Nº 25 | Novembro de 2014
Para seguir avançando, nenhum passo atrás!
O que está por trás dos ataques à Petrobrás? Página 3
Conta de luz seguirá aumentando Página 6
Papa recebe movimentos sociais em Roma Página 14
EDITORIAL
Para avançar em 2015
N
a luta cotidiana junto com o povo brasileiro, os atingidos por barragens enfrentaram neste ano de 2014 vários desafios.
O primeiro desafio é a luta permanente pelos direitos dos atingidos por barragens, que até o momento não tem nenhum amparo legal, mesmo já tendo uma proposta em debate junto com o atual governo federal. O segundo grande desafio foi enfrentar para mudar a atual política energética nacional que privilegia o lucro das grandes empresas e é dominada pelo capital nacional e internacional.
Para 2015, prevemos que nossa luta vai continuar e até se ampliar, pois teremos uma tarefa duplicada que é a luta contra o retrocesso e pelos nossos direitos. Certamente nossa força terá que aumentar, as alianças com lutadores da mesma causa precisa se fortalecer, nossa certeza na luta por um mundo mais justo e igualitário terá que se renovar a cada dia. Só a luta permanente do povo organizado poderá transformar pela raiz as estruturas injustas de nossa sociedade. Nenhum passo atrás! Coordenação Nacional do MAB
FOTO: Joka Madruga
O terceiro é a luta permanente para não haver retrocessos políticos, econômicos e sociais no país. É evidente que forças conservadoras homofóbicas, machistas, privatistas, capitalistas não aceitam que o povo brasileiro tenha o mínimo de melhorias
nas suas condições de vida, e de tudo fazem para disputar os aparelhos de Estado para manter e ampliarem os seus privilégios.
EXPEDIENTE Jornal do MAB Uma publicação do Movimento dos Atingidos por Barragens Produção: Setor de Comunicação do MAB Projeto Gráfico: MDA Comunicação Integrada Tiragem: 10.000 exemplares
2
VISITE O SITE DO MAB Em www.mabnacional.org.br é possível ler notícias sobre o Movimento, ver fotos e vídeos, ler artigos e ouvir músicas. Acompanhe as novidades e compartilhe com os companheiros e companheiras! Jornal do MAB | Novembro de 2014
O que está por trás dos ataques à Petrobrás? Para além da investigação que aponta desvios de bilhões de reais, o que está em jogo é o futuro da maior empresa estatal do país
D
eflagrada em março deste ano pela Polícia Federal, a Operação Lava Jato investiga um esquema de corrupção de empresas que prestam serviços à Petrobrás para favorecimento de executivos, empresas e partidos políticos desde 1999. No dia 14 de novembro, foram cumpridos 85 mandados de prisão ou de busca e apreensão contra empresários de prestadoras de serviço da Petrobrás, entre elas a Camargo Corrêa, Engevix, Galvão Engenharia, Iesa, Mendes Júnior, OAS, Odebrecht, Queiroz Galvão e UCT. As empresas, que têm contratos bilionários com a Petrobrás, são acusadas de pagarem propina a diretores da estatal para serem favorecidas em licitações de obras e serviços. Estes corruptores são velhos conhecidos dos atingidos por barragens, como a Engevix, que teve seu vice-presidente, Gerson Almada, preso durante a operação. Esta companhia foi responsável por fraudar os estudos de impacto ambiental na hidrelétrica de Barra Grande e, atualmente, faz parte do Consórcio Rio Uruguai, responsável pelos estudos das hidrelétricas de Garabi e Panambi. De acordo com depoimentos de ex-diretores da Petrobrás, o dinheiro arrecadado pelas propinas para favorecer
Jornal do MAB | Novembro de 2014
empresas em obras de licitação foram destinados a campanhas eleitorais de diversos partidos políticos, inclusive o PSDB de Aécio Neves. De acordo com representantes de movimentos populares, o que a grande mídia tenta passar para a população é o desgaste da imagem e da credibilidade da Petrobrás, através de um ataque sistemático, que tem como objetivo final criar as condições para uma futura privatização da Petrobrás e a entrega do Pré-sal para empresas estrangeiras, principalmente para as petroleiras dos Estados Unidos. De acordo com o coordenador da Federação Única dos Petroleiros, José Maria Rangel, os culpados devem ser punidos, mas não se pode aprovar a postura golpista de setores conservadores. “O que não admitimos é que a empresa continue sendo desmoralizada por setores da sociedade que sempre tentaram enfraquecê-la e seguem fazendo de tudo para se apropriarem de uma das maiores riquezas da nossa nação, que é o pré-sal”, afirmou. Já em setembro, antes do vazamento das denúncias do ex-diretor da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, o ex-presidente Lula, em ato organizado pelos movimentos sociais e sindicais, no Rio de Janeiro, já alertava sobre os reais motivos dos ataques dirigidos à Petrobrás.
“Quem é que está incomodado com a criação de uma empresa pública e estatal para tomar conta desse petróleo? Quem é que está contra nós termos aprovado 75% dos royalties para a educação e 25% para a saúde? Certamente não é nenhum trabalhador brasileiro. Certamente não é nenhum petroleiro. Certamente não é nenhum brasileiro que ama esse país”, questionou Lula. O que está em disputa é uma riqueza avaliada em torno de 4 trilhões de dólares com a exploração dos campos de petróleo em áreas de Pré-sal, onde grande parte do lucros será revertido para melhorar a saúde e a educação dos brasileiros, conforme já aprovado através da Lei de Partilha. O MAB alerta para que a população brasileira tenha muita clareza sobre as disputas que estão ocorrendo no caso da Petrobrás. “Em primeiro lugar, é positivo que pela primeira vez na história se investigue e se puna os corruptores. Mas a disputa de fundo é a privatização da Petrobrás e a entrega do Pré-sal para as grandes empresas privadas internacionais”, disse Gilberto Cervinski. A outra disputa, afirmou, “é que os setores da direita brasileira que perderam a eleição querem transformar o caso da Petrobrás em um processo para a derrubada deste governo eleito pelo povo, o que abriria condições para avançar na entrega do Pré-sal e retroceder nos avanços sociais conquistados”.
3
Movimentos querem que a Refo Mais de 450 organizações sociais coletaram 7,5 milhões de votos a favor de uma constituinte para a Reforma Política; o objetivo da campanha agora é pressionar pela convocação de um plebiscito oficial para que a população brasileira decida se deve ser feita pelo povo ou pelos deputados.
M
ovimentos sociais, sindicais e pastorais realizaram, na semana da pátria deste ano, o Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político. Foram abertas mais de 40 mil urnas, espalhadas por mais de dois mil Comitês Populares em todos os estados do país, atravésda mobilização de cerca de100 mil militantes. 4
Das 7.754.436 pessoas que votaram no Plebiscito Popular, 97,5 % disseram que são a favor da convocação de uma constituinte que convoque representantes da população para fazer a proposta de Reforma Política. O objetivo agora é lutar por um Plebiscito Oficial, com a mesma pergunta. Esse resultado foi apresentado à presidenta Dilma Rousseff no mês de outubro, durante um ato de campanha com movi-
mentos sociais em Brasília. A presidenta assumiu então que é aliada na luta por um plebiscito. Todos concordam que precisamos fazer uma grande Reforma Política no país. Os empresários financiam a grande maioria dos candidatos e assim mandam no Congresso e nas leis que são aprovadas. Portanto, o poder econômico manda na política. Com este congresso não dá. Jornal do MAB | Novembro de 2014
rma Política seja feita pelo povo Existem duas iniciativas de Reforma Política Uma é puxada pelos próprios deputados e apoiado pela grande mídia, que querem manter tudo como está ou até piorar, ou seja, seria uma “contra-reforma”. Após a elaboração da proposta final pelo Congresso, fariam um “referendo” para ver se a população aceita ou não. Por isso a maioria dos deputados é contra a realização de um Plebiscito, porque certamente o povo ganharia mais poder e os parlamentares e empresários perderiam força.
A outra iniciativa é dos movimentos sociais, que defendem que a Reforma seja realizada pelo povo e não pelo Congresso. No entanto, é preciso fazer um Plebiscito Nacional Oficial que autorize o povo a fazer a Reforma Política através da convocação de uma Constituinte Popular.
Essa proposta encontra apoio da presidenta Dilma. Entretanto, como presidenta da República, ela não pode convocar este Plebiscito Oficial. Pela atual Constituição, isso é de responsabilidade do Congresso. Portanto, vai ser necessária muita luta popular para pressionar por um Plebiscito Constituinte já! Por isso, o nosso primeiro passo é lutar pelo Plebiscito Oficial, que dessa forma abriria as portas para o povo fazer a melhor proposta de Reforma Política.
Novo Congresso será pior para o povo O congresso eleito nesta última eleição demonstra a necessidade de uma reforma no sistema político. Há uma grande diferença sobre a população brasileira e sua representação no congresso. A maioria dos parlamentares eleitos são representantes dos mais ricos e dos empresários, diferente da maioria da população brasileira, que é formada por trabalhadores e trabalhadoras. Os bancos e grandes empresas financiarama maioria das campanhas eleitorais. O que se observou é que as campanhas mais ricas foram as que elegeram mais deputados. Cada empresa e cada banco tem a sua bancada de deputados, que depois de eleitos, certamente vão defender seus interesses nos próximos quatro anos. Com o atual sistema político, onde os candidatos são financiados por empresas privadas, os deputados eleitos tiveram um gasto, em média, de 1milhão e 400 mil reais em suas campanhas. Um trabalhador que ganha 2 salários mínimos por mês, cerca de 1400 reais, teria que trabalhar 83 anos ininterruptos para juntar essa quantia. O deputado Sergio Sveiter (PSD-RJ) foi um dos que mais gastou dinheiro durante a campanha para se eleger. Foram 5,7 milhões para conquistar 57 mil votos, em média o custo de cada voto foi de R$ 99. Apesar das mulheres serem maioria no Brasil, isso não se reflete no congresso, pelo contrário. Nestas últimas eleições foram eleitas 51 parlamentares das 513 cadeiras. Isso representa apenas 9,9% do universo dos deputados. O mesmo ocorre com a população negra. No Brasil, 51 % da população são formados por negros, de acordo com o último censo do IBGE. Entretanto, a representação popular na Câmara não reflete essa maioria. Dos eleitos, 80% se autodeclararam brancos. Das 513 cadeiras, 22 deputados se declararam negros, apenas 4% do total dos deputados.
Jornal do MAB | Novembro de 2014
5
Conta de luz seguirá aumentando Aumentos neste ano ficaram entre 20 e 30% e seguirão crescendo no próximo ano.
A
conta de luz que a população brasileira paga mensalmente é a 11ª tarifa mais cara de todo o planeta. Mesmo assim, no ano de 2014, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) autorizou reajustes tarifários, que ficaram entre 20 e 30% de aumento, para a maioria das distribuidoras de energia elétrica.
cobrando R$ 822,83 pela mesma quantidade de energia, um valor 25 vezes maior. Esse custo, resultado do golpe, está sendo repassado em aumentos nas contas de luz da população ao mesmo tempo em que as empresas ganham lucros bilionários.
O MAB realizou um estudo que vem acompanhando todos os reajustes nas tarifas de energia das distribuidoras e o resultado mostra grandes aumentos para o próximo período. Entidades empresariais estimam que a média será de 27% de aumento no próximo ano. Pelo levantamento, de janeiro a novembro deste ano, das 64 distribuidoras que existem no Brasil, 61 já haviam passado pelo “reajuste tarifário anual”, sendo que 60 delas receberam aumentos e em apenas uma o reajuste foi negativo. Enquanto a inflação dos últimos 12 meses ficou na média dos 6%, 44 distribuidoras tiveram aumentos que variaram entre 15 a 30%. O que também se percebe é que os aumentos de março em diante ficaram cada vez maiores, chegando no dia 1º de novembro a um aumento de 54,06% para a distribuidora de Roraima. A tabela ao lado mostra o quanto cada distribuidora solicitou e qual o aumento autorizado pela ANEEL.
Mais aumentos para 2015 Os aumentos tendem a seguir no próximo ano por causa da especulação que as empresas privadas e as empresas administradas pelos governadores do PSDB de MG, SP e PR vêm realizando neste último período. No início de 2014, o MAB denunciou que estas empresas estavam praticando um golpe contra a população, o que causaria grandes aumentos nas contas de luz. As empresas se defendem dizendo que é apenas culpa da falta de chuva, o que não é verdade. Empresas do governo federal estão vendendo energia de suas usinas a R$ 32,00/1.000 kw, enquanto a CEMIG, CESP, COPEL, AES, DUKE, TRACTEBEL, estão cobrando R$ 822,83/1.000 kw, um valor 25 vezes maior. Vejam um exemplo: a hidrelétrica Luiz Carlos Barreto, de Furnas, localizada no rio Grande, na divisa entre Minas Gerais e São Paulo, aceitou a proposta de renovação da concessão do governo federal e passou a vender energia a R$ 33,00/1.000 kWh, o que garante ainda uma taxa média de lucro. Entretanto, 30 quilômetros abaixo do mesmo rio, uma hidrelétrica (Jaguara) da CEMIG, que não aceitou reduzir o preço, está 6
Distribuidora
UF
DATA
CEMAT CEMIG-D CPFL-Paulista COELBA COELCE CELPE RGE COPEL-DIS CELTINS
MT MG SP BA CE PE RS PR TO
8/abr 8/abr 8/abr 22/abr 22/abr 29/abr 19/jun 24/jun 4/jul
ELETROPAULO CELESC-DIS CELPA ELEKTRO CEMAR CEPISA CELG-D BANDEIRANTE CERR LIGHT CERON
SP SC PA SP MA PI GO SP RR RJ RO
4/jul 7/ago 7/ago 27/ago 28/ago 28/ago 12/set 23/out 1/nov 7/nov 30/nov
Reajuste 2014 Solicitado Autorizado 22,24 11,16 29,74 15,78 26,05 17,97 18,12 15,00 13,83 17,02 18,13 17,69 20,33 23,06 32,45 33,49 14,39 10,98 16,69 20,49 37,07 38,05 30,75 34,04 28,30 26,22 37,99 25,04 38,85
18,06 22,76 34,34 35,97 24,11 24,93 19,85 20,60 54,06 19,11
Jornal do MAB | Novembro de 2014
Reivindicações de empresas do setor elétrico prejudicam atingidos Empresas querem, por exemplo, a redução dos direitos para as populações atingidas, barragens com lagos maiores e facilitação na obtenção de licenças ambientais
O
s empresários que controlam o setor elétrico brasileiro realizaram um encontro nacional chamado de “Fórum das Associações do Setor Elétrico Brasileiro” (FASE), que reuniu as 17 associações empresariais de energia elétrica, entre elas a Associação Brasileira das Geradoras (ABRAGE) e a Associação dos Grandes Consumidores (ABRACE). No encontro, as empresas definiram uma pauta que está em documento com 18 páginas. No documento estão as prioridades que querem cobrar da presidenta Dilma nos próximos anos. É uma pauta que tem como objetivo a manutenção e o aumento do lucro das empresas para reprodução e acumulação de capital. Para que as populações atingidas por barragens possam entender melhor o que pode vir pela frente e o que terão que enfrentar, o MAB fez um estudo detalhado destas reivindicações empresarias no setor elétrico, e apresenta um resumo em forma de infográfico (veja ao lado). Estas são as principais reivindicações dos empresários que garante altas tarifas e novos aumentos na conta de luz. Mantém-se o controle das transnacionais sobre toda a energia, desde usinas até distribuidoras, além da tentativa constante de privatizar o restante que é controlado pelo governo. Além disso, com a redução no ganho dos trabalhadores e nos direitos das populações atingidas, querem reduzir os gastos sociais na construção das usinas para aumentar o lucro. Jornal do MAB | Novembro de 2014
Plano prevê mais 30 novas hidrelétricas O Ministério de Minas e Energia publicou recentemente o "Plano Decenal 2023", um documento com cerca de 433 páginas, com previsões do setor energético para os próximos 10 anos. Até o ano 2.023 o plano prevê acrescentar mais 71.000 MW de eletricidade ao sistema nacional, um acréscimo de 57%. Deste total, 34.000 MW virão de hidroeletricidade, mostrando que a prioridade é o uso dos rios. Outros 20.000 MW virão da construção de parques eólicos, 10.000 MW de térmicas a gás natural, 3.500 de placas solares e 4.000 da queima de biomassa (cana). No documento estão previstas 30 novas hidrelétricas que estão localizadas
nos rios do PA, MT, PR, RS, SC, MG, TO, RO, GO, PI, MA, BA, RJ e RR. Principalmente, nas bacias hidrográficas dos rios Teles Pires, Tapajós, Tocantins, Piquiri, Uruguai e Parnaíba. Já as PCHs estão espalhadas em grande parte dos rios do país. O plano também estima que apenas 43.000 pessoas serão atingidas diretamente. Números certamente equivocados, já que somente em uma usina, Belo Monte, são cerca de 10 mil famílias já comprovadas, ou seja, mais de 40.000 pessoas. O MAB estima que mais de 200 mil pessoas serão atingidas. Os investimentos totais no setor elétrico estão estimados em R$ 300 bilhões, sendo que 100 em hidrelétricas. 7
Belo Monte vai gerar energia sem reassentar famílias A hidrelétrica pretender iniciar produção de energia com apenas 15% das famílias reassentadas e atingidos temem maior risco de enchentes neste inverno devido à alteração do fluxo do rio
O
fim do ano vai chegando e “inverno” vira uma palavra muito falada pelos atingidos por Belo Monte em Altamira, no Pará. Significa a época das chuvas e da cheia dos rios, com alagamento de boa parte da cidade nas áreas de palafita. É um período difícil: milhares de famíliasficaram desabrigadas no último ano e foram parar em abrigos provisórios, onde originalmente se guardam cavalos. Agora, a palavra “inverno” adquiriu uma conotação adicional. Isso porque as obras da barragem seguem aceleradas. A construção do muro já chegou a 100 metros acima do nível do mar no início de outubro. O fluxo do rio já está alterado, a água pode subir mais rápido e demorarainda mais para descer. Ou pior: a água pode subir e nem descer mais, já que o planejamento da Norte Energia, dona de Belo Monte, é começar a gerar energia no início do ano que vem. As mudanças das famílias para o reassentamento, no entanto, não seguem na mesma velocidade. A idados atingidos para o reassentamento urbano começou em janeiro desse ano. Em novembro, 1000 famílias haviam sido reassentadas, de um total de 3.980 previstas pela empresa. O tal “reassentamento” já apresenta inúmeros problemas, como rachaduras nas casas, infiltração, falta de iluminação e até explosão de fossas. 8
Apesar disso, ir para o reassentamento é a principal luta dos atingidos, que enfrentam diversos obstáculos. Primeiro: a previsão original da empresa era terminar a realocação até o fim do ano, mas menos de um terço das famílias já se mudou. Segundo: das 7.790 cadastradas, apenas 3.980 receberão novas casas.Ou seja, a pressão é para que o restante “opte” pelas indenizações, que são cada vez menores. Para muita gente só está sendo oferecida indenização,que não leva em conta a realidade atual de Altamira. “As indenizações estão sendo R$ 10 mil, R$ 20 mil... Isso não dá pra comprar nada aqui. Belo Monte está virando uma usina de sem-teto”, afirma Eliane Moreira, uma das atingidas pela barragem.
MAB conquista reabertura de cadastro Além disso, muita gente sequer foi cadastrada pela empresa, o primeiro passo para ser reconhecida como atingida.É o caso, por exemplo, das 30 famílias que vivem no Recanto Sudam, à beira de um lago. Mesmo estando abaixo da cota 100 e sendo reconhecida pela prefeitura de Altamira como “o primeiro local que alaga quando chega o inverno”, a Norte Energia nunca cadastrou nenhuma família ali. O próprio Ministério Público já reconheceu que a empresa está excluindo muitos atingidos do direito à moradia, em especial ribeirinhos, pescadores, indígenas, pessoas que pela dinâmica das suas atividades econômicas passam longos períodos fora de casa. Para a Norte Energia, esses atingidos
têm casas só para especulação, o que mostra um profundo desconhecimento da realidade. Somente com muita pressão dos atingidos organizados no MAB, a Norte Energia admitiu no começo do mês reabrir o cadastro para “novas ocupações”, mas ainda não está claro o número de atingidos que poderão ter seus direitos reconhecidos com a medida. Esse ano, no entanto, não foi só de mazelas, mas também de lutas: os atingidos passaram a se organizar para lutar por seus direitos. Depois de ocupação do reassentamento, trancamento de rodovia, passeatas e reuniões, passaram a ser minimamente reconhecidos. O inverno esse ano adquire então um último significado: a necessidade urgente de estarem ainda mais organizados para lutar pelo direito à moradia. Jornal do MAB | Novembro de 2014
Barragem de Panambi e Garabi: um antigo sonho do capital são sonhos antigos do capital e datam da década de 70, mas foram derrotados pela população na época”, relembrou Tereza Pessoa, da coordenação do MAB. Propostas pelas empresas estatais de energia, a brasileira Eletrobras e a argentina Ebisa, as hidrelétricas estão orçadas em aproximadamente R$ 13 bilhões. Além disso, as empresas poderão lucrar R$ 32 bilhões com a venda de energia. No meio disso, encontram-se 12 mil pessoas, de acordo com estimativas oficiais, que serão atingidas diretamente pelos lagos das barragens, que inundarão 96 mil hectares, área maior que a alagada por Belo Monte.
A
s barragens de Panambi estão projetadas para o rio Uruguai, na divisa entre a Argentina e o Brasil, no Rio Grande do Sul. Mesmo que só agora a região esteja sendo assediada para a implementação da obra, o projeto foi idealizado ainda no período da ditadura militar. “Essas barragens [Garabi e Panambi]
De acordo com a coordenadora do MAB, Neudicléia de Oliveira, de cada 10 atingidos por barragens no Brasil, apenas três tiveram acesso a direitos. “Se não nos envolvermos com a organização dos atingidos e não lutarmos, aqui o tratamento será o mesmo que em outras regiões, tanto é que a empresa responsável por fraudar os estudos de impacto ambiental em Barra Grande, a Engevix, está entre as empresas do Consórcio Energético Rio Uruguai.” Apesar de separar geograficamente os dois países, atualmente o rio promete unir brasileiros e argentinos para resistir e manter vivo o último trecho onde as águas ainda correm sem barramento.
MAB conquista política de direitos no Rio Grande do Sul
O
s atingidos por barragens do Rio Grande do Sul conquistaram uma vitória histórica no último mês de junho: o governador Tarso Genro assinou um decreto que cria uma Política Estadual de Direitos dos Atingidos por Barragens.
Os principais pontos da política são a definição do conceito de atingido, o estabelecimento de critérios de reparação e o reconhecimento do passivo social em antigas áreas atingidas por barragens. Durante a cerimônia, os atingidos retomaram uma série de momenJornal do MAB | Novembro de 2014
tos importantes na luta contra as barragens. No estado são mais de 35 anos de organização dos atingidos, a partir da criação da Comissão Regional dos Atingidos por Barragens (CRAB) que, posteriormente, foi um dos pilares na nacionalização do movimento em 1991, com o surgimento do MAB. A coordenadora do MAB, Neudicléia Oliveira, afirmou a relevância do momento histórico para os atingidos. “Milhares de pessoas já foram atingidas aqui no Rio Grande e em todo o Brasil. Essa política é o
resultado de mais de três décadas de muita luta.” Oliveira acredita que esse decreto também pode impulsionar a criação de políticas de direitos em outros estados brasileiros e, principalmente, forçar a assinatura da Política Nacional dos Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB). “Há quatro anos apresentamos a primeira proposta ao governo federal. Esperamos que esse decreto sirva como exemplo a presidenta Dilma, que havia prometido a instauração da Política Nacional”, finalizou. 9
Privatização da SABESP causa crise da água em SP Região sudeste vive uma das maiores secas da história. No entanto, especialistas e movimentos sociais apontam os reais motivos que levaram a essa situação alarmante.
A
s previsões do tempo são incertas no que diz respeito à questão das chuvas na região sudeste. No entanto, outra previsão se demonstrou correta: passadas as eleições, os efeitos da crise hídrica e o racionamento de água se tornaram cada vez mais intensos.
de infraestrutura, pois deveria estar muito preocupada com a sua margem de lucro que, aliás, é diretamente dividida entre acionistas na bolsa de Nova Iorque e São Paulo. Um processo explícito de privatização da água”, explica Liciane.
Há um mês, antes das eleições portanto, era expressamente proibido tocar nesse “assunto”. Hoje a crise é mais do que declarada, e até o governador tucano reeleito, Geraldo Alckmin, está pedindo socorro ao governo federal no valor de R$ 3,5 bilhões.
PSDB viola direitos humanos
Segundo a coordenadora do MAB, Liciane Andrioli, é curioso o pedido de ajuda, uma vez que a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a SABESP, teve um lucro de R$3,8 bilhões nos últimos anos. “Está mais do que claro que a SABESP não investiu o necessário em obras
10
Em agosto deste ano, a relatora da ONU, Catarina Albuquerque, esteve em São Paulo e denunciou o descaso em relação à crise da água. Segundo a relatora, o governo do Estado pode ser acusado por violação dos direitos humanos. “A legislação brasileira tem um termo que fala sobre a questão da “prioridade” do uso da água. A maior prioridade é para o consumo humano. Isso significa que numa situação grave de seca, como esta
que se vive hoje em São Paulo, antes de se racionar água às pessoas, tem que se racionar água dos outros setores que não são prioritários, como as grandes empresas”, afirmou Catarina. Segundo uma pesquisa realizada pelo Datafolha, realizada em outubro, 60% dos paulistanos já sofreram com a falta d’água nos trinta dias anteriores à pesquisa. A situação é extremamente delicada não apenas no estado de São Paulo, mas também no Rio de Janeiro e Minas Gerais, tanto para o Sistema Cantareira, que abastece a Grande São Paulo e a capital, e recebe água do rio Tietê e do Piracicaba, como também do rio Paraíba do Sul, que abastece o Vale do Paraíba (SP), a região metropolitana do Rio de Janeiro e parte de Minas. Juntos, os sistemas abastecem quase 30 milhões de pessoas.
Jornal do MAB | Novembro de 2014
Movimentos dão passo inédito na
produção de alimentos no Rio Grande do Sul
O
Rio Grande do Sul deu um passo inédito em direção à união entre campo e cidade. Fruto da luta e das mobilizações dos movimentos que compõe a Via Campesina, o Plano Camponês é um programa inédito para a agricultura camponesa. No início de 2014, o governador do estado, Tarso Genro, disponibilizou R$ 50 milhões e o BNDES outros R$ 50 milhões para serem investidos em toda a cadeia de produção de alimentos saudáveis.
Os recursos serão canalizados para a produção, que beneficiará 15 mil agricultores, industrialização e comercialização de alimentos. Na entrevista abaixo, o integrante do MAB, Marco Antônio Triervelier, explica os objetivos do projeto e afirma que apenas a luta garantirá sua efetivação. Confira. MAB: Como surgiu a ideia do Plano Camponês? Marco Antônio: O Programa Camponês tem sua origem numa luta histórica do MAB junto ao BNDES. Apenas aqui na região, o banco financiou aproximadamente R$ 8 bilhões para a construção de barragens. Nossa reivindicação era que o BNDES dispusesse recursos para o desenvolvimento das comunidades atingidas. Junto com os movimentos da Via Campesina encampamos essa ideia e cobramos do governador Tarso Genro que ele também colocasse o estado nesse projeto, através de uma parceria junto ao BNDES. Foi aí que surgiu o Projeto Camponês. E como foi o processo de articulação com outros movimentos? Foi muito importante porque numa certa altura diversos movimentos urbanos também encamparam a ideia, principalmente os metalúrgicos, o Levante Popular da Juventude e o Movimento dos Trabalhadores Desempregados. Foi essa união, do campo e da cidade, que pressionou o governo para a liberação de recursos. Jornal do MAB | Novembro de 2014
Qual foi o valor liberado? Foram conquistados R$ 100 milhões. É uma experiência inicial, mas que vai disponibilizar recursos para os agricultores produzirem alimentos saudáveis, numa transição da agricultura industrial para a agricultura agroecológica. Ao todo o projeto beneficia 15 mil agricultores de diversos movimentos sociais e grande parte do recurso disponibilizado não necessitará devolução. Em que parte da cadeia produtiva o pequeno agricultor historicamente se insere? Até hoje o capital tinha nos atribuído a única tarefa que era ficar na produção da comida. Esta parte que vinha antes da produção da comida, como a fabricação de insumos, a industrialização e a comercialização, ficava toda para o capital. E é justamente nessas etapas onde se acumula mais renda. Com esse projeto a gente está tentando se inserir em toda a cadeia, des-
de a produção de insumos até a mesa dos trabalhadores das cidades. E toda a produção será agroecológica? É importante que a gente seja muito realista. A gente tem três modelos de agricultura: o agronegócio, a agricultura familiar que tende a ir para o agronegócio e a agricultura camponesa. Mas esses três modelos não se encontram na sua forma pura. A gente pretende fazer uma transição, porque precisa de um tempo para você sair dessa agricultura que hoje é hegemônica até chegar à agroecologia. Existe a ideia de expandir o projeto para outros estados? A gente tem uma certeza de que o Plano Camponês só vai ter êxito quando a gente expandir nacionalmente e não ficar restrito a 15 mil agricultores gaúchos. O sucesso pleno desse projeto depende de uma luta muito maior, que é a luta pela mudança do modelo de sociedade vigente. 11
Mulheres atingidas por barragem: O texto abaixo foi criado a partir de arpilleras feitas por mulheres atingidas por barragens em dois encontros, um realizado em São Paulo e outro em Altamira (PA). Arpillera é uma técnica popular de bordado, utilizada pelas mulheres chilenas no
Na nossa sociedade, marcada por inúmeras desigualdades, as mulheres ocupam um lugar desprivilegiado em relação aos homens. Enquanto os homens estão no espaço público, realizando o trabalho produtivo, às mulheres cabe o espaço privado realizando o trabalho doméstico e de cuidados.
Por ocupar esse espaço de submissão, quando uma comunidade é atingida por um projeto de barragem, as mulheres são as que mais sofrem com a violação de seus direitos. 12
Esse trabalho das mulheres nem é considerado um trabalho! Ele é visto como uma obrigação da mulher, algo “natural”, “feito por amor”. Assim, as mulheres trabalham muito mais que os homens e seu trabalho não é reconhecido.
A construção de uma grande barragem, como Belo Monte (PA), Santo Antônio e Jirau (RO), e tantas outras, sempre implica na migração massiva de dezenas de milhares de trabalhadores, na maioria homens. Os locais que recebem esse contingente sofrem com o aumento da violência, do tráfico de drogas, da prostituição, e do custo de vida, sofrem com a falta de estrutura, local para o atendimento à saúde, educação... problemas que atingem sobretudo as mulheres. Jornal do MAB | Novembro de 2014
bordando uma história de libertação período da ditadura militar para denunciar os crimes perpetrados pelo governo e fortalecer a resistência. É com esse sentido que as atingidas recuperam a técnica, atualmente, na denúncia das violações cometidas na construção de barragens.
Elas também são as que mais sofrem com a realocação forçada para um novo espaço, onde tem que reconstruir suas relações comunitárias e suas atividades econômicas. Mesmo assim, as mulheres atingidas por barragens sempre estiveram presentes na luta, com muita coragem e sacrifício, e em muitos casos estão na linha de frente da resistência.
É por isso que o MAB tem a intenção de fortalecer ainda mais a participação das mulheres. Para isso, é necessário criar espaços autoorganizados (planejados pelas mulheres e realizados por elas) dentro da organização do Movimento.
A mulher que participa do Movimento vai criando consciência de seus direitos e tendo papel cada vez maior na luta pela transformação da sociedade. Essa é uma tarefa de todos, homens e mulheres, sem distinção. Os homens também são parte importante nesse processo, por isso devem andar lado a lado, homens e mulheres construindo a libertação.
Somente com as mulheres participando em pé de igualdade com os homens construiremos um movimento forte e bonito para garantir os direitos dos atingidos e atingidas por barragens. Também somente assim vamos conseguir somar forças para realizar as transformações que nossa sociedade precisa, para que o trabalho de todos seja valorizado e não existam mais desigualdades.
Jornal do MAB | Novembro de 2014
13
Papa recebe movimentos em Roma Líder da igreja católica afirmou que “Terra, teto e trabalho são direitos sagrados” e condenou a separação do homem de sua terra natal.
O
Encontro Mundial dos Movimentos Populares, ocorrido na última semana de outubro, na cidade de Roma, promoveu a aproximação de diversos movimentos sociais com o Papa Francisco. O líder da igreja católica lembrou que, atualmente, milhões das pessoas não dispõe de terra, moradia e trabalho e ironizou: “É estranho, mas, se falo disso para alguns, significa que o papa é comunista. Não se entende que o amor pelos pobres está no centro do Evangelho. Terra, teto e trabalho – isso pelo qual vocês lutam – são direitos sagrados”, disse Francisco. Líderes de movimentos sociais, bispos, agentes pastorais, além de autoridades políticas como o presidente boliviano Evo Morales, assistiram o papa se dirigir diretamente à população mais pobre que se cansou de esperar “de braços cruzados a ajuda de ONGs, planos assistenciais ou soluções que nunca chegam ou, se chegam, chegam de maneira que vão em uma direção de anestesiar ou de domesticar”. O Papa lembrou aos movimentos sociais que não adianta se contentarem com promessas ilusórias, desculpas ou pretextos daqueles que poderiam acatar suas reivindicações, mas nada fazem. O pontífice destacou que a situação de atores coadjuvantes aos pobres não lhes cabem mais. Os pobres, os que mais sofrem com a desigualdade social, querem ser protagonistas de suas próprias histórias. 14
Os alimentos não são mercadorias
Papa Francisco encerrou seu discurso criticando o sistema que agrava cada vez mais as desigualdades sociais. Dirigiu-se aos camponeses e cam- “Quando a especulação financeira condiciona o preço dos alimenponesas, felicitando-os tos, tratando-os como qualpor cuidar da terra em “Quando a especulação quer mercadoria, milhões comunidade e condede pessoas sofrem e morrem nou a separação do ho- financeira condiciona o preço dos alimentos, de fome”. Por fim, afirmou mem de sua terra natal. que há uma necessidade de Reafirmou a importân- milhões de pessoas mudança do sistema que cia de toda família ter sofrem e morrem de valoriza mais o dinheiro do uma casa, recriminando fome” que a própria humanidade. a maneira como as cida“Temos que mudá-lo, temos des se preocupam cada vez menos com suas periferias, cada que voltar a levar a dignidade humana para o centro”, concluiu. vez mais marginalizadas. Jornal do MAB | Novembro de 2014
Quantos escravos você tem? A pergunta indigesta corta fundo o seu peito Que desrespeito supô-la metida em escravidão Logo ela que sempre sonhara a liberdade Que rompesse de verdade aquela pendenga real Entre capital e trabalho, forças em oposição Que enriquece o patrão com a força do empregado. Mas após ter refletido no sentido da pergunta Assunta cada objeto presente ao seu redor Cita de cor: carro, sandália, cadeira... Faz memória do caminho de cada mercadoria Vê tanta barriga vazia de tanta acumulação E sente a escravidão por dentro do capital. Repara então o enricado presente em sua memória E, em tom de desabafo, ela começa a dizer: ‘Vou responder-te agora quantos escravos eu tenho Essa sandália de couro que trazes aí no teu pé Até chegar à loja para ir ao pé do freguês Fez um caminho longo passando de mão em mão: Foi couro de boi curtido Foi gado em terra grilada Foi pé de boi na palhada antes da colheita pronta Terra invadida sem conta Foi latifúndio sem fim em tanta mente alienada Foi tanto capim semeado no meio da opressão.
Pois então tu me perguntas quantos escravos eu tenho Já nem sei: perdi a conta de tantos por todo lado Sempre que vou ao mercado buscar uma coisa qualquer O arroz, um talher ou um pacote de pão Tudo tem a mão hábil da classe trabalhadora Misturada ao seu sangue: força rendida ou vendida Assim que se ganha a vida nessa senzala moderna A chibatada das costas agora estala na mente A corrente é um papel de um contrato servil. Portanto, 100 mil, um milhão, quantos escravos tenho eu? Não sei, perdi a conta de tanto por todo lado Até o pão amassado que se consagra na missa Até o vinho curtido em tanto sangue derramado Tudo é contaminado no vírus da escravidão. Mas se juntar os meus escravos, os teus e os de todo mundo O Raimundo, a Joana, e até quem não tem nome Mas que sente lá no fundo a fome de liberdade Haverá de se quebrar todo tipo de corrente Não pela letra do decreto do doutor Nem pela bondade de uma dita princesinha Mas pela valentia de um povo organizado Que já dá por encerrado o tempo do capital.
Antônio Claret Padre e militante do MAB
FOTO: João Zinclar
Mas como se não bastasse a força da exploração Que alimenta o patrão com o sangue do operário Há gente que ainda trabalha sem um salário sequer
Homem e mulher, não importa: todo mundo é vitimado Vigiado na fazenda lá no fundo do Brasil Ou no trabalho servil nalgum canto da cidade Integrado a uma empresa sem direito e sem patrão Com o eufemismo usual ‘análogo à escravidão’.
Jornal do MAB | Novembro de 2014
15
Conheça a história da primeira médica atingida formada em Cuba
A
história de luta da catarinense Michelle Christmann começou cedo. Quando ainda era criança, sua família foi diretamente atingida pela barragem de Itá,construída durante as décadas de 80 e 90 no do rio Uruguai. Passado mais de um quarto de século da resistência contra a barragem, Michelle obteve mais uma conquista: é a primeira atingida a ser formar em medicina em Cuba.Juntamente com mais dois atingidos, Cristian Marcos Tenutti e Everton Walcczak, Michelle se formou na 10ª turma do “Exército de Jalecos Brancos” em julho, após sete anos de estudos na Universidade de Ciências Médicas de La Habana. Nesta entrevista, a atingida destaca as experiências no que diz respeito à medicina popular e o direito à saúde de qualidade, confira: MAB – Como surgiu sua relação com o MAB? Michelle - Minha família foi atingida pela hidrelétrica de Itá. Após muita luta, fomos reassentados em Mangueirinha, no Paraná. Foi nesse momento que me tornei militante. Sempre tive o sonho de ser médica, cheguei a prestar várias provas, mas não passei. Até que, em 2007, recebi um convite do MAB para ir a Cuba estudar medicina. Apesar de ficar receosa, decidi ir. O que você tem a nos dizer sobre as experiências da medicina cubana? Lá, a medicina é vista de forma preventiva. Em cada bairro existe um consultório médico, que é voltado para o que chamamos de “atenção primária”. Tudo é muito organizado, todos passam primeiramente por esse setor, antes de buscar atendimento “secundário”. Mas pra mim, a grande diferença é que lá os médicos são mais humanistas. Aqui no Brasil, o médico é meio que visto como um “ser superior”, ele se acha superior. Lá não, são mais humanistas, são pessoas comuns. Como você avalia o processo de privatização da saúde brasileira? Eu, pessoalmente, não consigo acreditar que uma pessoa se torne médico e tenha o objetivo de tirar dinheiro dos pacientes. Pra mim é um absurdo, não tem lógica. Eu tenho um objetivo muito maior que é salvar vidas, e lá em Cuba, além da medicina também nos ensinam isso, é um legado da revolução. A indústria farmacêutica tem grande influência no mundo inteiro. Como ela funciona em Cuba? Em Cuba existe uma única indústria farmacêutica estatal, que é muito avançada. Aliás, existem remédios que só são produzidos em
Cuba como, por exemplo, a “vacina da meningo”. Também existe um centro de pesquisa muito desenvolvido, onde está em processo de estudo um novo tratamento contra o câncer, utilizando uma substancia retirada do veneno de escorpião. Como você avalia o “Programa Mais Médicos”? Acho que é um programa que tem muito a oferecer, que está apenas começando. Muitas vezes ele é criticado pelo fato de “tirar a vaga de um profissional brasileiro”, mas essa questão não é verdadeira, pois a falta de médicos tem a ver com o processo de criação dos consultórios privados e a elitização da categoria. Acho que esse programa tem um futuro muito grande pela frente e, inclusive, eu espero integrar o projeto. Ao retornar ao Brasil, o que você trouxe como maior aprendizado? Lá se aprende a ser humano, a ser solidário. O povo é muito solidário. Se fala muito sobre a questão da liberdade, mas lá simexiste outra liberdade, de não se preocupar em ganhar dinheiro, em sobreviver do capitalismo. É simplesmente viver.