EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO, D.D. LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO.
Medida Cautelar de Busca e Apreensão de bens integrantes do acervo particular de ex-Presidente da República. Incompetência absoluta da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba/PR. Incompetência formal. Incompetência material. Incompetência territorial. Nulidade dos atos. Legalidade da titularidade dos bens. Exorbitância do poder regulamentar dos decretos.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, brasileiro, viúvo, portador da Cédula de Identidade RG nº 4.343.648, inscrito no CPF/MF sob o nº 070.680.938-68, residente e domiciliado na Av. Francisco Prestes Maia, nº 1.501, bloco 01, apartamento 122, Bairro Santa Terezinha, São Bernardo do Campo (SP), apontando como Autoridade Coatora o Juiz Federal da 13ª Vara Criminal Federal da Secção Judiciária de Curitiba/PR, Sérgio Fernando Moro, com fundamento no artigo 5º, incisos II, LIII e LXIX, no artigo 84, inciso IV, ambos da Constituição da República, e na Lei nº 12.016/09, impetrar o presente MANDADO DE SEGURANÇA com pedido liminar contra ato manifestamente ilegal praticado pelo Juiz Federal SÉRGIO FERNANDO MORO, lotado na 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba/PR, com endereço profissional à Avenida Anita Garibaldi, 888, Ahú, CEP nº 80540-400, Curitiba/PR, nos autos da Medida Cautelar nº 5010119-73.2016.4.04.7000, pelos fatos e fundamentos que passa a expor.
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—I— DO CABIMENTO A Constituição da República, em seu artigo 5°, inciso LXIX, estabelece o Mandado de Segurança como medida para proteção de direito líquido e certo contra ato ilegal ou abusivo de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Transcreva-se o texto da norma: “LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.
No que se refere ao processo penal, AURY LOPES JR. leciona que1: "Para o processo penal, é uma ação destinada à tutela de direito subjetivo individual, por meio de um mandamento (por isso é denominado de mandamus) judicial, que tem por objetivo impedir ou corrigir a ilegalidade. Em linhas gerais, invalida o ato ou omissão ilegal da autoridade pública ou suprime seus efeitos. Quando se dirige contra um ato judicial, apesar de assumir contornos de uma via de impugnação com função de recurso, trata-se de uma ação autônoma de impugnação". In casu, o Juiz Federal da 13ª Vara Criminal Federal da Subseção Judiciária de Curitiba/PR, aqui Autoridade Coatora, proferiu decisão datada de 16 de agosto de 2016, nos autos da Medida Cautelar nº 5010119-73.2016.4.04.7000, no bojo da qual cogitou a possibilidade de alguns bens recebidos pelo Impetrante durante o exercício do mandado presidencial pertencerem, em verdade, ao acervo da Presidência da República. Confira-se2:
“Examinando, sumariamente, o material apreendido (evento 15), há alguns bens que, se recebidos como presentes durante o exercício do mandato de Presidente da República, talvez devessem ter sido
1 2
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1392. Doc. 01. São Paulo R. Pe. João Manuel 755 19º andar Jd Paulista | 01411-001 Tel.: 55 11 3060-3310 Fax: 55 11 3061-2323
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incorporadas ao acervo da Presidência, nos termos do art. 10, §2º, do Decreto nº 4.081, de 11/01/2002”. Ato continuo, o Ministério Público Federal requereu a intimação da Secretaria de Administração da Presidência da República para especificação de bens que eventualmente pudessem não integrar o acervo presidencial pessoal do Impetrante. Na oportunidade, o Parquet fez referência aos autos TC 011.591.2016-1, em trâmite perante o Tribunal de Contas da União, instaurado para investigar suposta retirada de bens pertencentes à União dos Palácios do Planalto e da Alvorada durante a transmissão do mandato presidencial do Impetrante (doc. 02).
Em 23 de setembro de 2016, a Autoridade Coatora determinou ao órgão administrativo que examinasse o acervo particular do Impetrante (doc. 03). Na sequência, após manifestação das partes, a Autoridade Coatora pretende decidir sobre eventuais vícios no processo administrativo que tramitou perante a Presidência da República para destacar alguns bens do acervo privado pertencente ao Impetrante.
A conduta é manifestamente ilegal, como será demonstrado a seguir, pois a Autoridade Coatora não detém competência para realizar essa análise de legalidade de um processo administrativo que tramitou perante a Presidência da República.
Importante destacar neste ponto que a Constituição da República, em seu artigo 108, dispõe ser de competência dos Tribunais Regionais Federais o julgamento de mandados de segurança contra ato de juiz federal: “Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais: I - processar e julgar, originariamente: c) os mandados de segurança e os habeas data contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal” (destacou-se) Dessa forma, demonstrado o efetivo cabimento do presente mandamus, e, sendo certo que a Autoridade Coatora está lotada na Seção Judiciária do
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Paraná no cargo de Juiz Federal, não há dúvida de que a competência para conhecer e julgar a presente ação é deste E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
— II — DOS FATOS Nos autos nº 5006617-29.2016.4.04.7000 o Juízo Federal da 13ª Vara Criminal de Curitiba/PR, aqui Autoridade Coatora, expediu mandado de busca e apreensão tendo como alvo a residência do Impetrante, localizada na Avenida Francisco Prestes Maia, nº 1501, bloco 01, apartamento 122, Bairro Santa Terezinha, São Bernardo do Campo/SP, além de outros locais indicados naquele documento. Na oportunidade foi arrecadado e apreendido, dentre outras coisas, o documento intitulado “TERMO DE TRANSFERÊNCIA DE RESPONSABILIDADE”. Consta daqueles autos que referido termo de custódia demonstraria que, desde 21/01/2011, 23 (vinte e três) estariam sob a guarda do Banco do Brasil, cujos responsáveis iniciais seriam CLAUDIO SOARES ROCHA e ROGÉRIO AURÉLIO PIMENTEL. De acordo com o mesmo documento, a custódia das caixas teria sido transferida de Cláudio Soares Rocha e Rogério Aurélio Pimentel para Fábio Luis Lula da Silva e Marisa Letícia Lula da Silva (doc. 04).
Em 8 de março de 2016 o Delegado Federal Luciano Flores de Lima, apesar de constar naquele termo de responsabilidade o endereço do local onde teriam sido armazenados os retro referidos bens em 21/01/2011 - Rua Líbero Badaró, 568, centro, São Paulo/SP – requereu fosse autorizado no mandado a possibilidade de cumprimento em qualquer outro endereço para onde tais caixas possam ter sido transferidas ou onde atualmente se encontrem.
Ato contínuo, a Autoridade Coatora decretou sigilo dos autos e, após manifestação do MPF, foi expedido o mandado autorizando a busca e apreensão (doc. 05).
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Após juntada de relatório parcial da autoridade policial e requerimento do MPF para intimação do proprietário para justificar a posse dos bens, os autos foram remetidos ao Supremo Tribunal Federal em razão da interceptação e divulgação ilegais, promovidas pela Autoridade Coatora no Pedido de Quebra de Sigilo nº 5006205-98.2016.4.04.7000, de conversação telefônica do Impetrante com a então Presidente da República Dilma Rousseff (Reclamação no. 23.457/STF).
Após retorno dos autos à Vara de origem, o Impetrante se manifestou reiteradamente pela incompetência da 13ª Vara Criminal de Curitiba/PR para condução do feito. Sustentou, ainda, especificamente sobre o tema versado neste writ, que o processo administrativo que culminou no recebimento do acervo presidencial ocorreu em Brasília/DF, onde o Presidente da República exerce o cargo. Além disso, foi destacado que o mesmo tema já é objeto de inquérito civil instaurado pela Procuradoria da República do Distrito Federal3, envolvendo todos os exPresidentes da República desde que foi editada a Lei no. 8.394/1991.
Em decisão de 16 de agosto de 2016, a Autoridade Coatora examinou sumariamente os objetos recebidos durante o exercício do mandato presidencial e cogitou que tais bens poderiam ter sido incorporados ao acervo da Presidência. Para tanto, foi aplicado o artigo 10, §2º, do Decreto nº 4.081/2002. A Autoridade Coatora intimou o MPF para formular requerimento à Secretaria da Presidência da República.
Em despacho de 23 de setembro de 2016, a Autoridade Coatora determinou o “exame por órgão administrativo acerca do material apreendido para que possa ser feito o necessário crivo, entre o que pertence ao acervo pessoal do exPresidente - e há objetos, como medalhas, que aparentemente são pertinentes ao acervo pessoal, e o que eventualmente deveria ter sido, na esteira do disposto nos decretos, incorporado ao Patrimônio da Presidência da República” . Nesta oportunidade, além 3
Petições juntadas pelo Impetrante na Medida Cautelar nº 5010119-73.2016.4.04.7000– Docs. 06, 07 e 08 São Paulo R. Pe. João Manuel 755 19º andar Jd Paulista | 01411-001 Tel.: 55 11 3060-3310 Fax: 55 11 3061-2323
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do artigo 10, §2º, do Decreto nº 4.081/2002, fundamentou dita decisão com base no que dispõe o artigo 3º, inciso II, do Decreto nº 4.344/20024.
O Secretário de Administração da Presidência da República, por meio da Portaria nº 178/2016, constituiu Comissão Especial com a incumbência de averiguar se os materiais apreendidos deveriam ser incorporados ao patrimônio da União (doc. 09).
Todos os membros da Comissão Especial consideraram as informações prestadas pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) e pelo Diretoria de Documentação Histórica da Presidência da República (DDH/PR) insuficientes para esclarecer a destinação dos bens. Diante disso, 3 dos 7 membros se abstiveram de realizar a classificação. Porém, os demais membros entenderam que os parâmetros contidos nos Decretos ns 4.081/2002 e 4.344/2002, bem como orientações contidas no Acórdão nº 2255/2016-Plenário/TCU, permitiriam uma sugestão de incorporação dos bens discriminados no item 615 do Relatório (doc. 11). Confira-se:
4 II - os documentos bibliográficos e museológicos recebidos em cerimônias de troca de presentes, nas audiências com chefes de Estado e de Governo por ocasião das "Visitas Oficiais" ou "Viagens de Estado" do presidente da República ao exterior, ou quando das "Visitas Oficiais" ou "Viagens de Estado" de chefes de Estado e de Governo estrangeiros ao Brasil. 5 Os objetos do item 61 seguem discriminados em anexo – Doc. 10.
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Pode-se inferir que o critério para caracterizar o bem como patrimônio da União não decorreu de interpretação literal do artigo 3º, inciso II, do Decreto nº 4.344/2002, mas de interpretação expansiva do dispositivo:
Ato contínuo, a Autoridade Coatora intimou, em 16 de fevereiro de 2017, o MPF e o Impetrante para que se manifestassem sobre o requerimento de incorporação dos bens ao patrimônio da União (doc. 12).
Em 17 de fevereiro de 2017, o Ministério Público Federal requereu ao juízo que autorizasse a Secretaria de Administração da Presidência da República a incorporar os objetos do item 61 do Relatório Final da Comissão Especial ao patrimônio da União (doc. 13).
Dessa forma, como já adiantado no pórtico do presente mandamus, a Autoridade Coatora está na iminência de proferir decisão sobre São Paulo R. Pe. João Manuel 755 19º andar Jd Paulista | 01411-001 Tel.: 55 11 3060-3310 Fax: 55 11 3061-2323
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processo administrativo relativo ao acervo presidencial privado que tramitou perante a Presidência da República, para a qual, claramente, ela não detém competência. Daí a necessidade deste writ.
— III — DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO
III.1. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA 13ª VARA CRIMINAL FEDERAL DE CURITIBA/PR PARA REVISAR PROCESSO ADMINISTRATIVO RELACIONADO AO ACERVO PRESIDENCIAL
III.1.1.INCOMPETÊNCIA FORMAL DA 13ª VARA CRIMINAL FEDERAL DE CURITIBA/PR
O jurista GUSTAVO BADARÓ destaca que a garantia do juiz natural pode ser compreendida em seu aspecto formal (reserva de lei) e substancial (progressividade da norma)6:
“A garantia do juiz natural, como norma formal, corresponde a uma reserva de lei a exigir que a definição do juiz competente decorra exclusivamente de lei, isto é, norma editada pelo Poder Legislativo. Por outro lado, enquanto norma substancial, o juiz natural se liga à eficácia das regras sobre competência, que deverão dispor sempre para o futuro ou, em outras palavras, serem “irretroativas” em relação ao momento do cometimento do delito”.
Assim, a competência legal, no seu aspecto formal, deve ser determinada taxativamente pela lei de forma clara e certa.
A Lei nº 8.159/1991 (Lei de Arquivos) dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados. Em seu artigo 12, a Lei de Arquivos
6
BADARÓ, Gustavo. Juiz natural no processo penal. São Paulo: RT, 2014, p. 235-254. São Paulo R. Pe. João Manuel 755 19º andar Jd Paulista | 01411-001 Tel.: 55 11 3060-3310 Fax: 55 11 3061-2323
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estabelece que pode ser atribuído interesse público mesmo aos arquivos privados, quando identificada relevância histórica e desenvolvimento científico.
Confira-se:
“Art. 12 - Os arquivos privados podem ser identificados pelo Poder Público como de interesse público e social, desde que sejam considerados como conjuntos de fontes relevantes para a história e desenvolvimento científico nacional” (grifamos).
Por outro lado, conforme dispõem os artigos 2º e 3º da Lei nº 8.394/1991 (Lei do Acervo Presidencial), o acervo particular do Presidente da República é documento privado de interesse público:
“Art. 2° Os documentos que constituem o acervo presidencial privado são na sua origem, de propriedade do Presidente da República, inclusive para fins de herança, doação ou venda. -----------------------------------------------------------------------------------------------Art. 3° Os acervos documentais privados dos presidentes da República integram o patrimônio cultural brasileiro e são declarados de interesse público para os fins de aplicação do § 1° do art. 216 da Constituição Federal, e são sujeitos às seguintes restrições: I - em caso de venda, a União terá direito de preferência; e II - não poderão ser alienados para o exterior sem manifestação expressa da União.”
Como esclarece DANIELLE ARDAILLON, a Lei nº 8.394/1991 constitui um sistema integrado de organização, preservação e conservação dos acervos documentais privados dos presidentes da República7:
“... a lei determina a organização desses acervos em sistema específico, integrado ao Sistema Nacional de Arquivos e coordenado por uma comissão permanente de Memória dos Presidentes da República. Cria, finalmente, a Secretaria (hoje Departamento) de Documentação Histórica, cujo titular é também secretário-executivo da Comissão. A lei determina que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) apoie “os projetos ou programas específicos de interesse do sistema, fornecendo os meios técnicos, financeiros e administrativos a instituições de documentação ou a detentores de 7 ARDAILLON, Danielle. “Apresentação”. In: ADARILLON, Danielle et. al. Documentos privados de interesse público: o acesso em questão. São Paulo: iFHC, 2005, p. 15-16.
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acervos presidenciais privados” (art. 9, inciso I); mais adiante, (cap. IV, art. 14), determina que o IPHAN autorize “entidades públicas ou privadas, ou as pessoas físicas mantenedoras de acervos documentais presidenciais privados, poderão solicitar dos órgãos públicos orientação ou assistência para a sua organização, manutenção e preservação e pleitear apoio técnico e financeiro do poder público para projetos de fins educativos, científicos ou culturais”.”
O órgão responsável pela organização do acervo e adequação legal dos objetos, nos termos do inciso V do artigo 9º da Lei nº 8.394/19918, é a Secretaria de Documentação Histórica do Presidente da República9. Pede-se vênia para transcrever o dispositivo legal:
“V - à Secretaria de Documentação Histórica do Presidente da República, organizar, durante cada mandato presidencial, o acervo privado do Presidente, adequando-o ao estabelecido nesta lei;” (grifamos).
Além disso, a Lei do Acervo Presidencial estabelece em seu artigo 11, incisos I a III10, as funções da Diretoria de Documentação Histórica, que, segundo o artigo 12, têm apoio técnico regido pelas normas da Presidência da República e dos órgãos federais de documentação.
“Art. 12. A Secretaria de Documentação Histórica será dirigida por um Secretário, que exercerá a coordenação dos assuntos, ações e medidas referentes ao acervo documental privado do Presidente da República. Parágrafo único. As atividades de apoio técnico e administrativo da Secretaria de Documentação Histórica serão desempenhadas por técnicos, requisitados, de acordo com a legislação relativa à Presidência da República, do Arquivo Nacional, do Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, da Biblioteca Nacional e de outros órgãos federais de documentação.”(grifou-se). 8
Art. 9° Os órgãos participantes do sistema de acervos documentais dos presidentes da República atuarão de forma articulada, cabendo, especialmente: V - à Secretaria de Documentação Histórica do Presidente da República, organizar, durante cada mandato presidencial, o acervo privado do Presidente, adequando-o ao estabelecido nesta lei; e 9 O Decreto nº 4.452/2002 modificou a nomenclatura do órgão, que passou a ser denominado Diretoria de Documentação Histórica da Presidência da República. 10 Art. 11. Com o objetivo de organizar o acervo documental privado do Presidente da República em Exercício, fica criada, como órgão integrante do Gabinete Pessoal do Presidente da República, a Secretaria de Documentação Histórica, a qual compete: I - coordenar e gerir a formação do acervo privado do Presidente da República, a partir do levantamento, preservação, conservação e organização dos documentos e informações complementares; II - registrar cronologicamente as atividades do Presidente da República e os fatos decorrentes do exercício do mandato presidencial; e III - realizar trabalhos de pesquisa histórica e documental relativos ao acervo, ao presidente e à sua época. São Paulo R. Pe. João Manuel 755 19º andar Jd Paulista | 01411-001 Tel.: 55 11 3060-3310 Fax: 55 11 3061-2323
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Assim, torna-se evidente que a legislação estabelece como órgão competente para adotar procedimentos para classificação do acervo particular a Diretoria de Documentação Histórica da Presidência da República.
Outrossim, a Constituição da República atribui ao Tribunal de Contas da União a competência para realização de auditoria patrimonial do Executivo Federal (artigo 71, inciso IV), mecanismo de controle externo de tais atos administrativos. Além disso, em decorrência da garantia da inafastabilidade do Poder Judiciário (artigo 5, XXXV), esses atos ainda podem ser analisados no âmbito judicial para apreciação de sua legalidade. Por isso mesmo, como afirma SEABRA FAGUNDES, a Administração Pública está submetida a “um tríplice sistema de controle das suas atividades: controle administrativo, controle legislativo e controle jurisdicional”11.
Porém, não há lei em sentido estrito – e, portanto, não há atribuição de competência formal – que autorize a 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba/PR a revisar os atos administrativos praticados no âmbito da Diretoria de Documentação Histórica da Presidência da República, o que demonstra a ilegalidade e abusividade dos atos da Autoridade Coatora ao pretender se arvorar sobre esse tema. O tema, portanto, é manifestamente estranho à competência formal da Autoridade Coatora. Mas não é só. III.1.2. INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA 13ª VARA CRIMINAL FEDERAL DE CURITIBA/PR
A Constituição da República garante, em seu artigo 5º, inciso LIII, que todo magistrado tenha sua competência devidamente fixada no ordenamento jurídico para exercício da jurisdição, na forma da garantia do juiz competente:
11 FAGUNDES, Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário.7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 126.
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“LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.”
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que foi incorporada ao direito brasileiro pelo Decreto nº 678/1992 e teve seu caráter supralegal reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, estabelece no artigo 8.1. que o juízo natural é aquele pré-determinado por lei:
“Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.” (destacamos).
Além disso, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (Decreto nº 592/1992) estabelece, em seu artigo 14.1, que toda pessoa tem direito a “um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil...”.
A Constituição da República estabelece, em seu artigo 109, inciso IV, a competência criminal da Justiça Federal para processar e julgar crimes em detrimento de serviço federal, contra a Administração Federal ou lesão a interesse da Administração Pública Federal:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;” (destacamos)
O Conselho da Justiça Federal, por meio da Resolução nº 314, de 12 de maio de 2003, recomendou aos Tribunais Regionais Federais a promoção de especialização das varas criminais, que passariam a ter competência exclusiva ou São Paulo R. Pe. João Manuel 755 19º andar Jd Paulista | 01411-001 Tel.: 55 11 3060-3310 Fax: 55 11 3061-2323
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concorrente para o processamento, no âmbito da Justiça Federal, dos crimes tipificados na Lei nº 7.492/1986 e Lei nº 9.613/1998, que dispõem, respectivamente, sobre crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e lavagem de dinheiro.
Em longa análise da expansão da competência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba/PR, GUSTAVO BADARÓ destaca que a especialização desse juízo passou por diversas mudanças ao longo da “Operação Lava Jato” 12.
Em 2003, a então denominada 2ª Vara Federal de Curitiba/PR, foi especializada no julgamento de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, conforme dispõe a Resolução TRF4 nº 20, de 26 de maio de 2003 (doc 14).
Com a Resolução TRF4 nº 42, de 19 de julho de 2006, a competência da 2ª Vara Federal passou a abranger crimes praticados por organizações criminosas, independentemente do caráter transnacional das infrações (doc. 15), especialização posteriormente revogada pela Resolução TRF4 nº 56, de 6 de setembro de 2006. No entanto, esta última resolução conferiu à referida vara a competência para julgamento de processos do júri (doc. 16).
Em 2007, a Resolução nº 18 mantém com a 2ª Vara Criminal a competência para processar e julgar crimes praticados por organização criminosa, independentemente da transnacionalidade do delito, bem como crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de branqueamento de capitais (doc. 17).
A Resolução nº 99/2013, do Tribunal Regional Federal da 4º Região, modificou a denominação da 2ª Vara Federal, que passou a ser conhecida como 13ª Vara Federal de Curitiba/PR (doc. 18). 12
BADARÓ, Gustavo Henrique. “A Garantia do Juiz Natural, a 13ª Vara Federal de Curitiba e o Juiz Sérgio Moro”. Justificando, 7 jul. 2016. Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2016/07 /07/a-garantia-do-juiz-natural-a-13-vara-federal-de-curitiba-e-o-juiz-sergio-moro/>. Acesso em 24 fev. 2017. São Paulo R. Pe. João Manuel 755 19º andar Jd Paulista | 01411-001 Tel.: 55 11 3060-3310 Fax: 55 11 3061-2323
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A 13ª Vara Federal de Curitiba/PR, em decorrência da Resolução nº 101/2014, tornou-se competente para processar pedidos de cooperação jurídica passiva em matéria penal por meio de carta rogatória ou cooperação direta com intervenção judicial (doc. 19).
Em 10 de setembro de 2015, a Resolução nº 96 atribuiu à 13ª Vara Criminal a competência sobre processos do Tribunal do Júri, mantendo a competência anterior (doc. 20).
Por fim, com a Resolução nº 3/2016, a competência da referida vara alcançou a execução penal da Penitenciária Federal de Catanduvas/PR (doc. 21).
GUSTAVO BADARÓ sintetiza a expansão da competência da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba/PR:
“De lá para cá, muitas vezes sem respeitar o critério temporal de atribuição de competência, o Juiz Federal Sérgio Moro passou a julgar os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; os crimes praticados por organizações criminosas; os crimes do tribunal do júri; os pedidos de cooperação jurídica passiva em matéria penal, tanto por meio de carta rogatória quanto por meio de cooperação direta com intervenção judicial, encaminhados à Justiça Federal da 4ª Região, no âmbito da Seção Judiciária do Paraná; e, por fim, a execução da pena dos condenados que estiverem em presídio de segurança máxima, Enfim, se Sérgio Moro não é o “juiz natural”, não lhe cairia mal o título de “juiz sobrenatural”.” 13.
De qualquer forma, depreende-se dos atos normativos acima referidos que a 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba/PR detém competência para processar e julgar: crimes praticados por organização criminosa, independentemente da transnacionalidade do delito; crimes contra o Sistema Financeiro Nacional; lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; crimes relacionados ao Tribunal do Júri; pedidos de cooperação jurídica passiva em matéria penal, por meio de carta rogatória ou cooperação direta com intervenção 13
Idem, ibidem.
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judicial, encaminhados à Justiça Federal da 4ª Região; Execução Penal de condenados da Penitenciária Federal de Catanduvas/PR.
Embora extensa, a competência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba/PR não alcança a preservação, organização e proteção dos acervos privados dos Presidentes da República ou, ainda, o controle jurisdicional dos atos administrativos praticados pela Diretoria de Documentação Histórica da Presidência da República no processo de classificação de bens no acervo particular disciplinado pela já referida Lei no. 8.394/1991.
Importante neste ponto ressaltar que o presente mandamus não trata de afastar controle jurisdicional de ato administrativo em abstrato, mas, sim, trata da patente incompetência (material) da Autoridade Coatora para processar e julgar requerimento de Comissão Especial por si instaurada sem competência legal. A atuação da Autoridade Coatora é flagrantemente fora de sua competência legal, o que viola a garantia constitucional do juízo natural.
III.1.3. INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL DA 13ª VARA CRIMINAL FEDERAL DE CURITIBA/PR
O Código de Processo Penal prevê, em seu artigo 69 que a competência para processar e julgar as condutas deve ser determinada, a priori, no local da infração14.
A Medida Cautelar nº 5010119-73.2016.4.04.7000 trata de bens incorporados ao patrimônio do Impetrante no exercício do cargo de Presidente da República do Brasil. Assim sendo, na hipótese de se cogitar alguma irregularidade dos servidores federais que catalogaram e discriminaram o acervo presidencial, há que se
14 Art. 69. Determinará a competência jurisdicional: I - o lugar da infração:
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considerar Brasília/DF como local do ilícito hipotético. Além disso, os bens apreendidos estavam custodiados em agência bancária no Estado de São Paulo.
Portanto, ambas as localidades não estão abrangidas pela competência territorial da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba/PR.
Além disso, como já exposto acima, a Autoridade Coatora já foi informada da existência de Inquérito Civil nº 1.16.000.001629-2015-46 em trâmite na Procuradoria da República do Distrito Federal para análise dos mesmos fatos classificação, por parte da Diretoria de Documentação Histórica da Presidência da República, dos presentes recebidos no exercício do mandato presidencial.
III.2. NULIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS
O artigo 564, inciso I, do Código de Processo Penal, estabelece que a incompetência do juízo acarreta nulidade dos atos praticados:
Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: I - por incompetência, suspeição ou suborno do juiz; (destacou-se).
Conforme esclarece GUILHERME DE SOUZA NUCCI, a nulidade em razão de incompetência pode ser dividida em nulidade absoluta e nulidade relativa, sendo que as regras de competência por matéria e pessoa não se convalidam jamais15:
“... deve-se dividir a competência em absoluta (em razão da matéria e do foro privilegiado), que não admite prorrogação, logo, se infringida é de ser reconhecido o vício como nulidade absoluta, e relativa, aquela que admite prorrogação, pois referente apenas ao território” (grifou-se)
15 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1160.
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Depreende-se da citada doutrina que o ordenamento jurídico brasileiro não admite prorrogação de competência objetiva em razão da matéria.
Além disso, com base nos apontamentos da doutrina de FREDERICO MARQUES, NUCCI ressalta que mesmo a incompetência territorial pode ensejar nulidade absoluta quando configurar erro grosseiro16:
“... uma advertência, ainda com relação à incompetência territorial, tida como relativa: “É claro que, em se tratando de erro grosseiro, a incompetência é insanável. Suponha-se, por exemplo, que o crime tenha ocorrido na comarca A e que, sem nenhum motivo, por mínimo que fosse, o processo corresse na comarca B, muito distante daquela. Nessa hipótese, nem o silêncio e a aquiescência do réu sanariam a nulidade” (Da competência em matéria penal, p. 218-219). E assim deve mesmo ser, sob pena de se ferir, irreparavelmente, o princípio constitucional do juiz natural, que envolve, com certeza, além da competência em razão da matéria e da prerrogativa de foro, a competência territorial. Afinal, como regra, estabeleceu o legislador o foro do lugar da infração não por acaso, mas para que o criminoso seja julgado no local onde efetivar o caráter preventivo geral da pena”.
O pensamento de AURY LOPES JR. recupera a garantia do juiz competente no processo penal em sua integralidade e também professa a nulidade absoluta da incompetência territorial17:
“Com relação à competência em razão do lugar, ao compreendermos que a jurisdição é uma garantia, não pode ela ser esvaziada com a classificação civilista de que é “relativa”. Ou seja, a eficácia da garantia do juiz natural não permite que se relativize a competência em razão do lugar. Assim, também consideramos a competência, em razão do lugar, absoluta”.
Por fim, cabe destacar que o §1º do artigo 573 do Código de Processo Penal determina que a “nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência”.
Assim, em decorrência da evidente incompetência absoluta do juízo da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba/PR para processar e julgar a 16 17
Idem, Ibidem, pp. 1160-1161. LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 13 ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 262.
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matéria em questão na Medida Cautelar nº 5010119-73.2016.4.04.7000, há que se reconhecer nulidade absoluta de suas decisões, bem como de todos os atos delas decorrentes. Não há competência formal, material ou territorial, sendo que esta última é cristalina, o que implica erro grave e também subsidia o reconhecimento da nulidade absoluta dos atos da Autoridade Coatora.
III.3. DA AUSÊNCIA DE QUALQUER VÍCIO NA COMPOSIÇÃO DO ACERVO PRESIDENCIAL PRIVADO DO IMPETRANTE
A Nota Técnica emitida em 22/07/2015 (doc. 22) pelo Diretor de Documentação Histórica da Presidência da República Cláudio Soares Rocha, juntada ao Inquérito Cível nº 1.16.000.001629/2015-46, informa que o Peticionário recebeu o mesmo tratamento dado aos demais ex-presidentes da República, desde a promulgação da Lei nº 8.394/1991:
“A prática acima descrita foi igualmente executada para todos os exPresidentes que tiveram seus mandatos após a promulgação da Lei no. 8.394, em 1991, não havendo nenhuma peculiaridade em relação ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.
Há ainda que se destacar o fato de que, apesar de os Decretos ns. 4.073/2002 e 4.344/2002 terem entrado em vigor antes do término do mandato do Presidente da Republica que antecedeu o Impetrante, as restrições ali supostamente contidas somente se aplicaram ao ora Impetrante. Dito fato, uma vez mais, demonstra o casuísmo e o desrespeito à garantia da isonomia, bem como enseja insegurança jurídica pela expansão retrospectiva e seletiva dos efeitos dos decretos.
O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso esclareceu em depoimento na Ação Penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000 que a relação entre Chefes de Estados e Chefes de Governo são formais. Afirmou que a troca de presentes faz parte do cerimonial, ressaltando que a legislação determina que integrem o São Paulo R. Pe. João Manuel 755 19º andar Jd Paulista | 01411-001 Tel.: 55 11 3060-3310 Fax: 55 11 3061-2323
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acervo particular do Presidente da República, bens privados de interesse público (Doc. 23 – mídia)18.
Obtempere-se que deve ser afastada qualquer alegação de que os Decretos ns. 4.073/2002 e 4.344/2002 teriam modificado o regime da Lei nº 8.394/1991 sobre categorização dos bens do acervo particular do Presidente da República. Os referidos decretos não têm poder de inovação legal, mas tão somente poder regulamentar, de modo que os critérios para a formação do acervo presidencial não se distinguem daqueles estabelecidos na Lei nº. 8.394/1991 e aplicados de forma isonômica a todos os ex-presidentes.
Nesse passo, não se pode ignorar a garantia da legalidade (artigo 19
5º, inciso II) , bem como o fundamento constitucional do poder regulamentar expresso no artigo 84, inciso IV, ambos da Constituição da República:
“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;” (grifamos).
MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO esclarece a natureza normativa derivada dos decretos20:
“Quando comparado à lei, que é ato normativo originário (porque cria direito novo originário de órgão estatal dotado de competência própria derivada da Constituição), o decreto regulamentar é ato normativo derivado (porque não cria direito novo, mas apenas estabelece normas que permitam explicitar a forma de execução da lei)” (destacou-se).
O respeitável doutrinador CELSO ANTÔNIO BANDEIRA
DE
MELLO,
um dos expoentes doutrinários da análise do poder regulamentar dos decretos, reconhece no instrumento um caráter subordinado à lei21: 18
Em decorrência de limitações da plataforma Eproc o referido doc. 23, que se trata de mídia digital, será apresentado em secretaria, com petição avulsa tão logo o presente mandamus seja distribuído e autuado. 19 II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei 20
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 22 ed, São Paulo, Atlas, 2009, p. 233
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“... pode-se conceituar o regulamento em nosso Direito como ato geral e (de regra) abstrato, de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, expedido com a estrita finalidade de produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias à execução de lei cuja aplicação demande atuação da Administração Pública. É que os dispositivos constitucionais caracterizadores do princípio da legalidade no Brasil impõem ao regulamento o caráter que se lhe assinalou, qual seja, o de ato estritamente subordinado, isto é, meramente subalterno e, ademais, dependente de lei” (grifos nossos e no original).
Da mesma forma, MARÇAL JUSTEN FILHO22 esclarece que o decreto não pode contrariar o disposto em lei:
“É pacífico o entendimento de que o regulamento não pode infringir a lei. O regulamento tem hierarquia normativa inferior ao da lei, de modo que a contradição com a norma legal acarreta a invalidade do dispositivo nele contido. Nenhum doutrinador defende a tese de que uma norma legal poderia ser derrogada por meio de dispositivo regulamentar” (destacou-se).
No mesmo sentido, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 584.798, adotou posicionamento contrário às exorbitâncias do poder regulamentar:
“ADMINISTRATIVO. IMPORTAÇÃO DE BEBIDAS ALCÓOLICAS. PORTARIA Nº 113/99, DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E DO ABASTECIMENTO. IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO NÃO PREVISTA EM LEI. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. 1. O ato administrativo, no Estado Democrático de Direito, está subordinado ao princípio da legalidade (CF/88, arts. 5º, II, 37, caput, 84, IV), o que equivale assentar que a Administração só pode atuar de acordo com o que a lei determina. Desta sorte, ao expedir um ato que tem por finalidade regulamentar a lei (decreto, regulamento, instrução, portaria, etc.), não pode a Administração inovar na ordem jurídica, impondo obrigações ou limitações a direitos de terceiros. 2. Consoante a melhor doutrina, "é livre de qualquer dúvida ou entredúvida que, entre nós, por força dos arts. 5, II, 84, IV, e 37 da Constituição, só por lei se regula liberdade e propriedade; só por lei se impõem obrigações de fazer ou não fazer. Vale dizer: restrição alguma se impõem à liberdade ou à propriedade pode ser imposta se não estiver previamente delineada, configurada e estabelecida em alguma lei, e só para cumprir dispositivos legais é que o Executivo pode expedir decretos e regulamentos." (Celso Antônio 21
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 311. 22 JUSTEN FILHO, Marçal, Curso de direito administrativo, 5ª ed, São Paulo, Saraiva, 2010, p. 157 São Paulo R. Pe. João Manuel 755 19º andar Jd Paulista | 01411-001 Tel.: 55 11 3060-3310 Fax: 55 11 3061-2323
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Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros Editores, 2002, págs. 306/331) 3. A Portaria nº 113/99, do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, a pretexto de regulamentar o cumprimento do disposto na Lei 8.918/94 e no Decreto nº 2.314/97, sobre os requisitos para a importação de bebidas alcóolicas, inovou na ordem jurídica, impondo obrigação não prevista em lei, in casu, a apresentação, para o desembaraço aduaneiro das mercadorias, da declaração consular da habilitação do importador pelo estabelecimento produtor, em afronta ao princípio da legalidade. 4. Deveras, a imposição de requisito para importação de bebidas alcóolicas não pode ser inaugurada por Portaria, por isso que, muito embora seja ato administrativo de caráter normativo, subordina-se ao ordenamento jurídico hierarquicamente superior, in casu, à lei e à Constituição Federal, não sendo admissível que o poder regulamentar extrapole seus limites, ensejando a edição dos chamados "regulamentos autônomos", vedados em nosso ordenamento jurídico, a não ser pela exceção do art. 84, VI, da Constituição Federal. 5. Recurso especial a que se nega provimento.” (RESP 200301571957, Luiz Fux, STJ - Primeira Turma, DJ DATA:06/12/2004).
A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça já consolidou o mesmo posicionamento, como pode ser depreendido do julgamento do Recurso Especial 1.385.568, de Relatoria do Ministro Humberto Martins: “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. FRANQUIAS POSTAIS. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. NECESSIDADE DE LICITAÇÃO. ENCERRAMENTO DOS CONTRATOS EM CURSO. TERMO FINAL DOS CONTRATOS SEM LICITAÇÃO. DECRETO N. 6.639/2008. ILEGALIDADE. AFRONTA À LEI N. 11.668/2008. 1. Na origem, o recorrente foi condenado a se abster de extinguir os contratos de franquia postal, na medida em que fora reconhecido aos recorridos o direito de continuar em atividade até que vigorem os novos contratos - devidamente licitados - de agências franqueadas de correios. 2. A questão inerente à falta de interesse processual das agências franqueadas não foi prequestionada. Incidência do óbice da Súmula 211 desta Corte. 3. O Decreto n. 6.639/08, no parágrafo 2° do art. 9°, exorbita do poder regulamentar, porquanto dá alcance maior que o da norma regulamentada ao determinar a extinção dos contratos vigentes após o prazo legal. 4. O art. 7° da Lei nº 11.668/08 - norma tida por violada - determina expressamente uma obrigação para a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e tutela, implicitamente, o princípio da continuidade dos serviços públicos. A obrigação legal da ECT é de efetuar as licitações para todos os novos contratos de franquia até setembro de 2012. A tutela do princípio da continuidade dos serviços públicos, por outro lado, é efetivada mediante a
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garantia de manutenção dos contratos de franquia sem licitação até que novos contratos sejam firmados. 5. Não há falar em perpetuação dos contratos sem licitação, mas apenas sejam respeitados até que vigorem os novos contratos de franquia licitados. Nesse caso, não perdurariam os antigos contratos, visto que estes estão condicionados à ausência de novos contratos licitados. Recurso especial conhecido em parte e improvido.” (REsp 1385568 / RS, Relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma do STJ, j. 12/02/2015) (destacou-se)
O Egrégio Tribunal Regional da 3ª Região já adotou entendimento no mesmo sentido, segundo o qual o poder regulamentar não deve transbordar a moldura da legislação:
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSAMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO NO DUPLO EFEITO. CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. ART. 520, VII, DO CPC. POLÍCIA FEDERAL. PARTICIPAÇÃO EM CURSO DE APERFEIÇOAMENTO. PROMOÇÃO. DECRETO N. 7.014/09. PENA DE SUSPENSÃO. INTERRUPÇÃO DO INTERSTÍCIO. ENCERRAMENTO DA PENALIDADE. RETOMADA DA CONTAGEM. PERÍODO ININTERRUPTO. DESCONSIDERAÇÃO TÃOSOMENTE DO LAPSO REFERENTE À PENALIDADE DE SUSPENSÃO. 1. Em face do disposto no artigo 14 da Lei n. 13.105/2015, aplica-se a esse processo o CPC/73. 2. Recebimento do recurso, apenas no efeito devolutivo, tendo em vista o disposto no art. 520, VII, do CPC. 3. Cinge-se a controvérsia à legalidade do parágrafo único do artigo 3º, do Decreto nº 7.014/09 que, regulamentando a Lei nº 9.266/96, determinou que, para fins de promoção na carreira da Polícia Federal, não se admite interrupções na contagem do tempo de serviço. 4. A Lei 9.266/96 não previa essa nova contagem de prazo, no caso de interrupção do tempo de serviço. Essa inovação trazida pelo Decreto n.º 7.014/09 extrapolou os limites do seu poder regulamentar, trazendo prejuízos à esfera jurídica do apelado, uma vez que ampliou os efeitos da penalidade administrativa imposta. 5. O poder regulamentar foi além do conteúdo da lei, inovando no Ordenamento Jurídico, pelo que o Poder Judiciário tem o poder/dever de controle. 6. Apelação e Reexame Necessário improvidos.” (APELREEX 00026302420114036111, Juíza Convocada Noemi Martins, TRF3 - Décima Primeira Turma, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 08/02/2017 - grifamos).
No que se refere à legislação arquivística, AURÉLIO WANDER BASTOS é claro ao afirmar que disposições que venham a extrapolar o poder
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regulamentar e ultrapassar as molduras legais da Lei de Arquivos (Lei nº 8.159/1991) podem ser submetidas, inclusive, ao controle concentrado de constitucionalidade23:
“A Lei de Arquivos não deixou brechas para que decretos sobre a política nacional de arquivos – sejam em âmbito civil ou militar – fugissem da ação regulamentar do presidente da república (art. 84, IV, VI), independentemente dos limites da Lei de 1991 e, por conseguinte, da Constituição Federal. Este ato centralizador, próprio da estrutura federativa brasileira e das competências do presidente da República, limitado materialmente pelos dispositivos legais, se por um lado não eliminou a possibilidade de serem editados documentos legislativos sobre arquivos desconectados dos propósitos constitucionais e da Lei de Arquivos – como fundamentos regulamentares (seja sobre a composição dos arquivos públicos, seja sobre a organização e administração das instituições arquivísticas públicas, seja sobre a definição do acesso e sigilo de documentos públicos) -, por outro lado, impingiu definitivamente , a qualquer decreto que excedesse a legalidade e a discricionariedade, o caráter de ilegalidade ou inconstitucionalidade, suscetível, portanto, do controle direto de inconstitucionalidade”
Assim, deve ser afastada qualquer interpretação que não represente submissão dos Decretos à Lei nº 8.394/1991, lei que fundamentou entendimento isonômico da Diretoria de Documentação Histórica da Presidência da República.
Emerge com nitidez, diante desse cenário, que não há que se cogitar de qualquer vício na composição do acervo presidencial privado do Impetrante apto a subsidiar eventual determinação de incorporação dos bens ao patrimônio da União, quiçá por decisão da Autoridade Coatora absolutamente incompetente para tal.
— IV — DA NECESSÁRIA CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR O art. 7º, inciso III, da Lei Federal n. 12.016/09 prevê a concessão de medida liminar nos seguintes termos:
23
BASTOS, Aurélio Wander. “Do Estatuto Jurídico Conferido aos Documentos Privados de Titulares de Cargos públicos em Diferentes Países”. In: ADARILLON, Danielle et. al. Documentos privados de interesse público: o acesso em questão. São Paulo: iFHC, 2005, p. 109-110. São Paulo R. Pe. João Manuel 755 19º andar Jd Paulista | 01411-001 Tel.: 55 11 3060-3310 Fax: 55 11 3061-2323
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““Art. 7o Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.” (grifamos).
É inerente ao mandado de segurança a concessão de liminar, uma vez que sua finalidade precípua é obstar um ato abusivo ou uma ilegalidade praticada pelo Poder Público e, ainda, conservar os direitos, liberdades e garantias individuais cuja tutela se persegue.
De acordo como dispositivo acima referido, para o provimento do pedido liminar é necessária a presença de dois requisitos: (i) o fundamento relevante e (ii) que do ato impugnado possa resultar a ineficácia da medida, que venha a ser deferida no término do processo, caso o direito não seja tutelado liminarmente.
Veja-se, a propósito, a lição de SÉRGIO FERRAZ: “(...) Atualmente, o que importa, ao lado da relevância do fundamento, é a circunstância de que, na ausência da concessão da medida de caráter antecipatório da tutela, estará a parte realmente na iminência de se ver frustrada, pela absoluta então inaptidão da sentença final com vistas à produção dos efeitos restauradores do direito em si, que constituem a finalidade do mandado de segurança.” 24 (destacou-se).
GUSTAVO B ADARÓ entende o fundamento relevante como “a plausibilidade do direito invocado, ou seja, o fumus boni iuris”
25
, evidenciado na
probabilidade de acolhimento dos fundamentos jurídicos.
No caso em comento, a violação a direito é demonstrada de plano, não sendo necessária a realização de dilação probatória para que se revelem verdadeiras as alegações do Impetrante. 24
FERRAZ, Sérgio. Mandado de Segurança (individual e coletivo) – Aspectos polêmicos, 3ª edição, Malheiros, 1996. 25 BADARÓ, Gustavo Henrique. Manual dos recursos penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 520. São Paulo R. Pe. João Manuel 755 19º andar Jd Paulista | 01411-001 Tel.: 55 11 3060-3310 Fax: 55 11 3061-2323
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O domínio sobre os bens do acervo é de titularidade do Impetrante, pois decorre de procedimento administrativo do órgão competente em aplicação isonômica da Lei nº 8.394/1991, como reafirmado pelo Diretor de Documentação Histórica na Nota Técnica retro referida. Entendimento contrário é verdadeira exorbitância retrógrada e seletiva do poder regulamentar dos Decretos ns 4.081/2002 e 4.344/2002. Há um acúmulo de ilegalidades que tornam absurdamente evidente o fumus bonis iuris.
O segundo requisito se revela ante a urgência do pedido liminar. Nos casos em que a manutenção do ato coator provoca danos irreparáveis resultando ao Impetrante a ineficácia posterior da medida tomada em final julgamento, impõe-se a necessidade da concessão da liminar. Como dito, a este pressuposto jurídico denominase periculum in mora. A propósito da concessão das tutelas de urgência, válidos também são os ensinamentos do ilustre processualista JOSÉ ROBERTO
DOS
SANTOS
BEDAQUE: "não se trata de poder discricionário, visto que o juiz, ao conceder ou negar a antecipação da tutela, não o faz por conveniência e oportunidade, juízos de valor próprios da discricionariedade. Se a situação descrita pelo requerente se subsumir em qualquer das hipóteses legais não restará outra alternativa ao julgador senão deferir a pretensão.” 26 (destacou-se)
EDUARDO TALAMINI, com muita propriedade, assim defende a antecipação de efeitos da tutela jurisdicional:
"Há casos em que a decisão impugnada deixou de conceder uma providência (ativa) pleiteada pelo recorrente. Em certas situações, há urgência na obtenção de tal providência. O simples futuro provimento do recurso contra sua denegação poderia vir a ser inútil - vez que já concretizado o dano que se pretendia evitar. É precisamente o que se dá em relação às decisões que indeferem liminares em cautelares, em mandados de segurança, em possessória. Também se enquadra nessa hipótese a decisão que, no processo de conhecimento, nega a antecipação de tutela fundada em risco de dano 26 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. São Paulo: Malheiros, 1998.
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irreparável (...). Enfim, é o que ocorre em todos os casos em que se nega uma tutela de urgência.” 27 (destacou-se)
Ainda, adverte CÁSSIO SCARPINELLA BUENO: “Toda vez que o procedimento do mandado de segurança, não obstante célere, ágil e expedito – mais do que qualquer outra ação no processo civil – mostrarse incapaz de assegurar ao Impetrante perspectiva de fruição integral, plena e ‘in natura’ do bem da vida por ele reclamado, o caso é de ‘ineficácia da medida’ (‘periculum in mora’) e, pois, desde que diante de fundamento relevante, de concessão da liminar (...)” 28. (destacou-se).
In casu, o risco no perigo da demora do deferimento do pedido de liminar (periculum in mora) – ante a iminência de julgamento do requerimento de incorporação dos bens do acervo ao patrimônio da União –, bem como a plausibilidade do direito (fumus bonis iuris) são evidentes, pois, conforme narrado: há o risco de perda do domínio dos bens, ao arrepio das garantias do juiz natural, da legalidade, da isonomia e da segurança jurídica, uma vez que: (a) promovida pelo juízo absolutamente incompetente da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba/PR e (b) com base em exorbitância retroativa e seletiva do poder regulamentar.
—V— REQUERIMENTOS
Diante do exposto, requer-se:
a) O deferimento do pedido de liminar, inaudita altera parte, conforme dispõe o artigo 7º, inciso III, da Lei nº 12.016/09, para que seja determinada a suspensão da tramitação da Medida Cautelar nº 501011973.2016.4.04.7000 até final julgamento deste writ;
27
TALAMINI, Eduardo. A Nova Disciplina do Agravo e os Princípios Constitucionais do Processo, Ed. RT, Revista de Processo n. 80, pp. 125-147. 28 BUENO, Cássio Scarpinella. Mandado de Segurança. São Paulo: Saraiva, p. 68. São Paulo R. Pe. João Manuel 755 19º andar Jd Paulista | 01411-001 Tel.: 55 11 3060-3310 Fax: 55 11 3061-2323
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b) A concessão da segurança para que seja declarada a incompetência absoluta da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba/PR para revisar processo administrativo relacionado ao acervo presidencial, assim como para processar e julgar o domínio de bens de acervo particular de Presidente da República, em decorrência da garantia do juiz natural, com consequente anulação dos atos decisórios e de todos os atos processuais deles decorrentes; c) Subsidiariamente, na hipótese de se decidir pela competência do juízo da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba/PR para revisar processo administrativo relacionado ao acervo presidencial, o que se admite em atenção ao princípio da eventualidade, seja declarada a extinção da Medida Cautelar nº 5010119-73.2016.4.04.7000, diante da manifesta legalidade da propriedade do acervo presidencial particular pelo Impetrante, que seguiu exatamente os mesmos critérios utilizados para a composição do acervo presidencial privado de outros ex-Presidentes da República a partir da edição da Lei n. 8.394/1991.
Outrossim, requer que todas as intimações e publicações no presente feito sejam realizadas exclusivamente em nome do Dr. Cristiano Zanin Martins, inscrito na OAB/SP sob o n. 172.730, sob pena de nulidade.
Atribui-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Termos em que, anexando a competente guia de recolhimento das custas (GRU), devidamente quitada, da qual requer juntada, Pede Deferimento. De São Paulo para o Porto Alegre, 3 de março de 2017. ROBERTO TEIXEIRA
CRISTIANO ZANIN MARTINS
OAB/SP 22.823
OAB/SP 172.730
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