníssono). Calvino mesmo decidiu publicar o Saltério (1539). Este se tornou muito popular e foi traduzido para várias línguas, com centenas de edições publicadas. Esse hinário tornou-se o modelo para todos os demais saltérios métricos que apareceram posteriormente, tanto no continente como na Inglaterra, na Escócia e, posteriormente, na América. Liturgicamente, Calvino enfatizou a celebração da Palavra e a ministração da Ceia, Liturgia da Palavra e da Mesa, inclusive insistindo na celebração da eucaristia semanalmente. O pastor desempenha no culto uma dupla função: é Profeta e exerce o ministério profético a partir do púlpito, e é também Sacerdote e exerce o ministério sacerdotal a partir da mesa/altar. A maior parte da liturgia reformada calvinista clássica é conduzida da mesa do altar, e o ministro ocupa o púlpito somente no momento da leitura e da proclamação da Palavra. O culto típico calvinista obedecia ao seguinte ritual: • Começa com a confissão de pecados (diferentemente da ideia de Zuínglio, que começava o culto com o sermão e depois, a confissão, Calvino entendia que a pregação do evangelho da graça e, portanto, do perdão, deve necessariamente se seguir à confissão de pecados e não provocála). O sermão deve principalmente anunciar a graça (Evangelho), e não acusar o pecado; 33


• Segue-se, assim, à confissão, a leitura de textos bíblicos relativos à remissão de pecados ou alguma outra forma de absolvição. Então, durante o canto de um salmo metrificado, o ministro se dirige para o púlpito. Faz uma oração extemporânea ou uma coleta por iluminação, pedindo para que a graça do Espírito Santo permita que a Palavra seja fielmente anunciada, com humildade e obediência. Então, uma passagem bíblica é lida e o sermão é pregado a partir dela. Calvino era inimigo de sermões lidos e de sermões longos. Por causa da sua asma, sua pregação era pausada, ainda assim, ele raramente pregava mais de meia hora. Pretendia que seus sermões fossem mais do que instrução, mas que tocassem com vida o coração humano; • Retornando à mesa da comunhão, o ministro conduz o povo na Grande Oração de Ação de Graças e de Intercessão, a qual contempla as necessidades de toda sorte e condições humanas e inclui a Oração do Senhor na forma de uma longa paráfrase; • O Credo dos Apóstolos é cantado por todos, e o ministro prepara os elementos eucarísticos; • Sem interrupção do culto, à oração eucarística se seguem as Palavras da Instituição da Ceia, e uma severa exortação que inclui a excomunhão dos impenitentes e a certeza de que, pela fé, nós recebemos o corpo e o sangue do Senhor. A Comunhão se encerra com uma admoestação para que todos elevem os corações cada vez mais ao alto, onde Cristo está, na glória do Pai; • Depois do cântico de um hino, faz-se uma breve oração de ação de graças, entoa-se (ou recita-se) o Nunc Dimittis

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(“Despede agora…” cf. Lc 2.29-32), e o culto é encerrado com uma bênção. Calvino influenciou grande parte do mundo porque Genebra era um lugar de asilo que abrigava generosamente os perseguidos por motivos políticos e religiosos de toda a Europa. Tais exilados, ao retornarem para seus países de origem, levavam consigo a influência calvinista. 2.3.5. Johann Sebastian Bach

Bach foi, entre outras coisas, organista e violinista, diretor de câmera, cantor, mestre de coro, mestre-decapela (Kapellmeister, a pessoa responsável por compor cantatas, oratórios, concertos, etc.), atuou em vários lugares e, nos últimos 27 anos Johann Sebastian Bach da sua vida, serviu à Igreja (Alemanha, 1685-1750) de São Tomás, em Leipzig, na Alemanha. Ali morreu em 1750, após um penoso período de paralisia e cegueira. Como alguém que estava muito à frente do seu tempo, não foi devidamente compreendido pelos pastores e chefes da Igreja que lhe eram contemporâneos, nem mesmo pelas instâncias seculares. Para isso, seriam necessários 100 anos mais. Pouquíssimo valorizado em vida, foi redescoberto por Mendelssohn, e hoje é reconhecido como um dos maiores gênios da humanidade.

35


Em suas composições, partia das formas populares do culto protestante, particularmente, o coral. E consagrou-se como virtuose (habilíssimo instrumentista), tanto ao órgão como ao cravo. Bach desenvolveu a proposta de Lutero e elevou a polifonia vocal e instrumental ao mais alto grau de perfeição. Conseguiu traduzir em música a fé profunda e o desejo sentidos pelo povo. 2.3.6. Felix Mendelssohn Bartholdy

A família de Mendelssohn era de origem judaica, mas seu pai abandonara o judaísmo e criara os filhos na fé protestante. Nascido em Hamburgo, mas estabelecido em Berlim, teve uma formação consistente, tendo estudado, além de música, línguas, literatura e história, paisagismo e pintura.

Felix Mendelssohn Bartholdy (Alemanha, 1809-1847)

Mendelssohn tem o mérito de ter sido o “redescobridor” de Bach, apresentando em 1829, pela primeira vez em cem anos, A Paixão segundo São Mateus. Teve vida breve, mas muito intensa, e deixou um grande legado musical para a música em geral, e para a música protestante, em particular. Faleceu muito jovem, aos 38 anos, vítima de hemorragia cerebral. Muitos outros nomes poderiam, ou até mesmo, deveriam, ser agregados a estes. Mas para o nosso propósito, estas referências bastam, pois marcam os pioneiros, os que abriram o caminho estreito, que veio a se tornar na larga avenida da música protestante desde então.

36


2.4. Hinódia inglesa do séc. XVII Como já explicado, a hinódia antiga e medieval restringia-se ao conteúdo escriturístico, de modo que qualquer mudança era vista com desconfiança. Ora, a principal inovação hinológica proposta pelos Puritanos, na Inglaterra do século XVI, foi a introdução dos hinos eucarísticos. Fundamentados na prática de Jesus que, segundo a narrativa evangélica, teria cantado um hino, ao final do cerimonial no qual instituiu a Santa Ceia (cf. Mt 26.30 e Mc 14.26). Com o tempo essa abertura foi sendo gradualmente aceita, mas não sem causar grandes escândalos, e os protestantes iniciaram a prática de cantar durante o ritual eucarístico. A teologia puritana era restrita e intimista (ad intra), marcada pelo individualismo e pelo personalismo. Não era enfatizado o culto comunitário, mas a reunião de indivíduos para prestarem seu culto particular em público. Também estimulavam o emocionalismo litúrgico. O culto, bem como sua música, adquiriu contornos subjetivos, e viu-se submetido às idiossincrasias33 dos seus protagonistas. Isaac Watts é considerado o Pai da hinódia Inglesa não-conformista. Watts queixava-se da “melodia lúgubre [fúnebre]” dos salmos métricos que ouvia na igreja Anglicana. Seu pai, que era ministro anglicano, o desafiou: “então, faça algo melhor”. Foi assim que Isaac Watts começou sua carreira como compositor sacro, cujo repertório ultra33

Isaac Watts (Inglaterra, 1674-1748)

Idiossincrasia: predisposição particular que faz que um indivíduo reaja de maneira pessoal à influência de agentes exteriores.

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passa o número de 600 hinos. Tornou-se pastor de uma igreja independente, cujas características principais eram a mensagem evangelística, a liberdade na tradução ou paráfrase das Escrituras, e a reflexão dos pensamentos e sentimentos dos cantores. Este último aspecto merece atenção, pois se refere ao caráter autoral das composições, ou seja: os hinos não cuidam tanto de transmitir conteúdo bíblico, mas de testemunhar a experiência dos seus compositores. Watts foi seguido por vários poetas puritanos das igrejas independentes.

2.5. Hinódia do reavivamento evangélico inglês no séc. XVIII Os clérigos anglicanos Charles Wesley e seu irmão John notabilizaram-se como pregadores em espaços públicos. Motivados por essa prática, editaram vários hinários. Diferentemente dos Puritanos, a teologia wesleyana é uma teologia ad extra, isto é, expressa Charles Wesley uma fé aberta, comunitária e, por(Inglaterra, 1707-1788) tanto, centrífuga. Os assim chamados metodistas redescobriram o mundo como sua paróquia. E sua prática foi marcada pelo confronto com uma realidade difícil: miséria, doenças, alcoolismo, violência, ignorância… Realidade para a qual a igreja estabelecida pouco atentara e, por isso mesmo, pouco tinha a dizer a esse respeito. Essa teologia ad extra motivou um esforço ético e poético inédito. Charles Wesley compôs mais de 8 mil poemas, dos quais vários se tornaram hinos muito conhecidos e cantados em todo

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o mundo. A família Wesley tinha muitos amigos musicistas, a quem encarregavam da composição das melodias que deveriam musicar seus poemas. Esses novos hinos abordavam temas variados: adoração, preparação para a pregação, hinos para a Ceia (eucarísticos), hinos doutrinários (teológicos, pneumatológicos34, cristológicos35, soteriológicos36…), versões e paráfrases de textos bíblicos, hinos para serem cantados com os pobres (mineiros, marinheiros, prisioneiros, malfeitores…) e com crianças, etc. Há quem diga que o que os Wesleys fizeram na Inglaterra pode ser comparado ao que Hus fez na Boêmia e Lutero, na Alemanha.

2.6. Hinódia evangelística estadunidense A conquista do novo mundo trouxe outros desafios para a vida religiosa protestante e, por conseguinte, para sua hinologia. A vida da colônia, no continente americano, era rústica, e o contexto, de pouca instrução. Não havia igreja do Estado, e a influência do folclore, que remonta ao Puritanismo inglês, torna-se mais livre e leve do que o do velho mundo. Uma nova hinódia ganha espaço a partir das Escolas Dominicais, dos acampamentos religiosos e da Associação Cristã de Moços (sigla em inglês: YMCA). Afinada com esse contexto, a música emergente afirma-se como contrapeso ou contraponto do hino literário, oferecendo uma música leve, de verso emocional, e marcada por ritmos joviais. 34

Pneumatológico: relativo à pneumatologia, a parte da teologia que estuda a doutrina da terceira pessoa da Trindade, o “Espírito Santo” (“Espírito”, em grego: pneuma).

35

Cristológico: relativo à cristologia, a parte da teologia que estuda a doutrina da segunda pessoa da Trindade: Cristo.

36

Soteriológico: relativo à soteriologia, a parte da teologia que estuda a doutrina da “salvação” (em grego: soter).

39


Em que pese a riquíssima produção musical daquele país, especialmente se considerarmos a contribuição da cultura afro-americana, é essa hinologia ligeira que irá embalar a fé protestante nos Estados Unidos até o surgimento dos grandes movimentos missionários no séc. XIX.

2.7. Hinódia das missões transculturais (séc. XIX e XX) Os Estados Unidos da América foram o berço de uma teologia fundamentalista e premilenarista que exerceu grande influência, principalmente, nas iniciativas missionárias dos séculos XIX e XX. O tom apologético (de defesa de uma verdade intolerante) das pregações; o transplante de igrejas, com suas estruturas, usos e costumes, culturalmente condicionadas; o proselitismo cultural das ações missionárias “transculturais”; entre outras características, fizeram dos movimentos missionários o principal disseminador de uma mentalidade teológica de tendência individualista, emocional, escapista, e alinhada com a postura colonialista dos promotores do “american way of life”. Naturalmente, havia contrapontos muito importantes, tal como o foi o Evangelho Social, mas sua influência em termos de missão transcultural foi muito pequena. Nesse contexto não se pode omitir o nome de Albert Schweitzer, que foi o considerado o maior intérprete de Bach do seu tempo. Schweitzer, virtuose organista, estudou teologia e medicina para preparar-se para o trabalho missionário no Gabão (África).

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Albert Schweitzer (Alsácia, 1875-1965)


2.8. Hinódia protestante brasileira Evidentemente, a hinódia brasileira é fruto, principalmente, das missões transculturais estadunidenses. Não havia como, pelo menos no início, essa teologia sulista, branca, escravagista, “capitalista”, deixar de influenciar a teologia, a liturgia e a hinologia protestantes brasileiras. Pode-se identificar as seguintes fases na hinódia brasileira: 1) Fase da transculturação (até meados do século XIX): promovida pelo protestantismo de migração e missão, que praticamente se limitava a traduzir hinos do Inglês ou do Alemão, por exemplo. O principal nome é o de Sarah Poulton Kalley, organizadora do mais importante hinário do protestantismo histórico: o Salmos e Hinos;

Sarah Poulton Kalley (Inglaterra/Brasil, 1925-1907)

2) Fase da aculturação (final do século XIX e X): protagonizada pelo protestantismo nacional proselitista mas também pelo setor ecumênico37 — nesta fase foram produzidos vários hinários confessionais e ecumênicos38, dentre eles, o Hinário Evangélico, produzido pela Confederação Evangélica Brasileira (CEB); 37

Proselitista: indivíduo que pratica o proselitismo, isto é, tenta insistentemente converter outros/as para sua religião — geralmente o termo é empregado de forma negativa para caracterizar uma atitude de fanatismo e de intolerância para com a religião dos/as outros/as.

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Setor ecumênico: segmento religioso que se caracteriza pelo esforço por preservar a unidade essencial, mesmo em meio à diversidade de expressões religiosas.

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3) Fase da inculturação (a partir dos anos 50): protagonizado por um protestantismo autóctone autoconsciente. Nesta última fase (a da inculturação), merecem destaque: Norah Buyers, estadunidense de nascimento que adotou o pseudônimo de Luiza Cruz, para marcar seu compromisso com a brasilidade, e que, no final dos anos 50, deu os primeiros passos no sentido de valorizar a expressão musical brasileira na composição de hinos culturalmente comprometidos. Norah, que idealizou o Hinário Nova Canção (1975), é autora de mais de mil hinos. Dos anos 60, merece menção especial o Rev. João Dias Araújo, que, além do aspecto rítmico-melódico, introduz na letra dos hinos a temática engajada das lutas sociais e dos conflitos ideológico-político-econômicos: seu hino mais conhecido é “Que estou fazendo se sou cristão?”, escrito, sintomaticamente, em 1964. Nos anos 70 e 80, notabilizaram-se Jaci Maraschin e Simei Monteiro, ele, anglicano, e ela, metodista de origem batista. Ambos, juntamente com muitos/as outros/as, desenvolveram e aprofundaram um hinologia contextual e brasileira. Costumava-se dizer, grosso modo, que havia simultaneamente uma hinologia “alienada” (ad intra) e outra “engajada” (ad extra). Pois, paralelamente, durante os anos 50-80, emergia uma intensa produção hínica coadunada com o fundamentalismo39 norte-americano. Mas a simpatia natural dos/as seus/suas protagonistas pelo movimento carismático muito rapidamente trataria de redirecionar sua produção. As composições dessa época foram apelidadas de “corinhos”, e eram promovidas por institui39

Fundamentalismo: movimento religioso e conservador, nascido entre os protestantes dos Estados Unidos da América, no início do século XX, que enfatiza a interpretação literal da Bíblia como fundamental à vida e à doutrina cristãs.

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ções paraeclesiásticas “interdenominacionais”, sustentadas por recursos de fora, principalmente dos EUA. Tais instituições tiveram grande penetração nas igrejas do protestantismo histórico. Tal foi o caso dos Jovens da Verdade (JV), Palavra da Vida (PV), Jovens Com Uma Missão (Jocum), Serviço de Evangelização para a América Latina (Sepal), Vencedores por Cristo (VPC), etc. A música engajada, por outro lado, recebia influência do Evangelho Social40, da Teologia da Esperança41, da Teologia da Libertação, e das Teologias Latino-Americanas42 – em geral, todas elas teologias ad extra. Também estas tinham suas instituições paraeclesiásticas ou ecumênicas que as promoviam: Conselho Mundial de Igrejas (CMI), Conselho Latino Americano de Igrejas (Clai), Igreja e Sociedade para a América Latina (Isal), Centro de Documentação e Informação (Cedi), Instituto de Estudos da Religião (Iser), Centro Evangélico Brasileiro de Estudos Pastorais (Cebep), etc. Como era de se supor, a “música engajada” enfrentou muito mais resistência do que a “música alienada” nas igrejas locais, quer tenha sido por seu caráter de contestação do status quo e de desafio transformador; quer seja porque a sua proposta melódico-harmônico-rítmica exigia mais esforço e técnica por parte dos musicistas; quer seja por erros estratégicos de comunicação e marketing cometidos por seus adeptos ao longo do processo; 40

Evangelho Social: movimento surgido no final do século XIX, nos Estados Unidos, e que teve como maior expoente o pastor batista Walter Rauschenbusch, foi uma tentativa de resposta aos graves problemas sociais existentes na época, associados ao crescimento industrial, à imigração e à urbanização.

41

Teologia da Esperança: proposta desenvolvida pelo teólogo alemão Jürgen Moltmann, nos anos 60, inspirado na esperança cristã na ressurreição, como prefiguração do novo que está para surgir, que conduz a um futuro de justiça contra o pecado, de vida contra a morte, de glória contra o sofrimento, de paz contra a divisão.

42

Teologia da Libertação e Teologias latino-Americanas: trata-se, na verdade, de várias teologias, cujas origens remontam ao Evangelho Social e à Teologia da Esperança, que utilizam como ponto de partida de sua reflexão a situação de pobreza e exclusão social, à luz da fé cristã. Também é chamada de Teologia Latino-Americana, por ter se desenvolvido, principalmente, na América Latina, a partir dos anos 60.

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quer seja, ainda, por causa da repressão deflagrada nos anos de chumbo, as décadas de 1960-70, visando extinguir qualquer manifestação que gerasse desconforto ao Estado totalitário (ditadura militar) e aos seus aliados. Seja como for, os anos 90 foram favoráveis à promoção de outro estágio na “evolução” da música protestante brasileira, que resultou na superação e subjugação dos corinhos pela versão tupiniquim de um estilo muito particular de gospel (que não deve ser confundido com o estilo de mesmo nome, de origem afro-americana, muito forte nos EUA). Novamente, a teologia ad intra ocuparia as paradas de sucesso. Tal hinódia, ainda maciçamente importada, atinge níveis sem precedentes na sua abrangência, no seu alcance, na sua popularização. Também não têm precedentes sua manifestação extática (êxtase), o tom individualista e o comprometimento operacional e ideológico com a economia de mercado, com a sociedade do espetáculo e com a indústria do entretenimento. Se há uma contribuição da música gospel contemporânea que merece ser destacada, é a reinserção do corpo no culto. Retomamos aqui as origens da música litúrgica: rito-música-dança estão na essência da religião. Também reconhecemos que houve uma quebra dos preconceitos quanto ao uso dos diferentes instrumentos e estilos musicais no culto. Ressalvamos, no entanto, que, a continuar a atual tendência, a música também voltará a ser entendida, como o era entre os povos de culturas primitivas, isto é, supersticiosamente. Tais povos entendem a música muito mais como sortilégio43, encantamento e instrumento de manipulação das forças ocultas ou transcendentes, do que como expressão artística. Quando, nas 43

Sortilégio: ato de magia praticado por feiticeiro; feitiço, malefício, bruxaria.

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culturas primitivas, as pessoas realizam suas performáticas danças da chuva, elas pensam estar interferindo diretamente nas leis da natureza ou na ação das divindades. Nessas culturas primitivas, persiste a crença no poder mágico da música para afastar os espíritos malignos, em sua capacidade de purificar a alma e atrair o benefício dos deuses. Há estudiosos que afirmam que a arte só surge com o declínio desse tipo de superstição. Com o amadurecimento da fé, essas práticas devem se tornar menos supersticiosas e mais artísticas, não tanto como imitação (mimetismo) ou intervenção nas forças naturais ou sobrenaturais, mas como rememoração (ato memorial), celebração atualizadora da fé, e como afirmação de uma esperança, diante da natureza e do sagrado.

2.9. A música como serviço à Palavra de Deus Cada época procurou, dentro do seu horizonte, dar a ênfase que melhor lhe correspondia. Houve tempos em que o canto do povo de Deus era simplesmente o canto do povo; mas, em outras ocasiões, esse canto ficou restrito à congregação dos fiéis, ou ainda mais, confinado ao clero. Houve momentos em que se cantava, principalmente, para Deus; em outras ocasiões, se cantava para a própria igreja; mas também houve épocas em que se cantava para o mundo ouvir; também é verdade que houve situações nas quais o canto se fechou, de tal maneira que os cantantes pareciam cantar exclusivamente para si próprios. Mas a história é dinâmica, e sempre podemos aprender dela, quer seja por seus acertos, quer seja por seus erros. Assim, destacamos alguns aspectos positivos e negativos de cada período: • A hinódia cristã primitiva: sua simplicidade autêntica e despretensiosa, seu cuidado teológico e respeito para com 45


a cultura e a fé herdada dos antepassados. No entanto, os limites técnicos na documentação nos impossibilitam de aprender melhor com os nossos primeiros pais na fé; • A hinódia cristã medieval: sua total dependência e submissão às Escrituras Sagradas, seu cuidado para que nenhum recurso assessório desviasse a atenção do essencial: a Palavra de Deus. Contudo, foi esse um tempo de preconceitos e violações da integridade de pessoa humana, principalmente pela vã tentativa de separar corpo e espírito, no culto; • A hinódia protestante e reformada, são dignas de nota: (1) A valorização da participação do povo no canto litúrgico; (2) A tentativa de busca e volta à fonte bíblica da música na Igreja e no culto, particularmente, a valorização dos Salmos; (3) A abertura para novas experiências artísticas e musicais, tais como o canto coral e o emprego da harmonia a quatro vozes; (4) É digno de respeito, também, pelo menos no caso de Lutero, a preservação da cultura medieval dos cânticos litúrgicos latinos, ainda que traduzidos para o vernáculo; (5) Além do mais, as divergências no campo da hinologia entre os reformadores são para nós um alerta, e nos servem de exortação a que também nós exercitarmos a tolerância e a fraternidade. • A hinódia protestante no pós-reforma: é importante sabermos que somente no período pós-Reforma a Igreja passará a entoar hinos com letras não exclusivamente bíblicas. A influência dos movimentos Pietista (na Alemanha) e Puritano (na Inglaterra e Escócia) abrirá as portas para o canto autoral, testemunhal e evangelístico que 46


marcará o período dos grandes avivamentos e a era das missões transculturais dos séculos XVIII e XIX. Se, por um lado, ampliou-se o horizonte musical na Igreja, também é verdade que se deu ocasião para uma supervalorização do indivíduo, em detrimento da primazia da Palavra de Deus; • A hinódia protestante brasileira: a sua riqueza cultural é inesgotável, e admirável sua vibração e entusiasmo, sua vitalidade e força expressiva. A tendência ad intra e supersticiosa é preocupante, mas o potencial artístico do nosso povo é mais do que capaz de dar o próximo passo. Um sinal promissor é a proposta de criação do Hinário Metodista Brasileiro (HMB) que prevê a integração de quatro vertentes hinológicas: (1) Os hinos históricos da tradição cristã; (2) A contribuição jovem da música evangélica contemporânea; (3) As composições culturalmente comprometidas com a brasilidade; (4) E o aspecto mais inovador de todos: a inclusão de hinos para serem cantados com as crianças, no culto (note-se que não são para as crianças cantarem, nem pra se cantar para as crianças, mas para serem cantados com as crianças). Como se pode descortinar, com a graça de Deus, ainda teremos ocasião para ver muita coisa boa no futuro próximo da hinologia brasileira. Que assim Deus nos ajude!

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SACRA OU MÚSICA 3MÚSICA PARA O CULTO? Nestas próximas linhas, trataremos da concepção da música que se utiliza no culto público, realizado pelo povo de Deus, no contexto da Igreja cristã. Que tipo de música se pode entoar, ouvir e executar no espaço/momento litúrgico? Qualquer uma serve, ou só as “sagradas”? Para discutir o problema, nos propomos às seguintes questões: O que torna a música sacra é a melodia da lira ou o descanto da alma? É a harmonia dos acordes ou a dissonância da vida? É o ritmo do coração ou o compasso do corpo? É a letra que mata ou a música que vivifica? É a santidade do/a autor/a — compositor/a ou a graça de Deus?

3.1. A melodia da lira ou o descanto da alma? Onde estaria a sacralidade da música? Na melodia? Será que existem melodias sagradas? Vejamos: uma melodia se faz, evidentemente, com notas musicais. Na convenção ocidental, as possibilidades melódicas são o resultado da combinação “matemática” de sete notas musicais e de seus intervalos — dó, ré, mi, fá... Ora, tanto uma peça de Bach quanto um gospel moderno, de um lado, e uma música de gafieira, um rap ou um samba, de outro, se fazem com as mesmas notas elementares. Daí, a conclusão inevitável é que a santidade da música não deve estar na escala diatônica ou noutra qualquer, pois as mesmas notas que “falam” de Deus servem para “falar” de outras coisas. É melhor continuarmos a investigar o assunto... 49


3.2. A harmonia dos acordes ou a dissonância da vida? Talvez a santidade esteja mesmo é na combinação simultânea das notas, ou seja, em sua harmonia. Acordes eufônicos e “redondos” tendem a ser identificados com as músicas de igreja, enquanto os dissonantes e truncados seriam mais próprios da música secular. Entretanto, a fórmula harmônica é grandemente utilizada por compositores seculares, ao passo que autores de muitas peças tradicionalmente aceitas como sacras se utilizam de dissonâncias. Ora, sendo a própria vida repleta de “dissonâncias”, a harmonia não deveria ser também expressão sincera da realidade do povo de Deus que, com fé, enfrenta cotidianamente os conflitos de vida-e-morte? Daí que a harmonia resulta numa expressão fluida demais para que limitemos a ela questão de tamanha importância — como o é sacralidade da música.

3.3. O ritmo do coração ou o compasso do corpo? Se não é a harmonia, então deve ser o ritmo o que distingue uma música profana de outra sacra. Assim, devem existir ritmos sagrados e ritmos profanos. E quais seriam os ritmos profanos? Esta resposta parece fácil: seriam os ritmos associados às festas seculares e os praticados pela cultura popular em geral. Mas, espere um pouco. É possível compor uma música que não se enquadre em nenhum ritmo secular? Mesmo os hinos dos hinários oficiais das igrejas reproduzem inegavelmente os ritmos dos períodos históricos e dos grupos étnicos de seus compositores. Também os cânticos preferidos pelos jovens carismáticos contemporâneos são a versão “evangélica” da música pop norteamericana. E poderíamos seguir analisando as várias formas de música utilizadas na Igreja ao longo da sua história, e concluiríamos, inevitavelmente, que elas sempre se identificam com 50


alguma forma de ritmo secular. Em outras palavras, ainda não foi inventado o ritmo sacro. A subjetividade do coração esbarra na corporeidade da fé e daí resulta que o ritmo do coração não é outro que o ritmo do corpo (mesmo porque o coração está dentro do corpo).

3.4. A letra que mata ou a música que vivifica? Se não é a melodia, nem a harmonia, nem o ritmo, talvez o que confira sacralidade à música, seja, então, a letra. Uma letra religiosa contra uma letra secular faria a diferença, o que tornaria determinada música sagrada e outra profana. Se o critério for o que a letra diz, então teremos que classificar como “sagradas” a uma infinidade de músicas populares, pois nestas a temática religiosa — Deus, fé, amor, justiça, paz — é mais do que frequente: “Andar com fé eu vou...”; “Se eu quiser falar com Deus...”; “Pai, afasta de mim este cálice”; “A paz invadiu o meu coração...”; “Quero a utopia, quero o vinho e o pão...”; “... quero o leito, quero a mesa, quero o vinho e quero o pão...”; “... eu perguntei, ai, a Deus do céu, ai, por que tamanha judiação?”; etc. Por outro lado, poderíamos citar hinos e cânticos que pouco ou nada falam dos temas da fé, ou que os tratam de maneira antievangélica, tais como os hinos-de-guerra e os carregados de preconceito: “eis marchando já os negros batalhões...”; “meu coração era preto...”, e outros de caráter individualista e teologia duvidosa. Portanto, o fato da letra de uma música falar de Deus, sobre Deus ou sobre temas da fé não é garantia de que ela seja sagrada. A Bíblia mesma nos ensina que “a letra mata, mas o espírito vivifica” (2Co 3.6).

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3.5. A santidade do/a autor/a – compositor/a ou a graça de Deus? Já sei: a diferença não está nem na melodia, nem na harmonia, tampouco no ritmo, ou na letra. A resposta só pode ser que a sacralidade da música está no seu/sua autor/a – compositor/a. Se este ou esta for crente, então sua composição será sagrada. Mas, espere um pouco: um dos mais populares compositores brasileiros de música gospel da atualidade tem uma agência de produção de jingles. Provavelmente, a maior parte de sua clientela não seja composta de gente de igreja — nem os produtos anunciados, sagrados. Será, então, que seus jingles comerciais são sagrados porque esse autor é evangélico? E, mais, essas músicas sacras estariam servindo para vender pasta de dente, chiclete e sabão em pó? Não creio. E há outro problema: já pensaram se esse compositor de música gospel, tão piedoso, vier um dia a cair em tentação, abandonar a fé, sair da Igreja, negar Jesus? Sua composição deixará de ser sagrada? Será que podemos supor que todos os compositores dos hinos dos hinários evangélicos oficiais permaneceram fiéis até o fim? Uma afirmação desse tipo parece temerária.

3.6. O que torna sacra uma música? À luz de tudo isso, não resta outra opção senão entregarmos a Deus a responsabilidade pela sacralidade do que cantamos no culto. Em outras palavras, a sacralidade da música depende unicamente da graça de Deus – “a minha graça te basta” (2Co 12.9). A música que utilizamos nos cultos não tem mérito em si mesma. Dependem do kairós de Deus, do tempo oportuno da visitação, da salvação pela graça — “pela graça sois salvos [...]; e isso não vem de vós; é dom de Deus” (Ef 2.8). Pela graça de Deus, nós 52


cantamos, não porque a música seja sacra em si, mas porque a música se torna sacra quando nós a cantamos para Deus. O profano, quando tocado pelo sagrado, é santificado, porque “maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo” (1Jo 4.4). E porque sabemos que “Deus é maior do que o nosso coração” (1Jo 3.20), podemos crer que Ele completa o que nos falta, tornando-nos puros – a nós e à nossa música. Da Palavra de Deus aprendemos que, “para os puros, todas as coisas são puras” (Tt 1.15). Assim, resta-nos que nos importemos menos com o culto da música e mais com a música do culto. Não que adotemos uma música de Deus, mas que adoremos ao Deus da música. Que, em meio às dissonâncias da vida, a graça de Deus transforme os descantos da nossa alma na música santa do Espírito, para ser entoada no compasso do corpo ressuscitado, para o louvor da sua glória, hoje e para sempre. Aleluia!

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NO CONTEXTO 4ADAMÚSICA MISSÃO Agora, convém pensarmos concretamente a respeito do lugar efetivo da música na vida da Igreja e do povo de Deus. Afinal, a música acompanha o/a fiel desde o ventre materno até o dia do seu sepultamento. A música está na formação e na educação cristã, está no culto, está na missão, está, enfim, na liturgia da vida.

A música tem caráter universal. Se pensarmos em melodia, harmonia e ritmo, elementos nucleares da expressão musical, podemos constatar que o próprio Universo é música. Dizem os cientistas que as estrelas pulsam, que o cosmo se move harmonicamente, que se prestarmos bem a atenção, poderemos ouvir o eco do “big bang”. E, segundo os poetas, o próprio Deus é música: “No princípio era a música, e a música estava com Deus, e a música era Deus...” (Carlos A. R. Alves). O fato de que, na narrativa bíblica, ao criar o mundo, Deus o faz mediante a sua palavra ritmada (“Disse Deus...” – Gn 1.3), já é um indício de que nós somos o resultado de um canto primordial, de um hino primevo44, de uma música divina. Não é de se admirar, então, que se diga que o cântico tenha caráter existencial, na medida em que não somente expressa o “tom” da nossa existência, como tem a capacidade de sugerir, condicionar e até mesmo criar diversas condições vitais.

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Primevo: dos primeiros tempos de (algo); inicial, primeiro.

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Como vimos anteriormente, um dos mais extensos blocos literários da Bíblia, e que ocupa a região central das suas edições habituais, é o livro dos Salmos. Muito embora se diga que a Bíblia é a Palavra de Deus descida dos céus a nós, particularmente nos Salmos, quem toma essa palavra é o ser humano orante, que eleva aos céus as suas súplicas, as suas dores, os seus louvores, as suas ações de graças. Sabe-se que a maioria dos salmos se prestava ao canto, particularmente ao canto congregacional. São canções que inspiram e instruem o povo em suas peregrinações, em suas celebrações cúlticas e em seus momentos devocionais. As Escrituras Sagradas também falam em hinos, os quais a tradição eclesiástica fez questão de preservar e, principalmente, entoar. Os hinos, um pouco diferente dos cânticos e dos salmos mencionados, têm um caráter teológico profundo e evidente. Expressam as verdades eternas, reveladas para o sustento da nossa fé e o louvor da glória de Deus. Em diferentes épocas da história da Igreja, particularmente durante os seus períodos de maior crescimento e vigor, foram os hinos evangelísticos que deram o ritmo do testemunho e marcaram o passo do avanço missionário. Tais hinos, de caráter testemunhal, proclamam, em alto e bom som, as boas novas de salvação e funcionam como arautos do Evangelho de Jesus, chamado Cristo.

4.1. A música na vida: uma questão existencial A música faz parte da vida. Não há cultura no mundo que não tenha na música uma parte constitutiva de sua formação social. Também é praticamente impossível pensarmos na existência da própria Igreja sem a música. Individualmente, cada pessoa entre 56


nós poderia traçar uma memória da sua história de vida apenas recordando as músicas que cantava ou ouvia nas diferentes fases do seu desenvolvimento. Assim, quando uma criança nasce, desde o colo da mãe, é embalada ao som das cantigas de ninar. Na Igreja, essa criança é recebida com afeto por ocasião do seu Batismo que, geralmente, é acompanhado de significativos cânticos que exclamam: “vinde, meninos/as, vinde a Jesus...”. A criança ainda não entende o que se diz, nem o significado das letras das canções que entoamos, mas já reage com evidente expressão de contentamento. Ela não compreende o conceito, mas entende o sentido: ela é bem-vinda, ela é amada... A música, nesta fase, é marcada pelo seu caráter celebrativo. Durante a infância e a puberdade, além do caráter divertido, próprio das canções de roda e todas as que acompanham suas brincadeiras, a música também assume um caráter formativo, pedagógico. As músicas ensinam lições novas e reforçam conteúdos antigos. A música ajuda a se aprender outra língua, a decorar conceitos, e até a assimilar doutrinas. Quando chegam a adolescência e a juventude, a música desempenha um papel mais militante. A música não somente diverte e instrui, mas com frequência também assume um caráter de confissão de fé. Representa uma “bandeira” ostentada pelo/a jovem que expressa suas convicções, seu sentimento de pertença a determinado grupo, sua motivação, sua opinião política, seu inconformismo e sua disposição para transformar o mundo. Quando a paixão se instala de maneira mais duradoura com o namoro, o casamento e, mais tarde, as bodas, busca-se na música a expressão do compromisso assumido (com o cônjuge ou com uma causa). Na idade adulta, o caráter de diversão, de formação e de afirmação, dá lugar a um tipo de relação com 57


a música, inclusive na Igreja, que busca coerência, constância, lealdade, responsabilidade... Canções de caráter volúvel e passageiro já não satisfazem. Busca-se inspiração, não mais nas “paradas de sucesso”, mas nas “canções eternas”, naquelas cuja qualidade estética e significados resistem ao tempo, do mesmo modo com que as pessoas maduras pretendem enfrentar as vicissitudes da vida. Finalmente, quando chega a velhice, as lutas contra as enfermidades ganham proeminência, e a morte iminente é a única certeza, a música se reveste de especial significado. Muito ao contrário de serem esquecidas ou descartadas, elas passam a ter força como nunca tiveram. É nessa hora que aquelas canções ouvidas desde a infância, tais como as canções de ninar, as canções de roda, as músicas da juventude... e, principalmente, os hinos cantados na Igreja, adquirem uma força e um sentido antes inimaginados. Na hora da dor e da morte, não haveremos de querer aprender cânticos novos, nem de ouvir as novidades das “paradas de sucesso”... Haveremos, antes, de querer retornar aos hinos da nossa infância e da infância da nossa fé, porque essas canções são aquelas cujo caráter de consolação e alento nos ajudará a transpor os últimos limites da nossa existência.

4.2. A música na Igreja: uma questão congregacional Como já dito, não se pode conceber a Igreja sem a música. Ela está presente em todos os momentos e de diferentes formas nas várias atividades e expressões eclesiais. Nas reuniões, mesmo aquelas administrativas, das diversas instâncias da Igreja (crianças, jovens, mulheres, homens, concílios e assembléias...), a música é entoada para marcar o aspecto devocional e comunitário do encontro. O cântico evidencia 58


o fato de estarmos diante de Deus e de que buscamos nele as forças para os nossos atos. Ao cantarmos a uma só voz, expressamos a nossa comunhão e a nossa disposição para atuarmos em cooperação. Nas atividades educativas da Igreja (Educação Cristã), tais como a Escola Dominical, cursos de formação e grupos de discipulado, o cântico revela seu aspecto didático-pedagógico. Não se canta o que está em contradição com os ensinamentos propostos (pelo menos não se deveria!), ao contrário, os cânticos inspiram, confirmam e reafirmam os princípios teológicodoutrinários assumidos e ensinados pela Igreja. Mas é principalmente nos cultos que a música revela toda a sua força e sentido. Sendo o culto o encontro celebrativo entre Deus e o ser humano, isto é, entre o eterno e o efêmero, entre o infinito e o finito, a música pode muito bem ser entendida como uma maravilhosa síntese desse encontro: a sublimidade da melodia, a beleza da harmonia e o envolvimento proporcionado pelo ritmo, tudo isso associado ao sentido expresso pela letra, revelam o aspecto litúrgico daquilo que se canta nos cultos. Além disso, a música estabelece um vínculo, como raramente se consegue, entre razão-emoção-afetividade. A música fala ao coração, mas também fala ao nosso entendimento, além de sensibilizar nosso afeto, tornando-nos capazes de perceber “verdades” que, sem a música, talvez, nunca teríamos alcançado (cf. 1Co 14.15: “Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com a mente; cantarei com o espírito, mas também cantarei com a mente.”).

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4.3. A música na Evangelização: uma questão missionária São famosas as campanhas missionárias promovidas pela Igreja ao longo de sua história de crescimento. Quando a Igreja quer proclamar a sua fé e repartir seu testemunho, serve-se da música com notórias vantagens. Entretanto, não se trata de qualquer música, mas de um tipo de hinologia muito particular, cujo caráter kerigmático seja a principal tônica. Os hinos evangelísticos, como já apontado, juntamente com a pregação da Palavra, ajudam no processo sintético de assimilação de uma fé que tem aspectos racionais, emocionais e afetivos. Os hinos alcançam “regiões” do coração humano que os melhores argumentos lógicos jamais atingiriam. A história das missões também é a história do hino evangelístico. Quando a igreja deve exercer sua função pública e, ao lado de sua mensagem evangelística, praticar a cidadania, o sopro do Espírito Santo faz com que transcenda os limites restritos das edificações religiosas e ganhe as praças públicas. Aqui também, quando tratamos do aspecto profético da Igreja, a música é parte integrante. Há hinos que se constituem em verdadeiros símbolos de resistência, ou de transformação, ou de compromisso solidário. A Igreja canta quando atua ao lado das crianças de rua, quando reivindica melhores condições de vida junto aos/as operários/as, quando busca reconquistar a dignidade com os/as que estão privados/as da terra ou de teto, quando chora o abandono com os/as sofredores/as de rua, enfim, quando a Igreja cumpre sua missão de vestir os nus, visitar os/as prisioneiros/as, amparar os forasteiros/as, alimentar os/ as famintos/as, etc. (cf. Mt 25.31-46). A Igreja não somente evangeliza e profetiza, mas também educa e ensina. A ordem do Cristo ressurreto dada aos discípulos é clara: “fazei discípulos de todas as nações [...] ensinando-os 60


a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (Mt 28.1920). A música é uma das formas mais didáticas de ensinar, ou ainda mais, de educar, porque o faz com a razão e com o coração. Quando cantamos, não somente pronunciamos palavras, mas as sentimos. Ainda que não tenha a pretensão consciente, toda música tem um aspecto catequético ou pedagógico. Ensinar um hino é ensinar uma tradição, uma ideia, um conceito, uma doutrina, uma cosmovisão, um estilo de vida. Aqui vale uma advertência quanto ao cuidado com que tais cânticos devem ser escolhidos, particularmente no contexto da Igreja, pois eles podem reforçar ideais bastante contrários em relação ao Evangelho de Jesus: algumas canções podem carregar concepções individualistas45 ou46 belicistas, ou ainda discriminatórias e preconceituosas. Saber o que se canta é tão importante quanto saber como se canta.

4.4. A missão da música Há elementos que fazem com que certas músicas sejam melhores que outras. Alguns desses elementos são bastante subjetivos, entretanto, outros são mais objetivos e podem ser discutidos aqui. • A afinação: Ora, é evidente que uma música afinada é mais bonita que aquela que é entoada desafinadamente. Daqui depreende-se que todo esforço para se buscar a afinação, principalmente no canto congregacional, será justificado. Mas associado ao conceito de afinação, pode45

Individualistas: que manifestam egoísmo.

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Belicistas: que advogam o belicismo (doutrina ou tendência que advoga a guerra ou o armamentismo).

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mos invocar o compromisso do cantante com aquilo que canta. À medida que um hino nos venha de um passado, próximo ou longínquo, ele carrega consigo uma tradição, uma história, uma memória. Sem consciência do passado não há compreensão do presente e, muito menos, perspectiva de futuro. Buscarmos a afinação da nossa fé é ainda mais importante do que buscarmos a afinação das nossas vozes, para que o nosso canto soe como um louvor e glorifique ao Pai que está nos céus; • O pulso: Toda música é concebida a partir de um contexto cultural e histórico concreto. Assim, o andamento, o ritmo, a cadência de uma canção denunciam o seu contexto vivencial (ou, como gostam de dizer os eruditos, o seu sitz im leben). Rejeitar uma cultura significa excluí-la dos nossos momentos de intercessão e celebração. Assumir o pulso cultural da nossa terra nada mais é do que, a exemplo do Filho de Deus, encarnarmonos também nós em nossa terra e entre nossa gente para que, também aí, se manifestem as obras de Deus (ver Jo 9.1-3); • A dinâmica: As músicas mais bonitas não são aquelas que são entoadas de maneira plana, sem coadunação da forma com seu conteúdo. Se a letra de um hino celebra temas alegres, a dinâmica musical deve ser coerente com isso; se a letra expressa pe-

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sar e dor, da mesma forma a dinâmica deve corresponder a essa intenção. Por isso, a música alterna seus movimentos do pianíssimo ao fortíssimo, para que a coerência entre forma e conteúdo seja perfeita. Note-se aqui, que a tônica é a sincronia entre o compromisso de fé expresso pela letra e o sentimento do executante da melodia. Não se espera que o compromisso destoe do sentimento de quem canta. Buscar essa coerência é tarefa de todos os que, na Igreja e na vida, cantam sua fé; • A consonância: Em música, tratase do intervalo ou acorde agradável, que gera distensão e harmonia. Etimologicamente, o termo refere-se ao ato ou efeito de soar concomitantemente. Em muitas ocasiões se pode notar como uma melodia singela e despretensiosa pode se tornar algo arrebatador e impressionante pelo efeito da harmonização. Trata-se de uma arte que exige muito estudo, esforço e talento. Na Igreja, quando não há concordância, acordo, nem conformidade, não haverá hinologia que seja consonante. Para que um grupo de pessoas entoe harmonias “harmônicas”, é preciso que: (1) Cada pessoa conheça bem a sua voz; (2) Que cada pessoa ouça as demais vozes enquanto entoa; (3) Que ninguém cante mais forte, ou mais alto, do que os demais; (4) Que todos/as observem as instruções do Maestro ou maestrina, cuja função é fazer surgir, da combinação

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das partes, aquela música única e arrebatadora, expressiva e impressionante. • A fermata: Este é um elemento curioso previsto pela teoria musical, porque, enquanto a escrita e a notação indicadas nas partituras servem para delimitar sua execução dentro de padrões previstos por seus autores ou arranjadores, quando o sinal indicativo da fermata surge, o resultado ou efeito do que será executado passa a depender inteiramente do executante. Este, sentindo o momento, poderá retardar o ritmo, alongar uma nota, sustentar um acorde, enfim, expressar a intenção do seu coração, da sua intuição, de acordo com o momento exato em que a música está sendo tocada e/ ou cantada. Daqui resulta que toda partitura é diferentemente interpretada não só por diferentes musicistas, instrumentistas, cantores e cantoras, mas que um mesmo musicista ou cantor pode interpretar diferentemente uma mesma música em diferentes ocasiões. Ainda que as partituras obedeçam a regras bem definidas, haverá sempre uma abertura para aspectos imponderáveis e imprevisíveis da dinâmica existencial. Toda música, neste sentido, é um compromisso com a liberdade.

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PARA O MINISTÉRIO DA 5ORIENTAÇÕES MÚSICA NA IGREJA LOCAL Nesta seção, oferecemos orientações práticas para o funcionamento do Ministério de Música na igreja local.

5.1. A constituição da equipe ou ministério de música a. Ter a consciência de (entender e assumir) que o louvor é tarefa de toda a comunidade e não privilégio de um grupo restrito, e que o Ministério da Música é apenas servo do louvor, do culto e da Palavra. Nesse sentido, a designação “ministério de música” é preferível a “ministério do louvor”, pois o louvor é feito por todos, mas a música é conduzida por aqueles e aquelas que se preparam técnica e espiritualmente para isso. b. Trabalhar sempre em equipe, sabendo que a produção coletiva é mais representativa e tem maior legitimidade. Portanto, a equipe deve ser constituída de pessoas que representem os vários segmentos da comunidade local: as diferentes faixas etárias (não esquecer das crianças e dos idosos), as diferentes áreas de atuação (missão, educação, ação social, administração), pois todos devem se sentir parte do povo de Deus que presta seu culto e se sentir contemplado e plenamente incluído na liturgia do culto. c. Assim, ter sempre em mente que o Ministério de Música faz parte de um conjunto de ministérios especificamente focados no Culto e, portanto, devem trabalhar 65


de maneira integrada e articulada entre si: Ministérios de Liturgia, Ornamentação/ambientação, Música e o Ministério da Palavra (esta última, assim como a liturgia são sempre, em primeira e última instância, da responsabilidade do/a Pastor/a, Presbítero/a nomeado/a como titular da igreja –> ver Cânones 2007: Art. 132, II, a, p. 293). d. Portanto, deve-se, trabalhar litúrgica e comunitariamente, sabendo que a música está a serviço da Palavra e, por conseguinte, do culto. As músicas não devem ser escolhidas aleatoriamente, ou de acordo com a preferência de um ou outro integrante da equipe, mas deve ser escolhida pela sua pertinência e por sua perfeita adequação ao respectivo momento do culto no qual será inserida.

5.2. O repertório musical a. Classificar as canções do repertório levando em conta critérios que facilitem a “localização” de cada cântico e sua vinculação com o culto e suas partes específicas. A classificação pode ser: por período litúrgico (Ciclo do Natal, da Páscoa, do Pentecostes, ou Tempo Comum); por referências bíblicas (quais os textos bíblicos relacionados ao cântico); por temas teológicos (Salvação, Espírito Santo, Missão, Reino de Deus, etc.); por alusão a datas especiais (Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia das Crianças, Semana da Pátria, Dia de Ação de Graças, etc.). b. Garantir repertório variado para contemplar as diferentes faixas etárias: músicas para bebês, crianças, juvenis, jovens, adultos e idosos. 66


c. Na definição do repertório, levar em conta ainda: cantar para Deus (louvor/adoração), cantar para e com a Igreja (comunhão), cantar para o próximo (missão/anúncio) e cantar para o mundo (missão/denúncia). d. Valorizar a cultura brasileira, dando preferência aos ritmos autóctones (locais), e às composições de metodistas e compositores/as brasileiros/as.

5.3. Cuidados técnicos importantes a. Deve-se investir na formação técnico-musical dos integrantes da equipe, inclusive na formação das pessoas responsáveis pelo controle da mesa de som. b. Preparar um grupo vocal de apoio ao canto congregacional para facilitar o aprendizado de novos cânticos (esta é a principal função do Coro e dos grupos vocais); e evitar o clima de “apresentação” ou “show”. c. Evitar comentários desnecessários antes, durante e entre os cânticos. d. Cuidar com a postura e a indumentária (vestes) dos dirigentes e instrumentistas (evitar bermudas, chinelos, bonés... não mascar chiclete…). e. Cuidar da estética: fios e equipamentos não devem disputar com a leveza e a transparência que devem marcar o lugar do culto. f. Cuidar da equalização do som, de maneira que nunca o volume dos instrumentos fique acima do das vozes. g. Evitar afinar, ajustar, tocar aleatoriamente os instrumentos depois que o culto começou; evitar ou usar muito 67


criteriosamente o “fundo musical” durante as orações silenciosas e, principalmente, durante a pregação. h. Observar rigorosamente o prelúdio e o poslúdio como momentos de preparação para iniciar o culto e epara a saída em missão.

5.4. Cuidados essenciais a. Levar a sério a coerência entre o que se vive e o que se canta — “ser orante, antes de ser orador” (Agostinho). b. Aprender a ouvir, antes de falar/cantar. c. Cantar com a mente, mas também cantar com o espírito. d. Cuidado com o emocionalismo exagerado — a emoção é natural na experiência da fé, mas o emocionalismo é uma distorção e sinal de instabilidade, imaturidade e falta de saúde emocional. e. Cantar comunitariamente, evitando qualquer tipo de individualismo — a devoção privada e particular tem o seu lugar, mas não durante o culto que é sempre, e necessariamente, comunitário (cf. Mt 18.20: “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles”). f. Manter o equilíbrio entre a tradição (passado), a atualização (presente) e o compromisso de transformação do mundo (futuro), no que diz respeito não somente ao repertório adotado, mas também quanto ao uso de instrumentos e de outros elementos que evidenciam a espiritualidade da comunhão universal em Cristo que dura de geração em geração, e que há de ser preservada pelos séculos dos séculos. 68


g. Portanto, não devemos nos iludir com o modernoso, o momentoso, as “paradas de sucesso”, enfim, com o que é demasiado ligeiro ou passageiro. Devemos buscar distinguir o assessório do essencial, e optar sempre pelo essencial.

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