Nº 5 | Junho de 2008
MAB protesta contra modelo energético e do agronegócio
Camponeses e trabalhadores urbanos, militantes dos movimentos sociais que compõe a Via Campesina e a Assembléia Popular, realizaram uma jornada de lutas para denunciar os problemas causados pela atuação das grandes empresas no país. Povos indígenas se revoltam contra a construção de hidrelétricas Página 3 Jornal do MAB | Junho de 2008
A exploração do trabalho embutida no preço da energia Página 6
Alta no preço dos alimentos: quem está por trás disso? Página 7 1
EDITORIAL
Pela soberania do povo brasileiro, contra a
voracidade do capital
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m junho realizamos uma jornada de lutas onde milhares de camponeses e trabalhadores urbanos, militantes dos movimentos sociais da Via Campesina e da Assembléia Popular, protestaram em 14 estados contra a transposição do rio São Francisco, o modelo energético e o agronegócio. Mais uma vez demonstramos nossa posição de classe, enfrentamos as empresas que esvaziam o bolso do trabalhador pelo alto preço cobrado pelos alimentos e nas contas da luz. Sabemos que toda ação de ataque à burguesia, resulta numa reação da mesma que, amparada pelo efetivo militar do Estado, reprime as manifestações populares. Nesta jornada de lutas, os principais atos de truculência da polícia para intimidar e dispersar os manifestantes aconteceram no Rio Grande do Sul, em Rondônia, no Ceará e em São Paulo. Segundo nota do MST, em solo gaúcho, “métodos e argumentos do Ministério Público e da brigada militar ressuscitam a ditadura”. Em São Paulo, em defesa de Antônio Ermínio de Morais e do patrimônio da Votorantim e CPFL, a tropa de choque jogou bombas e disparou tiros contra o povo. “Empoderar” o povo, ou seja, dar poder ao povo para argumentar em favor dos atingidos por barragens, para fortalecer a organização e para lutar contra este modelo de sociedade que exclui os pobres. Este é o desafio da luta e do embate político neste período. Nesta edição do Jornal do MAB, além das informações sobre a Jornada Nacional de Lutas, traremos também matérias sobre o leilão da Usina Hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, a reação indígena contrária às construções de barragens, a alta no preço dos alimentos, o resultado de uma pesquisa do Ibope sobre os movimentos sociais, encomendada pela Vale, e uma entrevista com o professor Dorival Gonçalves Júnior, que fala sobre o processo ocorrido no Brasil que transformou a energia num produto muito lucrativo para as empresas do setor elétrico. Boa leitura!
Água e energia não são mercadorias! Coordenação Nacional do MAB - Junho de 2008
EXPEDIENTE Jornal do MAB Uma publicação do Movimento dos Atingidos por Barragens
Projeto Gráfico: MDA Comunicação Integrada Tiragem: 5.000 exemplares
www.mabnacional.org.br 2
Mais uma hidrelétrica privatizada na Amazônia Depois do leilão da hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia, foi a vez da barragem de Jirau ser vendida a grupos privados nacionais e internacionais. O consórcio Energia Sustentável do Brasil, liderado pela multinacional européia Suez Energy, foi o vencedor do leilão. O leilão abriu de vez a porta de entrada para a construção de grandes empreendimentos energéticos que ameaçam a soberania da Amazônia e só interessam às empresas. Segundo a coordenação do MAB, estas empresas multinacionais encontram na Amazônia brasileira uma forma rápida e fácil de aumentar, e muito, o seu lucro. Até 2011, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) planeja leiloar sete grandes hidrelétricas na região norte do Brasil, com capacidade instalada de quase 27 mil MW. O consórcio vencedor do leilão de Jirau é constituído por Suez (50,1%), Camargo Corrêa (9,9%), Eletrosul (20%) e Chesf (20%). Depois de emitida a licença prévia, o consórcio decidiu alterar em 9,2 quilômetros a posição original da usina, alegando menos impacto ambiental e menor custo na construção da obra. “Isso prova a bagunça generalizada que é o processo de licenciamento das obras, e a existência de estudos de impacto ambiental mal feitos”, critica a coordenação do MAB. Segundo o Ibama, na história recente dos licenciamentos, nunca houve uma decisão de alterar a localização de um empreendimento já licenciado.
Protestos contra o banco Santander na Europa
Campanha internacional denuncia investimentos do Santander nas usinas do Rio Madeira Uma das empresas do consórcio dono da hidrelétrica de Santo Antônio, o banco espanhol Santander está sendo alvo de mobilizações na Europa. Uma delas está sendo chamada “Não com o meu dinheiro” (em tradução livre) e vai reunir a população em frente à Bolsa de Valores de Madri. “Queremos apresentar as atividades que o Santander está fazendo no Brasil: obrigar as mais de 5000 famílias a abandonar seus lares, aumentar os casos de malária e aniquilar os povos indígenas da Amazônia”, explicam os responsáveis pela organização da campanha. Na outra mobilização contra os investimentos do banco nas usinas do Rio Madeira, será apresentada à junta de acionistas do Santander as conseqüências de financiamento deste projeto. Segundo Joceli Andrioli, da coordenação do MAB, na Europa eles tentam vender uma imagem de responsablidade ambiental e social: “O MAB vem fazendo articulações com outros países para denunciar estes bancos, que no Brasil são acionistas junto com a Vale e a Votorantim, empresas que historicamente degradam o meio ambiente e arrasam comunidades”, afirma. Jornal do MAB | Junho de 2008
Povos indígenas se revoltam contra a ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
construção de hidrelétricas
“Quer fazer barragem, nós estamos indo pra brigar mesmo”. Este é o depoimento que o líder indígena Ireô deu ao Fantástico depois do episódio em Altamira, no Pará, quando o engenheiro da Eletrobrás, responsável pela implantação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, ficou ferido no ritual de indígenas que se revoltaram com sua palestra no encontro Xingu Vivo para Sempre, no último dia 20 de maio.
istematicamente os estudos e relatórios de impacto ambiental feitos para a construção de usinas têm desconsiderado a existência de povos indígenas nas áreas de inundação. Isso aconteceu na Usina Hidrelétrica Serra da Mesa, em Goiás, na Usina Hidrelétrica de Sobradinho, na Bahia, e na maioria das usinas construídas na região norte do país. A violação dos povos indígenas é histórica, no entanto, a reação dos indígenas em Altamira e o depoimento do líder Ireô são sinais de que os interesses das empresas que querem construir as barragens na Amazônia serão interrompidos e que a construção de barragens viola o que é de mais sagrado entre estes povos, o território.
ragens na região Amazônica”. Desde 1989 as comunidades indígenas, movimentos populares e sociais já alertavam para os problemas que o projeto acarretaria na região, sobretudo para as comunidades de povos originários. Passados quase 20 anos, o projeto não mudou nada de sua origem, apenas sofreu uma “Revisão dos Estudos de Inventário do Rio Xingu”, conforme denuncia o Ministério Público Federal. Além do Pará, em várias regiões do país, recentemente houve manifestações de povos indígenas, contrários à construção das usinas hidrelétricas No Mato Grosso, índios das etnias enawené-nawê, rikbaktsa, cinta larga, arara, mynky, irantxe, kayabí, apiaká e munduruku bloquearam uma rodovia e exigiram a retirada das Centrais Hidrelétricas da cidade de Aripuanã, instalada no Rio Juruena. Eles também cobraram melhorias nas condições de saúde das tribos.
Em nota, a coordenação nacional do MAB manifestou solidariedade em defesa da vida e do rio Xingu e afirmou que, “historicamente este tipo de projeto tem beneficiado a acumulação de riqueza para grandes grupos econômicos nacionais e principalmente internacionais, a exemplo do que vem ocorrendo com outros projetos de bar-
Em uma audiência pública sobre os impactos da construção da Usina Hidrelétrica de Estreito, realizada em maio, no Senado Federal, em Brasília, uma centena de indígenas presentes questionaram o fato do Consórcio Ceste – responsável pelo projeto - não os ter consultado sobre a obra e a ausência de referência a eles nos estudos de im-
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Jornal do MAB | Junho de 2008
pacto. “Dizem que nós não existimos por lá. Se eu não existisse, não estava aqui”, afirmou Gercília Krahô. Ela também lembrou que a energia a ser gerada pela hidrelétrica não será destinada para as comunidades indígenas e ribeirinhas. A Usina Hidrelétrica de Estreito está sendo construída sob o rio Tocantins, na divisa do Tocantins com o Maranhão.
Indígenas protestam contra usinas no Rio Madeira
Já quanto aos povos atingidos pelas usinas hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau, no rio Madeira, em Rondônia, segundo o Estudo de Impacto Ambiental das duas obras, 1089 indígenas de sete tribos serão afetados. A Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente, da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais recomenda que o Governo Federal anule a licença prévia concedida para a construção, pois a análise apenas diagnosticou a situação das terras, mas não aprofundou a discussão dos impactos. Segundo Paulo Maldos, assessor político do Conselho Indígena Missionário (CIMI), o estado brasileiro tem uma tendência crônica de projetar hidrelétricas em terras indígenas, ignorando os povos: “O governo sofre pressão das empresas, enxerga só o crescimento econômico e ignora o povo, que paga o ônus das construções. As empresas chegam até o final da construção e, com o pacote pronto, o índio torna-se um obstáculo a ser retirado”, finaliza. 3
Jornada de Lutas
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MAB protesta contra modelo
Camponeses e trabalhadores urbanos, militantes dos movimentos sociais que compõe a Via Campesina e a Assembléia Popular, de 10 a 13 de junho realizaram uma jornada de lutas para denunciar os problemas causados pela atuação das grandes empresas no país, especialmente as estrangeiras.
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s ações aconteceram em 14 estados, os militantes do MAB se envolveram em protestos realizados em dez deles e a avaliação é de que, assim como na Jornada do 14 de março, conseguimos demarcar nossa posição de classe, pois denunciamos a ação perversa das grandes empresas, que são beneficiadas pelo modelo energético, pelo agronegócio, pela transposição do rio São Francisco e com a destruição da Amazônia. Além de trancamento de rodovias e ferrovias e de ocupações de hidrelétricas e empresas, foram entregues nas distribuidoras de energia as autodeclarações que garante a quem consome até 220 kwh/mês de energia elétrica o recebimento de descontos referentes à Tarifa Social Baixa Renda na conta de luz, sem precisar estar cadastrado em qualquer programa social do governo.
Mobilização em Rondônia
Tocantins
Rio Grande do Sul
Paralisação do trem que abastece as obras da ferrovia da Vale do Rio Doce. Denúncia do corte ilegal da floresta amazônica e do cerrado para o agronegócio e exigência do cumprimento dos acordos feitos entre os atingidos pela UHE de Estreito e a empresa Valec, construtora da ferrovia.
Ocupação da multinacional de alimentos Bunge, na cidade de Passo Fundo. Denúncia do monopólio das empresas de alimentos, influenciando nos altos preços pagos pelo trabalhador nos supermercados.
Paraná Acampamento na Usina Hidrelétrica de Salto Santiago em protesto contra a multinacional Suez-Tractebel, dona da usina. Protesto contra a lei que impede os atingidos de viverem a menos de cem metros da mata ciliar no entorno do lago da barragem.
Protesto na UHE de Itá, pertencente à multinacional Suez-Tractebel. Segundo dados da própria empresa, em 2007, o lucro líquido foi de 1,05 bilhão de reais. Entrega de mais de três mil autodeclarações na distribuidora de energia RGE (Rio Grande Energia), em Vacaria e em Erexim.
Rondônia Trancamento da BR 364, em Candeias do Jamari. Denúncia do desmatamento da Amazônia e da ocupação ilegal da terra para o monocultivo da soja. Protesto contra a construção das usinas hidrelétricas do Complexo Madeira. 4
Trabalhadores protestam contra destruição da Amazônia pelo agronegócio
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energético e do agronegócio Protesto em frente à CELG (Companhia Energética de Goiás), em Goiânia, e entrega de autodeclarações.
Santa Catarina
Mobilização no Terminal Portuário do Pecém
São Paulo
Ceará
Ocupação do prédio da Votorantim e CPFL. Denúncia dos impactos ambientais e sociais da construção da barragem de Tijuco Alto. Toda a energia produzida por essa hidrelétrica será destinada à Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), pertencente ao grupo Votorantim. Denúncia do alto preço da energia cobrado pela CPFL da energia, as famílias pagam até sete vezes mais que o preço de custo.
Ocupação do Complexo Industrial e Portuário do Pecém, próximo à Fortaleza. Questionamento à transposição do Rio São Francisco e denúncia do atual modelo econômico e energético do país.
Entrega de quase duas mil autodeclarações na distribuidora de energia Eletropaulo.
Bahia Ocupação da UHE de Sobradinho. Denúncia do modelo energético e dos grandes projetos de irrigação que beneficiam apenas os latifundiários.
Mobilização na UHE de Itá
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Ocupação do prédio da Secretaria Estadual do Desenvolvimento Agrário, na capital. Audiência com secretário de estado e apresentação da pauta com reivindicações ligadas à questão da terra, infraestrutura, assistência técnica e sementes.
Goiás Trancamento da BR-153, em Uruaçu, a estrada dá acesso ao estado de Tocantins. Protestos contra os altos preços dos alimentos e da energia.
Protesto na Klabin, empresa de papel e celulose. Distribuição e plantação de mudas de árvores nativas em protesto ao “deserto verde”, provocado pelo plantio em grande escala de pinus e eucalipto. Trancamento da BR 282 em protesto contra a empresa Aurora, representante do modelo de produção do agronegócio.
Minas Gerais Ocupação da estrada de ferro da Vale, em Belo Horizonte e denúncia dos problemas causados pela passagem do trem. Ocupação da estrada de ferro da Vale, em Governador Valadares. Exigência de que a Vale inicie as negociações com as 500 famílias da comunidade Pedra Corrida, atingida pela Usina Hidrelétrica de Baguari, de propriedade da própria mineradora. Manifestações em seis regionais da Cemig reivindicando redução na conta de luz e entrega de autodeclarações para recebimento da Tarifa Social.
Trancamento da ferrovia da Vale, em Governador Valadares/MG
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A exploração do trabalho embutida no ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
preço da energia O preço da energia elétrica no Brasil é alto, resultado do processo de privatização do setor nos anos 1990, quando as empresas exploradoras iniciaram uma disputa para obter o melhor trabalho excedente na geração de eletricidade: lucro, a grosso modo.
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nternacionalizada, a tarifa de energia no país é balizada a partir do petróleo. Para somar uma nova visão sobre o debate, o professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Dorival Gonçalves Júnior, desenvolveu a tese sobre o processo históricosocial de mudanças na organização da indústria de eletricidade brasileira, intitulada “Reformas na indústria elétrica brasileira: a disputa pelas ‘fontes’ e o controle do trabalho excedente”, a qual aponta que as reformas na indústria elétrica ocorridas nos anos 1990 propiciaram o aumento da concorrência dos capitais pelas melhores fontes de energia. Ele destaca que seu trabalho* procura percorrer o passado e o presente das mudanças no setor segundo a “teoria do valor” e a “teoria do trabalho”, desenvolvidas por Karl Marx. Na entrevista a seguir, o pesquisador coloca o Estado brasileiro como mais um colaborador para os “agentes financeiros”, “aperfeiçoando” o atual modelo e diminuindo os riscos dos investidores. “Basta ver o balanço das empresas a partir de 2005. Jamais a indústria de eletricidade brasileira alcançou a lucratividade que ela tem alcançado agora”, defende. 6
Brasil de Fato – Por que fazer uma análise das reformas estruturais do setor energético no Brasil segundo um ângulo marxista? Dorival – Por meio do estudo foi possível realizar um resgate histórico da indústria elétrica, desde sua origem. Até para discutir que a noção de energia é capitalista; que é tida como algo objetivo da natureza, sem entender que essa noção foi produzida num dado momento histórico, numa sociedade que se organizava na forma capitalista. Em qual o período “nasce” essa nova concepção estrutural de exploração capitalista em relação aos recursos naturais e ao trabalhador? No final dos anos 1980 e início dos 1990, se inicia um debate nacional a respeito do processo de reestruturação produtiva da indústria de infra-estrutura de um modo geral, mas principalmente da indústria elétrica. A partir de 1989, havia melhores condições políticas mundiais para começar essa implementação. No Brasil, como se dá a apropriação da natureza e do trabalho pelo capital no setor elétrico hoje?
A forma da exploração capitalista segue aquele o modelo clássico que está discutido em “O Capital”, que é a busca pela lucratividade por meio do trabalho excedente. Para que possa produzir um trabalho bem superior ao necessário, o capitalismo procura estender a jornada de trabalho e conjugar a exploração dos meios de produção e da força de trabalho, o que irá produzir mais trabalho excedente durante a jornada, ao que chamamos de “mais-valia relativa”. Mas o que isso tem a ver com a internacionalização do preço da energia?
Os capitalistas vendem um recurso natural que é a base da maior produtividade do trabalho. Eles conseguem mais lucratividade por meio da maior taxa de exploração da fonte e do trabalhador. No caso brasileiro, o domínio dos recursos hidráulicos significou gerar eletricidade em uma cadeia produtiva que é base para acesso ao maior trabalho excedente, comparado, por exemplo, com a eletricidade produzida a carvão mineral ou a gás natural. No final, a eletricidade é vendida pelo mesmo preço, independente de ser produzida por uma cadeia produtiva hidráulica, de gás natural ou de petróleo, porque, desde os anos 1990, a eletricidade tem uma tendência de se transformar em uma mercadoria mundial. Depois da privatização, como se estruturaram as empresas do setor elétrico? Até 1993, as empresas distribuidoras de energia eram todas nacionais e o preço da eletricidade único em todo o território. Em 1994, antes desse processo, a eletricidade residencial passa de um preço de 70 para 130 dólares; e a energia industrial salta de 40 para 80. O governo já providenciava uma normatização dos preços da eletricidade nesse patamar internacional. A partir daí, a grande disputa é por essa cadeia produtiva, cuja base de recurso natural é capaz de obter grande produtividade fazendo com que o trabalho excedente seja bastante elevado e que a lucratividade seja muito alta. O que é importante mostrar é que isso não é uma volta ao que era a indústria elétrica nos 1930, quando era privada. Hoje, o capitalismo financeiro atinge um poder de organizar o processo industrial e a forma como está concebida a organização industrial da produção de energia elétrica no Brasil está de acordo com os mecanismos monetários de reprodução do capital do sistema financeiro. Jornal do MAB | Junho de 2008
Como você avalia as políticas sociais de energia do governo Lula, como o programa Luz para Todos? E a “tarifa social”, que determina que todos os consumidores com gastos menores que 200 kWh/mês sejam beneficiados com descontos?
A “tarifa social” é uma política compensatória, tendo em vista que o preço da eletricidade se tornou tão exacerbado, grandes segmentos da população ficariam sem nenhum acesso. Quanto ao programa Luz para To-
Foto: João Zinclar
Usina Hidrelétrica de Xingó, Alagoas
dos também é compensatório e atende, inclusive, aos interesses das empresas distribuidoras, porque também se transformou num gran-
de negócio. Na verdade, quem dirige esses processo de expansão são as concessionárias de energia dos Estados. Por outro lado, não dá para negar que o Luz para Todos é, em relação ao governo passado, eficiente, na medida que o trabalhador não paga pela construção das linhas de transmissão, mas somente pela eletricidade. Por Eduardo Sales de Lima
* Entrevista publicada originalmente e na íntegra no Jornal Brasil de Fato. A tese de doutorado foi defendida em setembro de 2007, no Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia da USP.
Alta no preço dos alimentos:
quem está por trás disso? A alta no preço dos alimentos é um impacto que sentimos já há algum tempo quando vamos ao supermercado. O trabalhador é quem paga a conta de um sistema que privilegia o lucro de grandes empresas e não o direito à alimentação. Apontaremos aqui algumas das principais causas deste problema.
Estados Unidos, basicamente destinada para a produção de etanol. O mesmo acontece na Argentina: nas áreas antes destinadas à plantação de trigo, hoje está sendo plantado milho, influenciando diretamente no aumento do custo do pão que consumimos aqui, produzido principalmente com trigo argentino.
A primeira delas é que hoje, seis empresas multinacionais, entre elas a Cargill e a Bunge, dominam a cadeia alimentícia de grãos, leites, carnes, óleos e gorduras comestíveis, açúcares e bebidas e, mesmo sem produzirem estes alimentos, estabelecem os preços mundialmente pela especulação no chamado “mercado de futuros” da bolsa de valores, elevando os preços acima dos reais custos de produção e aumentando suas taxas de lucro.
E no Brasil, grandes extensões de terra que antes eram destinadas à produção de alimento, hoje estão sendo disputadas para plantar cana-deaçúcar, também para a produção de etanol. Em nosso território temos 7 milhões de hectares plantados com cana e, com o incentivo do governo brasileiro, as empresas sucroalcooleiras querem chegar no ano 2017 com 28 milhões de hectares plantados. Segundo Gilberto Cervinski, da coordenação nacional do MAB, o grande problema nessa mudança da função social da agricultura é que quando ela passa a produzir energia ao invés de alimentos, o preço do alimento passa a ser determinado pelo preço do petróleo que, pela especulação das grandes empresas, já alcança mais de 130 dólares o barril.
A segunda causa para o aumento no preço dos alimentos é mudança na função social da agricultura, que historicamente teve a missão de produzir comida. No entanto, com a crise energética mundial, a agricultura está investindo na geração de energia renovável. Um exemplo é a produção de milho nos Jornal do MAB | Junho de 2008
Se não bastasse, nosso modelo de agricultura é “petrodependente”, ou seja, o transporte da produção dos grãos depende do petróleo. Para três toneladas do insumo utilizado na lavoura que leva uréia, fósforo e potássio, são utilizados quase quatro mil litros de petróleo e com o alto preço deste combustível, o custo final de produção é transferido para o consumidor. Por fim, se já pagamos um preço alto pelo alimento que compramos, este preço tende a aumentar com os desastres ambientais que acontecem em regiões que ainda produzem alimentos. Estudos científicos concluem que esses desastres estão sendo ocasionados também pelo aumento no monocultivo de cana, soja e eucaliptos. "Este modelo de agricultura leva, inevitavelmente, ao desastre ambiental, as secas, enchentes e temporais são conseqüências dessa agricultura que privilegia a produção de energia ao invés da produção de alimentos ou a produção sustentável de ambos, energia e alimentos”, finaliza Cervinski. 7
Vale encomenda pesquisa sobre movimentos sociais do campo
O
jornal O Globo divulgou no dia 15 de junho uma reportagem apresentando o resultado da pesquisa feita pelo Ibope e encomendada pela Vale sobre os movimentos sociais do campo - Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento Sem Terra, Via Campesina, movimentos de quilombolas e Comissão Pastoral da Terra. O objetivo da pesquisa foi mapear a imagens destes movimentos em termos de entendimento sobre seus propósitos, interesses, formas de ação e conseqüência para o país. Os resultados se mostraram confusos e contraditórios, fruto da cobertura superficial e tendenciosa da mídia sobre as ações dos movimentos. No entanto, vários
Trancamento da ferrovia da Vale, em Governador Valadares/MG
dados favoráveis às organizações do campo foram apontados. As entrevistas com 2.100 pessoas maiores de 16 anos, em
metrópoles, cidades e regiões do interior de vários estados, foram feitas entre 26 de abril e 6 de maio deste ano.
MAB tem grande aceitação entre os que conhecem o movimento
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egundo os dados levantados, nas metrópoles 31% dos entrevistados conhecem o MAB, entre estes, 60% são favoráveis ao Movimento e 66% concordam com seus objetivos. No geral, as palavra que melhor descrevem o MAB são justiça, igualdade social, organização e coragem. Além disso, a pesquisa mostra que, nas regiões metropolitanas, 40% acreditam que os proprietários de terras e de empresas não aceitam negociação com os movimentos e reagem às ocupações utilizando métodos próprios. Dos entrevistados pela pesquisa, 90% afirmam receber informações sobre os movimentos sociais por meio da televisão, outros 34% pelos jornais; 8
24% por rádio; 18% pela internet; 8% por revista. Segundo os coordenadores do MAB, “mesmo que a maioria das pessoas conheçam os 6% 3%
28% 63%
Sobre o MAB 3% - conhece bem 28% - conhece pouco 63% - nunca ouviu falar 6% - não sabem/não opinaram
Entre os que conhecem 60% - são favoráveis 40% - são desfavoráveis
40% 60%
34% 66%
66% - concordam com os objetivos do MAB 34% - não concordam
movimentos sociais pela TV e que, na maioria das vezes, ela nos represente de forma negativa, 69% dos entrevistados afirmam que os movimentos sociais estão ganhando força na sociedade, o que é positivo para nós, na medida em que somos vistos como organizadores de setores excluídos da sociedade”. “A pesquisa acaba por revelar um nível elevado de afinidade e favorabilidade da população para com os movimentos sociais ainda mais relevantes quando se consideram as circunstâncias desfavoráveis que têm para se fazerem conhecidos”, analisa o professor Carlos Walter Porto-Gonçalves, doutor em geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Jornal do MAB | Junho de 2008