SNACK.2

Page 1

APERITIVOS E PITADAS DE CULTURA E ARTE

movie poster não oficial

EDIÇÃO N.2 ANO I


ARTE DA CAPA - arte nĂŁo oficial do filme


Desde 2014

Memórias são irrelevantes diante dos fatos Leonard Shelby

Um projeto cultural de: Luciano Negreiros & Carlos Cardozo

em revista Direção: Luciano Negreiros / Carlos Cardozo

Uma publicação: NGBN Group Expediente Editor e Produtor Executivo: Carlos Cardozo Projeto Gráfico e diagramação: Luciano Negreiros Contribuiram para essa edição os agradecimentos para: Thiago Olbrich, Vanessa F. Logi,

Permitido que outros façam download desse trabalho e os compartilhem desde que atribuam crédito aos autores, mas sem que possam alterá-los de nenhuma forma ou utilizá-los para fins comerciais.


TEMATICO SIM, restritivo, jamais!

Mc Sorleys Backroom - John Sloan


5

Carta de intenções ou pode ser uma carta de apresentação... você quem sabe, puxe uma cadeira e vem bater um papo!

Acabei de me lembrar. Que tal conversar sobre as coisas que mais me agradam? Ué!! Mas não era essa a proposta? Talvez não! O momento da escrita é muito peculiar. É dificil conciliar aquilo que você gosta com aquilo que você acha que seu leitor gosta. Nas melhores das hipóteses eu me pergunto: eu escrevo para mim ou para os outros?! E isso, confesso, não tem resposta certa. O ideal é gostar, e escrever, aquilo que os seus leitores gostam. E leitor voraz, lê qualquer coisa. Mas não quer dizer que goste de qualquer coisa. A coisa mais próxima dessa resposta (que não é a certa!), talvez seja a memória. Lembranças factuais são os ingredientes das associações, base para a criatividade e fundamento da própria identidade. Sim, quem é você? Seja escritor, seja leitor. A perda dessa habilidade em definir a si próprio é assustador. É uma estória de terror! Pode ter certeza! Por isso que eu trago uma análise da obra de Jonathan Nolan com o seu "memento mori" e a sua adaptação, dirigido pelo seu irmão Cristopher. Amnésia é isso! E no calcanhar dessa busca de identidade eu recheio a nossa memória com Vincent Van Gogh. E identidade é talvez a estória mais impressionante desse artista. Acompanhe a primeira parte da análise da obra "comedores de batata", mas eu te aviso para você não esquecer: isso é só o começo! Luciano Negreiros

Faça download em: facebook.com/REVISTASNACK


6


7

Análise expressiva da Obra

Van Gogh e suas batatas de Luciano Negreiros

INTRODUÇÃO Vincent van Gogh, nascido em 30 de Março de 1853, foi um pintor pós impressionista holandês. Sua produção inclui retratos, auto-retratos, paisagens e naturezas mortas, além dos campos de trigo e girassóis. Ele é considerado um dos artistas mais influentes dos últimos tempos e seu reconhecimento foi dado apenas depois de sua morte. Vincent tinha quatro irmãos mais novos, mas ele estabeleceu uma forte relação com o segundo filho de Theodorus Van Gogh e Cornélia, chamado Theo. Em Paris ele foi apresentado ao impressionismo, que provocou grande influência no artista. Na França ele conviveu com Edgar Degas, Georges Seurat e Paul Gauguin sofrendo influências desses artistas. A trajetória de Vincent Van Gogh é considerada como uma das menos bem sucedidas na história da arte. Ele passava seus dias estudando sozinho pois não tinha dinheiro para frequentar as aulas de arte. Ele morava sozinho na periferia da cidade, num pequeno quarto em que ele mal podia pagar e tinha apenas alguns pequenos objetos em sua posse. Em nove anos do inicio de sua carreira artística, Vincent ainda não havia vendido uma única obra. Vincent morou com seu amigo Gaugin, mas a convivência entre os dois foi desastrosa. Em alguns meses, no auge de uma discussão, Van Gogh ameaçoulhe como uma navalha. Depois deste acontecimento Vincent cortou a própria orelha numa ataque de agressividade. Depois deste episódio

Faça download em: facebook.com/REVISTASNACK


Comedores de batata - Vincent Van Gogh

ele foi internado no hospital da cidade quando foi diagnosticado com depressão. Sofrendo de ansiedade e passando por crises de desequilíbrio mental, Vincent van Gogh morreu aos 37 anos após problemas infecciosos logo após a uma tentativa de suicídio. Foi no período em que ele ficou internado no sanatório de uma cidade vizinha, que ele voltou suas atividades como pintor. Influenciado pela paisagem local rudimentar, sua técnica evoluiu de pequenos traços para as conhecidas pinceladas espirais e curvas. Em 1890 ele retorna para Auvers ficando mais perto do seu irmão Theo. Nessa época ele pintava com regularidade e passou a frequentar o consultório de Dr. Paul Gachet. Gachet foi a inspiração para uma das obras mais famosas de Van Gogh - Retrato do Doutor Gachet. Essa sua condição de saúde mental é amplamente discutida por acadêmicos pois afetaria a sua produção figurativa principalmente nos últimos anos de sua vida. CARREIRA ARTÍSTICA Vincent Van Gogh começou tarde para uma carreira artística. Aos 20 anos ele estava trabalhando com os negociantes de arte da Goupil & Cie, em Haia. Quando foi transferido para Londres, trabalhando para o mesmo grupo; a Goupil & Co. em Southampton Street.


9

Depois de sSe apaixonar por Eugene Loyer e sua rejeição, Vincent se tornou mais isolado e devoto para a sua religião. Seu pai conseguiu uma transferência de volta para Paris em pouco tempo depois esse afastou do trabalho. Vincent chegou trabalhar como professor substituto numa pequena escola de internato em Ramsgate e depois numa livraria por mais seis meses. Somente em 1880 quando ele foi morar com Charles Decrucq, que passou a se interessar pelas pessoas e cenas ao seu redor. Vincent passou a registrar o cotidiano em seu desenhos e com o apoio de Theo, ele decide seguir a carreira artística. Ele passou a frequentar a Académie Royale des Beaux-Arts e estudou os fundamentos do desenho como anatomia, perspectiva, luz e sombra. Foi no ano de 1882, já em Haia, na Holanda, que Vincent van Gogh conheceu Anton Mauve, um pintor realista membro da escola de Haia. Vincent foi introduzido a pintura óleo e aquarela, recebendo um suporte para comprar material e montar um estúdio. Mas essa relação também não seguiu triunfante. [ continua na próxima edição ]

...

Van Gogh e suas batatas

PARTE lI

NA PRÓXIMA EDIÇÃO. Continuamos com analise da obra e seu histórico atormentado. Um dos artistas mais estudados, admirados e uma das maiores trajédias artisticas já conhecidas. Aguardem!!! 

Faça download em: facebook.com/REVISTASNACK


10

"Um Homem Célebre" é um conto publicado no periódico "A Estação" em 1883, e depois no livro "Várias Histórias", em 1896. Exigente, numa leitura cuidadosa, podemos desfrutar umas das melhores histórias de Machado de Assis. O conto aborda o tema da incompatibilidade entre os ideais e a realidade, o desejo e a essência que constitui o individuo. Esse artigo começou na edição passada. e agora podemos finaliza-la com um acorde de notas bem postas... Ahh! Para acessar o edição anterior, veja em nosso site!

Quem é Pestana? PARTE lI

de Luciano Negreiros

Haviamos começado o artigo anterior, contextualizando o nosso protagonista Pestana. Suas inspirações por celébres compositores da música clássica. Postos perto do piano como um altar e o evangelho numa sonata de Beethoven. Surge o anceio, o desejo em participar desse hall tão idolatrado. Mas também sabemos a sua maior contribuição musical. A polca. Que lhe traz fama, reconhecimento e paga suas contas. É o imortal versus o efêmero! Mas Pestana gostava dela! Ele ficava cantarolando no caminho de volta. É nessa altura da estória que surge a palavra "vocação". É nessa altura que podemos questionar a vocação de Pestana pela polca versus a ambição pelo erudito. Mas esse namoro com a polca recém escrita, acaba tão rápido quanto foi compô-la. Basta alguns dias para que a satisfação ceda lugar ao


11

MACHADO DE ASSIS


12

aborrecimento. Ele mesmo quer que a polca se torne efêmera. Ele reconhece a sua longevidade como aceita a sua rejeição pela canção. Os dois estão em sintonia! Unidos pela brevidade de ambos. Pestana não somente deseja que o efêmero seja a nota ressonante, mas ele trabalha para que isso aconteça. Ele senta em sua igreja e passa a compor aquilo que vai substituir o polca anterior. Mas Pestana não desiste de seu sonho. Nunca irá! Isso se reflete nas musas e as relações de amor e ódio, desejo e submissão. Pesatana projeta seu dilema nas duas pretendentes ào seu coração. de um lado temos Maria, boa cantora. Do outro surge Sinhazinha Mota; uma admiradora das polcas. Pestana casa-se com Maria e acredita que agora, em matrimônio, iria desencadear obras seerias, profundas e trabalhadas. Ele logo se coloca aescrever um noturno; mas falha. Maria identifica o noturno como sendo de Chopin! Era um desastre para Pestana - O que era para ser original, magistral; se tornou um derivado de Chopin. Para decepção de Pestana, Maria tinha razão - sua obra maior, o inicio da virada se mostrou mais uma daquelas notas que se perdem no ar! Elas ecoam para os céus para nunca mais serem ouvidas. Não tem jeito, ele volta para as polcas. Afinal, pra que lutar. Viva a polca! A melhor citação que retarata esse jogo, essa dualidade machadiana é a "eterna peteca entre ambição e a vocação". Esse era Pestana!

“As lágrimas eram do marido ou do compositor ?”


13

Ambiçãovs. Vocação Existe uma passagem muito marcante no que se refere à essa questão: a morte de sua esposa Maria. Ele decide escrever um Requiem para ser tocado no primeiro aniversário de sua morte. Ele tinha um ano para compor sua obra, tinha a motivação certa (homenagem póstuma) e trabalhou muito nesse período: paciência, meditação, esforço redobrado... mas, ao final de um ano, se conteve com uma missa e sem o Requiem. O editor surge mais uma vez – fecha um contrato para várias polcas. Volta a questão da massificação da cultura, da polca e as questões financeiras. Pestana precisava do dinheiro e como a sua inspiração para polcas não o abandona, ele aceita e as entrega. Ele voltava para aquele ciclo de amor / ódio com a polca. Mais questionamentos:

Sobre a massificação

Podemos dizer que o erudito não dá dinheiro? Somente o popular é rentável?

Polca

Pestana odiava a polca no inicio... depois vimos que a relação era mais complicada que simples ódio. O que seria, então? Ou seria essa dicotomia do erudito com o popular. Pestana entendia que elas não poderiam co-existir (pelo menos não na mesma obra). Sendo erudito, ele exclui o popular? (e vice-versa). Haveria uma subestimação da cultura popular? ou uma superestimação da “cultura dos outros”? no caso a europeia.

Faça download em: facebook.com/REVISTASNACK


14


15

Psicologia Amnésica

de Luciano Negreiros

A literatura e o cinema em diálogo

O que foi Memento?

Memento (Amnésia) é um filme norte-americano que estreou no Brasil em Agosto de 2001. Ele foi escrito e dirigido por Christopher Nolan e é baseado no conto "Memento Mori" de seu irmão, Jonathan Nolan. O conto de Jonathan, "Memento Mori", é diferente do filme de Christopher, apesar de manter essencialmente os mesmos elementos. Na versão de Jonathan, o protagonista tem o nome de Earl e é um paciente de um hospital psiquiátrico. Como no filme, sua esposa é morta por um desconhecido e, durante o ataque a sua esposa, Earl perdeu sua memória recente. Como Leonard, Earl deixa anotações na forma de tatuagens com informações sobre o assassino. Entretanto, no conto, Earl se convence através de suas anotações a escapar do hospital e matar o assassino de sua esposa. Diferente do filme, não há ambiguidade quando Earl acha e mata o homem desconhecido.

Faça download em: facebook.com/REVISTASNACK


16

O filme ganhou um boca-a-boca substancial no circuito de festivais. Teve sua estreia em 2000 no Festival de Veneza, onde foi aplaudido de pé. Depois, foi exibido no Festival de Deauville e no Festival de Toronto. Com a publicidade destes eventos, Memento não teve problemas para achar distribuidores internacionais, com estreias em mais de 20 países. Memento foi aclamado pela crítica do mundo inteiro:

"A narrativa complexa e fragmentada de Memento é brilhantemente executada, mantendo o público sempre se perguntando. No geral, os críticos o acham um filme incrivelmente original e inteligente" - Rotten Tomatoes. O filme foi aclamado pela critica. Eles elogiaram sua estrutura não-linear única e seus vários temas apresentados, como: memória, percepção e vingança. O filme recebeu vários prêmios, incluindo indicações ao Oscar de Melhor Roteiro Original (Christopher Nolan e Jonathan Nolan) e Melhor Edição (Dody Dorn). Venceu 13 prêmios de Melhor Roteiro e 5 de Melhor Filme de várias associações de críticos e festivais. Christopher Nolan foi indicado a três prêmios de Melhor Diretor, incluindo o prêmio do Sindicato dos Diretores da Ámerica, e venceu um no Independent Spirit Awards.


17

sinopse do conto O PROTAGONISTA TEM O NOME DE EARL e é um paciente de um hospital psiquiátrico. Sua esposa é morta por um desconhecido e, durante o ataque a sua esposa, Earl perdeu sua memória recente. Earl deixa anotações na forma de tatuagens com informações sobre o assassino. Entretanto, Earl se convence através de suas anotações a escapar do hospital e matar o assassino de sua esposa. Quando finalmente Earl acha e mata o homem desconhecido. 

sinopse do filme LEONARD, UM EX-INVESTIGADOR DE SEGUROS, que procura o assassino e estuprador de sua mulher. O trauma causou-lhe a Amnésia anterógrada, uma condição que impossibilita-o de adquirir novas memórias. Isto atrapalha as investigações e leva Leonard ao desespero, perante as dificuldades de vingar a morte brutal de sua esposa. Quem são seus amigos? Quem são seus inimigos? Qual é a verdade? No mundo de Leonard, as respostas para essas perguntas mudam a todo momento. E quanto mais ele procura pela verdade, mais ele mergulha num abismo de incertezas e surpresas. Um verdadeiro quebra-cabeça se mostra diante dessa nova realidade. Os eventos que retratam a amnésia anterógrada são separados em duas narrativas: uma em cores, e a outra em preto e branco. As sequências em preto e branco são apresentados em ordem cronológica, mostrando Leonard conversando com um desconhecido pelo telefone em um quarto de motel. A investigação de Leonard é mostrada nas sequências em cores, que são apresentadas em ordem reversa. A estrutura não-linear criada para o filme cria uma experiência no público semelhante ao efeito da amnésia: de não conhecer os fatos recentes do enredo. Sem saber a causa, somos atirados no meio das consequências de ações anteriores, numa trama reversa em meio a uma investigação de assassinato. 

Faça download em: facebook.com/REVISTASNACK


18

Personagens O núcleo narrativo é formado por Leonard (protagonista), Natalie e Teddy. Outros personagens dão dimensão à Leonard, como sua esposa que participa para revelar sua estória pregressa. Burt, que aparece como um coadjuvante, serve para reforçar a condição de Leonard (amnésica) e, o mais importante, a perpétua vitimização do protagonista: um cara que sofre com mentiras, esquemas, e possíveis estelionatos, fraudes ou trapaças. Sammy Jankis como o cliente da seguradora investigado por fraude e que sugere-se um alter ego de Leonard. É desse relato que surge uma discussão sobre a condição amnésica ser de origem física ou psicológica. Além de Dodd e Jimmy Grantz que conduzem a estória sobre traficantes e investigações policiais.

Leonard Shelby / Earl Leonard Shelby era um investigador de seguros que, depois de ser atacado por um assaltante, sofria de amnésia anterógrada. Essa condição, que apaga a memória mais recente, induz um comportamento de extrema organização. Em outras palavras, Leonard tomava notas de tudo o que fazia e seus objetivos em vingar sua esposa. Earl se assemelha em objetivo e motivação: vingança pelo assassinato de sua mulher. Outros elementos foram adicionados no cotidiano de Leonard como profissão, clientes, fraudes e investigações policiais.


19

Teddy Teddy é um conhecido de Leonard Shelby, e diz ajudá-lo em sua caçada ao assassino de sua esposa. Teddy alega ser o policial designado para o caso de estupro de Catherine Shelby. Ele também explica à Leonard sua condição amnésica causada por um ferimento na cabeça ocorrido no ataque à sua esposa. Foi Teddy quem participou das investigações de Leonard com o teste de insulina, que mata a sua esposa por overdose, a fim de testar sua amnésia. Ele atribui isso à um caso antigo, Sammy Jankis e sua esposa. Teddy também manipula Leonard e usa a sua condição para criar um quebra-cabeça insolúvel. O objetivo de Teddy era usar Leonard para caçar quem ele quisesse. John G. era mais um traficante que Teddy queria tirar proveito e ficar com o dinheiro de uma transação não realizada. Teddy também não aparece no conto.

Natalie

Natalie é uma garçonete e acaba se envolvendo com Leonard; aparentemente ela se comove com sua situação e passa a ajudá-lo em sua busca por vingança. Mas ela também recebia ordens do namorado Jimmy Grantz, um traficante de drogas que a usava como receptora das transações. Ela se mostra afável e comovida pela morte de sua esposa. A grande virada de personalidade de Natalie, mostrando a sua verdadeira natureza, foi quando ela usa Leonard para se livrar de Dood e ficar com o dinheiro que desaparecera. Ela se mostra manipuladora, possuindo objetivos e motivações próprias. Natalie não é personagem do conto.

Faça download em: facebook.com/REVISTASNACK


20

Análise Física

de Leonard Shelby / Earl

O único aspecto físico relevante de Earl são as tatuagens que ele carrega no corpo com o próximo registro. Já Leonard se mostra um homem forte, com vitalidade e motivado, o que favorece as perseguições aos criminosos. Seu corpo também se torna o seu “mural de recados móvel”, um verdadeiro mapa de tatuagens com orientações de comportamento e indicativos de quem ele era. Tais como “nunca fale ao telefone”, permite traçar um perfil do seu comportamento: um analista de pessoas e trejeitos, julgador de mentirosos que aplicam fraudes na seguradora. Esse traço é perdido após o incidente; pois Leonard aparenta perder esse senso analítico; ele passa a ser manipulado o tempo todo por Natalie, Teddy e por ele próprio ao criar um “quebra-cabeça sem solução”.

Análise Social

Muito se mantem em relação a mulher de Earl. O ataque e o pedido de ajuda pelos olhos de sua esposa. A versão "Leonard" era casado com Catherine e trabalhava numa seguradora. Após o incidente com sua esposa e o trauma cerebral, Leonard fala sobre uma estória paralela, um cliente: Sammy Jenkins. Ele relata o seu relacionamento com sua esposa e também os testes que levaram-na à óbito por overdose. O enredo sugere que Sammy Jenkins era o alter ego de Leonard. Assim, sua mulher não havia sido morta pelo ataque, e sim morta pelas próprias mãos de Leonard ao ser submetido ao teste da insulina. Essa estória pregressa ao enredo indica uma relação amorosa e verdadeira com sua esposa, que foi destruída pela sua condição amnésica. Com Earl, o enredo mais simples, o coloca na condição de vingança pela morte de sua esposa e tudo o mais é omitido pelos médicos que não querem falar a respeito. Ao recriar a realidade em que se inseri, Leonard também recria as suas relações com outros personagens. Ele não percebe que está sendo manipulado por Natalie e confia nela. Teddy também é vitima dessa recriação ao receber a adjetivação de “não confiável”.


21

O que nos definem? O que é determinante para a nossa identidade? O comportamento de Leonard diante dos outros se torna tão volátil quanto uma anotação num pedaço de papel ou numa tatuagem. E a sua verdadeira natureza só pode ser traçada antes do acidente? E se a sua memória lhe engana, como ele recria a sua própria personalidade? O instinto assassino de Leonard sempre esteve presente, sua sede de vingança sempre esteve ali, adormecido. Bastava um incidente para que ele saísse em represália. E isso ocorreria de qualquer modo, sendo ele amnésico ou não? Essa condição recria o momento presente que desencadeou a enfermidade a posteriori (conhecido como o eterno presente) e interfere diretamente na construção da sua psique.

"Você não sabe quem você é. O que você se tornou, desde o incidente." - Teddy

Análise Psicológica

Exames clínicos* apontam que distúrbios de memória podem desencadear problemas autobiográficas (dissociação de ocorrências da própria vida), confabulações (que são criação de estórias fantasiosas e incoerentes) e desconhecimento da própria doença. Leonard aparenta todos os efeitos citados, inclusive o da contínua renovação do presente e desvinculação do passado. Isso provoca uma tentativa de associar com algo que lhe é apresentado: como assumir variadas personalidades: ao vestir uma camisa branca garante que é médico ou dentista, mas também pode se tornar açougueiro ou barbeiro. ▶

Faça download em: facebook.com/REVISTASNACK


22

O personagem incorpora o papel e se identifica com pessoas, situações e objetos que o circundam. Tal como é relatado sobre Sammy Jenkins numa tentativa de se fazer reconhecido, com aquele sorriso. É o conhecido efeito camaleão, onde o paciente adquire características semelhantes ao ambiente. No caso de Leonard, ele se torna aquilo que os outros desejam. Natalie molda Leonard para dar fim ao Dodd e Teddy o molda para perseguir e acabar com traficantes e bandidos. Outro fator determinante da psicologia de Leonard faz referência à própria criação do personagem, o que foi chamado Homo Fictus, um termo cunhado no livro Aspects of the novel, de E.M.Forster, numa clara alusão ao Homo Sapiens. Mas Forster delineia as semelhanças e, principalmente, as diferenças entre as espécies.Diferenças essas defendidas por Antônio Cândido.

"O Homo fictus é e não é equivalente ao Homo sapiens, pois vive segundo as mesmas linhas de ação e sensibilidade, mas numa proporção diferente e conforme avaliação também diferente/ (Cândido, 2005, 63-64). A comparação se resume, primeiro na própria concepção do ser humano, segundo na constituição do que seria o constructor do Homo Fictus. Cândido evidencia a nossa própria incapacidade de "ler" um ser humano de verdade, de compreender e abranger toda a complexidade da personalidade alheia. Para a sua contraparte, a construção do personagem deve-se procurar pela simplificação, através de traços mínimos, gestos únicos, frases e trejeitos que marcam o personagem para facilitar a identificação do leitor. Não confundir, porém, simplicidade com o raso e sem profundidade. Antônio conclui que o nosso conhecimento sobre outra pessoa e a descrição que recorre dele, se torna incompleta. O conhecimento dos seres, elaborada por outro ser, sempre será fragmentada. Já a construção do personagem se estabelece pela


23

repetição e evocação daquelas características simplificadas já mencionadas. Cabe ao autor, estabelecer uma coesão nos mais variados contextos, cria-se assim a chamada lógica do personagem. Leonard e Earl fazem uso dessa construção fictícia; Ao possuírem uma condição que o impossibilita de recriar, em memória, quem ele foi nos últimos anos - que sucederam ao acidente. Como poderiam eles estabelecerem relações com outras pessoas? E fazerem um julgamento de cada uma delas? Através da construção ficcional romanesca. Ambos constroem essa simplificação de ações e aparências daquilo que eles presenciam naquele momento, para depois recria-las em forma de anotações e tatuagens. Pequenas narrativas de quem são, com quem se relacionam e como se comportam. Uma metalinguagem surge conduzindo essas relações -no filme e supostamente também no conto; ao estabelecer as impressões de outras pessoas. Caso os fatos fossem apresentados tais como seriam, não haveria uma narrativa, e sim uma "monografia histórica baseada em provas". Já na construção da narrativa, existe o peso da autoria que conduz o desconhecido como um "temperamento do romancista, modificando o efeitos das provas, transformandoo, por vezes, inteiramente". [Forster in "Aspects of the novel." Citação de Antônio Cândido in "A Personagem de ficção" pag.65].

Leonard e Earl se tornam os autores de suas próprias estórias. Faça download em: facebook.com/REVISTASNACK


APERITIVOS E PITADAS DE CULTURA E ARTE


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.