Mulheres Atingidas por Barragens

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Mulheres atingidas por

Barragens


Índice 04

•Contexto. Água e barragens no Brasil

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•Rondônia (Rio Madeira)

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•Vale

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•Belo

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•Reivindicações e lutas das mulheres atingidas

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•O rio Madeira e as Barragens •Impactos nas comunidades •Impactos no meio ambiente •Impactos sociais

do Ribeira (Estado de São Paulo e Paraná)

•Impactos nas comunidades

Monte (Estado do Pará)

•Movimento

dos Atingidos por Barragens (MAB)

Realiza: MAB · Movimento dos Antingidos por Barragens Textos: MAB · Movimento dos Antingidos por Barragens Edição: Movimento dos Atingidos por Barragens Fotos: Mira Rusin & João Zinclar

Colabora: Mujeres del Mundo - Munduko Emakumeak, Mundubat Desenho: Mikel Apodaka

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N

o Brasil, a energia elétrica é controlada principalmente por empresas transnacionais, que a partir da privatização do setor elétrico, na década de 90, concentram 70% da distribuição e 30% da geração. Depois desse período, as tarifas aumentaram cerca de 400%, pois a energia hidrelétrica (a mais barata de produzir) teve seu valor equiparado ao preço da energia produzida a partir de fontes térmicas ou fósseis. Portanto, a energia elétrica no Brasil tornou-se um grande negócio, que movimenta cerca de R$ 100 bilhões de reais por ano. Quem passou a controlar esse setor foram empresas transnacionais, tais como Iberdrola, Suez, AES, Duke, Endesa, General Eléctric, Votorantim, Alcoa, BHP Billiton, Vale, Siemens, General Motors, Alstom, Camargo Correa, Odebrecht, banco Santander, entre outras. 3


Contexto

Usinas hidrelétricas no Brasil:

quem ganha com elas?

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Brasil possui os maiores rios do mundo em extensão e volume de água. Entre eles estão os rios Paraná, São Francisco, Tocantins, Madeira, Xingu, Tapajós e Amazonas. Esta base natural vantajosa coloca nosso país em uma posição geopolítica energética estratégica, pois enquanto as demais tecnologias de geração de energia elétrica conseguem um rendimento médio de 30%, a hidroeletricidade é a tecnologia que alcança rendimentos próximos a 90%. No Brasil, as hidrelétricas são responsáveis por 65,44% da matriz de energia elétrica. Este é um dos motivos pelos quais os potenciais hidrelétricos e as bacias hidrográficas se tornam tão disputados no Brasil, principalmente agora que vivemos um período de crise internacional, que ainda deve se prolongar, no qual a importância da energia se torna ainda mais estratégica. Então, quando falamos em usinas hidrelétricas no Brasil, temos que compreender a serviço de que modelo de desenvolvimento as barragens são construídas. E iniciamos a partir do seguinte questionamento: Energia para quê e para quem?

Nesta sociedade, o modelo energético é organizado principalmente para fornecer energia às grandes empresas a fim de acelerar a produtividade dos trabalhadores, com o objetivo de acumular e expropriar o máximo possível de lucro.

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Os lucros dessas empresas são extraordinários. Porque a energia passou a gerar tanto lucro? Em primeiro lugar, porque a população brasileira é explorada através das tarifas de energia elétrica e paga a sexta tarifa mais cara do mundo (mesmo tendo um dos custos de produção mais baixos), atrás apenas da Dinamarca, Alemanha, Noruega, Itália e Suécia. Já as 665 empresas eletrointensivas que consomem cerca de 30% da energia gerada no Brasil pagam até dez vezes menos que as famílias brasileiras. Em segundo lugar porque, com o avanço da privatização, aumentou a exploração sobre os trabalhadores da energia, que passaram a trabalhar mais e ganhar menos. Ocorreram demissões, diminuição de salários, aumento de jornada, perda de direitos e piora nas condições de trabalho, através da terceirização de serviços. Somente na Cemig, maior distribuidora de energia elétrica do país, a cada 45 dias um trabalhador morre por acidente.

Foto: João Zinclar

Em terceiro lugar, as empresas aumentam seus lucros reconhecendo só uma pequena parte dos atingidos e dando a eles uma reparação das perdas que não cobre as suas necessidades. Indenizam mal para diminuir os custos das obras. E em quarto lugar, o dinheiro para fazer os investimentos vem do bolso da população. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) empresta cerca 85% do dinheiro para as empresas construírem as barragens. Para pagar esse empréstimo, depois as empresas repassam o valor para a população na conta da luz. Ou seja, as empresas pegam dinheiro do povo para construir as obras e depois é o povo que paga para elas.


As principais consequências sociais deste modelo No Brasil, já foram construídas cerca de duas mil barragens, das quais 1001 são para geração de energia elétrica. Estas obras já expulsaram mais de um milhão de pessoas de suas casas e terras, 70% sem nenhum tipo de indenização. Segundo o relatório da Comissão Especial “Atingidos por Barragens”, aprovado pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) em outubro de 2010, o padrão vigente de implantação de barragens no Brasil “tem propiciado, de maneira recorrente, graves violações de direitos humanos, cujas consequências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual”.

São 16 direitos humanos sistematicamente violados na construção de barragens, entre os quais se encontram: direito à informação e participação, direito à liberdade de reunião, associação e expressão, direito ao trabalho e a um padrão digno de vida, direito à moradia adequada, direito à plena reparação das perdas, direito de acesso à justiça e à razoável duração do processo judicial. Além da violação dos direitos humanos com a construção de barragens, os atingidos não contam com uma política nacional de tratamento e ficam à mercê das empresas construtoras. Essa situação agrava cada vez mais a dívida social do Estado brasileiro para com estas populações, que historicamente tem sido omisso na condução de políticas de indenização e conivente na violação dos direitos humanos.

Foto: João Zinclar


A construção de barragens na Amazônia

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lém das mais de 1000 grandes e pequenas hidrelétricas já em operação no Brasil, atualmente 66 estão em construção e mais 200 estão em fase de estudo para licenciamento e licitação. A maioria delas está na Amazônia, região tida como a nova e maior fronteira energética brasileira. Toda a bacia amazônica abriga 60% das florestas tropicais remanescentes do planeta, cobrindo uma área equivalente ao território dos Estados Unidos. 1/5 de toda água doce do mundo corre pelo imenso emaranhado de rios amazônicos. Do potencial de geração de energia hidrelétrica dos rios amazônicos em território brasileiro, apenas 8,9% foi explorado. É o que explica o grande investimento na construção das barragens de Santo Antonio e Jirau, no rio Madeira, em Rondônia, da barragem de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará, e muitas outras previstas para os rios Tapajós, Teles Pires e Juruena.

Foto: João Zinclar


As duas barragens do rio Madeira (o maior afluente do rio Amazonas), a Usina Hidrelétrica de Santo Antônio e a Usina Hidrelétrica de Jirau já estão concluídas e gerando energia. O consórcio Santo Antônio Energia, dono da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, é formado pelas seguintes empresas: Furnas, Odebrecht, Cemig, Andrade Gutierrez e Fundo de Investimentos e Participações Amazônia Energia (formado pelos bancos Santander e Banif e pelo Fundo de Investimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS). Já o consórcio Energia Sustentável do Brasil, responsável pela construção da Usina de Jirau, é formado pelas empresas GDF-Suez, Camargo Corrêa, Chesf e Eletrosul. As duas barragens atingiram 20 mil pessoas, inundaram uma área de 529 Km2 e tem potência de geração de 6.450 MW de energia.

Foto: João Zinclar


Enquanto isso, com a construção de usinas hidrelétricas, avança enormemente a prostituição e o uso de drogas, cuja prática torna-se rotina, muitas vezes estimuladas pelas empresas responsáveis pelas obras. A comunidade de Jaci Paraná, em Rondônia, por exemplo, quadruplicou o número de habitantes com a chegada dos operários para construir as barragens de Santo Antônio e Jirau. No auge da construção, em fevereiro de 2011, as duas obras chegaram a empregar aproximadamente 40 mil trabalhadores, multiplicando também o número de bordéis. De acordo com o relatório da Plataforma DHESCA, entre 2007 e 2010, Porto Velho registrou um aumento geral nos índices de violência após o início das obras. O número de homicídios dolosos cresceu 44% entre 2008 e 2010, a quantidade de crianças e adolescentes vítimas de abuso ou exploração sexual subiu 18% e o número de estupros cresceu 208%.

Foto: João Zinclar


Foto: Jo達o Zinclar


Rondônia

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falta de uma política séria e de critérios para indenização, aliada ao desrespeito à realidade local e à vivência histórica dos atingidos é uma das principais marcas das empresas construtoras de barragens em Rondônia. Os consórcios impuseram um modelo de reassentamentos que já apresentam inúmeros problemas. Se antes as famílias podiam sobreviver em suas áreas de terras, agora receberam pequenos lotes que variam de 400 m² a 10 hectares de terras, longe dos rios e com condições precárias. Além disso, um recente estudo do próprio consórcio construtor sobre a população atingida pela UHE Santo Antônio mostra que as condições de vida pioraram: 74% dos atingidos constataram que a situação em relação ao trabalho e renda piorou. Com relação à pesca, o mesmo levantamento constatou que para 88% dos atingidos, a situação piorou. O número de famílias atingidas por esta usina foi estimado no Projeto Básico Ambiental em 561. No entanto, em agosto de 2011, o número chegou a 1.729 famílias, e hoje o número pode ultrapassar 2 mil famílias (cerca de 10 mil pessoas), a grande maioria ribeirinhos que dependiam de terras e do rio para sobreviverem. Destas, 65,7 % receberam indenizações, mas apenas 19,7 % tiveram acesso a uma nova quantidade de terras.

Foto: 12 Mira Rusin


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Todas as famílias em quatro dos sete reassentamentos construídos pelo consórcio da usina de Santo Antônio ainda dependem de verba de manutenção para sobreviver, pois sua atividade geradora de renda não foi reestabelecida. Um dos motivos é que as terras adquiridas pela empresa para o reassentamento são improdutivas, dependendo da incorporação de toneladas de insumos agrícolas para fertilizá-las. Além disso, existem lotes dentro do próprio reassentamento que tiveram parte de suas áreas alagadas com o enchimento do reservatório, inviabilizando o sustento das famílias. Como se não bastasse, os pescadores ficaram impedidos de terem acesso ao lago e ao rio abaixo do muro da barragem e nenhum deles recebeu qualquer tipo de reparação ou indenização por esta perda. Durante a construção da barragem, o consórcio construtor foi multado pela morte de 11 toneladas de peixes.

Mulheres Atingidas por Barragens

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Mulheres Atingidas por Barragens


Não satisfeitos com os 50 bilhões de reais que terão de lucro com a venda da energia em 30 anos (cerca de 200 mil reais por hora), agora as empresas donas de Santo Antônio querem aumentar a profundidade do reservatório, com o objetivo de gerar mais energia. A cota subiria dos 70,5 metros para 71,3 metros, de acordo com pedido em análise na Agência Nacional de Energia Elétrica, podendo gerar 200 MW de energia a mais, mas aumentando também o número de atingidos. Na outra barragem, a Usina Hidrelétrica de Jirau, cujo muro fica a 150 quilômetros rio acima da Usina de Santo Antonio, os antigos moradores da Vila Mutum Paraná foram remanejados para Nova Mutum Paraná, local onde falta terra, trabalho e condições de estudo. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) alerta sobre o risco desse reassentamento transformarse em uma grande favela, devido ao desrespeito da empresa às características culturais de vida da população ribeirinha e à forma como foi implementado o reassentamento, que fica muito longe do rio e dos recursos naturais necessários para a sobrevivência das famílias, como a floresta, as terras e o pescado, impondo à população deslocada uma alteração drástica em seu modo de vida. Despossuídas dos meios em que desenvolviam suas atividades de subsistência e renda, basicamente da pesca, do extrativismo e da agricultura, as famílias agora partem em busca de alternativas, como pequenas atividades comerciais para atender aos trabalhadores da usina. Mesmo que o momento seja propício para essas atividades, os próprios moradores reconhecem que essa situação é passageira e não têm perspectiva para quando acabarem as obras da hidrelétrica.

Mulheres Atingidas por Barragens

Foto: Mira Rusin 15 RONDONIA


O rio Madeira e as barragens

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rio Madeira é principal afluente do rio Amazonas. O sistema fluvial do Madeira-MamoréGrande, com uma longitude de 4.207 quilômetros, o torna um dos principais cursos de água de América do Sul e está entre os 20 mais longos do mundo, assim como também é um dos 10 mais caudalosos.

Fotos: Mira Rusin


Usina Hidrelétrica Santo Antônio Potência: 3.150 MW Área de inundação: 271 km2* Nº de pessoas atingidas (segundo dados oficiais): 1.762

Custo: R$ 13,5 bilhões de reais.

Sua enorme bacia de 1.420.000 km compreende parte do Brasil, Bolívia e Peru e proporciona um volume de 32.000 m3/s, duas vezes mais que o volume do rio Misisipi ou o do Ganges.

Barragem de Santo Antônio

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A eletricidade produzida anualmente pela hidrelétrica é igual a 4,3% da geração total no Brasil em 2007. Com 48 turbinas bulbo, será a maior usina hidrelétrica do mundo em utilizar turbinas desse tipo, a segunda maior está no Japão e só conta com nove turbinas. A quantidade de ferro que se utilizou na construção da usina (138.000 toneladas) seria suficiente para construir 18 vezes a Torre Eiffel.

Foto: Mira Rusin


Os estudos realizados ainda antes do início da construção das obras (2006) mostraram que 50% da população desta região vive há dezenas de anos estritamente relacionada à terra e ao rio Madeira, 91% das famílias não queriam deixar a área ribeirinha, 61% não saberiam o que fazer se fosse transferido para a cidade e 81% não estavam de acordo com o projeto.

Barragem de Santo Antônio

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Impactos nas comunidades

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s impactos provenientes da formação do lago incluem a inundação de uma grande área de terras que provocou o deslocamento forçado de populações originárias da região. As infraestruturas ficam inundadas, assim como a floresta e habitats naturais. A terra antes se destinava para a agricultura, áreas recreativas e áreas protegidas, inclusive lugares de alto valor religioso e cultural. Além disso, a inundação causa mudanças no clima e no regime hídrico, alterando os ecossistemas locais e inviabilizando o abastecimento de água para o consumo humano.

Fotos: Mira Rusin


Bairro Triângulo, Porto Velho A capital de Rondônia Além das inundações atípicas, a força das ondas causadas pela abertura das comportas da barragem tem causado deslizamento de terra, deixando as famílias que viviam nas margens do rio Madeira sem lugar parar morar.

Bairro Triângulo, Porto Velho 338 famílias da área de risco foram retiradas pela prefeitura de Porto Velho para deixar lugar para o grande espaço recreativo chamado Parque das Águas. Muitas delas tiveram que morar em hotéis.

Impactos nas comunidades

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Comunidade ribeirinha São Carlos (Região do Baixo Madeira) Fortes fluxos de água causados pela abertura das comportas da barragem aceleram o desbarrancamento fazendo com que muitas famílias tenham que mover suas casas mais para dentro e perder seus terrenos.

Comunidade São Carlos O antigo passeio pela margem do rio Madeira foi levado pelas suas águas.

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Impactos nas Comunidades comunidades


Ponte de ferro Patrimônio histórico de Rondônia.

Distrito de Jaci Paraná Condições precárias de vida dos trabalhadores da construção da hidrelétrica de Jirau.

Fotos: Mira Rusin 23


Impactos no meio ambiente

Fotos: Mira Rusin 24


Comunidade Joana d’Arc, Porto Velho 27 mil hectares de mata da área inundada pela barragem de Santo Antônio aumentaram os depósitos de madeira, que é uma fonte lucrativa para a empresa construtora e uma das causas de desmatamento da Amazônia.

Impactos Barragem node meio Santo ambiente Antônio

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A emissão de gases no lago da barragem mata a diversidade de espécies vivas. Na região amazônica durante as temporadas de chuva são inundadas grandes áreas de floresta, mas o nível de água baixa durante as temporadas secas. Isso não acontece nas áreas alagadas por barragens, onde as árvores permanecem debaixo da água continuamente e sua decomposição provoca grande quantidade de emissões de dióxido de carbono, mercúrio e metano, aumentando o efeito estufa.

Decomposição de pés de bananeira causada pelo encharcamento da terra pela água da barragem faz com que seja impossível pagar o empréstimo obtido para o seu cultivo.

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Impactos no meio ambiente


A comunidade Santa Rita existe há menos de um ano. A terra, fonte de alimentação, não dá frutos. As famílias vivem de uma pequena ajuda do consórcio Santo Antônio Energia.

Fotos: Mira Rusin


Impactos sociais

Fotos: Mira Rusin 28


Comunidade Joana d ´Arc Só 176 pessoas se beneficiaram com a indenização do consórcio. A empresa construtora não reconheceu grande parte da comunidade como atingida, deixando-a sem esse direito.

Comunidade Santa Rita Reassentamento criado para as famílias da comunidade Joana d ´Arc, atingidas pela barragem de Santo Antônio.

Barragem Impactos de Santo Antônio sociais

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Comunidade São Carlos A extinção massiva de peixes no rio Madeira pela construção das barragens provocou o desaparecimento do principal recurso vital para as próximas gerações de pescadores e pescadoras deste povo ribeirinho.

Fotos: Mira Rusin


Comunidade Joana d ´Arc Militante do MAB Movimento dos Atingidos por Barragens

A comunidade não tinha transporte, eletricidade, nem estradas. A energia elétrica, mesmo que em estado precário, hoje em dia só existe graças à luta das famílias.

Impactos sociais

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Vale do Ribeira

Estado de São Paulo e Paraná

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ituado ao sul do estado de São Paulo, sempre foi um lugar de conflito. Com uma extensão que gira os 28.300 km², o vale conta com 39 municípios e 500 mil habitantes.

Por ordens da Coroa Portuguesa, a colonização do Vale começou a partir da exploração mineral, principalmente de ouro durante o século XVI. As embarcações usavam o rio Ribeira de Iguape para chegar ao litoral paulista, transportando mercadorias diretamente do Vale até o continente europeu. Além das comunidades indígenas que já viviam ali, o Vale também se tornou lugar de refugio para os negros que conseguiam fugir do regime de escravidão das áreas colonizadas. Hoje em dia existem 59 comunidades quilombolas catalogadas somente na região paulista do Vale do Ribeira. Apesar do Vale do Ribeira sempre ter sido muito explorado, primeiro com o ciclo do ouro e outros minerais, depois com o monocultivo de arroz e mais recentemente com o monocultivo de banana, e com a constante pressão de empresas mineradoras e latifúndios, a região ainda conserva 21% do que resta de Mata Atlântica no Brasil. A região também abriga inúmeras cavernas protegidas, onde podemos encontrar espécies de peixes e outros animais que até o momento não foram vistos em nenhuma outra parte do planeta. Muitas destas cavernas nem sequer foram catalogadas. O Vale do Ribeira, declarado Patrimônio da Humanidade em 1999 pela UNESCO, contem mais de 2,1 milhões de hectares de floresta, 21% dos remanescentes da Mata Atlântica de todo o país; e 17 mil hectares de mangues. Toda esta riqueza ambiental existe graças a muitas comunidades tradicionais que ainda vivem nesta região (os quilombos, caiçaras e os camponeses) e também porque se criaram várias unidades de conservação.

Foto: Mira Rusin


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A Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto é um projeto pleiteado pela Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), uma empresa do Grupo Votorantim, para aumentar o abastecimento de energia elétrica para seu complexo metalúrgico na cidade de Alumínio (antigo Mairinque), no estado de São Paulo. A localização da barragem de Tijuco Alto está prevista para o curso superior do rio Ribeira de Iguape, na divisa entre os estados de São Paulo e Paraná. Ao negar a concessão de licenças para a usina, o IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) invocou o princípio de desenvolvimento sustentável. A decisão não significa, no entanto, que Tijuco Alto não pode ser construída. Será necessário um processo de novas licenças para o projeto, que cobrirá os requisitos do IBAMA, especialmente a análise integrada do impacto acumulado com as quatro barragens projetadas para o rio.

Estado de São Paulo e Paraná

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A ameaça das barragens O potencial hídrico para a produção de energia elétrica na bacia hidrográfica do Rio Ribeira de Iguape foi catalogado na década de 70, durante o governo militar brasileiro. Desde então, esta região passou a ser objeto de interesse de grandes corporações energéticas. Na atualidade, estão previstos vários projetos de barragens na região. Quatro dos projetos são de barragens que estão situadas sobre o próprio rio Ribeira de Iguape, as quais formarão um complexo que aproveitarão a queda do rio em quase toda sua extensão em território paulista.

Os quatro pontos de represa das águas deste complexo darão origem às barragens de Tijuco Alto, Itaoca, Funil e Batatal. Se forem construídas, este conjunto de barragens inundarão mais de 11 mil hectares de floresta, áreas ocupadas por comunidades tradicionais, agricultores e inclusive áreas urbanas. Cabe recordar que o rio Ribeira de Iguape é o último rio paulista deste tamanho que ainda não tem nenhuma barragem. Todo o Vale sofre pela falta de infraestrutura básica para a população: transporte, comunicação, saúde, educação... Em todas essas áreas são necessárias melhorias, mas há muito tempo deixa-se de investir na região devido à constante ameaça da construção de barragens.

Foto: Mira Rusin


Na região do alto Vale do rio Ribeira é onde se situa o projeto de construção da barragem de Tijuco Alto, o maior dos quatro projetos. Com uma potência estimada em torno dos 300 MW, esta barragem é um projeto que a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), uma empresa do grupo Votorantim, tenta implementar desde a década de 80. Se estima que só esta hidroelétrica possa movimentar em torno de 720 mil reais por dia com a venda da energia. Graças à resistência e a luta da população do Vale, o projeto nunca saiu do papel. No entanto, a CBA mantém no município a placa que sinaliza o acesso à barragem. Parece um constante aviso de que a empresa ainda não desistiu do projeto.

Estado de São Paulo e Paraná

VALE DO RIBEIRA

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Impactos nas comunidades

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omunidade Quilombola Galvão, Vale do Ribeira, será atingida diretamente se Tijuco Alto for construída, sofrendo a inundação de todas suas instalações públicas e de muitas casas quando do fechamento das comportas para a formação do lago.

Fotos: Mira Rusin


Quilombos São as comunidades negras fundadas pela população escrava que fugia. São os que mantém e preservam a cultura tradicional afro brasileira. Como exemplos da resistência desta cultura na Mata Atlântica se pode citar as comunidades do Vale do Ribeira.

Os descendentes de escravos fugidos das antigas fazendas do século X VIII, reconhecidos como Quilombolas, tem agora o direito legal à terra que ocupam, graças a sua resistência e como resultado da Constituição de 1988.

Impactos nas comunidades

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Impactos nas comunidades


As quatro barragens planejadas inundariam de forma permanente uma área de cerca de 11 mil hectares, incluindo as áreas importantes de Mata Atlântica, partes das áreas de conservação e as terras ocupadas pelos pequenos agricultores e comunidades quilombolas, e alterariam significativamente o regime de águas do rio, o que afetaria todo o complexo do estuário Lagamar.

Foto: Mira Rusin


Do rio Ribeira dependem tanto as comunidades ribeirinhas, que o utilizam como fonte de alimentação, para o transporte, e a integração cultural, como as comunidades caiçaras situadas no estuário.

Foto: Mira Rusin


O rio é responsável pelo abastecimento da maior parte da matéria orgânica necessária para a sobrevivência do complexo do estuário Lagamar, um dos mais importantes criatórios da vida marinha de todo o mundo.

Impactos nas comunidades

VALE DO RIBEIRA

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A beleza do Vale do Ribeira permanece intacta graças à resistência de sua população contra a construção da usina hidrelétrica de Tijuco Alto, no rio Ribeira de Iguape, há mais de 20 anos.

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Impactos nas comunidades


O Vale da resistência A história do Vale do Ribeira se entrelaça com a própria história de luta e de resistência do povo brasileiro. Forjado pelos conflitos da ocupação colonial em território indígena, o Vale traçou seu contorno a partir dos negros e índios fugidos da escravidão durante o período colonial e imperial, e durante a recente história do Brasil, foi palco da resistência guerrilheira contra o governo militar brasileiro. Há mais de quatro séculos o povo do Vale do Ribeira vem lutando por seus direitos e por uma vida melhor. Durante os últimos 20 anos, a luta contra a construção de barragens tem ganhado relevância, e o povo seguirá lutando, pois a esse povo, a história já ensinou:

“Nossos direitos só a luta faz valer!”

Fotos: Mira Rusin


Belo Monte Estado do Parรก

Foto: Joรฃo Zinclar


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A Usina Hidrelétrica de Belo

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O rio Xingu é um dos maiores do grande emaranhado de rios amazônicos. Ele garante a subsistência de mais de 25 mil indígenas de 24 etnias, de milhares de ribeirinhos, de populações extrativistas e agricultores e abriga inumeráveis espécies de plantas e animais.

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BELOMONTE BELO MONTE

Impactos ImpactosMedioambientales no meio ambiente


A Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que está sendo construída sob este rio, atingirá em cheio a curva do rio conhecida como Volta Grande do Xingu, cuja extensão é de cerca de 100 quilômetros. Nesta região a água do rio será desviada pelos canais até as casas de força onde a eletricidade será gerada.

Fotos: João Zinclar


Além de Belo Monte, o último inventário sobre o potencial energético do rio Xingu indica a possibilidade de se construir outras três hidrelétricas: Altamira (1848 MW), Pombal (805 MW) e São Félix (906 MW). Em julho de 2008, a resolução nº 6 do Conselho Nacional de Política Energética declarou que Belo Monte será a única usina hidrelétrica a ser construída no rio Xingu.

Fotos: João Zinclar


No entanto, para viabilizar a geração de energia prometida pela usina, o governo deverá autorizar a construção de outras barragens rio acima, aumentando os impactos sociais e ambientais.

Um dos ecossistemas mais importantes do mundo pode se tornar uma reserva industrial de energia! Além da produção de energia, outro grande interesse de construir grandes projetos hidrelétricos é a possibilidade de transformar os rios em hidrovias.

Impactos Impactosno Medioambientales meio ambiente

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Para desviar o curso do rio através dos dois canais, será removida uma quantidade de terras equivalente à removida para a construção do Canal do Panamá.

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Impactos ImpactosMedioambientales no meio ambiente


Fotos: Jo達o Zinclar


Fotos: Jo達o Zinclar


São mais de 212 bilhões de reais a serem investidos nas áreas de energia, minérios e transportes até 2020 na região Amazônica. Todas essas obras darão origem a um corredor de exportação chamado “Arco Norte”, que abrange instalação de indústrias, hidrovias, construção e ampliação de portos, de Rondônia, passando pelo estado do Amazonas, Pará e Maranhão, com o objetivo de reduzir os custos pra a exportação de commodities. Exportando pelo Arco Norte, e não pelos portos do Sul e do Sudeste do Brasil, a distância percorrida pela produção agrícola, originando-se do Centro-Oeste seria mil quilômetros menor, o que representa quatro dias a menos no tempo de navegação até Roterdã, o principal porto da Europa.

Impactos Impactos no Medioambientales meio ambiente

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Impactos ImpactosMedioambientales no meio ambiente


Com isso, milhares de pessoas ficarão sem acesso à água, comida e meio de transporte. Enquanto uma parte do rio secará, com o lago da barragem, o leito do rio subirá próximo à cidade de Altamira, forçando o deslocamento de 20 a 40 mil pessoas. Esse número pode ser bem maior, pois uma medição independente realizada pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em parceria com o Ministério Público Federal aponta que as áreas alagadas poderão ser bem maiores que as apontadas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA). A grande pergunta que deve ser debatida é: Belo Monte para quê e para quem? Certamente não será para benefício da população de Altamira e nem para benefício dos brasileiros.

Foto: João Zinclar


Com a construção da obra, Altamira e os municípios do entorno estão vivendo um boom de crescimento. Em menos de um ano, a população de Altamira, que antes era de 100 mil habitantes, passou a ser de 145 mil. Só nas obras da usina há, atualmente, cerca de 8 mil pessoas trabalhando. Deste total, 75% são homens e 40% vieram de outros estados. Em 2013, ano de pico da obra, o número de operários deve chegar a 23 mil. O descaso com a infraestrutura não acompanha o inchaço da população, que pressiona todos os equipamentos de serviços públicos. A limpeza de ruas agravou-se com o aumento significativo do lixo. O trânsito ficou caótico. Não se encontram vagas nas escolas, nem leitos nos hospitais. O preço dos alimentos, dos aluguéis, de tudo, subiu de forma exorbitante. Belo Monte foi projetada para ser a maior usina inteiramente em território brasileiro e a terceira maior hidrelétrica do mundo, com uma potência de 11.233 MW, que representa 9,45% da capacidade de geração do país. O lago da barragem inundará 668 Km2, uma área equivalente à metade da cidade do Rio de Janeiro. Devido às grandes mudanças sazonais no volume da água do rio, que segue um regime de cheia e vazante, a usina só produzirá 40% de sua capacidade, pouco menos de 4200 MW. Os estudos para o aproveitamento hidrelétrico no local tiveram início na década de 1970. Sua construção envolve negócios que podem chegar a R$ 130 bilhões de reais. R$ 30 bilhões vão beneficiar as grandes construtoras e empresas fornecedoras de equipamentos como Alstom, Siemens, Camargo Correa, Queiroz Galvão, entre outras. Os outros R$ 100 bilhões são relativos à venda da energia nos próximos 30 anos. Esse valor vai para as empresas Andrade Gutierrez, Eletrobrás, Vale, Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf ), J. Malucelli, Odebrecht, Eletronorte, Petros, Funcef, Sinobrás, entre outras.

Foto: João Zinclar


Impactos Impactos no Medioambientales meio ambiente

BELO BELOMONTE MONTE

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Reivindicações e lutas das mulheres atingidas

A luta das mulheres atingidas por barragens Se a violação dos direitos humanos é recorrente na construção de barragens em todo o Brasil, “as mulheres são atingidas de forma particularmente grave e encontram maiores obstáculos para a recomposição de seus meios e modos de vida; [...] elas não têm, via de regra, sido consideradas em suas especificidades e dificuldades particulares”, e por isso “têm sido as principais vítimas dos processos de empobrecimento e marginalização decorrentes do planejamento, implementação e operação de barragens” (Relatório da Comissão Especial “Atingidos por Barragens”). As mulheres atingidas, que já sofrem com a opressão de gênero, são as mais afetadas pelas situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual causadas pela construção de barragens.

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MULHERES ATINGIDAS

Reivindicações e lutas


Para aprofundar o entendimento dessa questão, o MAB, em parceria com a ONU Mulheres, desenvolveu um diagnóstico participativo com um grupo de 62 mulheres de comunidades atingidas pelas barragens de Santo Antônio (comunidades de Santa Rita, Joana D’arc e São Carlos) e Samuel (município de Itapuã do Oeste) no estado de Rondônia.

Mulheres da comunidade de São Carlos lutam pelo reconhecimento dos efeitos socioambientais causados pela barragem de Santo Antônio.

Impactos Medioambientales

Foto: Mira Rusin 59 BELOMONTE


Com a realização dos encontros e aplicação do diagnóstico pelas próprias mulheres, foi avergiguado que uma das principais violações aos direitos das mulheres atingidas se dá na esfera produtiva, ou seja, no âmbito do trabalho. A maioria das entrevistadas (78%) trabalha na lavoura e exerce trabalhos domésticos e apenas 14% das mulheres recebem algum tipo de remuneração. Isso demonstra a falta de reconhecimento do trabalho desenvolvido por essas mulheres. Com a chegada da barragem, a situação se agrava ainda mais pela perda da terra, pelo deslocamento forçado para os centros urbanos e pela falta de qualificação para os trabalhos na cidade. Além disso, no processo de implantação de barragens, o conceito de atingido implantado pelas empresas tem sido o territorial-patrimonialista. Neste caso, quem não for proprietário (das terras, casas, comércios, etc) está automaticamente descartado. Historicamente, como decorrência do patriarcado, as mulheres não costumam ter os títulos das propriedades, ficando sempre na dependência de seus companheiros. Ao não ter esses títulos, não são reconhecidas como atingidas e têm mais dificuldades para ter direito à indenização e ao reassentamento, o que reforça ainda mais sua posição de submissão.

Além de contribuir com a renda familiar a partir do trabalho na roça e com os trabalhos artesanais feitos “nas horas de descanso”, geralmente as mulheres assumem a totalidade do trabalho doméstico, essencial para a reprodução da vida. Muitas vezes, as mulheres são vítimas preferenciais de chantagens e pressão por parte das empresas construtoras e, outras vezes, não são consideradas como interlocutoras legítimas no processo de negociação, embora sejam as protagonistas na resolução dos conflitos que surgem após a negociação. A maioria das mulheres entrevistadas em Rondônia está insatisfeita com a indenização e afirma que, se pudesse decidir, teria negociado de forma diferente, algumas afirmando até que “não teriam deixado construir a barragem”. A ausência e desqualificação das mulheres nos espaços deliberativos e a ausência de serviços básicos que viabilizem a mobilização e participação das atingidas também fazem parte do conjunto de violações de direitos que afetam as mulheres. A combinação entre a opressão de gênero e a violência sofrida no processo de implantação de barragens mostra a centralidade de organizar as mulheres na luta pela transformação social. Além de denunciar as violações, o MAB vem propondo uma série de iniciativas para fortalecer a participação das mulheres no Movimento, como encontros de formação específicos para elas, incentivo para que elas assumam papéis de coordenação nas instâncias do Movimento, entre outras.

Foto: Mira Rusin


Reivindicações ImpactoseMedioambientales lutas MULHERES BELOMONTE ATINGIDAS

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Comunidade Santa Rita As mulheres estão tomando consciência de seu poder decisivo e da importância de sua opinião no discurso sobre os efeitos da construção das barragens.

Comunidade São Carlos O MAB organiza encontros para defender o direito das mulheres à informação e participação, e para conscientizar sobre seus direitos como mulheres e como atingidas pelas barragens.

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MULHERES ATINGIDAS

Reivindicações e lutas


Comunidade Santa Rita Os encontros de mulheres organizados pelo MAB com o objetivo de formar lideranças capazes de representar os interesses da comunidade frente à empresa construtora e ao governo reivindicando seus direitos como pessoas atingidas por barragens. A principal dificuldade reclamada pelas mulheres que foram desalojadas da comunidade Joana d`Arc é a ruptura da rede de ajuda comunitária, necessária para superar as dificuldades do dia a dia, seja de falta de comida ou cuidado com as pessoas mais velhas. Além disso, para as mães solteiras, a falta de apoio dos vizinhos no cuidado com as crianças impossibilita a geração de renda para sua manutenção.

Impactos Medioambientales

Fotos: Mira Rusin 63 BELOMONTE


Muitas mães de famílias, como dessa na cidade de Itapuã levam seus filhos quando participam das manifestações do MAB.

Encontro de mulheres da comunidade Joana d´Arc. Quando era necessário realizar uma mobilização para exigir o cumprimento das condições apresentadas pela população atingida e lutar para que seus direitos fossem respeitados, a construtora da obra, Santo Antônio Energia, chegou ao extremo de assinar um acordo com as empresas de ônibus contratando todos os veículos para impedir que os atingidos e atingidas pudessem deslocar-se de suas comunidades.


Fotos: Mira Rusin

Praça no centro da cidade de Itapuã, em frente ao hospital e a prefeitura. Militante do MAB - professora da escola voltando para casa.

Mulheres militantes do MAB reunidas no encontro, na cidade de Itapuã. Impactos Medioambientales

BELOMONTE

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A violação dos direitos das mulheres é mais agressiva, pois são elas que tem que multiplicar suas tarefas para que a família não seja prejudicada com a falta de condições básicas de sobrevivência. Muitas acabam ficando em casa e não participam ativamente das ações.

Comunidade Joana d´Arc · A falta de transporte público frequen-

te, as péssimas condições das estradas, a falta de energia elétrica nas casas (e quando existe, é de má qualidade), a falta de creches para que as mulheres possam deixar seus filhos com cuidado, a precariedade na atenção básica de saúde, como postos de saúde e farmácias, e a ausência de programas de assistência técnica são graves problemas para a população atingida pela construção de barragens.

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MULHERES ATINGIDAS

Reivindicações e lutas


Ao não possuir o título das propriedades, como consequência de um sistema patriarcal, as mulheres não são reconhecidas como atingidas e tem mais dificuldades de garantir o direito de indenização e reassentamento, o que reforça sua situação de discriminação. A Senhora Aparecida, da cidade de Itapuã, mãe de 16 filhos, perdeu tudo com a construção da barragem de Samuel. Lutava pelos direitos dos atingidos pela barragem. Ela faleceu em 2013 e hoje em dia, com a construção da barragem de Santo Antônio, é sua filha, Creuza, quem participa do MAB.

Impactos Medioambientales

Fotos: Mira Rusin 67 BELOMONTE


Dona Petronilha, militante mais velha da comunidade quilombola S達o Pedro.

Fotos: Mira Rusin


Dona Jovita luta desde seus 15 anos de idade contra a construção da barragem no Vale do Ribeira e pela preservação da cultura quilombola, sendo uma das lideranças do MAB na comunidade Galvão.

Reivindicações ImpactoseMedioambientales lutas MULHERES BELOMONTE ATINGIDAS

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o t n ie

m i s v o o d i g M n s i t n e g sA

a r do r a B por

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MOVIMIENTO

dos Atingidos por Barragens


O MAB é um movimento nacional, autônomo, de massas, de luta, com uma direção coletiva em todos os níveis, que integra rostos regionais, sem distinção de sexo, cor, religião, orientação política, nem grau de instrução. É um movimento popular, reivindicativo e político.

Foto: Mira Rusin


A participação desorganizada na sociedade, em geral, faz com que o povo seja “massa de manobra” e o que resta dessa participação nem sempre é bom para a própria população. Se o povo deseja impedir a construção de uma barragem, deve organizarse para conseguir garantir seus direitos.

A organização do MAB serve para reunir (agrupar os excluídos); explicar (esclarecer a mente); e para, através de nossa força, lutar pelo que queremos. Os integrantes do Movimento são, em sua maioria, pequenos agricultores, trabalhadores rurais sem terra, arrendatários, povos indígenas, populações quilombolas, pescadores e mineradores, entre outros. De acordo com a definição do Primero Encontro Nacional de Atingidos por Barragens (abril 1989), “definimos como atingidos todos/as aqueles/as que sofrem mudanças

em suas condições de vida, como consequência da implantação de usinas hidrelétricas, independentemente de que seja atingido/a direta ou indiretamente”. Hoje, além disso,

participam do MAB todos aqueles e aquelas que assumem a causa e a luta das populações atingidas. O princípio básico da organização consiste na participação direta e ativa de todos os atingidos /as que queiram unir-se na luta. Todas as famílias do MAB, em cada uma das regiões, estão organizadas em grupos de base, que é o que dá força e vida ao movimento. Além dos grupos, existem coordenações em nível local, estadual e nacional.

Fotos: Mira Rusin


Foto: Mira Rusin

Movimiento dos

ATINGIDOS POR BARRAGENS

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Foto: Mira Rusin


O MAB atua em duas frentes: · Luta contra as barragens e pelos direitos dos atingidos: De modo geral, hoje no Brasil, não existe uma legislação que assegure e estabeleça quais são os direitos dos atingidos por barragens, nem tampouco existe um órgão público encarregado de realizar as indenizações e executar o reassentamento dos atingidos, responsabilidades que acabam ficando nas mãos dos donos da obra e que se pautam em função do lucro. Deste modo, se pode afirmar que a construção de barragens é uma afronta ao direito à dignidade da pessoa humana, na medida em que, em seu conjunto, as violações dos direitos humanos que ocorrem com a implantação de barragens impossibilitam a reestruturação da vida individual e coletiva, com sérios impactos na identidade, autoestima e perspectivas de futuro dos atingidos.

· Luta pela soberania energética e por um novo modelo energético para o Brasil: Para o MAB, tão importante como discutir novas alternativas e formas de produção de energia, é discutir um novo modelo energético, que esteja sob controle e a serviço do povo brasileiro. Na atual organização do sistema elétrico nacional, a população é a última a ser beneficiada. Desde a privatização do setor elétrico, a energia vem sendo considerada uma mercadoria, a serviço do lucro das empresas, principalmente das empresas que consomem muita energia, como a indústria de celulose, as siderúrgicas e as metalúrgicas. Assim, o MAB luta para que a organização do sistema energético brasileiro – seja baseado na matriz hídrica, eólica ou na biomassa – não sirva mais para o lucro das empresas multinacionais, mas sim para o bem estar da população brasileira. A energia se tornou um insumo básico para a sociedade, mas é negada a parte da população que não tem acesso ou não pode pagar pelo serviço. Água e energia não são mercadorias!

Movimiento dos

ATINGIDOS POR BARRAGENS

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Jo達o Zinclar (1957-2013)

IN MEMORIAM




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