Jornal do MAB | Nº 29 | Fevereiro de 2017

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Nº 29 | Fevereiro de 2017

Foto: Isis Medeiros

A luta vencerá a lama! Atingidos se organizam em toda a bacia do Rio Doce, apesar da impunidade do crime da Samarco. Leia mais nas páginas 6 e 7

14 de março: lutar e organizar para os direitos conquistar

Rio de Janeiro recebe 8º Encontro Nacional dos Atingidos

Documentário das mulheres atingidas estreia em março

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Páginas 6 e 7

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EDITORIAL

Cem anos depois

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que imaginamos que a humanidade será em 2117? Há cem anos, um grande líder revolucionário chamado Lenin imaginava que em 2017 a maioria da humanidade viveria num sistema mundial justo. Em 1917, com o lema Terra, Pão e Paz, os revolucionários russos faziam a primeira Revolução Socialista e tomavam o poder do Estado Soviético. Qualquer pessoa que estude a história perceberá que o legado desta Revolução Socialista foi extremamente positivo para a Rússia e igualmente favorável para a luta dos trabalhadores em todo o mundo. Muitos direitos conquistados nas mais diversas partes do mundo desde 1917 certamente tiveram alguma referência na Revolução Russa. Hoje nem todos têm terra, basta olhar para os milhões de trabalhadores sem terra deste planeta. Hoje nem todos tem pão, prova viva são os bilhões de famintos do mundo, onde oito pessoas possuem mais riquezas do que metade da humanidade.

“É preciso sonhar, mas com a condição de crer em nosso sonho. De observar com atenção a vida real, de confrontar a observação com nosso sonho, de realizar escrupulosamente nossas fantasias. Sonhos, acredite neles”.

Hoje nem todos tem paz, o exemplo disso são os refugiados das guerras patrocinadas pelos Estados Unidos e pelos países ricos da Europa, os iraquianos assassinados com mentiras para os imperialistas se adornarem do petróleo e tantos outros povos vítimas da ganância. Ainda não foi neste século que o humanismo, a solidariedade e o bem comum triunfaram. Em 2017 queremos dizer que estes ideais de justiça, de igualdade e de paz continuam vivos em cada lutador e lutadora do mundo. EXPEDIENTE Jornal do MAB Uma publicação do Movimento dos Atingidos por Barragens Produção: Setor de Comunicação do MAB Foto de capa: Leandro Taques Projeto Gráfico: MDA Comunicação Integrada Tiragem: 12.000 exemplares

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Vladimir Ilitch Lenin Com os sonhos dos heróis revolucionários, passo a passo, com cada luta, vamos construir a sociedade desejada - onde será de cada um segundo o seu trabalho e para cada um segundo a sua necessidade. Resistir e construir uma pátria livre da ganância e do capital endeusado no mercado é a tarefa dos revolucionários de hoje. A humanidade merece nossa luta e nosso sacrifício.

VISITE O SITE DO MAB Em www.mabnacional.org.br é possível ler notícias sobre o Movimento, ver fotos e vídeos, ler artigos e ouvir músicas. Acompanhe as novidades e compartilhe com os companheiros e companheiras! Jornal do MAB | Fevereiro de 2017


14 de março: lutar e organizar para os direitos conquistar

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esse ano, no dia 14 de março, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) completa 26 anos de lutas e conquistas. Essa data se tornou histórica não apenas pelo nosso nascimento, mas por se tornar o “Dia Internacional de Luta Contra as Barragens”.

interessar aos capitalistas. A natureza se tornou um produto a ser explorado para gerar lucros. As populações atingidas foram percebendo que a luta pelos seus direitos só se concretiza ao ser feita com o questionamento à construção das barragens e ao modelo energético como um todo.

A data foi escolhida no nosso I Congresso dos Atingidos de todo o Brasil em 1991, no qual nos tornamos um movimento nacional, popular e autônomo. Nesse dia simbólico, atingidas e atingidos do Brasil e de diversos países saem as ruas para denunciar o atual modelo energético, que prioriza o interesse privado sobre o interesse público, cobrando altas taxas dos consumidores e perseguindo as populações atingidas que lutam por seus direitos.

Durante esses anos, denunciamos as obras criminosas, conquistamos reassentamentos e casas, água tratada, passamos a produzir alimentos saudáveis e ampliamos nossa visibilidade nacional e internacional. Mas ainda há muito a ser feito.

Água e energia têm se tornado mercadorias como tantas outras, possíveis de serem compradas e vendidas pelo preço que

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Ainda hoje não temos uma Política Nacional que garanta os nossos direitos, a riqueza gerada nas hidrelétricas e paga através dos Royalties não é reinvestida para a população afetada e o preço da luz continua um roubo. Como se não bastasse, estamos enfrentando um governo golpista que vem to-

mando medidas autoritárias e reduzindo os benefícios conquistados com muito suor e sangue pelos trabalhadores. Privatizando empresas públicas e entregando nosso patrimônio para os estrangeiros. Mas nada disso nos desanima, quem olha para a história sabe que somente a organização e a luta do povo é que faz valer. As mudanças são feitas por mulheres e homens que ousam enfrentar as tiranias e anunciar o novo. É o que faremos, com humildade, inteligência e rebeldia construiremos um Brasil soberano. Vamos às ruas no dia 14 de março! Leve toda a família, vizinhos. Sele o compromisso de classe e fortaleça as trincheiras da resistência popular, levante a bandeira frente ao inimigo e grite bem alto que “Água e Energia não são mercadorias, são do povo brasileiro”! Vamos à luta que o futuro nos pertence!.

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Reforma da Previdência vai retirar o direito à aposentadoria pública Proposta beneficiará bancos e obrigará homens e mulheres, do campo e da cidade, a trabalharem 49 anos para receberem benefício integral

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governo Temer (PMDB/PSDB) encaminhou ao Congresso Nacional a sua Proposta de Lei (PEC/287) para Reforma da Previdência Social do Brasil. As mudanças eliminam o direito à aposentadoria pública. Entre as propostas estão o aumento da idade mínima para 65 anos e tempo de serviço de 49 anos. É um acordo entre o Governo e o Capital Financeiro para privatizar a previdência e beneficiar os banqueiros, obrigando o povo a fazer um plano de previdência privada. O direito à previdência é fruto de longa luta do povo pelo direito à aposentadoria proteção às pessoas mais velhas -, ou pessoas que não possam mais trabalhar. É autofinanciável, possui um orçamento próprio oriundo de tributos próprios (alíquotas do INSS, Pis/Pasep, Cofins, Contribuição sobre o lucro). O Governo faz propaganda que a previdência se tornou insustentável. Não é verdade. O déficit é manipulado. O governo retira 30% do dinheiro para pagar juros aos banqueiros através da Desvinculação da Receita da União (DRU). Também há sonegação e isenções fiscais às empresas.

Como é atualmente Por Contribuição: Para se aposentar, os homens precisam de 35 anos de contribuição ao INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) e as mulheres, 30. E para trabalhadores/as em condições prejudiciais à saúde, este tempo é reduzido em 5 anos, caso dos professores da educação básica. 4

Fórmula 85/95: É uma segunda alternativa aprovada em 2015, uma nova regra. A fórmula junta o “tempo de contribuição” com a “idade”. Para homens, a soma deverá ser de 95 pontos, com tempo de contribuição de pelo menos 35 anos. Para as mulheres, deverá ser de 85 pontos, com contribuição de pelo menos 30 anos.

Por idade: Os homens podem conseguir a aposentadoria quando chegarem aos 65 e as mulheres aos 60 anos. Rurais e professores da educação básica é reduzido em 5 anos. Necessitam ainda comprovar no mínimo 180 contribuições ao INSS (15 anos). Agricultura: Para os trabalhadores/as do campo a idade de aposentadoria é antecipada em 5 anos e com distinção entre sexos, ou seja: homens tem direito com 60 anos e mulheres com 55 anos, desde que tenham pelo mínimo 15 anos de comprovação de atividade agrícola. O benefício é um salário mínimo. Também, em caso de viuvez, o homem ou a mulher podem receber um segundo benefício (pensão).

Aposentadoria por invalidez: Estabelece que terão direito a esse benefício o cônjuge, companheira ou companheiro, o filho, a pessoa a ele equiparada, ou o irmão.

As novas propostas 1. Idade mínima de 65 anos para todos e 25 de contribuição: Pre-

vê aumento para 65 anos de idade mínima para aposentadoria a todos trabalhadores de ambos os sexos do campo e da cidade, e todos terão que ter obrigatoriamente no mínimo 300 contribuições mensais ao INSS (equivalente a 25 anos), um aumento de 10 anos. O valor do benefício de aposentadoria será equivalente a 51% do salário de benefício (antes era 70%) - calculado pela média de todos salários de contribuição dos 25 anos (antes era sobre a média dos 80% maiores salários de contribuição) -, mais 1% por ano de contribuição. Portanto, ao se aposentar o valor do benefício será de 76% das médias de contribuições (51% mais 25% referente aos 25 anos de contribuição). Acabam com a aposentadoria por tempo de contribuição.

2. Necessidade de 49 anos para aposentadoria integral: Para al-

cançar a aposentadoria integral, 100% da média (51% mais 49%), terão que trabalhar mais 24 anos (1 ponto percentual por ano). Consideram que a pessoa vai trabalhar dos 16 aos 65 anos ininterruptamente, sem nunca ter ficado desempregado, na informalidade ou contratado sem carteira.

3. Fim da Seguridade Especial na Agricultura: Todos os trabalhadores

do campo, homens e mulheres, terão que atingir a idade mínima de 65 anos, Jornal do MAB | Fevereiro de 2017


acabando com a idade antecipada de 5 anos e a distinção de sexo, também de 5 anos. Introduz a obrigatoriedade de contribuição em caráter individual a ser feito a cada membro da família com pagamento mensal por 25 anos, alíquota a ser definida em lei.

4. Aposentadoria por viuvez/pensões: Reduz

o valor, desvincula do salário e proíbe acúmulo de benefícios, a pessoa terá que optar por um dos benefícios – aposentadoria ou pensão.

5. Aposentadoria por invalidez, aposentadorias especiais e auxílios: Reduz o va-

Os objetivos da Reforma 1. A reforma é para tirar dinheiro da Previdência pública e Assistência, diminuir o que vai ao povo e fazer sobrar mais aos banqueiros para pagar juros. Quem participou da elaboração da proposta de reforma foram os próprios bancos como: Bradesco, Santander, JP Morgan, fundos privados de previdência, etc. 2. Fazer o povo trabalhar mais e ganhar menos. Além de diminuir o valor do benefício, o povo terá que trabalhar e contribuir no mínimo 10 anos a mais.

6. Ficam de fora da reforma os militares que

3. O plano é privatização do sistema de Previdência Pública e Assistência social. Além de transferir este dinheiro público ao domínio dos bancos, eles querem obrigar as pessoas a fazerem um “plano privado” de previdência em algum banco privado. Por isso, farão de tudo para dificultar o acesso à aposentadoria para forçar esta migração.

7. Transição: As novas regras serão aplicadas para

4. O povo terá que pagar mais e por mais tempo. Muitos passarão a pagar planos privados e no caso da agricultura passarão a pagar taxas mensalmente.

lor pago do benefício, eleva a idade e o tempo de contribuição e desvincula o benefício do salário mínimo.

possuem um sistema diferenciado, com benefícios e privilégios, causando grandes prejuízos. todos homens e mulheres com até 50 e 45 anos, respectivamente. Para quem tiver mais, entrará na faixa de transição, que trabalharão 50% a mais do tempo normal. Jornal do MAB | Fevereiro de 2017

5. A juventude trabalhadora, as mulheres, professores da educação básica e os trabalhadores/as rurais serão os mais prejudicados. Porém a reforma atinge toda classe trabalhadora. 5


MAB realiza 8º Encontro Nacional no Rio de Janeiro Foto: Joka Madruga

Entre os dias 1 e 5 de outubro, aproximadamente 4 mil atingidos e atingidas de todas regiões do Brasil se reunirão na capital carioca para celebrar e apontar os próximos passos do movimento

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urante os dias 1 a 5 de outubro de 2017, no aniversário de cem anos da Revolução Russa, o Rio de Janeiro receberá o 8º Encontro Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens. Com o lema “Água e energia com soberania, distribuição da riqueza e controle popular”, o evento reunirá cerca de 4 mil atingidos de todas as regiões do Brasil.

Desde o último Encontro Nacional do MAB, que ocorreu em Cotia (SP) em setembro de 2013 e reuniu aproximadamente 3 mil pessoas, o movimento expandiu sua área de atuação – de 17 para 19 estados -, conquistou diversas vitórias, mas também passou a enfrentar novos desafios. Como diria o líder revolucionário soviético Vladimir Ilitch Lenin, “há décadas em que nada acontece e há semanas em que décadas acontecem”. Nesse período de 4 anos que separa o último grande encontro dos atingidos por barragens, o Brasil sofreu um golpe e setores da burguesia iniciaram uma grande ofensiva sobre a classe trabalhadora. Para a integrante da coordenação do MAB, Alexania Rossato, o atual momento político brasileiro e latino-americano é grave e necessita do fortalecimento e união da esquerda nacional. “Apesar de crescimento do nosso movimento, o campo popular e a 6

democracia brasileira sofreu um duro golpe. Vivemos um momento de grandes retrocessos e apenas com muita união e força do povo conseguiremos reagir”, analisa.

Objetivos Os três principais objetivos desse 8º Encontro são: 1) consolidar a união entre campo e cidade, com o estreitamento da relação entre atingidos por barragens e trabalhadores do setor elétrico; 2) reafirmar a necessidade da criação de um modelo energético popular para o Brasil; 3) realizar uma grande pressão popular pela aprovação da Política de Direitos para as Populações Atingidas por Barragens (PNAB). Além disso, o Encontro pretende reunir os atingidos por barragens de todo Brasil para celebrar a vida, partilhar vitórias, ampliar as conquistas, trocar experiências, consolidar nossa força própria e organização, discutir temas que afetam a vida cotidiana, planejar e decidir as futuras lutas.

Outro ponto importante é fortalecer a unidade, alianças e a presença das organizações aliadas nacionais e internacionais, do campo e da cidade. Também será um tópico central a denúncia do atual modelo energético, as violações de direitos, os crimes sociais e ambientais das empresas e toda exploração praticada sobre as populações atingidas e o povo brasileiro. Além disso, o Encontro servirá como oportunidade para a realização de uma avaliação crítica sobre o legado histórico que a revolução Russa - que em 2017 completa 100 anos - trouxe para a humanidade. A partir dessa experiência histórica, o MAB pretende debater conjuntamente os desafios para a construção de uma nova sociedade, que seja capaz de transformar pela raiz todas as estruturas injustas e construir um futuro melhor para todos e todas, onde o trabalho e a natureza sejam respeitados e cuidados para se atingir um alto grau de desenvolvimento humano com a adequada sustentabilidade ambiental. Jornal do MAB | Fevereiro de 2017


Foto: Mídia Ninja

Foto: Joka Madruga

Realizar um encontro nacional de atingidos por barragens é sempre um motivo de alegria, responsabilidade e de grande importância. É o momento em que toda militância, jovens, mulheres, homens, crianças, amigos e aliados reúnem-se nacionalmente e são chamados a refletir e tomar decisões importantes sobre a vida e futuro da luta e organização dos atingidos. Pelo seu método e processo organizativo, o MAB organiza o encontro nacional a cada quatro anos como uma forma de avaliar e decidir as linhas de ação para os anos futuros.

Local e data A escolha da cidade do Rio de Janeiro como local para sediar o 8º Encontro Nacional do MAB foi definida devido a grande importância geopolítica e potencialidade energética da cidade. Dentro do seu

perímetro está grande parte do pré-sal, uma das maiores reservas de petróleo do mundo, a Petrobrás, um dos maiores e mais importantes patrimônios do povo brasileiro, e a Eletrobrás, estatal de energia elétrica. Atualmente, toda esta riqueza e patrimônio do povo estão sendo privatizados e entregues às empresas internacionais. Para o MAB, é dever do povo brasileiro lutar para que tudo isso esteja a serviço dos trabalhadores e trabalhadoras. É um local que simboliza a luta na energia por soberania, distribuição da riqueza e controle popular.

Representação do Encontro

homens, mulheres, jovens e crianças, de toda militância e lideranças que coordenam os grupos de base, a organização e a luta dos atingidos, pertencentes de todos estados brasileiros. Garantir a participação e solidariedade das organizações aliadas, parceiros, lideranças políticas, entidades e lideranças religiosas e amigos do MAB das diversas partes do Brasil e do mundo, como as organizações da Plataforma Operária e Camponesa de Energia, Via Campesina, Frente Brasil Popular, Movimento de Afetados por Represas (MAR) e entidades internacionais.

O movimento deve garantir a presença de atingidos por barragens, com a participação plena de

Foto: Joka Madruga

Importância do Encontro

Todos lutadores e lutadoras no Brasil e no mundo, sintam-se convidados e acolhidos desde já! Plantar a semente da resistência e da Esperança Rumo ao 8º Encontro Nacional Jornal do MAB | Fevereiro de 2017

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Atingidos seguem na resistência, apesar Foto: Greenpeace

Marcha 1 ano de lama e luta foi um grito contra a impunidade do crime cometido pela Samarco na bacia do Rio Doce

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reze meses se passaram do rompimento da barragem de Fundão e o número de atingidos ultrapassam mais de 1 milhão e meio, desde Mariana (MG) até Regência (ES). Os danos materiais, ambientais e à vida humana das populações que dependiam do Rio Doce seguem com valor incalculável. Samarco, Vale e BHP Billiton, mineradoras responsáveis pelo maior crime ambiental e social do mundo, permanecem impunes. Produtores rurais, ribeirinhos, pescadores, garimpeiros, comerciantes, multidões que moram em cidades que se viram sem água de qualidade para viver: todos atingidos pela ganância das maiores mineradores do mundo.

Foto: Leandro Taques

“Sabemos que não foi acidente. Foi um crime. Todas as investigações apontam que as empresas sabiam do risco. Tanto que a Vale e a Samarco fraudaram documentos, apresentaram relatórios falsos, burlaram leis

de licenciamento e fiscalização ambiental, tudo para garantir o lucro em tempo de crise”, lembra Letícia Oliveira, integrante da coordenação do MAB em Minas Gerais. O rompimento da barragem de Fundão comprova que o modelo de desenvolvimento baseado no lucro e na privatização deixa o povo fadado ao descaso e ao retrocesso. São inúmeras as heranças deixadas pela lama: perda de vidas, devastação de comunidades, morte de onze toneladas de peixes no Rio Doce, destruição de pastagem e lavouras, paralização do abasteci-

mento de água, além dos prejuízos graves à saúde da população atingida. Para reparar os danos socioambientais foi celebrado um (des)acordo entre União, os governos de Minas Gerais e Espírito Santo, Samarco, Vale e BHP Billiton, sem a participação dos atingidos. Para o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) o acordo está incompleto, não contempla de forma integral as reparações e viola o direito de participação dos povos, uma vez que foi construído sem consultar a população. A criação da Fundação Renova, que é parte das medidas do acordo, é um instrumento que a mineradora utiliza para abdicar de qualquer negociação e diálogo com os atingidos e, de certa forma, responsabilidade pelo crime. Existe uma inversão de valores, a Samarco ao invés de ser julgada pelo crime socioambiental cometido, está sendo promovida como empresa cidadã na resolução de conflitos. Os atingidos exigem que o Estado brasileiro e as empresas responsáveis pelo crime paguem a dívida social e ambiental com a sociedade. E que façam a reparação de todas as perdas, colocando todo o seu aparato a favor das famílias atingidas que fazem a justa luta por seus direitos.

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1 Ano de Lama e Luta O Movimento dos Atingidos por Barragens realizou em 2016 várias atividades para denunciar o crime cometido no dia 5 de novembro de 2015. Os atingidos paralisaram obras, fecharam linhas de trens e manifestaram toda sua indignação e revolta contra impunidade e descaso das mineradoras criminosas. A união e organização dos atingidos em luta se consolidaram na jornada de lutas, que teve uma grande marcha saindo de Regência à Mariana, do dia 31 de outubro a 2 de novembro, e o Encontro dos Atingidos por Barragens em Mariana, de 3 a 5 de novembro.

alérgicas e estomacais, além das famílias com medo de beber a água contaminada pelos metais pesados presentes na lama. Mesmo diante de tanto sofrimento e dor, ao longo de toda a Bacia do rio Doce, a marcha percebeu a existência de um povo forte, trabalhador e lutador, que sofre, mas que tem esperança, que quer a justiça, quer seus direitos, e para isto está disposto a se organizar e lutar. Em Mariana, durante os dias 3 e 4 de novembro, foi feito um amplo debate com a sociedade brasileira e internacional sobre as verdadeiras causas do crime, a situação de tratamento aos atingidos, ouvindo representantes do Ministério Público, parlamen-

tares, procuradoria federal e especialistas em direitos humanos. No dia 5 de novembro, data que marca o primeiro ano do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, aproximadamente mil atingidos e apoiadores marcharam pelas ruas de Bento Rodrigues, distrito de Mariana (MG), em memória das vítimas, pela reparação dos danos causados à população e pela punição dos responsáveis pelo crime.

Foto: Leandro Taques

Foi com muito esforço e dedicação que entre os dias 31 de outubro e 2 de novembro, cerca de 300 pessoas percorreram toda a extensão do rio Doce, desde a sua foz, em Regência (ES), até o local do desastre, em Mariana (MG). Durante o percurso, foi testemunhado o sofrimento e angústia das pessoas atingidas. Milhares de pessoas sofrendo com surto de doenças respiratórias,

Foto: Leandro Taques

da impunidade da Samarco (Vale/BHP)

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A luta continua no Baixo Iguaçu Prevista para ser inaugurada este ano, hidrelétrica continua negando direitos dos atingidos no Sudoeste do Paraná

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á mais de 15 anos os moradores da região Sudoeste e Oeste do Paraná já ouviam falar da construção de uma 6ª Usina Hidrelétrica (UHE) no grande Rio Iguaçu. Muitos agricultores até contribuíram na construção das outras cinco hidrelétricas, e tinham boas expectativas para a última UHE a ser construída neste rio. No entanto, o que parecia ser um “mar de rosas”, desencadeou um processo de angústia e incertezas para as famílias que residem nos municípios em que a Usina Hidrelétrica do Baixo Iguaçu começou a ser construída.

São aproximadamente 1025 famílias que serão atingidas diretamente pelo empreendimento. No entanto, mesmo que a UHE do Baixo Iguaçu afirme que apenas os municípios de Capanema, Capitão Leônidas Marques, Planalto, Realeza e Nova Prata do Iguaçu serão atingidos, os impactos também afetarão de forma geral toda a região Sudoeste do estado. Os royalties anuais para cada município atingido será menor que R$ 65 mil/mês, enquanto a perda de arrecadação envolvendo a agricultura, pecuária, comércio e demais atividades já desenvolvidas na região será superior a 15 milhões ao ano. A hidrelétrica, quando concluída, terá uma capacidade de gerar até 350 MW de energia elétrica em lucro aproximado de 200 milhões de reais ao ano, sendo o maior beneficiário deste montante a empresa Neoenergia, que é constituída pelo Fundo de Previdência do Banco do Brasil, Banco do Brasil e a multinacional espanhola Iberdrola, uma das cinco maiores companhias elétricas do mundo, com presença em 40 países. A Companhia Paranaense de Energia (Copel) também é dona de 30% do empreendimento, portanto possui responsabilidades perante a situação dos atingidos.

Na pauta dos atingidos consta, dentre outros pontos, a necessidade de aquisição imediata de áreas para reassentamento, reajuste no caderno de preços, realização do cadastro físico, plano Urbanístico da comunidade de Marmelândia, discussão sobre Plano de Recuperação e Desenvolvimento das Comunidades e Municípios atingidos pela UHE e, de forma geral, que haja o cumprimento das atas já acordadas entre as partes, assegurando o direito de negociação amigável, sem judicialização e arquivamento definitivo dos processos e interditos movidos pelo Consórcio contra os atingidos. Segundo uma liderança dos atingidos, que preferiu não se identificar, a situação é desesperadora. “Pessoas que vivem há 50 anos na região sofrem com mentiras, descaso e falta de compromisso do consórcio, da Copel e do governo do estado em buscar uma solução definitiva”, afirma. Historicamente, o que garantiu determinados avanços na garantia de direitos às populações atingidas por barragens foi a organização e luta dos atingidos/as. Nesse sentido, as famílias atingidas pela UHE Baixo Iguaçu continuarão lutando e exigindo dos responsáveis que alcancem uma condição de vida igual ou melhor em que se encontravam antes da construção da hidrelétrica.

Foto: Joka Madruga

Em 2017, está previsto a finalização da obra. Todavia, este ano também completará quatro anos de um processo intenso de lutas, mobilizações, ocupações e negociações. São mais de quarenta reuniões em que o governo do Estado do Paraná, por meio da Assessoria Especial de Assuntos Fundiários e da Casa Civil, tem acompanhado o processo envolvendo as famílias

atingidas. Apesar disso, nada foi garantido ou assegurado aos atingidos.

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Seca no Nordeste, um problema de desigualdade Chuvas escassas é uma realidade natural do semiárido, mas especialistas apontam que falta de água para determinados setores da população é causado por modelo que privilegia as elites

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eca, pobreza, miséria e fome são palavras constantemente ligadas ao Nordeste brasileiro. Mas de onde vem essa fama? Conforme explica José Josivaldo Alves de Oliveira, cearense e militante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a situação não é bem essa. A história do Nordeste é marcada por injustiças e contradições que têm punido os trabalhadores e beneficiado as elites do país. “É muito perceptível que a seca produz uma contradição permanente. São negados acesso à água, terra e produção, e por outro lado as grandes obras e investimentos beneficiam apenas as grandes elites”, afirma. Com a maior concentração de estados do Brasil, o Nordeste tem 25% de seu território constituído pelo semiárido, bioma naturalmente quente e seco. Devido à escassez de chuvas e baixa retenção dos solos, os rios em sua maioria são temporários. Mesmo com características que parecem tornar a vida tão difícil, o semiárido nordestino está completamente povoado, com cerca de 25 milhões de habitantes entre os 55 milhões do Nordeste como um todo. De acordo com Josivaldo, esse dado aponta que não há nada incomum na região para a vida humana, é preciso apenas saber Jornal do MAB | Fevereiro de 2017

conviver com ela. No entanto, o modelo de desenvolvimento adotado na região é desigual desde a colonização.

de tecnologia”, onde a produção irrigada é responsável por grande parte da exportação de frutas do país.

Terra e água pra quem?

Para se ter uma ideia da riqueza produzida pelas águas no semiárido nordestino, em 2015 o Vale do São Francisco foi responsável por 99% de toda exportação nacional de uva, o que gerou cerca de 72 milhões de dólares.

Para o militante, o Nordeste não se desenvolveu fazendo a distribuição da terra de acordo com a distribuição de água, criando uma contradição histórica. Segundo a Fundação Joaquim Nabuco, existem mais 80 mil açudes de grande, médio e pequeno porte no Nordeste, com capacidade total de acumulação de 37 bilhões de m³ de água. Estes reservatórios, no entanto, não estão nas mãos dos trabalhadores, que acabam por depender de carros-pipa e outras formas de acesso à água para o consumo familiar de sua produção. “O acúmulo da água desde os tempos da Coroa não foi em função do povo trabalhador e sim em função da economia agropecuária, que depois cria a cultura da produção irrigada”, explica Josivaldo.

Tecnologia pra quem? Outra contradição que se une à distribuição desigual de terras é a falta de acesso a tecnologias de captação e acúmulo de água, que é voltada apenas para o setor agropecuário. No semiárido brasileiro, em especial na região do Vale do São Francisco, estão localizadas as chamadas “ilhas

E a seca, pra quem? Alexandre Henrique Bezerra Pires é membro da Coordenação Executiva da ASA Brasil - Articulação do Semiárido Brasileiro, entidade que reúne organizações de trabalhadores da região. Ele afirma que o Nordeste passa por uma grande estiagem que já completa seis anos. No entanto, o modelo de desenvolvimento na região é tão desigual que não houve qualquer alteração no uso da água pelas grandes empresas. “As empresas de fruticultura irrigada no Vale do São Francisco usam a água de forma indiscriminada. Esse modelo reforça a lógica da dependência dos mais marginalizados, gera ganho apenas para a elite do poder econômico e político”, analisa. Prova disso é que no ano de 2016, apesar da seca, a exportação de frutas no Vale aumentou em quase 121%, comparando com o mesmo período de 2015. 11


AMAZÔNIA

Tapajós: vencemos uma batalha, mas a guerra está só começando

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Megaprojeto de extração de ouro ameaça atingidos por Belo Monte Mal começou a operação da hidrelétrica de Belo Monte e outro monstro já ameaça a região da Volta Grande do Xingu: o megaprojeto de extração de ouro da empresa canadense Belo Sun Mining. A empresa quer retirar 108 toneladas do minério e lucrar R$ 3,3 bilhões em 17 anos, no maior projeto de extração de ouro a céu aberto do Brasil. A obra impactará a Volta Grande do Xingu, 100 km de rio do qual até 80% da água foi desviada para alimentar as turbinas da hidrelétrica de Belo Monte. A usina já deixa um passivo imenso para os povos da região: a navegação está prejudicada, a temperatura da água interfere na pesca do peixe ornamental, as águas estão poluídas devido à barragem e a infestação de mosquitos à beira do rio é grande. Mesmo nesse cenário de “incerteza”, a Belo Sun quer se instalar. A empresa ainda não obteve a licença de instalação, mas já comete irregularidades: proibiu os garimpeiros tradicionais, presentes na região há mais de 40 anos, de exercer sua atividade, e, segundo denúncias do próprio Incra, está comprando terras destinadas à reforma agrária no local. A Belo Sun também não considerou em seu estudo o impacto sobre os povos indígenas vizinhos à obra, das etnias Arara e Juruna. Os números da obra são assustadores. As pilhas de estéril (rocha removida) se-

rão do tamanho do Pão de Açúcar no Rio de Janeiro. A barragem de rejeitos terá 92 milhões de m³ de capacidade, uma vez e meia o volume despejado pela barragem da Samarco (Vale-BHP Billiton) no assassinato do Rio Doce. Nela, serão despejadas 37 mil toneladas de cianeto – material tóxico. Além disso, a mesma empresa (VOGBr) e o mesmo engenheiro (Samuel Loures) que atestaram a viabilidade da barragem de Fundão em Mariana fizeram o estudo geotécnico da barragem da Belo Sun. “A luta deve se intensificar, pois tudo indica que a secretaria de meio ambiente do Pará deve conceder a licença de instalação à Belo Sun ainda neste semestre, com a desculpa da necessidade da criação de empregos na região, que sofre com a crise econômica e a ‘ressaca’ de Belo Monte”, afirma Jackson Dias, do MAB.

Foto: Rogério Soares

pós um processo de lutas dos indígenas e ribeirinhos com apoio de diversas organizações, o licenciamento da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós foi cancelado pelo Ibama. A hidrelétrica era a maior prevista para ser construída no rio Tapajós (PA), com 8.040 MW de potência. Entretanto, as empresas do setor energético não desistiram do projeto. O presidente da Eletrobrás afirmou que São Luiz continua nos planos da estatal para depois de 2022. É o prazo para o capital recuperar seu poder de investimento e garantir no Congresso o desmonte do processo de licenciamento ambiental. Além disso, o projeto das demais hidrelétricas previstas para o rio segue: Jatobá, com 2338 MW, deve ter seus estudos finalizados até o fim de 2018. A região do Tapajós é uma das mais preservadas da Amazônia brasileira e abriga um dos corredores de floresta com maior biodiversidade do mundo, além de povos tradicionais, como os indígenas Munduruku e Apiaká. No entanto, o setor do agronegócio cobiça a região, vista como um corredor para o escoamento da soja do Mato Grosso, garantindo o acesso aos mercados europeu e asiático de maneira mais barata. Estão previstos para a região os projetos da hidrovia do Teles Pires – Tapajós, que exigirá alterações no curso do rio, e o Ferrogrão, ferrovia que ligará Lucas do Rio Verde (MT) ao porto de Miritituba (Itaituba, PA). Para a viabilização deste último empreendimento, o governo golpista diminuiu a Floresta Nacional do Jamanxim em 304,8 mil hectares.

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Jornal dodo MAB Fevereiro de2016 2017 Jornal MAB| | Julho de


Nicinha: presente!

A

militante do MAB Nilce de Souza Magalhães desapareceu no dia 7 de janeiro, em Porto Velho (RO), e seu corpo foi encontrado cinco meses depois, no dia 21 de junho, há apenas 400 metros de sua antiga moradia, no acampamento de pescadores localizado no rio Mutum. A ossada estava com as mãos e pernas amarradas em uma pedra no fundo do lago da UHE Jirau. Segundo o laudo do Instituto Médico Legal, “a presença de fragmentos metálicos (chumbo), no interior da cavidade craniana, aponta para a causa mortis por traumatismo crânio cefálico provocado por agente perfuro contundente”. Nicinha era militante do MAB e defensora dos direitos humanos, denunciava as violações e os impactos ambientais decorrentes da construção da Usina Hidrelétrica de Jirau (ESBR) no rio Madeira. Entre as muitas denúncias, as reivindicações em torno da execução do Programa de Apoio às Atividades Pesqueiras gerou uma ação civil pública impetrada pelo Ministério Público Federal que tramita na 5ª Vara da Justiça Federal em Rondônia. Um segundo inquérito policial segue vigente para apuração de demais envolvidos e motivações para o crime. O processo criminal do assassinato de Nicinha tem como réus Edione Pessoa da Silva, acusado de homicídio qualificado, Leonardo Batista da Silva e Oziel Pessoa Figueiredo, ambos acusados de subtração e ocultação de cadáver. A juíza Karley Regina Ferreira de Arruda Alcantra, que cancelou a audiência marcada para o dia 7 de dezembro de 2016 por ainda não ter o exame de DNA, designou o dia 23 de março de 2017, às 8h30min, para a sessão de instrução e julgamento do caso. Jornal do MAB | Fevereiro de 2017

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) presta suas sinceras homenagens a essa guerreira, que não titubeou até o fim da sua vida em lutar pelo que acreditava ser uma sociedade mais justa. Nicinha: presente, presente, presente!

Linha do tempo 1 Ano sem Nicinha 7 de Janeiro – Nicinha é assassinada.

No primeiro momento é dada como desaparecida, sua família e o MAB passam a procurá-la. 15 de janeiro – Leonardo (acusado de ocultação de cadáver) confessa que Nicinha foi assassinada por Edione durante suas buscas. No mesmo dia a polícia prende Edione em Jacy-Paraná. 27 de janeiro – Três semanas depois de seu assassinato, o MAB tranca a Br 364 e em seguida vai à sede da SESDEC (Secretaria de Segurança) pressionar o governo do estado a continuar as buscas por seu corpo. 11 de Abril – Edione foge do presídio Pandinha em circunstâncias não esclarecidas e é dado como foragido. 1 de Maio – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos solta uma nota condenando o assassinato de Nicinha e de outros defensores de direitos humanos no Brasil. 21 de Junho – O Corpo de Nicinha é encontrado, a cerca de 400 metros do

acampamento onde fora assassinada, amarrado a uma pedra no fundo do lago da hidrelétrica de Jirau.

24 de junho – Sua filha Divanilce reco-

nhece o corpo, porém para a liberação acontecer um exame de DNA precisa ser feito; o material é encaminhado à Manaus (AM) para realização do exame.

14 de julho – Ocorre a 1ª Audiência de

Instrução do caso, ainda sem o resultado do exame de DNA e com o acusado de assassiná-la foragido.

5 de setembro - O Juiz de Direi-

to Enio Salvador Vaz encaminhou os acusados pelo assassinato de Nicinha para júri popular.

13 de setembro – Edione, após ser preso em Capixaba (AC), é conduzido de volta à Rondônia.

7 de dezembro – Julgamento dos acu-

sados é cancelado, até que seja apresentado o resultado do exame de DNA.

13 de Dezembro - A Polícia Técni-

co-Científica (Politec) de Rondônia anunciou o resultado do exame de DNA que confirma o assassinato de Nilce de Souza Magalhães.

21 de dezembro – Acontece um dia

de despedida de Nicinha, seguido de homenagens e de seu enterro. 13


O desmonte da Petrobrás Governo Temer retoma política neoliberal da década de 1990 e fortalece presença de petroleiras internacionais no país

M

ichel Temer teve reuniões privadas na embaixada dos Estados Unidos e forneceu informações políticas às quais muitos não tinham acesso. Não digo que ele tenha sido um espião pago. Falo de outra coisa: de trocar informação por apoio político, afirmou Julian Assange em entrevista ao escritor e jornalista Fernando Moraes.

O fundador do WikiLeaks, organização dedicada a divulgar vazamentos de documentos e informações de governos e empresas, não especificou quais foram as informações trocadas entre o presidente golpista e o governo norte-americano. Entretanto, não resta dúvida que a Petrobrás, alvo da Lava Jato e estopim da crise política, encontra-se entre os itens do acordo. Durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, houve um grande recuo no processo de privatização da cadeia de petróleo nacional, iniciada com as concessões da década de 1990, e um fortalecimento da Petrobrás. Em 2006, o Brasil definitivamente entrou no time dos países com maiores reservas de petróleo do mundo. A descoberta da camada do Pré-sal, que contém um volume estimado em 176 bilhões de barris de petróleo, incentivou o governo petista a criar a Lei da Partilha. Este marco jurídico definiu a estatal como operadora única do Pré-sal, com participação mínima de 30% na exploração do petróleo. Além disso, foi criado o Fundo Social, que deverá usar parte dos recursos oriundos do Pré-sal para investimentos em educação, saúde, tecnologia e combate à miséria. Até 2015, este fundo já contava com 8 bilhões de reais. 14

Entre os anos de 2011 e 2015, houve um aumento no volume de vendas de produtos e serviços da Petrobrás da ordem de 102 bilhões de reais – de 379 bilhões para 479 bilhões de reais, respectivamente. Essa porcentagem de 33% foi maior do que todos os índices econômicos verificados no país e equivale ao crescimento médio da China neste período. Todavia, com o impeachment em março de 2015, a política da estatal sofreu uma reviravolta. A nomeação de Pedro Parente, ex-ministro do governo de Fernando Henrique Cardoso, para a presidência da estatal foi o início do retorno à lógica neoliberal e da transferência de recursos para as petroleiras multinacionais. Esse movimento pode ser verificado nos números absolutos da produção de petróleo no país. Entre 2015 e 2016, de acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP), a produção dominada pelas petroleiras privadas estrangeiras cresceu de 16,5% para 18,4%, em relação à produção total, e atingiu 457 mil barris diários. Neste ano, a previsão é que a parcela de participação das petroleiras estrangeiras aumente aproximadamente 90%, atingindo uma média de 870 mil barris diários. Por outro lado, a Petrobrás se encontra estagnada e prevê um aumento de apenas 2%, atingindo a média de 2,07 milhões de barris por dia.

Enfraquecimento da Petrobrás No dia 5 de novembro de 2016, a base do governo golpista de Michel Temer conseguiu aprovar o fim da obrigatoriedade da Petrobrás ser sócia e operadora única do Pré-sal, o que significa a autorização para a ampliação da participação estrangeira e privada na exploração do petróleo brasileiro. Além disso, a Petrobrás anunciou a venda de diversas unidades, incluindo a Companhia Petroquímica de Pernambuco (PetroquímicaSuape) e a Companhia Integrada Têxtil de Pernambuco (Citepe). As empresas foram adquiridas em dezembro pela mexicana Alpek pelo valor de R$ 1,26 bilhão.

Cereja do bolo “Serão a cereja do bolo dessa rodada”, disse Márcio Félix, secretário de Petróleo, Gás e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME) sobre os dez campos na Bacia de Campos que foram incluídos no leilão da 14º rodada de campos de petróleo, previsto para setembro. A previsão do governo é arrecadar aproximadamente R$ 4,9 bilhões com a venda dos campos de petróleo para petroleiros, em sua grande maioria estrangeiras. Jornal do MAB | Fevereiro de 2017


Aí vem mais um aumento na conta de luz elétrica e que fizerem investimentos antes dos anos 2000. Em 2012 as empresas renovaram por mais 30 anos a concessão de transmissão e receberiam R$ 30 bilhões pela amortização dos investimentos. Todavia, agora a ANEEL refez os cálculos e está dizendo que o total a ser pago deve ser de R$ 65 bilhões para as empresas. Esse montante será cobrado na conta de cada consumidor aumentando em média 5% a tarifa.

No próximo período sentiremos mais aumentos na conta de energia elétrica em virtude da ganância dos especuladores financeiros que controlam o setor elétrico no nosso país

Acrescentando a este calculo teremos também o reajuste anual que deve ser de 7,5% pelas distribuidoras. Ou seja, no próximo ano teremos um aumento médio de 12,05% na conta de energia. Para darmos um exemplo, uma residência de quatro pessoas, com consumo de 160 kwh, aumentará sua conta de R$ 150,00 para R$ 162,50.

A

pontamos pelo menos dois aumentos. O primeiro está relacionado ao aumento do “preço teto” nos leilões. As empresas do setor buscam aumentar o valor dos megawatts (MWh) nos leilões de energia para obter mais lucros. No Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico (ENASE), que aconteceu no final do mês de maio de 2016, esse foi um ponto sugerido para o novo ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Filho. Isso significa que os leilões das próximas usinas terão valor mais elevado e que nós consumidores pagaremos por isso. Para termos um exemplo, a usina de Belo Monte em 2010, quando foi leiloada teve seu valor estabelecido em R$ 78,00 MW/h. Em setembro de 2016, no leilão para pequenas usinas hidrelétricas (PCHs) o valor estipulado foi de R$ 230,00 MW/h e ainda estava muito abaixo do esperado pelos capitalistas do setor. O segundo aumento denominado “aumento extraordinário” já está com data marcada, 1º de julho de 2017, se refere ao pagamento de indenização para as empresas que atuam no ramo da transmissão de energia Jornal do MAB | Fevereiro de 2017

O capital especulativo rentista faturará em cima de cada trabalhador, em especial, sobre as mulheres que cuidam da economia da casa. É o equivalente ao valor de um pacote de arroz de 5 kg por família que vai para o bolso dos capitalistas.

A privatização do setor elétrico continuará

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o segundo semestre de 2016, tivemos a venda da distribuidora Celg no estado do Goiás para um grupo italiano, Anel. Mas a entrega do patrimônio público não para por aí. Além dessa distribuidora de energia, estão no pacote a privatização de outras seis distribuidoras na região norte e nordeste: Cepisa (Piauí), Ceal (Alagoas), Eletroacre (Acre), Ceron (Rondônia), Boa Vista Energia (Roraima) e Amazonas Energia (Amazonas). O atual ministro de Minas e Energia afirmou agora no início de janeiro que a venda das distribuidoras da Eletrobrás continua a todo vapor e que as privatizações têm que ser feitas até o fim do ano. Resultado: nesses estados haverá mais aumento nas contas de energia elétrica. 15


Documentário “Arpilleras - Bordando a Resistência” estreia em março O filme contará a história de luta de mulheres atingidas que denunciam, por meio do bordado, as violações de direitos humanos sofridas na construção de barragens no Brasil

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entre as centenas de milhares de pessoas que já foram atingidas por barragens no Brasil, as mulheres são as que têm seus direitos mais violados. O documentário “Arpilleras – Bordando a Resistência”, viabilizado por 308 apoiadores por meio da plataforma de financiamento coletivo Catarse, pretende justamente dar voz a essas mulheres que estão distribuídas nas cinco regiões do país. Negação ao direito de participação nas negociações, aumento da violência sexual e infantil, além da prostituição endêmica nos locais que recebem as obras são alguns exemplos de como a vida das mulheres são afetadas por esses empreendimentos.

O documentário traz depoimentos de atingidas pela Usina Hidrelétrica (UHE) de Itá (RS), Barragem do Fundão em Mariana (MG), UHE de Fumaça e Serra da Mesa (GO), UHE Belo Monte (PA) e Barragem do Castanhão (CE). Essas barragens não são exclusividades das Usinas Hidrelétricas, mas também são parte do processo de canalização da água e da mineração, que necessitam de barreiras para conter os rejeitos de minérios. Como fio condutor dessa grande narrativa, entra em cena uma técnica de bordado que se tornou mundialmente conhecida pelo seu papel de empoderamento feminino e denúncia à ditadura chilena: a arpillera.

Utilizadas como ferramenta de auto-organização das atingidas desde 2014, através de centenas de oficinas realizadas nas áreas organizadas pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), as arpilleras colorem com linhas de dor, resistência e luta as imagens do documentário. O lançamento do longa-metragem será realizado em março de 2017, mês que marca o Dia Internacional de Luta da Mulher, com locais ainda indefinidos.

Ciranda do MAB se prepara para o Encontro Nacional Encontros Estaduais para formação de educadores da Ciranda acontecem desde agosto do ano passado

A

s crianças já estão em preparação para o Encontro Nacional do MAB que ocorre em outubro, no Rio de Janeiro. Desde o mês de agosto de 2016, a Ciranda do MAB promove “Encontros Estaduais de Educadores da Ciranda”.. Os encontros têm o objetivo de discutir a importância do trabalho com as crianças atingidas por barragens e a necessidade da formação política e pedagógica de militantes que desempenham essa tarefa no movimento. Foram realizados encontros nos estados de Goiás, Paraná, Minas Gerais, São Paulo, Pará e Ceará, que formaram 52 educadores. A partir de março, esses educadores começam a realizar as cirandas nos estados em preparação para o Encontro Nacional. Para Tais Pacheco, que é militante e mãe, “realizar os encontros estaduais faz parte de um processo nacional de qualificação do trabalho com as crianças na Ciranda, que é de

discutem temas sobre a história do MAB, a infância atingida por barragem e a importância da Ciranda Infantil para a formação das crianças e para a participação dos pais, principalmente das mães nas atividades da organização.

fundamental importância para os pais e mães que participam das formações e lutas”. As crianças também são sujeitos da luta dos atingidos por barragens e, por isso, a Ciranda também é um espaço de educação ampla e conscientização sobre a necessidade de transformação da sociedade. Os jovens atingidos

A última Ciranda do MAB ocorreu em Mariana no encontro dos atingidos por barragens para denunciar 1 ano de impunidade do Crime da Samarco. A avaliação positiva da Ciranda foi unânime entre os pequenos participantes. Atingido pela lama da Samarco (Vale-BHP Billiton), Tiago Vieira, do Espírito Santo, tem 7 anos e conta que desenhar é sua atividade preferida. “Eu gostei de pintar a barragem no papel. Nós fizemos o rio antes e depois da lama. Antes era limpo, bonito. Depois ficou cheia de barro, tinha peixe morto e ninguém tomando banho”, conta, fazendo referência a uma atividade que abordou o tema da tragédia. A ciranda é a energia do movimento! Rumo ao Encontro Nacional do MAB!


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