Nº 17 | Agosto de 2011
Água não é mercadoria.
Foto: João Zinclar
Água é um direito humano, um direito dos povos!
Famílias ribeirinhas do São Francisco, em Sergipe Agosto: mês de luta para os trabalhadores Página 4 Jornal do MAB | Agosto de 2011
Grupos de base: a força da organização Página 5
Altamira, um caos anunciado Página 9 1
EDITORIAL
N
Olhos, ouvidos e boca de um movimento
o ano em que o MAB comemora 20 anos de lutas e conquistas a nível nacional, é importante reafirmar que os atingidos por barragens através do MAB constituem hoje uma importante organização nacional, presente na maioria dos estados brasileiros, contemplando milhares de famílias. Assim, ao lermos, debatermos e refletirmos sobre nossa organização, estaremos ligados a milhares de famílias que se organizam e lutam por seus direitos e em defesa de todo povo brasileiro. Precisamos cada vez mais encontrar saídas coletivas pra nossos problemas, por isso nosso principal desafio é de iniciar onde ainda não tem e fortalecer onde já existem os grupos de base do MAB. Por que grupo de base? É importante relembrar que o MAB é uma organização construída pelos próprios atingidos para defenderem seus direitos. E foi através dos grupos de base que o MAB se organizou e sustentou até hoje, tornando-se um grande e respeitado movimento social do Brasil. O grupo de base é a principal forma de organizar o movimento. Base significa fundamento, alicerce, sustentação, início. Pra que serve o grupo de base? Todos sabem que a nossa classe trabalhadora sempre foi impedida de andar com as próprias pernas e de decidir sobre nossa vida. Os trabalhadores deste país sempre foram explorados, seja por políticos locais, atravessadores, coronéis e principalmente por grandes empresas. São essas que mandam na política e na economia porque dispõem de dinheiro e poder. Mas, com o povo organizado, tudo
isso pode mudar. Os trabalhadores organizados fazem um contraponto ao modelo imposto pelos exploradores na defesa de seus direitos. O grupo de base permite a organização dos trabalhadores a partir de seu território, passando a controlá-lo e conquistando autonomia local. Os grupos de base são os olhos, a boca, os ouvidos e a ação direta de um movimento. Os grupos colhem as opiniões, sentem a disposição e animam o povo a participar. São eles que primeiro percebem e combatem a ação de oportunistas e exploradores. Um movimento que tem seus grupos de base fortalecidos significa o movimento fortalecido. Muitos de vocês leitores sabem perfeitamente do que estamos falando. Por isso é prioridade do MAB reforçar seus grupos de base, pois nesses 20 anos de organização aprendemos que a nossa luta deve ir além da luta contra a barragem. Precisamos construir um novo modelo de sociedade, onde os camponeses e todos os trabalhadores possam decidir sobre seus destinos. Assim sendo, para que continuemos conquistando mais direitos é preciso reforçar a base social do MAB, que é constituída por vários pequenos coletivos de pessoas organizadas em todos os cantos desse nosso país, sempre respeitando a participação de mulheres, homens e jovens. Nossos grupos de base serão os sujeitos dessa mudança que a sociedade precisa. Coordenação Nacional do MAB
VISITE O SITE DO MAB Em www.mabnacional.org.br é possível ler notícias sobre o Movimento, ver fotos e vídeos, ler artigos e ouvir músicas. Acompanhe as novidades e compartilhe com os companheiros e companheiras! Expediente
Jornal do MAB
Uma publicação do Movimento dos Atingidos por Barragens Produção: Setor de Comunicação do MAB Projeto Gráfico: MDA Comunicação Integrada Tiragem: 7.000 exemplares
2
Atingidos do Pontal do Paranapanema (SP) leem o Jornal do MAB
Jornal do MAB | Agosto de 2011
Famílias buscam alternativas ao endividamento agrícola
A
pós dois anos de negociação, o governo federal voltou a receber representantes dos movimentos sociais do campo em Brasília para buscar solução para o problema do endividamento dos pequenos agricultores. A conquista é fruto de muita mobilização e luta, em um processo que reuniu milhares de pessoas nos últimos meses, principalmente no sul do país. A proposta é que um grupo de trabalho (GT) com representantes do governo federal e dos movimentos sociais discuta maneiras para que os agricultores continuem tendo acesso ao crédito. Uma das grandes preocupações dos movimentos era que grande parte dos pequenos agricultores ficariam fora do próximo Plano Safra devido à inadimplência.
Assembleia dos camponeses em Erechim (RS)
Investimentos, incluindo os vencidos e os que estão vencendo. O objetivo é que neste prazo já tenha sido encontrada a solução também para estas dívidas.
Os agricultores reconhecem a importância dessas conquistas, mas dizem que essas medidas não bastam e que se não houver mais avanços nas negociações, eles voltarão a se mobilizar.
Mobilizações
Pelos dados cedidos pelo Governo Federal e pelo Banco do Brasil, pequenos agricultores de todo o Brasil tem problemas de endividamento e que precisam ser solucionados para não inviabilizar a produção camponesa e familiar nos próximos anos.
A abertura de diálogo com o governo em busca de soluções é fruto de uma série de mobilizações. No final de junho, cerca de 20 mil agricultores da Via Campesina, Fetraf e Fetag estiveram em luta no estado do Rio Grande do Sul. Em Santa Catarina centenas de agricultores também estiveram mobilizados.
A questão da dívida está na pauta de reivindicações das jornadas de lutas de agosto.
Houve também o anuncio do parcelamento do crédito emergencial, no valor de R$ 2.000,00, que foi emitido aos agricultores devido à estiagem. Seu pagamento será parcelado em quatro anos, com a cobrança da primeira parcela em novembro desse ano. Além disso, os agricultores terão um prazo de espera de até 60 dias para efetuarem os pagamentos dos créditos do Pronaf Jornal do MAB | Agosto de 2011
Ato em Porto Alegre (RS)
3
Agosto: mês de lutas para os trabalhadores e trabalhadoras “Traga bandeira de luta Deixa bandeira passar Essa é a nossa conduta Vamos unir para mudar”
Entre os pontos unitários da pauta estão: redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salário; combate às demissões sem justa causa; uma stamos acompanhando política de incentivo e de crédigrandes mobilizações que tos para a agricultura familiar e acontecem em várias parcamponesa e a solução do probletes do mundo. Na Euma do endividamento ropa e norte da África dos agricultores; por milhares de pessoas esmedidas populares na tão saindo às ruas para área da energia (tarifa não perder direitos. do gás, placas solares e fim das terceirizaNo Brasil, no mês ções); em defesa da de agosto, os trabalhaeducação, contra o fedores também se prechamento das escolas param para lutar por no campo, por 10% do melhores condições de PIB para a Educação; vida. Bandeiras histócontra os agrotóxiricas serão resgatadas. cos, pela produção de No entanto, haverá alimentos saudáveis; um processo de disem defesa do CódiAcampamento Nacional da Via Campesina em agosto de 2009, em Brasília puta política intensa, go Florestal, contra a dentro da polarização proposta apresentada por Aldo de alimentos saudáveis. Para a dos interesses do capital e dos Rebelo e aprovada na Câmara dos Via Campesina, os objetivos são trabalhadores, e somente serão Deputados; por Reforma Agrária, anunciar as pautas para a sociedaconvertidas em direitos se houver de, negociar e cobrar soluções do garantia de acesso a terra e de lutas massivas e unitárias. distribuição de renda; e por orçagoverno, na perspectiva de termos A jornada de lutas de agosmento para atender às demandas conquistas e avanços reais nas reito terá um caráter de denúncia dos movimentos sociais. vindicações.
E
do atual modelo energético e do agronegócio e de anúncio da nossa proposta de Projeto Popular para o Brasil e para a agricultura brasileira, que envolve a Reforma Agrária, com distribuição de terra e de renda, incentivos à agricultura familiar e camponesa e a produção
Mobilizações O MAB também estará em luta pela garantia dos direitos dos atingidos e por mudanças no modelo energético brasileiro. Haverá atos, mobilizações, acampamentos e brigadas de agitação e propaganda nas capitais, nas regiões onde o MAB tem organização e também em Brasília, junto aos demais movimentos da Via Campesina e da Assembléia Popular. “A discussão com a sociedade é parte essencial deste processo, por isso, faremos brigadas nas capitais para discutir com o máximo de pessoas que pudermos”, afirmam as lideranças do MAB. Para a coordenação do MAB, este momento é de fundamental importância, pois boa parte dos trabalhadores brasileiros estará em mobilização. 4
“Será o momento de mostrarmos para a sociedade que os atingidos por barragens estão em luta, cobrando do governo e das empresas melhoria para as condições de vida e reivindicando que as tarifas da água, energia, gás e transporte continuem públicas e acessíveis aos trabalhadores. Estes devem ser assuntos de domínio público, é um direto dos trabalhadores e um dever do estado”. O papel da militância do Movimento será envolver-se na organização e coordenação das lutas, além da articulação com as forças populares para que essas mobilizações sejam massivas e participativas. Participe você também, pegue sua bandeira, convide seu vizinho e demais participantes do grupo base e vá para a rua! Jornal do MAB | Agosto de 2011
Grupos de base: a força da organização
C
ompreendendo que um movimento só será forte se tiver uma base forte é que o Movimento dos Atingidos por Barragens fará um amplo processo de animação e fortalecimento dos grupos de base no próximo período. O grupo é a porta de entrada que acolhe e prepara as pessoas para a organização e luta do povo. A missão do gru-
po de base é conhecer a realidade, reunir as pessoas e, com elas, resolver os problemas sentidos. O grupo de base se reúne para estudar, planejar sua ação, debater, produzir coisas, trocar experiências, exigir melhoramentos, denunciar as injustiças, se divertir, planejar sua participação em atividades e lutas gerais do próprio movimento. E é com este objetivo que o MAB quer avançar na organização, pois os inimigos são poderosos e só com a nossa união e unidade os venceremos.
ser coordenados por três pessoas, um homem, uma mulher e um (a) jovem. Os coordenadores devem dar exemplo pessoal, priorizar o interesse coletivo e serem militantes do MAB e da causa da classe oprimida.
Os grupos de base precisam proporcionar oportunidades para todos e por isso que o MAB decidiu que os grupos, de preferência, devam
A grande quantidade de grupos de base, muito bem organizados e lutando pelos direitos dos atingidos, será sem dúvida, um grande salto de qualidade em nossa organização.
Maria das Graças Silva é atingida pela barragem de Castanhão e mora na comunidade Bom Jardim, em Jaguaretama, no Ceará. Ela tem experiência de três anos de coordenação de um dos grupos de base de sua comunidade. Maria relata um pouco da importância e desafios do seu grupo de base para a organização do MAB: “Nós fazemos reuniões todos os meses com o grupo que tem onze famílias, pelo menos uma reunião por mês. Aqui na comunidade tem mais dois grupos, além do meu. Cada um deles também tem onze famílias que participam. Primeiro os coordenadores participam da reunião com a coordenação da região, depois voltamos para a comunidade e fazemos uma reunião menor com os coordenadores dos três grupos. Só depois que a gente se reúne entre as famílias. É uma maneira boa, porque a gente leva as decisões da coordenação para as famílias e levamos as preocupações da comunidade para a coordenação. Uma coisa boa é que as famílias ajudam o movimento, é uma ajuda financeira bem pequena, mas importante para criar gosto pelo MAB. Nas reuniões nós discutimos as lutas, os nossos problemas, a gente se conhece melhor entre as famílias, planeja os projetos... porque no início estava meio solto, né, depois foi melhorando e agora está bom e tem que continuar. Jornal do MAB | Agosto de 2011
Nosso grupo começou com as marchas aqui no Ceará em 2009 e agora nós já conquistamos as cisternas pra ter água em casa o ano inteiro, produção de galinha caipira e também algumas cestas básicas para as famílias que mais precisam. Acho que o
Coordenadores de grupos de base
maior desafio para o nosso grupo de base é continuar participando e conquistando projetos para as famílias. É isso que anima as pessoas a participar, porque nós somos unidos no MAB pra viver melhor”. 5
Movimentos reafirmam necessidade
N
Painelistas brasileiros e internacionais participaram do debate
o final do mês de julho aconteceu na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Seminário Internacional: Panorama político sobre estratégias de privatização da água na América Latina, com a participação 120 de representantes de 50 entidades, vindos de 13 países. Nos dois dias do seminário, os participantes debateram as estratégias capitalistas para o domínio da água e discutiram sobre a resistência dos povos em defesa da água como um direito humano. Uma constatação geral foique o capital tem o objetivo de transformar a água numa mercadoria internacional para gerar lucro e acumulação privada, e usa esse mecanismo como uma das alternativas para sair da crise. Esse processo se dá tanto pela apropriação das reservas estratégicas de águas superficiais e subterrâneas quanto pela privatização dos serviços de água. 6
Entre as denúncias feitas está a de que as grandes empresas buscam institucionalizar seu modelo e interesses dentro do Estado através de um conjunto de regras e normas, que posteriormente transformam-se em leis, acordos e tratados que o povo fica obrigado a seguir.
As consequências da privatização Para painelistas, existe um movimento intenso de apropriação da água no saneamento, na geração de hidroeletricidade, no agro e hidronegócio, nos processos industriais e mineração, nas transposições de rios, nas concessões dos rios e lagos, na apropriação e comercialização das reservas de águas minerais. Entre os principais interessados neste processo estão grandes corporações, como Nestlé, Suez, Coca-Cola, Vivendi, Odebrecht, Camargo Correa, entre outras.
Foto: João Zinclar
de luta e unidade contra a privatização da água
da escassez, das secas e desastres ambientais. “Esse discurso ideológico usado pelas grandes empresas e pelos meios de comunicação tem sido instrumento de ameaça e chantagem para impor seus interesses sobre os povos. Inclusive, para estabelecer um novo conceito à água, que passa ter valor de mercado, tal como propôs a Nestlé, que quer transformar a água em commoditie, com seu preço seria definido na bolsa de valores”, diz Gilberto Cervinski, um dos coordenadores do MAB.
Esse movimento do capital se legitima também pelo discurso Jornal do MAB | Agosto de 2011
Sob o controle das empresas privadas, a consequência imediata é o aumento abusivo dos preços. No município de Santa Gertrudes, em São Paulo, onde o sistema foi privatizado em 2010, os preços triplicaram em seis meses. Isso ocorre por causa do modelo de reajuste estabelecido com base em preços internacionais. No caso do setor elétrico, depois da privatização, os preços subiram 400%.
A luta contra a privatização da água é internacional
Luis Infanti, do Chile, falou sobre a defesa da Patagônia, no extremo sul da América. Um dos locais mais abundantes em água doce não contaminada no mundo, antes “esquecida”, a região passou a ser privatizada em um processo indiscriminado de compras de terras inclusive por estrangeiros. Hoje, 82% da água na Patagônia chilena e 96% na argentina pertencem a uma empresa italiana. Durante o seminário, também foi lembrada luta dos ita-
lianos, que no início de junho votaram contra a privatização da água em um referendo que contou com a participação de 57% dos eleitores. Um total de 95,7% dos eleitores votaram pela abolição de dois artigos legais que estabeleciam a possibilidade de privatizar os serviços públicos municipais, incluindo o abastecimento de água.
Desafios da classe trabalhadora Ao final do seminário foi elaborada uma síntese com as constatações sobre o atual momento político, sobre as estratégias do capital para apropriar-se da água e com os principais desafios da classe trabalhadora. Entre eles, está o de enfrentar e derrotar todos os processos e tentativas de privatização da água e reverter os processos já privatizados. Outro desafio enfatizado é o de apostar em processos unificados de luta dos povos para criar e ampliar a força social, no Brasil e a nível internacional, priorizando as lutas de massa, o trabalho de base, a unidade operária e camponesa, a formação política e a organização do povo.
Foto: João Zinclar
Os participantes latino-americanos e africanos trouxeram o relato de que experiências de privatização da água mostraram-se desastrosas, ineficientes e altamente prejudiciais aos povos de seus países. Altas tarifas, zonas de exclusão, baixa qualidade dos serviços e da água, interferência na produção de alimentos e contaminação das águas por venenos e resíduos industriais são os principais problemas enfrentados pela população. Países e regiões que viveram a experiência de privatização estão revertendo os processos para controle público.
Ranifo, da União Nacional de Camponeses, de Moçambique, falou sobre o processo de privatização da água em seu país, que se dá através de parcerias público-privadas, com recursos do Banco Mundial, FMI e sob os interesses de países como a China. Ele destacou as lutas populares dos dois últimos anos no país, em especial o levante popular de setembro de 2010, quando o povo tomou as ruas para protestar contra o aumento do preço da água e dos combustíveis. A manifestação foi brutalmente reprimida, mas teve êxito em baixar as tarifas. Ele destacou a importância para os movimentos sociais de aprender com esse tipo de processo.
Seminário aconteceu na Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ
Jornal do MAB | Agosto de 2011
7
Barragem de Jirau
piora a vida dos atingidos A história de violação dos direitos humanos se repete em mais uma barragem no Brasil
E
m visita à região onde está sendo construída a hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, os militantes do MAB constataram que, com a barragem, a qualidade de vida dos atingidos piorou muito no último período. Os antigos moradores da Vila Mutum Paraná, por exemplo, foram remanejados para a Nova Mutum Paraná, local onde falta terra, trabalho e condições de estudo. O MAB alerta sobre o risco desse reassentamento transformar-se em uma favela, devido à forma como foi implementado e ao desrespeito da empresa às características culturais de vida da população ribeirinha. O reassentamento fica muito longe do rio e dos recursos naturais necessários para a sobrevivência das famílias, como a floresta, as terras e o pescado, impondo à população deslocada uma alteração drástica em seu modo de vida. Recentemente a presidenta Dilma esteve em Rondônia e
Dilma com militantes do MAB e do sindicato
8
recebeu os militantes do MAB e do sindicato dos operários da usina, que denunciaram esta e outras situações de violações dos direitos humanos dos atingidos pelas barragens do rio Madeira e dos trabalhadores das obras. A presidenta se comprometeu em verificar as denúncias.
Como estão as famílias em Nova Mutum? Uma parte significativa delas está abandonando o local, vendendo ou alugando suas casas e indo morar nas proximidades do rio Jirau, na chamada Vila Embaúba. Em média as famílias estão vendendo uma casa dentro da Nova Mutum por R$ 60.000,00. E os compradores estão sendo engenheiros e técnicos do consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), responsável pela construção da usina, e formado pelas empresas GDF-Suez, Camargo Corrêa, Chesf e Eletrosul. De acordo com relatório da Plataforma Descha, há relatos da má qualidade das moradias construídas, que mesmo tendo sido entregues há menos de um ano, já apresentam rachaduras. As vias públicas também já apresentam buracos e deformações. Despossuídas dos meios em que desenvolviam suas atividades de subsistência e renda, basicamente da pesca, do extrativismo e da agricultura, as famílias agora partem em busca de alternativas,
como pequenas atividades comerciais para atender aos trabalhadores da usina. Mesmo que o momento seja propício para essas
Casa de família atingida
Casa de técnico da usina de Jirau
atividades, os próprios moradores reconhecem que essa situação é passageira e não têm perspectiva para quando acabarem as obras da hidrelétrica. Também há relatos de prostituição e abusos sexuais, inclusive envolvendo jovens e adolescentes, ocorrendo dentro do distrito. A verba de manutenção temporária que o consórcio vinha pagando para as famílias acabou em junho, mês em que as famílias já iniciaram pagando água. Um morador comentou que chegou a pagar R$150,00 de água. A partir do mês de agosto, as famílias começarão a pagar também energia, que até agora era custeada pelo consórcio. O consórcio tinha acordado com as famílias a construção de uma creche e até agora não cumpriu. Jornal do MAB | Agosto de 2011
Altamira, um caos anunciado
A
ndar pela cidade de Altamira não é mais a mesma coisa do que há alguns meses atrás. Pessoas chegam, centenas delas todos os dias, vinda de todos os cantos do Brasil, na promessa de se dar bem com a construção da barragem de Belo Monte. O trânsito está um caos. Inúmeros semáforos foram colocados nas ruas na busca de uma solução, mas não resolveram o problema. Carroceiros já não podem mais trabalhar nas ruas. Postos de saúde, hospitais, escolas, que já estavam em precárias condições, não conseguem dar conta dessa nova demanda. Na orla da cidade, ponto de encontro das pessoas durante a noite, dezenas de camionetes novas, de todos os tipos e marcas, passam a ocupar os estacionamentos. É uma amostra de status e de poderio. A especulação imobiliária chegou no mesmo ônibus. Segundo os relatos dos moradores, casas que antes se alugava por R$ 300,00 hoje paga-se mais de 700 reais. Outras um pouco maiores, localizadas no centro, que se alugava por 500 reais,
hoje por menos de 1500 reais não se consegue. O setor hoteleiro não tem mais vagas, e as diárias subiram de 50 para mais de 200 reais em poucos dias em muitos hotéis da cidade. O “desenvolvimento” chegou e junto com ele todas essas consequências. A questão que surge é: os trabalhadores que vão chegar ou que já estão na cidade têm condições de pagar esse absurdo? A cidade está preparada para essa demanda? Não! Prova disso são as ocupações urbanas que já surgiram. Famílias se organizam e partem para áreas próximas à cidade. São ocupações legítimas, pela necessidade de garantir moradia digna para as pessoas e também pelo fato dessas áreas estarem nas mãos de políticos que adquiriram essas terras de forma duvidosa.
As ocupações urbanas Houve ocupação no bairro da Serrinha, com 279 famílias, uma área que supostamente pertence ao político Domingos Juvenil, mas está em nome de um “laranja”. Também houve no bairro do Mutirão, com 400 famílias, sendo a área de uma imobiliária. E por fim, houve ocupação próxima ao bairro Alberto Soares, com 400 famílias, que foram despejadas três vezes, a última no dia 21 de junho, sob forte repressão policial, com a prisão de 80 pessoas,
sendo um menor de idade e várias mulheres. Parte dessa área pertence à empresa Eletronorte e parte ao mesmo político, Domingos Juvenil. Todos esses casos mostram a existência de privilégios para as empresas responsáveis por Belo Monte e todos que se ligam economicamente ao empreendimento e repressão à população que vive às margens desse modelo. O consórcio Norte Energia, responsável pela barragem, está mais preocupado com a “limpeza” do canteiro de obras do que com essas consequências na cidade de Altamira. Mas, diante de tantas ameaças, o povo está aumentando a resistência. As ocupações urbanas organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), a luta do Levante Popular da Juventude, a organização das famílias no MAB, a consolidação da frente de resistência contra Belo Monte, a resistência das famílias nas comunidades camponesas, a organização dos pescadores e dos carroceiros mostra que há uma insatisfação popular muito grande, e ao mesmo tempo, uma necessidade de discutir o desenvolvimento para todas as pessoas, e não cair no conto de fadas das empresas, cujas lindas promessas de “progresso” já estão sendo desmascaradas. A nós cabe nos organizar e questionar: Belo Monte, para quê e para quem?
Trabalhadores sem teto protestam contra a desocupação violenta
Jornal do MAB | Agosto de 2011
9
Foto: Andrea Rossi
Mal começou a construção de Belo Monte e a cidade paraense já vê sua rotina mudar, para pior!
Atingidos por barragens e sem terra ocupam hidrelétrica e latifúndio
C
erca de 1000 integrantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ocuparam no início do
mês de junho o canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Garibaldi, no rio Canoas, entre os municípios de Cerro Negro e Abdon Batista, e um latifúndio improdutivo em Cerro Negro, em Santa Catarina.
O objetivo da mobilização é garantir os direitos à indenização para as famílias atingidas e ao reassentamento para as famílias sem-terra do MAB e do MST que estão cadastradas pelo INCRA. Após conseguirem abrir negociação com a empresa construtora, o consórcio Rio Canoas Energia, os movimentos deixaram as instalações da usina e reforçaram o acampamento de Cerro Negro. Um fato que merece destaque é que os operários da usina manifestaram apoio aos atingidos por barragens, pois lutam por melhores condições de trabalho, já que as jornadas de trabalho são muito cansativas.
Ocupação do canteiro de obras da UHE Garibaldi
Acampamentos mobilizam atingidos por barragens em Tocantins
C
entenas de atingidos por barragens estão acampados em três regiões do Tocantins. São atingidos pelas barragens de São Salvador, Peixe Angelical, Estreito e Lageado que lutam pelos seus direitos. No município de Palmeiropolis, no sul de Estado, quase divisa com Goiás, 350 famílias estão acampadas a mais de um ano em busca de terra, moradia e condições dignas de vida. Estas famílias foram atingidas pelas barragens de São Salvador e Peixe Angelical. Já no outro extremo do estado, cerca de 400 famílias atingidas pela Barragem de Estreito estão acampadas desde o mês de abril em uma área da União, no município de Barra do Ouro. Eles lutam pelo loteamento da área urbana a fim de poderem construir suas casas. 10
Além destes dois acampamentos, no centro do estado, próximo à capital, cerca de 500 famílias do MAB e do MST estão acampadas desde o mês de maio. Na grande maioria, são famílias
expulsas pela barragem de Lageado que moram na periferia de Palmas. As famílias reivindicam uma área para reassentamento, já que eram camponesas e não receberam indenização junta.
Atingidos e sem terra em assembleia no acampamento
Jornal do MAB | Agosto de 2011
NOSSA PRODUÇÃO
Famílias atingidas produzem alimentos saudáveis em Minas Gerais
O
processo de luta em Minas Gerais já tem garantido vitórias para os atingidos por barragens, principalmente na área da produção. Entre as
conquistas, está a participação no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), a construção de estufas para a produção de hortaliças e a participação no projeto de cons-
trução de cisternas no semi-árido mineiro. O objetivo é a melhoria da qualidade de vida e o fortalecimento da organização das famílias nas diferentes comunidades do estado.
“O PAA é uma forma de venda facilitada da produção com um pagamento justo, além disso, há uma gratificação grande com a possibilidade de fornecer alimentos para entidades de educação e caridade”, afirma José Gilberto Clemente Frade, atingido pela barragem de Granada e produtor rural, um dos beneficiados pelos projetos do Movimento.
Na região de Ponte Nova, na zona da mata mineira, 31 famílias atingidas fizeram entrega de alimentos para escolas e entidades que acolhem pessoas carentes nas cidades.
Na região norte do estado, os atingidos pela barragem de Berizal iniciaram a primeira etapa do projeto de construção de 178 cisternas no semi-árido mineiro. “As famílias organizadas no MAB usaram do trabalho coletivo para a cava do buraco, além disso, os pedreiros capacitados saíram das próprias comunidades”, informa Francisca Maria Sousa, atingida pela barragem de Berizal.
Ainda na zona da mata, famílias atingidas pela barragem de Fumaça estão produzindo hortaliças em estufas. Estas são construídas em mutirão com auxilio de um fundo cedido pela própria comunidade. A capacidade da estufa é de 800 pés de alface, que são vendidos a R$0,90 a unidade. “Há o aproveitamento de materiais disponíveis na região, principalmente o bambu e a madeira, com o objetivo de baratear os custos, de modo que cada estufa custa em média R$500,00”, afirma Claudiano, atingido pela barragem de Fumaça. Jornal do MAB | Agosto de 2011
11
Mulheres atingidas fortalecem
as lutas do MAB
“Pra mudar a sociedade, do jeito que a gente quer, participando sem medo de ser mulher!”
A
pós o sucesso do encontro nacional das mulheres atingidas por barragens, realizado em abril, na capital federal, o MAB segue incentivando a participação das mulheres na organização e na luta contra todo tipo de opressão. Historicamente, as mulheres são as vítimas “necessárias” para a reprodução do modelo de sociedade capitalista, patriarcal e machista. No caso específico das mulheres atingidas pelo modelo energético, temos um agravante: além de enfrentar a opressão e as desigualdades nas relações de classe e gênero, sofremos a violação dos direitos decorrentes da construção das barragens. O debate sobre as relações de gênero e as violações dos direitos humanos na vida das mulheres atingidas ainda é recente no MAB. Porém, torna-se cada vez mais necessário, principalmente nesse momento em que a
estratégia do setor elétrico brasileiro avança na construção das obras e o Movimento reafirma seu caráter de lutar por um Projeto Energético Popular. Esse debate traz consigo os desafios de valorizar as experiências já acumuladas de resistência, e ao mesmo tempo criar espaços específicos para estimular a participação das mulheres. O objetivo é torná-las protagonistas diretas da organização e da luta, para defender seus direitos enquanto mulheres e, coletivamente, assumir o desafio de fortalecer a estratégias
de organização da base social dos atingidos/as por barragens. Seguindo as definições do encontro nacional, neste segundo semestre serão realizados encontros estaduais com as mulheres do MAB, e na sequência, encontros nas comunidades atingidas. Os encontros servirão para que elas contribuam no processo de organização dos grupos de base, assumindo a tarefa de colaborar na coordenação dos mesmos, e também para que o Movimento, em sua pauta, passe a incorporar cada vez mais as demandas específicas das mulheres.
MAB lança cartilha sobre violação dos direitos das mulheres em áreas de barragens Durante sua investigação sobre a violação dos direitos humanos em áreas de barragens, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana constatou que as mulheres são as mais prejudicadas por essas obras. Fruto desta constatação e da realidade vivida por cada atingida por barragem, foi produzida a cartilha “O modelo energético e a violação dos direitos humanos na vida das mulheres atingidas por barragens”, onde o MAB busca analisar como a chegada da barragem afeta de maneira particularmente grave as mulheres. Essa cartilha é um importante instrumento para o trabalho de organização das mulheres nos estados e mostra a necessidade de fortalecer o trabalho com elas. 12
Jornal do MAB | Agosto de 2011