Jornal do MAB | Nº 26 | Abril de 2015

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Nº 26 | Abril de 2015

Trabalhadores e trabalhadoras nas ruas contra a ofensiva da direita A terceirização é uma ameaça aos trabalhadores Página 5

O preço da luz é um roubo! Página 8

Bordar, ato transgressor? Página 12


EDITORIAL

O capitalismo em crise, a direita raivosa, 100 bilhões de rombo nas contas de luz. Que fazer?

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studos apontam que o rombo nas contas de luz darão 100 bilhões de reais de lucro para as grandes empresas. Quem ganha este dinheiro são as estadunidenses Duke Energy e AES, a europeia Suez Tractebel, a privatizada Vale, os banqueiros e especuladores, entre outros. Quem terá que pagar esta conta será, mais uma vez, os consumidores residenciais – as famílias brasileiras, e a pequena e média indústria e comércio. Portanto, quem mais sofre para pagar a conta são os trabalhadores e os mais pobres.

Os setores conservadores, e em especial os representantes do império estadunidense querem que o Brasil adote este modelo também para o petróleo, privatizando a Petrobrás e entregando-a nas mãos das grandes empresas. Já pensou daqui a um tempo um rombo deste tamanho também no preço da gasolina, do gás de cozinha e do óleo diesel. Será uma festa para os que só querem saquear os recursos do nosso país e cobrar a conta do povo brasileiro. Além disso, agora querem terceirizar o trabalho, que diminui os salários, aumenta os acidentes e as mortes de trabalhadores.

E por fim querem a volta da ditadura militar. Para parecerem bonzinhos se vestem com a camisa da seleção brasileira, usam as cores da nossa bandeira e fazem plim plim. A pele é de cordeiro, mas o coração, as unhas e os dentes são de lobo. Não nos enganarão, o povo não é bobo. EXPEDIENTE Jornal do MAB Uma publicação do Movimento dos Atingidos por Barragens Produção: Setor de Comunicação do MAB Projeto Gráfico: MDA Comunicação Integrada Tiragem: 10.000 exemplares

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VISITE O SITE DO MAB Em www.mabnacional.org.br é possível ler notícias sobre o Movimento, ver fotos e vídeos, ler artigos e ouvir músicas. Acompanhe as novidades e compartilhe com os companheiros e companheiras! Jornal do MAB | Abril de 2015


Um conflito mundial pela energia Foto: Pete Souza/TWH

E aqui na América do Sul assistimos a uma campanha feroz contra o governo venezuelano, que está enfrentando mais uma ofensiva golpista da direita. Desde a morte do presidente Hugo Chávez, os EUA e a burguesia local estão

tentando dar fim ao processo de mudanças aplicado no país. Querem derrubar o governo legítimo do presidente Nicolás Maduro para colocar as mãos, novamente, no imenso tesouro da Venezuela: a maior reserva mundial de petróleo.

Porque a derrubada dos preços internacionais do petróleo Por Igor Fuser (*)

O

verdadeiro interesse que se esconde por trás da atual campanha contra a Petrobrás pode ser resumido em uma palavra: petróleo. No mundo inteiro, a política externa dos Estados Unidos tem como principal foco o controle político dos países dotados de valiosas reservas de energia, em especial o petróleo. Você duvida? Olhe, então, para os principais conflitos da atualidade.

O Iraque, que está prestes a ser invadido por tropas estadunidenses a pretexto de combater os terroristas do Estado Islâmico, é dono da terceira maior reserva petrolífera do planeta. A Rússia sofre uma forte

pressão do imperialismo esta-dunidense e das potências europeias a ele subordinadas (Inglaterra, França, Alemanha). Jornal do MAB | Abril de 2015

Os EUA se recusam a aceitar que o governo russo de Vladimir Pútin adote uma linha de conduta soberana na cena internacional e na gestão dos recursos do país, entre os quais se destacam o petróleo e o gás natural. Essa é a raiz do golpe de Estado do ano passado na Ucrânia. O golpe resultou na atual guerra civil ucraniana, que as autoridades estadunidenses tratam de fomentar por meio do envio de armas, dinheiro e assessores militares. Também o Irã, outro grande produtor de petróleo, há 35 anos é alvo do assédio das potências imperialistas. Para aplicar sanções econômicas, os EUA inventaram uma mentira sobre o programa nuclear iraniano, com base em acusações sem provas. A maior vítima é o povo de lá, que sofre com o isolamento do país.

Com o objetivo de enfraquecer governos insubmissos, os EUA orquestraram em parceria com a Arábia Saudita, a derrubada dos preços internacionais do petróleo. Com isso, o imperialismo espera criar uma situação econômica difícil na Rússia, na Venezuela e no Irã, na expectativa de substituir os atuais governantes desses países por outros, alinhados com os interesses do Império estadunidense. Nesse cenário, entende-se a cobiça que o pré-sal brasileiro desperta na cabeça dos estrategistas de Washington e nas empresas multinacionais de petróleo, quase todas estadunidenses ou europeias. Graças ao

nosso pré-sal, a maior descoberta petrolífera das últimas décadas, a Petrobrás se tornou uma peça central no tabuleiro mundial da energia. Os tubarões do mercado estão de olho nessa riqueza, mas o governo Lula adotou regras, em 2010, que garantem o controle estatal sobre nossas reservas. É esse marco jurídico que os inimigos do Brasil querem romper, para entregar o pré-sal ao apetite voraz das multinacionais petroleiras, num primeiro momento, e em seguida completar o banquete com a privatização total da Petrobrás.

*Igor Fuser é doutor em Ciência Política pela USP e professor na Universidade Federal do ABC.

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O povo sai às ruas para barrar avanço conservador Nos dias 13 e 15 de março, milhares saíram às ruas de todo o Brasil para protestar. Saiba qual era o perfil e a diferença entre os manifestantes desses dois dias.

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e um lado, o povo saiu às ruas no dia 13 de abril em defesa dos direitos da classe trabalhadora, da Petrobrás, da Democracia e da Reforma Política. Do outro, no dia 15, manifestantes protestaram contra a corrupção e pediram o impeachment da presidenta Dilma e chegaram a pedir a volta da intervenção militar no país. No dia 13 o MAB esteve presente na luta por todo o país ao lado de movimentos sociais, populares e sindicais para dizer não às ofensivas da direita. As poucas famílias que controlam a mídia brasileira transformam as denúncias de corrupção dentro da Petrobrás num espetáculo diário a fim de desestabilizar o governo.

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A empresa, que investe 300 milhões por dia no Brasil, representa 13% de todas as riquezas produzidas no país durante o ano. É a maior e mais qualificada empresa para a exploração de petróleo em águas profundas, como no caso do Pré - Sal, que é a maior descoberta de petróleo nos últimos 30 anos no mundo.

A lei da partilha, aprovada durante o governo Lula, foi contra os interesses econômicos das transnacionais do setor.

Além de ser a única empresa a explorar todo o petróleo descoberto a lei ainda prevê a criação de um fundo soberano onde parte do dinheiro gerado com a exploração do petróleo será revertida para gastos nas áreas de educação e saúde.

“Os imperialistas sempre estiveram de olho no nosso petróleo, mas agora, estão forjando uma situação de crise. A direita brasileira e, sobretudo a mídia, estão utilizando a operação Lava - Jato como justificativa para privatizar a Petrobrás”, alertou a coordenadora nacional do MAB, Liciane Andrioli. Além das pautas, o perfil dos manifestantes do dia 13 para os do dia 15 também foi diferente. Em pesquisa realizada pelo instituto DataFolha no dia 15, dos 110 mil presentes, 41% alegaram renda mensal acima de R$ 7.880 reais. Essa porcentagem nos protestos do dia 13 foi de 12 %. O fato da maioria dos participantes dos protestos do dia 15 serem mais ricos não foi a única diferença. A saída às ruas contra a corrupção foi ofuscada pela presença de pessoas que desfilaram seus discursos de ódio ao PT e a presidenta Dilma, e outras que defendiam a intervenção militar no país.

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A terceirização é uma ameaça aos direitos e à vida dos trabalhadores

Atualmente existem no Brasil cerca de 48 milhões de trabalhadores com carteira assinada. Destes, cerca de 12,7 milhões são terceirizados (26%) e seus ganhos salariais são aproximadamente 25% menores.

de energia elétrica. No entanto, pelos dados fornecidos pela ANEEL, existem cerca de 3334 empresas de geração, 153 comercializadoras e mais de 100 distribuidoras, que possuem, por sua vez, centenas ou milhares de empresas subcontratadas. E dos 260 mil trabalhadores do setor elétrico, cerca de 58% são terceirizados. No entanto, nas empresas privadas o índice é bem maior, chegando a 70%, e no caso da distribuidora AMPLA/RJ chega a 85%.

No entanto em países onde a lei já foi aprovada, a terceirização saltou em média para 60%. Ou seja, no mínimo 20 milhões de trabalhadores brasileiros podem ser demitidos nos próximos anos e uma parte será recontratada, porém com salários no mínimo 25% mais baixos e sem direitos trabalhistas.

O que fica para o trabalhador?

Como exemplo, podemos citar o setor elétrico brasileiro que foi privatizado na década de 90, atualmente 70% da distribuição e 40% da geração está privatizado. Não mais que 20 grupos econômicos controlam a geração, transmissão, distribuição e comercialização

Se tomarmos como exemplo os trabalhadores do setor elétrico, segundo os dados do Relatório de Estatísticas de Acidentes no Setor Elétrico Brasileiro em 2011, 139 trabalhadores do quadro próprio das empresas morreram em acidentes fatais, enquanto que

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no quadro das terceirizadas foram 609 mortes. Enquanto a taxa de acidentes fatais de todos os trabalhadores brasileiros foi calculado em 5,8 por 100.000 trabalhadores em 2011, entre os trabalhadores do quadro próprio das empresas do setor elétrico a taxa de mortalidade chegou a 16,7 por 100.000. Já nas empresas terceirizadas, essa taxa Foto: Geraldo Lazzari RBA

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ecentemente a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei da Terceirização (PL 4330) que representa um dos piores ataques contra os trabalhadores dos últimos 50 anos. Do total, 324 deputados votaram a favor e 127 contra este ataque, e somente o PT, PSOL e PCdoB votaram integralmente contra.

foi ainda muito maior, de 44,3 mortes em cada 100.000 trabalhadores. Em Minas Gerais, por exemplo, a cada 45 dias, um trabalhador terceirizado da Cemig (distribuidora de energia) morre no trabalho. O coordenador do Sindieletro/MG, Jairo Nogueira Filho, explica que essa estatística vem desde 1999, devido a um proces-

so de precarização do trabalho, a partir da autorização para terceirizar o serviço, abrindo caminho para demissões, contratações mais baratas e pavimentando o caminho para a privatização. “Esse trabalhador tem baixos salários, um treinamento que não é o adequado, e trabalha por produtividade, ou seja, quanto mais serviço ele fizer, mais vai ganhar. Isso vai contra a lógica do setor elétrico, que é um setor de alto risco. Não dá pra brincar com energia elétrica. Aí começou a carnificina”, ressalta Jairo.

Porque lutar contra a lei da terceirização? Praticamente a totalidade dos trabalhadores brasileiros serão atacados nos próximos anos através da “lei de terceirização”. Portanto, derrotar esta iniciativa da direita é uma necessidade e obrigação de toda classe trabalhadora, pois significará mais exploração para aumentar o lucro das empresas, e pressionará para o fracionamento dos trabalhadores e consequentemente redução de sua força e capacidade de luta enquanto categoria e enquanto classe. 5


Março, mês de luta dos trabalhadores! Nenhum passo atrás e em luta pelos direitos, por democracia, em defesa da Petrobrás e do petróleo brasileiro e pela Reforma Política!

Minas Gerais

Ceará

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om essas pautas, centenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras estiveram em luta no mês de março. Para a coordenação do MAB, as grandes manifestações populares que aconteceram no dia 13 março encerraram com muito ânimo a jornada de lutas que ocorreu durante toda a semana por todo o país, promovida pelo Movimento e por diversas organizações sociais, sindicais e partidos. “Para o movimento, de maneira especial, é uma satisfação ver tanta gente lutando pelo bem de nosso país na semana do 14 de março, data em que os atingidos comemoram o Dia Internacional de Luta Contra as Barragens”, afirmam as lideranças.

Foto: Midia Ninja/SP

São Paulo

Em Belo Horizonte, os atingidos acamparam na Assembleia Legislativa e realizaram uma audiência pública para debater a situação dos atingidos e reivindicar a criação da Política Estadual de Direitos. Além da ação na assembleia, os atingidos foram recebidos pelo presidente da CEMIG. No dia 13, milhares de pessoas se reuniram na entrada da Refinaria Gabriel Passos em defesa da Petrobrás. Já em Brasília, em reunião com a CODEVASF os atingidos pelos projetos de Gorutuba reivindicaram a regularização de suas terras e os atingidos de Jequitaí reivindicaram justa indenização.

O MAB realizou assembleias com mulheres atingidas para resgatar a importância da luta das mulheres, fortalecer sua participação e debater as violações de direitos humanos. Durante a semana de lutas, os militantes também acamparam na Secretaria de Desenvolvimento Agrário, em Fortaleza, para debater com o governo suas pautas de reivindicação. No estado as manifestações também ocorreram no dia 13 em defesa da Petrobrás e pela Reforma Política.

Teresina/Piauí

Rio de Janeiro

Cerca de 80 mil pessoas marcharam no dia 13 em defesa dos direitos da classe trabalhadora, da Petrobrás, da Democracia e pela Reforma Política. O MAB e outros movimentos também se manifestaram na sede da Petrobrás e na Secretaria Geral da Presidência e protestaram no banco HSBC para denunciá-lo pela participação em escândalos de corrupção e lavagem de dinheiro. 6

Cerca de 600 pessoas participaram de uma assembleia com o secretário estadual de Ambiente em Cachoeiras de Macacu. O MAB também participou na ação do dia 13 na Refinaria Duque de Caxias em defesa da Petrobrás e do petróleo brasileiro.

Os militantes do MAB ocuparam a sede da CESPISA/ELETROBRAS para reivindicar melhorias no acesso e qualidade da energia elétrica na região e o cancelamento de todos os aumentos na conta de luz do povo brasileiro.

Bahia Mais de 500 atingidos ocuparam a sede do Inema, no oeste do estado, para exigir o cancelamento dos projetos de Pequenas Jornal do MAB | Abril de 2015


Santa Catarina

Pará

Cerca de 4 mil foram às ruas e protestam em 3 cidades por soberania alimentar, contra a violência, o agronegócio e os aumentos das contas de energia elétrica, e em defesa da Petrobrás e pela Reforma Política. Militantes do MAB estiveram presentes em todos os locais.

Paraná Centrais Hidrelétricas, cobrar mais responsabilidade dos governantes e alertar a população sobre as condições hídricas, ambientais e fundiárias que vêm destruindo o cerrado da região.

Vale do São Francisco Os atingidos trancaram a BA-210 reivindicando a conclusão da rodovia e dos sistemas de abastecimento de água construídos pela CODEVASF.

Rio Grande do Sul

Os militantes do MAB juntamente com os petroleiros se manifestaram em frente à Refinaria Presidente Getúlio Vargas, em Araucária, Região Metropolitana de Curitiba. Depois o ato reuniu mais de 5 mil pessoas para defender também uma constituinte exclusiva para a Reforma Política.

Cerca de 200 mulheres tomaram as ruas de Itaituba para denunciar a violência contra as mulheres no contexto de ameaça de construção do Complexo Hidrelétrico Tapajós. Em Belém o ato foi em defesa da Petrobrás e em Altamira, os atingidos acamparam em frente à sede da Norte Energia e denunciaram que a empresa já pediu a licença de operação para o Ibama e declarou que pretende começar a encher o lago em setembro, para colocar a primeira turbina para funcionar ainda em dezembro deste ano. “Com essa pressa toda, nossos direitos certamente ficarão para trás”, afirmam os atingidos.

Brasília

Rondônia

As mulheres da Via Campesina ocuparam a sede da empresa israelense Adama, que produz venenos, contra o modelo do agronegócio. As ações seguiram com mais de 4 mil camponeses marchando em Porto Alegre pela garantia da soberania alimentar, o reconhecimento dos direitos dos atingidos por barragens e a criação de políticas públicas para o campo. Também ocuparam a sede da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) reivindicando o cancelamento dos reajustes na conta de luz e a paralisação das barragens de Garabi e Panambi. As mobilizações se enceraram no dia 12 com mais de 6 mil pessoas em defesa da Petrobrás e do petróleo brasileiro e pela Reforma Política. Jornal do MAB | Abril de 2015

Famílias atingidas pelas barragens de Santo Antonio, Jirau e Samuel ocuparam a sede da Eletrobrás, em Porto Velho, contra os aumentos nas contas de luz e em defesa dos direitos dos atingidos. Como parte das mobilizações no estado as mulheres camponesas protestaram em frente ao Palácio do Governo do Estado reivindicando melhorias na saúde, educação e mais terras.

Militantes do MAB também estiveram presentes nas mobilizações juntamente com os militantes da Via Campesina e fizeram um ato em frente ao Ministério da Agricultura, protestando contra a ministra kátia Abreu, e depois seguiram para o Ministério da Previdência Social. Também ocorreram agendas com o Ministro de Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias.

Tocantins Houveram lutas unificadas em Palmas contra a violência e pelos direitos das mulheres no dia 9 e em defesa da Petrobrás e do petróleo brasileiro no dia 13. 7


O preço da luz é um roubo! Os 65 milhões de consumidores residenciais poderão desembolsar este ano 25 bilhões a mais nas contas de luz

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mpresários do setor elétrico e a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) têm convergido na justificativa dos últimos aumentos nas contas de luz: a falta de chuva. Com a escassez dos reservatórios, o sistema é obrigado a acionar as termoelétricas, com preço de produção elevado. Entretanto, este argumento exclui os fundamentos do atual modelo elétrico. Para o diretor da Coppe/UFRJ e ex-presidente da Eletrobrás, Luiz Pinguelli Rosa, existe uma contradição entre as altas tarifas e o preço da geração, que é baseado principalmente na hidroeletricidade – a fonte mais barata de produção.

tunidade de decidir o quanto consumir em períodos de escassez”. Com o sistema, a população passará a pagar 25 reais a mais para cada 1000 kWh consumidos quando a bandeira for amarela e quando a bandeira for vermelha pagará 55 reais a mais na conta para cada 1000 kWh consumidos.

“Eu vejo que a origem disso está nas privatizações feitas no tempo do Fernando Henrique Cardoso. A tarifa foi afetada para tornar o negócio atraente para as empresas estrangeiras”, afirmou Pinguelli. Sob o argumento de “realismo tarifário”, a ANEEL preparou um pacote de reajustes que podem chegar a 85%. Desde o início de março, as contas de luz dos brasileiros já tiveram aumento de 40%, após duas medidas aprovadas pela agência.

Bandeiras Tarifárias Segundo a ANEEL, o objetivo do “sistema de bandeiras tarifárias” é comunicar ao consumidor períodos de maior escassez de energia, para que ele saiba antes de consumir qual o custo da energia fornecida. A Agência alega que “com as bandeiras os consumidores poderão usar a energia elétrica de forma mais consciente e ter a opor8

culpa da escassez é um falso argumento”, disse Joceli Andrioli, do MAB.

Revisão Extraordinária Já a “Revisão Tarifária Extraordinária” gerou um aumento de 23%, em média, para os consumidores residenciais. Este reajuste arrecadará cerca de R$ 22 bilhões para a “Conta de Desenvolvimento Energético” (CDE). Segundo especialistas, parte deste repasse servirá para cobrir a especulação ocorrida no Mercado de Curto Prazo (MCP). Somadas as duas medidas, os 65 milhões de consumidores residenciais poderão desembolsar, este ano, 25 bilhões a mais nas contas de luz.

Desta forma a ANEEL espera arrecadar 18 bilhões de reais a mais que serão pagos pela população. Deste total, cerca de R$7 bilhões serão pagos pelas contas de luz das 65 milhões de residências do país. O resultado prático é que este sistema causará um aumento de cerca de 17% nas contas de luz caso a bandeira seja vermelha. No entanto, a medida atende aos interesses das geradoras de energia, alertam os movimentos sociais. “O dinheiro arrecadado vai aumentar o lucro dos donos de hidrelétricas e termoelétricas que vendem energia aos consumidores cativos. A des-

Reajuste Ordinário Além destas, o bolso dos brasileiros terão que enfrentar os “Reajustes Tarifários Ordinários”, que anualmente determinam um reajuste para cada uma das 64 distribuidoras espalhadas pelo país. Caso siga a tendência da primeira rodada, relativa às cinco distribuidoras de São Paulo pertencentes ao grupo CPFL, os reajustes ordinários ficarão entre 25% e 45%. Incluindo o aumento de 40% em vigor, as contas de luz de parte dos brasileiros podem sofrer reajuste de até 85% durante o ano. Jornal do MAB | Abril de 2015


Foto: João Zinclar

Empresas podem lucrar com racionamento?

No documento denominado “Um roteiro para não se enganar com a crise do setor elétrico” observamos que o esgotamento dos reservatórios vem ocorrendo desde 2008, sobretudo pelo uso excessivo das hidrelétricas. Conforme o documento, na história, ocorreram secas muito piores do que a atual. A política de operação das hidrelétricas de forma excessiva até o esvaziamento pode ter como objetivo o aumento do uso das térmicas a partir de 2013, elevando assim, o preço de liquidação das diferenças (PLD) no Mercado de Curto Prazo. Pelos dados, em 2013 e 2014 empresas chegaram a cobrar R$ 822/1.000kWh, cerca de 25 vezes mais caro que a energia vendida pela Eletrobrás (R$ 33/1.000 kWh), custo alto que poderá vir a ser repassado nas contas de luz.

Em meio ao risco de novos racionamentos de energia, especialistas apontam o que realmente está em jogo por trás dos chamados “apagões intencionais”

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o início deste ano, um corte de energia repentino atingiu cerca de 11 estados e o DF, paralisando indústrias, escolas e hospitais em diversas cidades brasileiras. A interrupção no abastecimento foi chamada pela imprensa de “apagão intencional”, uma vez ocasionada a mando do próprio ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).

Esvaziamento dos reservatórios pode ter sido intencional Os reservatórios do sudeste e nordeste, responsáveis por cerca de 70% da produção de energia, chegaram ao final de fevereiro com menos de 20% de água. Empresas e agências reguladoras já têm citado como justificativa a escassez de chuva. No entanto, um estudo realizado pela ILUMINA (Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico) questiona essa possibilidade.

Para Liciane Andrioli, coordenadora nacional do MAB, o esvaziamento pode ter sido intencional para a ampliação máxima dos lucros. “Podemos tomar como exemplo o caso da CESP (Companhia Energética de São Paulo), ao findar o prazo de concessão, ela devolveu o reservatório com praticamente 0% de água. Após o esgotamento total, decide-se então acionar as térmicas, que tem um custo maior, repassando a diferença nas contas de luz dos brasileiros, como ocorreu no apagão de 2001”, afirmou.

Segundo o Prof. Dorival Jr., da Universidade Federal de Mato Grosso, momentos como este, de “crise”, são encarados pelas empresas como oportunidade de ampliação dos lucros: “Criou-se um clima de escassez de oferta para justificar o aumento nas tarifas, uma vez que o sistema (elétrico) está controlado fisicamente pela ONS, economicamente através da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) e institucionalmente com a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), ou seja, agindo sob as rédeas de mercado”, disse o professor. Jornal do MAB | Abril de 2015

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Em ação inédita, barragem de Sobradinho terá passivo social quantificado e resultado pode gerar política pública para região

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ma das maiores transposições da história do Brasil foi retratada na música Sobradinho, de Sá e Guarabyra: a construção da barragem da Usina Hidrelétrica de Sobradinho, no norte da Bahia. Foram seis anos de obras e mais de 70 mil pessoas foram afetadas.

se avaliarmos que a área atingida está pior que a macrorregião à que pertence fica fácil de entender que a obra não tenha empregado o que prometeu”, explica Eduardo Luiz Zen, coordenador do diagnostico pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). A entidade é responsável pela aplicação do Diagnóstico, que será realizada em parceria com o MAB, além de governos municipal, estadual e a CHESF.

“Era tempo de Ditadura Militar no país e não era fácil lidar com a empresa [Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF)]. A truculência era muito grande e há muitos relatos de violência no processo de retirada das famílias”, relata Moisés Borges, da coordenação nacional do MAB.

E, finalmente, após trinta anos de lutas, o passivo social deixado pela barragem de Sobradinho será medido e quantificado, possibilitando a reparação dos males causados. Está sendo implantado na região o Diagnóstico Social, Econômico e Cultural dos Atingidos pela Usina, que, a partir do entendimento da realidade atual dos municípios e população atingidos apresentará as demandas e necessidades sociais e de desenvolvimento da região. “Uma das principais argumentações para a implantação de uma barragem é a geração de desenvolvimento no local. E 10

A Usina é responsável por 15% da energia que abastece os estados do Nordeste, mas quem mora ao lado da barragem e foi afetado em sua construção até hoje está sem energia elétrica. No final de 2013, uma comunidade do município de Sobradinho recebeu energia elétrica, mas pelo menos outras três ainda estão no escuro.

Foto: João Zinclar

Por Maíra Gomes, do Brasil de Fato

Foto: João Zinclar

Vai ter direitos no salto do Sobradinho

Atingidos sem direitos No período da construção, as sedes dos municípios de Casa Nova, Sento Sé, Pilão Arcado e Remanso ficaram embaixo d'água e outros três municípios, Juazeiro, Xique-Xique e Barra, tiveram parte do território inundado. A cidade de Sobradinho surgiu com a obra, já que era o local que servia de alojamento aos operários e acabou se transformando em um município. As mais de 12 mil famílias que tiveram que sair de suas casas foram mandadas para os mais variados lugares, muitas vezes com uso de violência. Até hoje, grande parte dos municípios reconstruídos não oferecem saneamento básico ou estrutura suficiente para acesso à educação e saúde.

Diagnóstico visa trazer reparação

A metodologia para realizar o diagnóstico social na região atingida pela barragem é uma iniciativa inédita no país e no mundo. Segundo Eduardo, após a realização de entrevistas com famílias atingidas direta e indiretamente, pessoas das comunidades que acompanharam a construção e a pesquisa em documentos da época, o diagnóstico vai identificar a realidade das comunidades atingidas atualmente e dar um número muito próximo das necessidades das famílias. O projeto teve início em fevereiro de 2014 e deve apresentar o resultado no fim do primeiro semestre de 2016. Com o relatório final, será possível elaborar uma política para a região. A expectativa do MAB é que a seja possível tanto solucionar os problemas mais urgentes das famílias, como acesso à água e outros direitos básicos, como na elaboração de uma política de desenvolvimento na região. Jornal do MAB | Abril de 2015


Quem são os “donos” da água em SP Especialistas explicam o processo de privatização da água em SP e suas consequências à população

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entre 2003 e 2013, cerca de 1/3 do lucro líquido total da companhia foi repassado aos acionistas. O montante é da ordem de R$ 4,3 bilhões, o dobro do que a Sabesp investe anualmente em saneamento básico.

Ou seja, a SABESP é comandada pelo governo do estado de São Paulo, mas na verdade é uma empresa de capital aberto e de economia mista, sendo que 50,3% de suas ações são controladas pelo governo e 47,7% estão nas mãos dos acionistas privados nacionais e estrangeiros, negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo e na Bolsa de Valores de Nova York, nos Estados Unidos.

Segundo Gabriel Gonçalves, membro do Coletivo de Luta Pela Água e militante do MAB, esse é o ponto chave para entendermos a crise no abastecimento em SP. “O povo está sem água e os acionistas estrangeiros estão nadando em dinheiro porque a água hoje é negociada sem nenhum tipo de fiscalização, como uma simples “commoditie”, sobretudo no mercado internacional. A SABESP teve um lucro absurdo, cerca de R$1,9 bilhão de reais nos anos de 2012 e 2013 e deve ter um lucro, em 2014, da ordem de R$ 900 milhões apesar da crise de abastecimento”, aponta.

próprio nome já diz: SABESP, “Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo S/A”. S/A é a abreviação do termo “Sociedade Anônima”, forma jurídica de constituição de empresas na qual o capital está dividido em ações que podem ser transacionadas livremente, prevendo a obtenção de lucros a serem distribuídos aos acionistas.

Estimativas divulgadas em março de 2014 pela própria SABESP apontam que,

Grandes consumidores de água Em um documento obtido e revelado pelo jornal El País, em fevereiro deste ano, vemos claramente um processo de favorecimento às grandes empresas consumidoras de água, os “grandes clientes”. Ao todo são 294 empresas que recebem descontos nas tarifas. De acordo com o El País, o contra-

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to vigente com esses grandes consumidores premia o consumo, pois quanto mais água usar, menor será o preço pago por litro. O Shopping Eldorado, na zona oeste de SP, por exemplo, tem um desconto de 55% no valor pago por cada mil litros de água (R$ 6,27). A lista inclui ainda diversos shoppings, clubes, empresas de cosméticos, condomínios privados e até mesmo hospitais particulares.

“Para estes grandes clientes e acionistas, temos certeza que a água não falta. Como sempre o povo é penalizado, com racionamentos, taxas abusivas e má qualidade no abastecimento, isso tudo para garantir os altos lucros dos “donos da água”. Não podemos pensar que a culpa é do povo, ou da falta de chuva. Devemos lutar, pois água não é mercadoria”, finaliza Gabriel Gonçalves, do MAB. 11


Bordar, ato transgressor? Documentário em fase de financiamento coletivo vai retratar violações cometidas contra as mulheres na construção de barragens, no Brasil, através de uma técnica de bordado utilizada como resistência à ditadura chilena.

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esde o início de 2013, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) resgatou uma antiga técnica de bordado para elaborar um relato das violações de direitos humanos praticadas em áreas atingidas por projetos de barragens.

A técnica das arpilleras surgiu em Isla Negra, no Chile, mas ganhou uma dimen-

são política no período da ditadura militar no país (1973 a 1990). Mulheres do subúrbio de Santiago se apropriaram dessa ferramenta para desenvolver uma narrativa contra a repressão comandada por Augusto Pinochet. O MAB partiu desta experiência e deste acúmulo histórico para realizar mais de 100 oficinas em dez estados brasileiros, com aproximadamente 900 mulheres atingidas por barragens. Com o bordado e o resgate do exemplo das chilenas, grupos de mulheres produziram um relato sobre as diversas formas de violência sofridas. No Brasil, segundo o último levantamento realizado pela Comissão Mundial de Barragens, feito em 2000, mais de um milhão de pessoas já foram afetadas por barragens. Destas, 70% não foram contempladas com nenhuma forma de reparação. Especialmente às mulheres, as violações são ainda maiores.

Com o inchaço populacional repentino nas regiões que recebem as obras, há uma comprovada ampliação nos casos de assédio sexual, tráfico de mulheres, prostituição e estupro. Com o início da construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, por exemplo, Porto Velho (RO) registrou um aumento de 208% nos casos de estupros em apenas dois anos, segundo o relatório da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCA).

O documentário Arpilleras: bordando a resistência, aberto para financiamento coletivo no Catarse, busca resgatar essa experiência do bordado contra a opressão de gênero nas áreas atingidas por barragens. A ideia do filme é costurar uma arpillera coletiva de norte a sul, na qual uma mulher de cada região do Brasil narre o impacto das barragens em suas vidas.

Contribua você também! Acesse o site do projeto e contribua: www.catarse.me/pt/arpilleras www.facebook.com/arpilleras arpilleras.wix.com/ofilme


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