O Brasil e a energia no cenário mundial O Brasil é visto como um território de base natural bastante vantajosa. Além de contar com uma das maiores reservas de petróleo do mundo, também possui um dos maiores potenciais hidrelétricos, cerca de 260 GWh de potência e, junto com a América Latina, este potencial chega a 730 GWh. Ainda há muito para ser explorado, já que de todo o potencial brasileiro, apenas 35% foi utilizado. Temos no país 4.481 hidrelétricas em operação, totalizando pouco mais de 142 GWh de potência instalada. Como exemplo elucidativo, a tabela ao lado apresenta a relação das dez maiores usinas hidrelétricas brasileiras em potência instalada.
As dez maiores usinas hidrelétricas em potência instalada. Fonte: Banco de Informações de Geração (ANEEL, 2014).
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esde a década de 70, quando grandes hidrelétricas foram construídas, o Estado planejava e controlava o setor através de empresas estatais. Com a reestruturação do setor elétrico nos anos 90, houve profundas modificações com a transferência para a iniciativa privada de boa par te das instalações, sobretudo da distribuição e geração de energia elétrica. Aquilo que era estatal passa para grandes empresas a preço de banana. Atualmente, as principais empresas donas do setor elétrico são: transnacionais do ramo da energia (Tractebel - belga, Endesa – espanhola, Iberdrola - basca, e Duke e AES - estadunidenses), empresas da construção civil (Camargo Corrêa, Odebrecht, Queiroz Galvão - brasileiras), bancos (Santander – espanhol, e BBVA – basco, City Bank estadunidense, BNDES - brasileiro), empresas de equipamentos de energia (Siemens e Voith - alemãs, Andritz - austríaca, General Eletric - estadunidense), autoprodutores e mineradoras (Cia Brasileira do Alumínio, Votorantim, Cia Vale do Rio Doce e Gerdau brasileiras, Alumínios Maranhão e Alcoa - estadunidenses, Alumínios Canadá - canadense) e empresas estatais do grupo Eletrobrás (com as subsidiárias Eletrosul, Eletronorte, Furnas, CHESF e a própria Eletrobrás). As empresas estatais que restaram com o Estado tiverem que incorporar uma gestão empresarial em seus negócios e atualmente estão controladas pelos empresários e especuladores. A maior parte das “ações” da CEMIG, COPEL, CESP já esta controlada por empresas privadas e especuladores das “bolsas de valores”. A privatização do setor trouxe enormes malefícios ao povo brasileiro: a qualidade do serviço diminuiu, o preço da tarifa aumentou exponencialmente, os trabalhadores eletricitários e os atingidos por barragens perderam muitos direitos.
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ENERGIA PARA QUE E PARA QUEM?
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m momentos da chamada “crise econômica”, os grandes capitalistas do mundo se lançam em uma corrida para buscar a retomada de suas taxas de lucro. Nessa corrida, o objetivo é a apropriação dos territórios que naturalmente sejam mais férteis ou que possuem uma base natural vantajosa, que permite, com o trabalho dos trabalhadores e trabalhadoras, produzir mercadorias com o menor custo possível e assim ter acesso a lucros extraordinários. É o caso das áreas ricas em petróleo, água, solo fértil e minerais. O Brasil e a América Latina são vistos como regiões estratégicas e despertam a cobiça do capital internacional. Também agem sobre o Estado e governos para privatizar todas as empresas e serviços públicos, para transformar tudo em mercadoria e transferir toda a riqueza gerada para os países centrais. Outra estratégia é aumentar a taxa de exploração sobre os trabalhadores com a retirada dos direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora com aumento de jornada, redução de salários e terceirização, além de investir em inovações tecnológicas capazes de produzir mais mercadorias com a utilização da mão-de-obra de menos trabalhadores.
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o contexto de “crise econômica”, a questão energética torna-se central, pois a energia é um insumo essencial para aumentar a produtividade do trabalho, possibilitando o acúmulo de valor. A disputa e controle da energia é parte fundamental da estratégia do capital na superação de suas crises. Por ser um insumo essencial ao desenvolvimento das forças produtivas, a energia se torna uma mercadoria altamente cobiçada.
Quais são as propostas do capital financeiro para o setor elétrico no Brasil? a) Construir mais hidrelétricas A previsão é chegar ao ano 2024 com 207.000 MW de potência instalada, ou seja, um acréscimo de 68%. Dos 74.000 MW que serão construídos, cerca de 30.000 MW virão de fonte hídrica, 19.000MW de eólica, 11.400 MW de térmica, e os demais é solar e biomassa. A grande parte do potencial a ser explorada se encontra na Amazônia, pois até o momento, pouco mais de 8% do seu potencial foi explorado. Em hidrelétricas, o plano apresenta lista com 38 usinas, sendo que 22 deverão ser concluídas até 2.024 e outras 16 estão com estudos de viabilidade na ANEEL aguardando aprovação. A distribuição está concentrada, principalmente, no Pará, Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Uma das prioridades são as barragens previstas para o Rio Tapajós. Tratase de uma das regiões mais preservadas da Amazônia e que se apresenta como a “última fronteira” do avanço do capital sobre as bases naturais nacionais, com projetos de hidrelétricas, mineração, hidrovias e rodovias para o escoamento de grãos, entre outros. A cada leilão para a construção de novas hidrelétricas, realizado no setor, está se entregando parte do território nacional, da soberania, aos grandes grupos capitalistas internacionais que se apropriam com o objetivo de acumular mais capital. Isso é observado nos consórcios constituídos para a construção das obras. O papel do Estado nesse modelo é criar leis que garantam que estudos sejam feitos, programas sejam executados, garantindo assim todas as facilidades para as empresas se apropriarem dos territórios e recursos. Por outro lado, até hoje não existe nenhuma política que garanta os direitos mínimos dos atingidos por barragens. Os empresários e governo alegam que se garantir uma política de direitos adequada pode “afugentar os investidores”, “aumentar o número de atingidos” que devam ser reconhecidos e “criar direitos pode incentivar os atingidos a não trabalhar”. O fato é que, negando o direito, as empresas aumentam o lucro, nada mais.
b) Aprofundar a privatização do setor Está em curso a continuidade da privatização do setor, iniciada nos governos neoliberais dos anos 90. A concessão das usinas hidrelétricas de Tucuruí e Itaipu está vencendo nos próximos anos e tendem a ser entregues à iniciativa privada. As poucas distribuidoras que restaram sob controle estatal também estão na mira da privatização, como a Celg (Goiás) e a Ceron (Rondônia).
c) Enviar o lucro para fora do país Os lucros das empresas de energia são cada vez maiores e nada fica para o povo brasileiro. Entre 2013 e 2014, por exemplo, cerca de 15 grupos empresariais donos de usinas e distribuidoras tiveram um lucro líquido próximo a R$ 30 bilhões. A maior parte é remetida aos países de origem das empresas na forma de “remessas de lucros”. Priorizando a remessa de lucros para seus acionistas, as empresas tendem a ficar endividadas e deixam de investir em tecnologias para a melhoria da qualidade do serviço. Um exemplo é a distribuidora AES Tietê, que entre 2010 e 2014 teve um lucro líquido de R$ 3,85 bilhões, mas mandou para seus acionistas R$ 4,35 bilhões (R$ 500 milhões a mais que o lucro).
d) Aumentar a tarifa Com a reorganização do setor, as famílias passaram a pagar uma tarifa extremamente elevada, porque a energia elétrica de base hidráulica é vendida tendo como referência a produção à base da térmica, ou seja, como commodity, passando a seguir preços internacionais. Desde janeiro de 2014 até agosto de 2015 já foram quatro “reajustes” nas contas de luz dos brasileiros, causando aumentos totais de 70 a 100%.
E os trabalhadores/as brasileiros/as, como ficam? Neste modelo, os trabalhadores são totalmente excluídos de participar, discutir e definir a política energética brasileira. Essa exclusão é uma das causas pelo qual temos um modelo energético que privilegia o capital financeiro e penaliza o povo brasileiro. O debate sobre a política energética historicamente foi sempre privilégio dos setores empresariais, frações da intelectualidade e representantes governamentais que levaram o setor elétrico a bancarrota. Quem saiu perdendo? A sociedade em geral porque teve que pagar muito mais pela energia e teve queda na qualidade dos serviços; os trabalhadores da energia porque sofreram demissões em massa, precarização e terceirização do trabalho, perda de direitos, diminuição de salários e aumento da jornada; os atingidos que tiveram seus direitos diminuídos e por outro lado aumentado a criminalização; e por fim, também perdeu o Estado brasileiro porque abriu mão das empresas públicas mais eficientes e de parte dos recursos que podiam ser aplicados em políticas públicas. O problema central que enfrentamos, portanto, é sobre o atual modelo do setor elétrico que faz da energia seu principal negócio, sua principal mercadoria. Não é um debate técnico sobre qual fonte de energia é melhor, mas um debate profundo sobre quem se favorece com a política energética adotada em nosso país. Certamente, não é o povo brasileiro. Para nós, atingidos por barragens, parte da classe trabalhadora desse país, interessa transformar profundamente este modelo. Propomos um Projeto Energético Popular, no qual a soberania seja a base de sustentação para garantir um amplo debate com a participação de diversos setores da sociedade.