Jornal do MAB | Nº 24 | Maio de 2014

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Nº 24 | Maio de 2014

Escracho contra a Tractebel em Santa Catarina, considerada a pior empresa no tratamento aos atingidos

Energia pra quê?

14 de março:

Artigo de Frei Betto

Jornada Nacional de Lutas dos Atingidos

Página 3

Páginas 8 e 9

Barragem: a culpa é sua!

Atingidos lutam contra enchentes Página 14

FOTO: Joka Madruga

Jornada de lutas mobiliza atingidos em todo o Brasil


EDITORIAL

LUTAS de março, entre enchentes e secas

No Norte, em especial no Pará e Rondônia, em meio a grandes enchentes, agravadas muito por causa das barragens, o povo organizado no MAB está sendo muito guerreiro. Os atingidos pararam o canteiro de Belo Monte, ocuparam a barragem em Rondônia, articularam apoios e pressionaram as autoridades para que o povo não sofra mais do que já vem sofrendo. É uma cheia de água, de problemas e de luta. Em Minas Gerais paramos os trens da VALE, empresa que para os atingidos vale pouco ou nada vale. No sul e no nordeste ocupamos a sede da Chesf, da Eletrosul e a estrada na divisa com a Argentina: foi mais água no moinho da luta. No Rio de Janeiro e em Brasília, onde há água abundante para os patrões e empresários, os atingidos pressionaram a ANEEL, o BNDES e o MINISTÉRIO do Lobão - que não precisaria mudar

Expediente Jornal do MAB Uma publicação do Movimento dos Atingidos por Barragens Produção: Setor de Comunicação do MAB Projeto Gráfico: MDA Comunicação Integrada Tiragem: 10.000 exemplares

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sua sigla para se adaptar à sua função atual: MME = Ministério de Minas para as Empresas. E neste mesmo mês de março o povo ficou quase sem água e com epidemia de dengue em São Paulo. É a grande seca de 20 anos de governo de direita. Mas para a roça da multinacional Alston, a chuva foi tão abundante que trasbordou pelo ladrão. E as empresas de eletricidade vendendo energia de base hídrica por 822 reais ao Megawatt/hora. Isto que é “modicidade tarifária”, que tal o nome? É certeza de secar ainda mais o bolso do povo e chover nos cofres da AES, SUEZ, CEMIG... Foi assim que em março também lutamos contra os períodos tórridos da ditadura militar que, 50 anos depois, sobrevive em alguns lugares com práticas autoritárias, como nas barragens do Baixo Iguaçu no Paraná e de Garibaldi em Santa Catarina, onde os empresários pensam como nos tempos sombrios. E seguimos a vida em luta, entre secas e enchentes, ao sol ou na chuva. Porque é na luta que se encontram os lutadores do povo, sempre dispostos a construir um país onde a colheita seja farta para todos e o pão dividido com igualdade. Águas para a vida!

FOTO: Joka Madruga

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o mês de março de 2014 os atingidos por barragens em vários países do mundo realizaram muitos atos públicos, lutando por seus direitos. No Brasil houve diversas lutas muito significativas, as vitórias nem tantas.

VISITE O SITE DO MAB Em www.mabnacional.org.br é possível ler notícias sobre o Movimento, ver fotos e vídeos, ler artigos e ouvir músicas. Acompanhe as novidades e compartilhe com os companheiros e companheiras! Jornal do MAB | Maio de 2014


Energia a que preço? Por Frei Betto

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Plano Decenal de Energia prevê, como prioridade, até 2022, a construção de hidrelétricas. Hoje, o Brasil dispõe de 125 mil MW (megawatts). O Plano estabelece a incorporação de mais 60 mil MW, sendo 35 mil oriundas de 35 hidrelétricas de grande porte a serem construídas, e dezenas de PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas).

O governo, infelizmente, cede à chantagem dos especuladores. As empresas privadas e as administradas por governos tucanos, além de colocar R$ 21 bi no bolso, estão esvaziando os lagos para forçar aumentos nas contas de luz e, de quebra, gerar um grande desgaste político eleitoral ao Executivo Federal.

Tais empreendimentos atingirão, segundo o Governo Federal, 62 mil pessoas. Tudo indica tratar-se de um número subestimado. Hoje, em todo o Brasil, os atingidos por construções de barragens são calculados pelo MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) em 1 milhão de pessoas. E mais 250 mil serão afetadas pelas obras previstas no Plano Decenal, que prevê investimento de R$ 100 bilhões e o alagamento de 650 mil hectares. Cerca de 80% do potencial hídrico planejado será em rios da Amazônia: Tocantins, Xingu, Tapajós e Madeira.

O que realmente está em jogo é o esforço para manter a alta taxa de exploração sobre os trabalhadores e sobre a população, através da manutenção das tarifas de energia elétrica em patamares internacionais. E, com isso, garantir aos acionistas e especuladores taxas de lucro extraordinárias. É óbvia a origem desse golpe que se gestou no interior do setor elétrico nacional: a privatização do modelo energético nacional, hoje, controlado por empresas privadas.

O BNDES é a principal fonte de financiamento das usinas hidrelétricas. De 2002 a 2012, financiou cerca de 650 projetos, canalizando para as empresas algo em torno de R$ 200 bilhões. Para os atingidos por barragens - famílias expulsas de suas terras e domicílios para dar lugar às represas - restaram apenas migalhas assistencialistas. O MAB tem denunciado que, no interior do setor elétrico nacional, um conjunto de empresas privadas e outras sob governos tucanos promovem um golpe nas contas de luz, e que os futuros aumentos poderão ficar entre 18 e 31%. Esses aumentos seriam autorizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) às vésperas das eleições presidenciais - das 64 distribuidoras, 50 teriam o aumento autorizado entre abril e outubro. Na renovação das concessões, no final de 2012, os cerca de 7.700 MW médios das hidrelétricas da estatal Eletrobrás, controladas pelo governo federal, passaram a vender sua energia a R$ 33,00/1.000 kW. Isso permitiu a redução da conta de luz da população. No entanto, as empresas Cesp, Cemig e Copel, que possuíam cerca de 5.500 MW médios, recusaram a renovação das concessões. Não aceitaram reduzir o preço. Além disso, a Light (de propriedade da Cemig) e a Duke, que possuem outros 800 MW médios, também ficaram livres para vender sua energia a R$ 822, já que seus contratos de venda se encerraram entre 2012 e 2013. É a energia dessas empresas que falta para as distribuidoras e, ao mesmo tempo, está disponível para as geradoras especular e cobrar R$ 822. É energia de hidrelétricas construídas há mais de 30 anos, todas já amortizadas, que poderia ser comercializada a R$ 33. Para justificar e esconder o golpe, alega-se, através de grandes meios de comunicação, que o custo é alto por culpa da falta de chuva e do acionamento de térmicas... Trata-se de uma grande mentira! 3

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Abaixo a ditadura Por Leandro Gaspar Scalabrin,] do Coletivo Nacional de Direitos Humanos do MAB

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padrão vigente de implantação de barragens que tem propiciado, de maneira recorrente, graves violações de direitos humanos foi forjado durante a ditadura militar brasileira e persistem nos dias atuais - teoricamente assentamentos sobre um regime democrático. A ditadura é agente da reestruturação do Ministério de Minas e Energia (MME) e da criação do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE). Nesse contexto, as estatais Eletrobrás, Eletrosul e Eletronorte, também criadas no período militar, foram responsáveis pela construção de mais de 30 grandes usinas hidrelétricas: obras faraônicas, ufanistas e superfaturadas, nas quais um enorme montante de recursos públicos foi desviado. Entre as hidrelétricas construídas no período estavam Tucuruí, Ilha Solteira, Jupiá, Itaipu, Passo Fundo, Sobradinho e Balbina. Estas obras foram financiadas por empréstimos internacionais, que aumentaram a dívida externa brasileira e beneficiaram grandes empresas internacionais. Estas se beneficiaram através da compra de seus equipamentos e da venda de energia a preços subsidiados (empresas japonesas no Pará) e através da construção das obras.

Itaipu, 40.000 pessoas do lado brasileiro e 20.000 do lado paraguaio, foram vítimas de violações de seus direitos, sem receber indenizações e sem serem reassentadas. Inúmeros camponeses foram “desaparecidos” e sequer constam das listas oficiais. Na Barragem de Ilha Solteira (SP), a resistência dos atingidos foi tratada como “guerrilha” pela ditadura. O filme “O profeta das águas” narra a história de Aparecido Galdino Jacintho, um líder religioso que se opôs a construção da Barragem de Ilha Solteira (a maior do Brasil na época) a partir de 1966. Galdino foi julgado por vários tribunais civis e militares, incriminado na Lei de Segurança Nacional, e por nove anos ficou detido com outros presos políticos e comuns, nos presídios de Barro Branco, Tiradentes, Carandiru, além das cadeias do DOPS e DOI-CODI. Em 1972, ao ser condenado pelos Tribunais foi considerado “louco” (por não aceitar o progresso?) e foi transferido para o Manicômio Judiciário de Franco da Rocha onde cumpriu pena até 1979. Os camponeses que o seguiam foram presos por três meses na cadeia de Estrela D ́Oeste. Dentro das Estatais do Setor Elétrico foram criadas as AESIs (Assessorias Especiais de Segurança e Informações), vinculadas à Divisão de Segurança e Informações (DSI) e subordinadas ao Serviço Nacional de Informações (SNI). As AESIS eram responsáveis pela espionagem, repressão, delação, prisões, sequestros e assassinatos de trabalhadores e sindicalistas do setor elétrico, lideranças e atingidos por barragens brasileiros e de outros países, como no caso da AESI de Itaipu. O DSI do MME produzia relatórios secretos ainda em 1984 sobre as mobilizações dos atingidos pelas barragens da bacia do Rio Uruguai, espionando a Comissão Regional

A ditadura consolidou a visão tecnocrata do setor elétrico que perdura, em parte, até os dias de hoje. Dentro desta visão, as barragens representam o progresso, enquanto o homem e a natureza são meros obstáculos à construção das usinas, desprovidos de direitos e, por isso, devem ser removidos. Como afirma uma importante figura do setor nos dias de hoje: “não dá pra discutir o Natal com o peru”. A visão patrimonialista de atingido, como apenas o proprietário, causa de inúmeras violações, surge nesse período. Em 4

Repressão contra os atingidos pela hidrelétrica de Machadinho (RS e SC), nos anos 80

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nas barragens de Atingidos por Barragens (CRAB), uma das comissões que criaria o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em 1991, e a Comissão Pastoral da Terra. A ASI Eletrosul também realizava suas espionagens, as quais estão disponíveis atualmente no Arquivo Nacional. A de número G0098322 de 18-9-84 analisa um caderno de estudos da CRAB que apresentavam as consequencias do projeto de construção de 22 barragens na Bacia do Rio Uruguai. Outro dossiê revela a espionagem de assembléia realizada após a democratização em 05 de maio de 1988, no qual as arapongas do setor elétrico se mostram preocupados com a organização dos atingidos que estavam discutindo a mobilização nacional para realizar o I Encontro Nacional de Atingidos por Barragens e “discutir e definir uma filosofia igual para os movimentos de famílias atingidas em todo o Brasil”. Outro fato que merece destaque é que Itaipu foi moeda de troca para o apoio material e político da ditadura brasileira aos conspiradores chilenos que derrubaram o governo socialista de Salvador Allende. Em troca deste apoio a ditadura brasileira exigiu que votasse a favor do Brasil ou se abstivesse da votação, na questão apresentada pela Argentina nas Nações Unidas, contra a construção da usina binacional. Os resquícios da ditadura ainda entulham as lutas e a realidade dos atingidos por barragens. A Lei 7.170/83 (Lei de Segurança Nacional) que considera sabotagem e crime contra a segurança nacional atos contra instalações de usinas e barragens, ainda em vigor, é um resquício dessa época, que foi utilizado contra militantes do MAB que participaram de protestos no Rio Grande do Sul nos anos 2000.

A maior parte da política energética nacional (lei 9.478/97), que considera a geração de energia através de hidrelétricas um “interesse nacional” de “todos/ todas” é outro resquício da ditadura, principalmente pelo fato de instituir um Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) sem qualquer tipo de participação popular. O representante da sociedade civil neste conselho não precisa representar nenhuma organização popular, mas precisa ser um “especialista em matéria de energia” (Decreto 5.793/2006). Aliás, a Política Energética Nacional nunca foi submetida a processo de participação popular, através de conferências municipais, estaduais e nacionais, como ocorrem em outras políticas públicas. A legislação que trata dos direitos dos atingidos ainda é a mesma utilizada na ditadura militar, que reconhece o direito apenas do proprietário, e como reparação apenas a indenização em dinheiro: o decreto 3.365 imposto em outra ditadura militar brasileira, a de Vargas em 1941. Por estas razões, atingidos e atingidas de todo o Brasil se somaram nas lutas e protestos contra o golpe militar de 1964, “descomemorando” os 50 anos do mesmo, em 31 de março/1 de abril. Ditadura nunca mais, resistência sempre!

Atingidos enfrentam a polícia em Tucuruí (PA), em 2005

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Contamos com a mobilização e apoio de todos/as parceiros e aliados dos atingidos por barragens para mais essa luta, e esperamos encerrar 2014 com um novo tipo de conquista: a instituição de uma Política Nacional de Direitos para os atingidos, um instrumento para começar a destruir os alicerces da máquina de violação implantada na ditadura. 5


Defender a Petrobrás é defender o Brasil Por Gilberto Cervinski, da Coordenação Nacional do MAB

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ão temos dúvida nenhuma que o PSDB e DEM, articulados com a grande mídia e com o capital financeiro estadunidense, buscarão criar um clima de caos para tirar proveito eleitoral e as empresas públicas serão foco de ataques da direita. O tema da energia estará no centro destas disputas. A direita, através do uso de CPIs, assim como fizeram contra o MST, está fazendo de tudo para desgastar as empresas públicas e para legitimar as ideias da privatização. O objetivo é criar no imaginário da população um sentimento de que a Petrobrás e o petróleo brasileiro devem ser privatizados, ou seja, transferidos para o controle privado. É o controle sobre este enorme patrimônio público que está em jogo.

Farão de tudo para acabar com a “lei da partilha” criada pelo Lula, que obriga as empresas de petróleo a passar uma porcentagem do seu lucro para o “Fundo Soberano”, que vai para saúde e educação e com isso proporciona ganhos maiores ao povo brasileiro. O Aécio já declarou aos empresários que deseja acabar com a lei de partilha e voltar ao “modelo de concessões”, onde 100% do lucro iria para as empresas privadas.

Eles querem impedir o avanço da construção das refinarias aqui no Brasil. Porque, sem refinarias, o Brasil é obrigado a importar combustíveis (gasolina, óleo,...) de fora a preços bem mais altos. Por isso, pressionam pela “liberação dos preços dos combustíveis”, que levariam a grandes aumentos nos preços do óleo e gasolina à população. Hoje o governo controla os preços.

A ofensiva sobre a Petrobrás é parte da disputa eleitoral que acontecerá em outubro deste ano. Os adversários de Dilma, apoiados pela grande imprensa, vão tentar criar um suposto clima de caos, na economia, no governo e nas empresas públicas, para tentar desgastar o apoio popular da Presidenta e obter vantagens na disputa eleitoral. O PSDB e o DEM tem sido os defensores dos banqueiros e do capital financeiro internacional, estes agem para criar condições favoráveis para uma futura privatização da Petrobrás e do petróleo brasileiro, numa eventual vitória de Aécio Neves. O Brasil possui uma das maiores e melhores reservas estratégicas de petróleo (pré-sal) e a Petrobrás é uma empresa que possui um conjunto de trabalhadores altamente produtivos e desempenha liderança tecnológica na produção de petróleo em áreas de pré-sal. O controle privado internacional pelas empresas do imperialismo sobre esta riqueza é o principal objetivo e a forma de fazer isso é através da privatização. 6

Querem acabar com a regra que obriga o chamado “conteúdo local”. A política adotada pelo governo obriga a contratação e produção de bens e serviços necessários ao desenvolvimento da produção de petróleo (equipamentos, plataformas, navios), que sejam produzidos em nosso país, para fortalecer o desenvolvimento da indústria nacional e gerar empregos e renda no território nacional. O capital internacional quer que tudo isso seja importado de seus países de origem.

Em Abril, entidades realizaram um ato em defesa da Petrobrás

Querem acabar com a regra que garante que a Petrobrás seja a “operadora única” dos poços de petróleo no pré-sal, esta regra permite ao Estado e ao governo controlar e saber a quantidade de petróleo que é tirada de cada poço e com isso quanto do lucro deve ser repassado para o fundo soberano.

O MAB não compactua com nenhuma forma de desvio de gestão pública e, se houver culpados, exige que sejam devidamente punidos. No entanto, todos sabem que o congresso é controlado e financiado pelos bancos e empresas que possuem interesses empresariais. Quando for uma pauta para repassar dinheiro ou patrimônio público aos empresários, a maioria dos parlamentares se unifica. E quanto for uma pauta de interesse do povo brasileiro, a maioria se posiciona contra. Por isso, acreditamos que a população precisa compreender este jogo político para não cair em manipulações. Os atingidos por barragens devem se colocar firmes na luta para defender as empresas públicas e o patrimônio público brasileiro. Defender a Petrobrás é defender o Brasil. Jornal do MAB | Maio de 2014


Plebiscito Popular, participe você também Um Plebiscito é uma consulta na qual os cidadãos e cidadãs votam para aprovar ou não uma questão. De acordo com as leis brasileiras, somente o Congresso Nacional pode convocar um Plebiscito.

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as desde o ano 2000 os movimentos sociais começaram a organizar Plebiscitos Populares sobre temas diversos, onde qualquer pessoa pode trabalhar para que ele seja realizado, organizando grupos em seus bairros, escolas, universidades, igrejas e sindicatos para dialogar com a população e coletar votos. O Plebiscito permite que milhões de brasileiros expressem a sua vontade política e pressionem os poderes públicos a seguir a vontade da maioria do povo.

Portanto, para solucionar os problemas fundamentais da nossa sociedade (educação, saúde, moradia, transporte, terra, trabalho, tarifas de água e luz mais baixas, etc.) chegamos a conclusão de que não basta mudarmos “as pessoas” que estão no Congresso, precisamos mudar “as regras do jogo”, mudar o Sistema Político Brasileiro. E isso só será possível se a voz do povo for ouvida. Como não esperamos que esse Congresso “abra seus ouvidos” partimos para a ação organizando um Plebiscito Popular por uma Assembléia Constituinte, que será exclusivamente eleita e terá poder soberano para mudar o nosso Sistema Político, pois somente através dessa mudança será possível resolvermos os problemas do povo. A votação ocorrerá na Semana da Pátria (1 a 7 de setembro) de 2014, e você, atingido e atingida por barragem, é fundamental para isso. Participe! Faça parte dos comitês populares do Plebiscito, participe das reuniões e se envolva nas votações! Com informações do Plebiscito Popular

Por que uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político? Em junho e julho de 2013, milhões de brasileiros foram às ruas para lutar por melhores condições de vida. Os cartazes e faixas também diziam que a política atual não nos representa e que queremos mudanças profundas na sociedade. As mobilizações obtiveram conquistas, principalmente com as revogações dos aumentos das tarifas dos transportes, o que demonstrou que é com luta que a vida muda! Mas a maioria das reivindicações não foram atendidas. Isso porque a estrutura do poder político no Brasil e suas “regras de funcionamento” não permitem que se avance para mudanças profundas. Apesar de termos conquistado o voto direto nas eleições, existe um modelo usado nas campanhas eleitorais que “ajudam” a garantir a vitória de determinados candidatos. A cada dois anos ficamos enojados com a lógica do sistema político. Vemos, por exemplo, que o dinheiro usado nas campanhas vem, na sua maior parte, de empresas privadas que financiam os candidatos para depois ter vantagens, ou seja, “quem paga a banda, escolhe a música”. Além disso, ao olharmos para o Congresso Nacional vemos que os deputados e senadores fazem parte da minoria da população brasileira. Mais de 70% é composto por fazendeiros e empresários, sendo que maioria da população é de trabalhadores e camponeses. Jornal do MAB | Maio de 2014

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14 de Jornada Nacional de Durante a Jornada Nacional de Lutas do dia 14 de março, milhares de atingidos e atingidas se mobilizaram em 11 estados para reivindicar uma Política Nacional de Direitos para as Populações Atingidas por Barragens (PNAB) e denunciar o aumento nas tarifas de energia elétrica.

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or todo o país os atingidos saíram às ruas na luta por seus direitos, conquistando muitas vitórias e uma certeza: A luta vai continuar! Em Belo Monte, no Pará, atingidos trancaram a Transamazônica, rodovia que dá acesso ao canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no município de Altamira, para cobrar soluções imediatas do consórcio Norte Energia sobre os direitos das populações atingidas. Como conquistas, a Norte Energia (NE) irá cadastrar todas as famílias que ficaram fora do cadastro que dá o direito a serem realocadas; a NE levará imediatamente as famílias cadastradas para

Atingidos e atingidas de todo o país saem às ruas na luta por seus direitos Jornal do MAB | Maio de 2014

as casas e reassentamentos já construídos e dará assistência estrutural nos acampamentos das famílias desalojadas pelas cheias. Em Rondônia, atingidos cobraram responsabilidade das usinas após enchentes no rio Madeira. Os atingidos e desabrigados pelas enchentes foram às ruas exigir seus direitos em diversas mobilizações durante o mês de março e abril. Os atingidos exigem que todas as famílias, a montante e à jusante, tenham seus direitos garantidos. O movimento cobra decisão imediata para a questão do reassentamento urbano e rural em terras adequadas, moradias para todos os desabrigados, indenização pelas perdas, e elaboração de um plano de desenvolvimento para as comunidades atingidas. Em São Paulo, atingidos/ameaçados ocuparam e liberaram pedágio no Vale do Ribeira. O ato foi no pedágio localizado na Rodovia Régis Bittencourt, na BR 116, em Juquiá, próximo à Registro, município na divisa dos estados de São Paulo e Paraná. Os manifestantes levantaram as cancelas e liberaram a passagem gratuita dos automóveis por cerca de três horas. A principal intenção do ato foi à conscientização dos motoristas acerca dos problemas da região. Também em São Paulo, várias organizações protestaram contra o leilão da Usina Hidrelétrica Três Irmãos (UHE Três

Operários de Belo Monte se solidarizam com atingidos durante bloqueio da Transamazônica

Irmãos), realizado Bolsa de Valores de São Paulo. Três irmãos é a primeira de uma série 36 usinas – 12 hidrelétricas e 24 pequenas centrais hidrelétricas – que poderão ser privatizadas nos próximos anos, o que representa aproximadamente 10% de todo o potencial energético brasileiro. Em Minas Gerais, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e outras organizações trancaram a linha da estrada de ferro Vitória-Minas, da Vale, no município de Aimorés, região leste do estado de Minas Gerais, para exigir uma Política de Direitos. No Rio de Janeiro, os atingidos protestaram em frente ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O MAB denunciou a responsabilidade do banco nas violações de direitos e cobra a criação de um programa de desenvolvimento para as comunidades atingidas. Em Brasília, no Distrito Federal, atingidos por barragens ocuparam o Ministério de Minas e Energia a Aneel para denunciar o golpe das empresas ao setor elétrico e exigir apoio no atendimento aos pontos de pauta do MAB, como: criação da Política de Direitos e do Fundo Social para o pagamento do passivo social do Estado com os atingidos. Também

Mulheres atingidas ocupam o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas no Ceará8


Março: Lutas dos Atingidos foi realizado um seminário na Câmara dos Deputados, com a participação de parlamentares e entidades da Plataforma Operária e Camponesa, para debater o modelo energético. Em Santa Catarina, membros do MAB e ameaçados pela Usina de Itapiranga se reuniram em uma manifestação na Praça dos Pioneiros, em Itapiranga. Foi entregue uma pauta de reivindicações aos deputados Pe. Pedro e Mauro de Nadal. Em seguida, seguiram em passeata até o Escritório da Eletrosul e à Celesc, onde também entregaram a pauta de reivindicações. Entre os motivos do protesto, os principais são o preço e a qualidade da energia elétrica. Na cidade de Florianópolis, também em Santa Catarina, cerca de 300 pessoas vindas dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná realizaram um ato que escrachou a empresa privada Tractebel Energia, que é controlada pela International Power - GDF SUEZ, considerada uma das maiores violadoras dos direitos dos atingidos. Após esse escracho, os manifestantes ocuparam e montaram acampamento na sede da empresa estatal Eletrosul, também na capital catarinense. As manifestações visam pressionar o governo federal por mudanças no atual modelo energético,

do contra MAB privatização | Maio de MovimentosJornal protestam de2014 Três Irmãos

além de cobrar mais atenção às famílias desalojadas pela construção das obras. No Paraná, após a ocupação da sede da Companhia Paranaense de Energia (COPEL) em Cascavel, o governador do estado Beto Richa cedeu à pressão popular e se comprometeu em criar uma política estadual de direitos para as populações atingidas por barragens no Estado, além de assumir o compromisso de intermediar as negociações dos atingidos do Baixo Iguaçu com o consórcio Neoenergia. No Rio Grande do Sul, na região de Erechim, atingidos denunciaram os altos preços das contas de luz e a péssima qualidade do fornecimento de energia no estado. Já foram constatadas diversas perdas na produção pelas frequentes quedas no fornecimento de energia. Também o MAB juntamente com outras organizações entregou uma carta ao governador do estado, Tarso Genro, cobrando melhorias e sugerindo a reestatização do sistema elétrico no RS. Em Porto Alegre, estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul também realizaram uma semana acadêmica que discutiu a questão das barragens no rio Uruguai. Em Garabi e Panambi, atingidos pela construção do complexo binacional ocuparam a frente do escritório do Consórcio Energético do Rio Uruguai, marcharam pelas ruas da cidade

Atingidos por barragens escracham sede da Tractebel em SC

de Porto Xavier (RS) e trancaram o porto internacional, impedindo a passagem de veículos e pessoas na balsa que liga Brasil e Argentina. No Ceará, na cidade de Fortaleza, mulheres atingidas mobilizaram-se e ocuparam o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DENOCS), para reivindicar soluções da pauta local e de todo Nordeste. Ocorreram avanços concretos nas reivindicações dos atingidos pela barragem do Figueiredo: licitação de adutoras; licitação para a construção das últimas casas no reassentamento; construções de banheiros nos lotes produtivos do reassentamento Alagamar, além da entrega de 400 fogões ecológicos no início de abril. Em Pernambuco, na cidade de Recife, mais de 500 atingidos vindos dos estados do Ceará, Piauí, Maranhão, Bahia, Paraíba e Pernambuco ocuparam a sede da Companhia Hidroelétrica do São Franscisco (CHESF) reivindicando a criação de uma política nacional de direitos e um Fundo Social para o pagamento da dívida passiva. A pauta reivindicatória das famílias atingidas do Nordeste inclui: terra para reassentamentos; abastecimento de água; implantação do programa “Luz Para Todos” e apoio na capacitação em produção agroecológica para famílias atingidas.

MAB ocupa Ministério de Minas e Energia e pressiona 9governo


Reassentamento urbano de Belo Monte já apresenta problemas No dia seguinte à mudança para a casa nova, Nalda teve uma desagradável surpresa: um cano estourou e a água começou a inundar o chão da cozinha. A mulher já havia deixado sua casa de palafita há mais de um mês por causa das fortes cheias deste ano e lutava junto com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) pelo direito de ser reassentada logo. “Mamãe, será que vai alagar aqui também?”, perguntou sua filha.

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anos estourando, infiltração, mofo no teto, mau-cheiro vindo do ralo, irregularidade no fornecimento de água, janelas que não travam... os problemas das casas construídas pela Norte Energia para abrigar os atingidos pela hidrelétrica de Belo Monte na cidade de Altamira já estão aparecendo – e a mudança das famílias não está nem na metade! No plantão de atendimento instalado pela empresa dentro do reassentamento, são mais de dez reclamações do tipo por dia. Mas o número de famílias já reassentadas ainda não chega a 200. A previsão da Norte Energia é realocar 4.100 famílias em quatro áreas na periferia de Altamira. Foram cadastradas, no entanto, 7.790 famílias. Ou seja, nem todas terão direito ao reassentamento. E as lutas do 14 de Março serviram para denunciar que muitas ficaram de fora do cadastro pelos critérios da empresa e também por “erros” de seus funcionários. Além dos problemas nas estruturas das casas, há outras questões atormentando os novos moradores. Chiquinho reclama que lhe prometeram um pedaço de terreno do lado de sua casa para que ele pudesse instalar seu estúdio de tatuagem. Chegando lá, descobriu que os funcionários da empresa haviam prometido o mesmo local para outros pequenos comerciantes. Depois, ouviu que esses locais serão para empresas maiores, como grandes supermercados da cidade, e que os atingidos que quiserem prosseguir com seus negócios dentro do reassentamento terão que fazer puxadinhos na frente dos terrenos ou estruturas nos fundos. Quando apresentou o projeto dos reassentamentos, ainda em 2013, representantes da Norte Energia afirmaram que iam “esperar a demanda” para decidir sobre a construção de escolas e postos de saúde nas áreas. No momento, um postinho improvisado funciona em uma das casas-padrão de moradia (há um único modelo de casa no reassentamento, de 63 m²). Já para estudar, as crianças têm que pegar um ônibus que sai muito cedo e volta muito tarde para o local e ir para as escolas onde estudavam anteriormente, a uma distância de até 6 km. Jornal do MAB | Maio de 2014

Infiltração em banheiro de casa do reassentamento

Com menos de 3 meses da entrega, pia de casa do reassentamento já está descolando

Outro problema comum diz respeito à transição econômica para o local. Muitos atingidos, em especial as mulheres, tinham trabalhos informais e que dependiam dos antigos vínculos comunitários. São costureiras, manicures, cabeleireiras, revendedoras de cosméticos... A empresa não está reconhecendo a perda temporária desses trabalhos e muitas pessoas estão ficando injustamente sem direito à verba de manutenção. “Esses são problemas que já vínhamos denunciando que aconteceriam aqui em Belo Monte, porque é a mesma história que se repete em todas as barragens do Brasil”, afirma Edizângela, atingida e militante do MAB. “Antes, disseram que Belo Monte seria diferente, mas agora o povo está vendo que a situação aqui é até pior e está despertando para a luta”. 10


Belo Monte, os sorrisos de Jatobá e o dia seguinte FOTO: Joka Madruga

Claret Fernandes, militante do MAB e missionário na Prelazia do Xingu

A equipe vai até o endereço indicado no documento. São números, não pessoas! São objetos, não gente! Mas são objetos preciosos, que demandam, ao menos nesse dia, cuidados especiais. A área do alagado precisa ser limpa para a elite ocupá-la em nome do lago. O dia da mudança é o dia da mudança! O pedido da família é (quase) uma ordem! Se um menino espirra, vem logo alguém com um remedinho para livrar-lhe até do sintoma da gripe. A mudança da família expulsa do alagado segue para ajeitar-se na moradia nova. Uma equação difícil! Como colocar móveis numa casa que não foi preparada para recebê-los? Como colocar as crianças, que em geral são muitas, nos poucos quartos apertados? É como a mão grande que precisa enfiar-se numa luva pequena.

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velocidade imposta pelo capital atropela tudo que encontra pela frente. A barragem de Belo Monte é um caso típico dessa atrocidade desde o início do seu processo de implantação e, agora, com a construção de casinhas de concreto em Altamira e a expulsão de famílias de onde sempre moraram. A velocidade vai à jato! Constrói-se a casa num dia e, em alguns segundos, destrói-se a antiga moradia, no ritmo da sede de antecipação do lucro pela geração e comercialização de energia numa hidrelétrica cuja construção foi decidida por impérios econômicos transnacionais imiscuídos no Estado brasileiro e financiada com dinheiro público. Mas o dia da expulsão do alagado em Altamira é como um oásis em meio a esse padrão histórico de violação ao direito humano na construção de barragens. Só na aparência, o que o torna ainda pior. É como um porco do qual você cuida com ração de primeira qualidade para abatê-lo em tempo recorde e transformá-lo numa carne apetitosa. A dor da expulsão é traumática demais, por isso o dia precisa ser tão especial! O aparato montado para cercar a família de todos os cuidados é admirável. Uma equipe lá dos escritórios com ar condicionado, sob a batuta da Norte Energia, cuida de selecionar a família a dedo, após estudo minucioso, e avisar com dois dias de antecedência para preparar-se. A expulsão sumária, nessa circunstância, soa como prêmio. Aquela família, antes que as outras, vai pisar na nova área. Aquela, que sempre tivera o direito negado pelos governos e pelo Estado brasileiro, é agora contemplada por uma empresa privada, numa espécie de privatização da política pública. Jornal do MAB | Maio de 2014

Nessa hora o coração acelera, e dá sinais de alguma angústia, e começa a bater o sentimento de que gente é feita para a liberdade na luta. Aqui entra uma nova equipe para tentar apagar qualquer semente de rebeldia, qualquer ‘razão’ para reclamo: a equipe de acolhida, especialmente preparada para sorrir. A equipe de acolhida até ajuda numa coisa e noutra. Sua função mais importante, porém, é não fazer absolutamente nada. Apenas sorrir! E famílias habituadas a levar cascudos do sistema todos os dias por ser empobrecidas, agora, ao menos no dia da mudança, recebem largos sorrisos. Isso mexe com elas por dentro. O sorriso de ambos os lados (empresa e família) não significa garantia do direito e das políticas públicas ainda que as mais elementares. Não significa também que as coisas estejam tranqüilas. É um barril de pólvora que pode explodir a qualquer momento. Até aqui a Norte Energia e governo federal têm atuado como corpo de bombeiros, apagando pequenos incêndios. E tocando as obras lá embaixo, na Volta Grande do Xingu. Mas esses apaziguamentos ensaiados e forçados negam o direito e só adiam o conflito, que poderá caminhar para a completa barbárie ou para um processo organizado, esse sim, capaz de garantir a liberdade soberana até agora negado. No alagado não há sorriso! O trator entra e, com seu bufado, leva tudo ao chão. Os operários de empresa terceirizada da Norte Energia despregam tábuas, retiram madeiras, encostam o caminhão e, o que era uma casa, agora entulho, vai tudo para o lixão para ser incinerado. O primeiro cenário vai do sorriso ao abandono no Jatobá. O segundo cenário vai da destruição nos alagados à pretensão de construção de espaço para bacanas. Mas o terceiro cenário é o dia seguinte. O mais importante! Se ele for se materializando em rebeldia organizada, pois nenhum povo é bobo, a prepotência terá seus dias contados. O povo triunfará! 11


Qualidade da energia: questão de vida ou morte No Brasil, modelo energético adotado na década de 90 custa caro para população; trabalhadores do setor elétrico são os que mais morrem no país

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energia elétrica no Brasil está muito cara e a qualidade é péssima. O número de reclamações dos clientes aumentou 134% após as privatizações, segundo dados da COGE, fundação ligada a instituições empresariais do setor. O modelo energético, baseado nas privatizações, visa apenas o lucro e foi responsável pela precarização e terceirização dos trabalhadores, o que gerou dados alarmantes sobre mortes no setor. Em Minas Gerais, por exemplo, segundo dados do Sindieletro - MG (Sindicato dos Eletricitários de Minas Gerais), morre um trabalhador terceirizado a cada 45 dias desde 1999 nas áreas sob concessão da Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais). As empresas especulam e lucram bilhões, mas não reinvestem no setor. Antes dos anos 90, o controle da energia era estatal. Após a privatização, empresas internacionais de grandes grupos econômicos da Europa, dos EUA e alguns brasileiros passaram a controlar o setor elétrico. Isso trouxe uma nova forma de organização, onde a energia elétrica, um bem público, transformou-se em uma mercadoria. O atual modelo penaliza o povo brasileiro, que paga caro por um serviço de baixa qualidade. No Brasil, 80% da energia elétrica gerada são de hidrelétricas. É a forma de obtenção de energia mais barata. Mesmo assim, a energia no Brasil é uma das mais caras do mundo. Segundo levantamento da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), os brasileiros pagam a 11ª tarifa mais elevada do mundo. Essa conta é resultado de altos lucros das multinacionais do setor elétrico. As empresas mandam seus lucros extraordinários para acionistas privados, geralmente no exterior, e não reinvestem esse dinheiro na melhoria da qualidade da energia. Os consumidores reclamam que são frequentes as quedas e a falta de energia elétrica. Os postes e as linhas de transmissão estão velhos, depreciados e sem manutenção. Há demora no atendimento ao consumidor e prazos não são cumpridos no reestabelecimento da energia. É frequente a queima de máquinas e equipamentos elétricos, causando prejuízos e perda na produção e nos produtos armazenados. Além disso, esse modelo piorou as condições de trabalho dos eletricitários. 12

Precarização e Terceirização No início do governo Collor teve inicio o processo de privatização e, concomitantemente, milhares de demissões de trabalhadores do setor. Na década seguinte, já com Fernando Henrique Cardoso no poder, essa política conhecida como neoliberalismo chegou à área da energia. A centenária Light, por exemplo, teve um desconto de seu preço de venda de R$ 600 milhões de reais para que fosse privatizada – na época foi arrematada por um consórcio de empresas privadas por US$2,26 bilhões. Após essa decisão, 4 mil trabalhadores foram demitidos. As privatizações pioraram a qualidade de vida dos eletricitários. A rotatividade e a terceirização aumentaram, gerando ainda mais demissões. Segundo dados da Eletrobrás, o número de trabalhadores demitidos de 1996 a 2004 foi de 81.117 postos de trabalho. Nesse período, o quadro de pessoal foi reduzido de 168.380 para 87.203, representando um corte de 51,7% em 8 anos. Hoje, mais de 60% do total de trabalhadores do setor elétrico são terceirizados. Na Cemig – D, distribuidora de energia de Minas Gerais, a porcentagem de trabalhadores terceirizados é de 73%. O representante do Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (Stiu-DF), Jeová Oliveira, aponta que, no ano de 1989, a Companhia Energética de Brasília (CEB) tinha um quadro de 3 mil funcionários que atendiam 380 mil clientes. Hoje são mais de um milhão de clientes e menos de mil funcionários. Além disso, a falta de qualificação técnica dos trabalhadores e a alta taxa de rotatividade geram uma série de danos aos trabalhadores do setor elétrico. “Os trabalhadores do setor são substituídos a cada 6 meses ou no máximo um ano e não se tem a preocupação de Jornal do MAB | Maio de 2014


capacitar e qualificar o trabalhador que entra na empresa. Os trabalhadores não tem segurança no trabalho. A categoria dos eletricitários é a que mais morre no país”, afirma Jeová.

Mortes de Eletricitários Segundo os dados do Relatório de Estatísticas de Acidentes no Setor Elétrico Brasileiro em 2011, da Fundação COGE, 139 empregados do quadro próprio das empresas do setor elétrico brasileiro morreram em acidentes fatais típicos, enquanto que no quadro das contratadas, foram 609 mortes. Ocorreram 8940 acidentes que resultaram em afastamentos, entre os quais se inclui um elevado número de mutilações. Enquanto a taxa de acidentes fatais típicos de todos os trabalhadores brasileiros foi calculado em 5,8 por 100.000 trabalhadores em 2011, entre os trabalhadores do quadro próprio das empresas do setor elétrico a taxa de mortalidade chegou a 16,7 por 100.000. Já nas empresas terceirizadas, essa taxa foi ainda muito maior, de 44,3 mortes em cada 100.000 trabalhadores. O representante do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, o professor Paulo Henrique Falco Ortiz, aponta dados que potencializam a quantidade expressiva de mortes e mutilações. “As empresas terceirizadas pagam salários 67,5% menores que as contratantes, 72,5 delas não oferecem benefícios e 32 % não oferecem equipamentos de segurança individual”, afirma.

Plano Decenal O modelo energético atual prevê, como prioridade, até 2022, a construção de hidrelétricas. Hoje, em todo o Brasil, os atingidos por construções de barragens são calculados pelo MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) em 1 milhão de pessoas. E mais 250 mil serão afetadas pelas obras previstas no Plano Decenal, que prevê investimento de R$ 100 bilhões e o alagamento de 650 mil hectares. Cerca de 80% das hidrelétricas serão

Jornal do MAB | Maio de 2014

construídas em rios da Amazônia: Tocantins, Xingu, Tapajós e Madeira. O Relatório Nacional de Direitos Humanos, publicado em 2010, registra que, no Brasil, vigora um padrão de violação dos direitos dos atingidos por barragens: 16 direitos são sistematicamente desrespeitados quando se trata desse segmento da população. Há uma dívida histórica com os atingidos. Em todas as barragens construídas até hoje no país ocorreram violações dos direitos humanos. Gilberto Cervinski, da coordenação nacional do MAB, relata que o maior problema do setor elétrico é o seu modelo “Há a necessidade de uma mudança no setor elétrico. Existe um baixo quadro de funcionários e muitas mortes. A energia elétrica é um bem social e não uma garantia de lucro. Quando se constrói uma hidrelétrica, a concessão é dada pela união, mas as populações atingidas não tem nenhuma forma de reparação garantida. Cada empresa define o tratamento dos atingidos. Menos reparação aos atingidos é uma maneira de aumentar o lucro delas”. Cervinski aponta ainda que a cada 2 reais ganhos pelas empresas do setor elétrico, um real é lucro. A luta dos atingidos é por uma mudança do modelo energético no país. “O debate sobre as tarifas de energia é a melhor forma de mostrar que toda a população é atingida por esse modelo.”, diz Cervinski.

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Barragem: a culpa é sua!

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inverno amazônico (época chuvosa) foi muito intenso esse ano. As enchentes históricas nas regiões de Porto Velho (RO) e Altamira (PA) mostram como esses problemas se agravam com a construção de grandes barragens. Com a cheia do Madeira, são mais de 5.000 famílias atingidas, mais de 100 mil sem acesso à água potável, 12 bairros de Porto Velho e mais 50 comunidades afetadas ao longo do rio, incluindo os municípios de Nova Mamoré e Guajará-Mirim. Estas famílias atingidas estão sofrendo com o alagamento de suas terras, perda das, moradias, produção, utensílios de trabalho, equipamentos e demais pertences. A maior parte das famílias se deslocou para casas de amigos e parentes, e mesmo aqueles que permaneceram nos abrigos foram assistidos principalmente com a solidariedade da população, enquanto o governo permanece omisso. Durante este período, desde o início do ano, o MAB organizou uma série de mobilizações, marchas, ocupação da barragem e, no dia 17 de abril, uma Assembleia Popular denominada Madeira: por terra, casa e trabalho, que reuniu 600 atingidos no Mercado Cultural de Porto Velho, localizado em frente ao Palácio do Governo do Estado de Rondônia. Para o MAB, os reservatórios das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau foram subdimensionados, assim como suas curvas de remanso. Por isso,

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as barragens estão acumulando grande quantidade de sedimentos, o que leva as águas a alagarem uma área maior. Além disso, houve super acumulação de água, para produzir energia em maior quantidade para o aumento da taxa de lucro das empresas, colocando de forma consentida a sociedade em risco e desrespeitando as normas de operação. Entre as reivindicações emergenciais, os atingidos repudiam o plano chamado de “Abrigo Único”, proposta impositiva e desumana de alojamento das famílias desabrigadas em barracas de lona, sob condições precárias, como as altas temperaturas. O MAB exige a criação de abrigos emergenciais em prédios públicos e privados desabitados ou em hotéis e pousadas. Além disso, os atingidos cobram dos consórcios e do Estado um plano estrutural de reconstrução e reparação das condições socioeconômicas dos atingidos, como reassentamentos e um programa de desenvolvimento para a região.

Cheia no Xingu Em Altamira, onde mais de 40 mil pessoas são atingidas pela barragem de Belo Monte, o rio Xingu chegou a subir mais de 8 metros acima do normal. Mais de 1000 famílias tiveram de sair de suas casas nas áreas de baixões (casas de palafitas), com a água passando do assoalho. Mais da metade desse número teve que ficar no

Bairro de Altamira, no PA, alagado pela enchente do Xingu

Manifestação por direitos dos atingidos pelas enchentes, em Porto Velho/RO

abrigo público municipal, um local improvisado no parque de exposições, onde as famílias tiveram que ocupar lugares destinados aos cavalos. “Já passamos invernos fortes assim, de ter que sair de nossas casas, mas este ano está diferente. A água sobe muito rápido e demora a baixar. Acho que já tem efeito dessa barragem sim”, afirma dona Luiza, uma das atingidas. A Norte Energia, dona de Belo Monte, se recusou a reconhecer sua responsabilidade. Quase metade das obras já foram concluídas e o Xingu está com um barramento provisório para deixar no seco o canteiro de obras. Por outro lado, as condicionantes da obra, incluindo as 4.100 casas para abrigar parte dos atingidos, estão atrasadas. Revoltadas com a situação, na manhã de carnaval (4 de março), mais de 200 famílias ocuparam o reassentamento urbano Jatobá, que está em fase de construção, porém atrasado. A ação foi organizada pelo MAB. “Nós sabemos que esse não é o reassentamento dos nossos sonhos e que essas casas não são de qualidade. Porém, a Norte Energia tem que reconhecer sua responsabilidade e dar prioridade para o reassentamento das famílias que estão tendo sua vida transtornada por causa dessa barragem”, afirma Edizângela Barros, militante do MAB na região. Na Jornada do 14 de Março, o Movimento voltou a pressionar a empresa com o trancamento do acesso ao canteiro e conseguiu acelerar a mudança das famílias. Porém, ainda há muitos problemas que motivam o povo a continuar lutando, como o grande número de atingidos não-reconhecidos pela empresa e a qualidade de vida dentro do reassentamento. As águas do Xingu ainda não se acalmaram. Jornal do MAB | Maio de 2014


Atingidos resistem à barragem no Rio de Janeiro Barragem de captação de água pode atingir mais de três mil pessoas em Cachoeiras de Macacu, município do interior carioca

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roposto pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente, o projeto para o rio Guapiaçu faz parte da compensação ambiental imposta ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) – maior obra da história da Petrobrás -, que atualmente se encontra em fase de construção no município de Itaboraí, localizado ao lado de Cachoeiras de Macacu. Atualmente empregando 29 mil trabalhadores, o Comperj deverá iniciar sua operação apenas em 2016. Apesar disso, os municípios do Leste Fluminense já sofreram um grande impacto com a chegada do empreendimento, que pode se tornar um dos maiores centros de refino de petróleo do mundo.

Irregularidades O membro da Associação de Geógrafos Brasileiros e do Grupo de Trabalho sobre os impactos de grandes empreendimentos no espaço agrário do Rio de Janeiro, Eduardo Barcellos, aponta diversas irregularidades no processo de licenciamento da barragem do Guapiaçu. A primeira e mais grave é o duplo papel exercido pela Secretaria de Meio Ambiente, que ao mesmo tempo é proponente e avaliadora do projeto. “Ela está avaliando uma proposta que ela mesma propôs. É uma fragilidade enorme do ponto de vista institucional, você não tem um licenciamento isento”, afirma.

Entre os impactos está o aumento populacional da região e, consequentemente, o crescimento nos níveis do consumo de água. A barragem do Guapiaçu serviria para suprir essa demanda. A barragem, se construída, poderá atingir diretamente três mil pessoas, além de incidir sobre uma cadeia produtiva de quinze mil trabalhadores, que gera anualmente aproximadamente R$ 100 milhões. A região movimenta uma produção diária de 55 toneladas de alimentos, liderando o plantio de aipim e milho, produtos destinados principalmente ao consumo da cidade do Rio de Janeiro. Nesse sentido, grande parte dos atingidos ressalta a importância de continuar em suas terras. “É minha sobrevivência, eu não sei fazer mais nada, dependo desta terra, sem essa terra eu não sou nada. Você vai fazer o que com 60 anos por aí em outro lugar? Temos que lutar contra a barragem. Pra barragem aqui a resposta é não e não”, afirma o agricultor Dionísio, morador de um dos 142 lotes da antiga fazenda Serra Queimada, submetida à reforma agrária no ano de 2002. Dionísio vive na região há mais de 50 anos e retira de seus três hectares uma média de 20 mil reais anualmente a partir da sua plantação de mandioca. Para o membro da coordenação nacional do MAB, Leonardo Maggi, as obras devem ser suspensas até que o Governo do Estado abra um canal de diálogo com os atingidos e apresente todas as informações referentes à barragem. “Exigimos a suspensão imediata de todas as obras em andamento no leito da barragem, que já foi provada ser totalmente ilegal, imoral e injusta. O governo tem que explicar para o povo quais são seu verdadeiros planos para o rio Guapiaçu”, afirma. Jornal do MAB | Maio de 2014

Dionísio, morador há cinquenta anos da Serra Queimada, região que pode ser atingida pela barragem

Além disso, o pesquisador assinala irregularidades nos decretos expropriatórios, publicados pelo Governo Estadual em setembro e novembro de 2013, sem um parecer oficial do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), órgão ambiental responsável no Rio de Janeiro. “Eles declararam uma área de utilidade pública que nem sequer foi avaliada pelo órgão ambiental. Isso fratura todo o processo de licenciamento, que seria apresentar os estudos ambientais, fazer as audiências públicas, consultar a população pra depois decidir a viabilidade do projeto”, ressalta. O decreto ainda prevê uma indenização de 5 mil reais para cada hectare desapropriado. Como a região do Guapiaçu é formada por pequenas propriedades – minifúndios de 3 a 4 hectares - a indenização para cada família ficaria entre 15 e 20 mil reais em média. “Você não consegue comprar um barraco na região metropolitana do Rio de Janeiro por esse valor”, ressalta Eduardo. 15


“Canções populares trazem em verso e poesia a alegria do povo que faz a luta por melhores dias”

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ais uma vez o grupo Mistura Popular associa as lutas populares às músicas que compõe. O novo trabalho vem com músicas para o Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana e conta também com participação dos cantores Zé Vicente na faixa “O que vale é o amor”, Pedro Munhoz na canção “A Muralha” e Grupo Palimpsesto na música “O povo unido”. Esse trabalho vem abrilhantar um processo que o Grupo Mistura Popular vem vivenciando e contribuindo na luta dos trabalhadores e trabalhadoras. “Através da arte queremos resgatar a esperança, a vida, a cultura, as expressões culturais e as belas canções populares que trazem em verso e poesia a alegria do povo que faz a luta cotidiana por melhores dias”, afirmou Jadir Bonacina, militante do MAB e integrante do grupo.

Músicas para os atingidinhos e atingidinhas Ainda em fevereiro, o grupo lançou o disco que traz canções que mesclam versões já conhecidas e músicas inéditas, levando a criança para o centro da arte e dialogando com o imaginário infantil. “A ideia desse projeto nasceu a partir da Ciranda do MAB que trata dos problemas dos atingidos numa linguagem mais lúdica”, explica o militante Jadir Bonacina. Sobre o projeto ser idealizado especificamente para as crianças ele explica: “Pensamos nesse projeto para as crianças atingidas e por isso as composições trazem uma linguagem mais simples, mas a ideia é que não só as crianças se envolvam, mas sim todos os atingidos de maneira geral”. Na lista aparecem canções já conhecidas, como Cirandeiro, um clássico das cirandas em todo o Brasil. Esta é uma tentativa de resgate da cultura popular e de antigas brincadeiras das crianças, como a ciranda, que incentiva a interação e o companheirismo, unindo meninas e meninos em uma mesma atividade. “Para o MAB, esse trabalho é pioneiro e vem agregar muito à Ciranda, pois a gente sempre parte da idéia que as crianças de hoje serão os adultos e os lutadores de amanhã”, observou Jadir.


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