Jornal do MAB | Nº 01 | Outubro de 2007

Page 1

Foto: João Zinclair

Outubro de 2007

O preço da luz é um roubo Enquanto empresas multinacionais consomem muita energia, familias não têm acesso ou não podem pagar a conta de luz Páginas 4 e 5

Comissão de direitos humanos comprova denúncias feitas pelos atingidos Página 3 Jornal do MAB | Outubro de 2007

Hidrelétricas na Amazônia: Rio Madeira e a cobiça internacional

Página 6

Luta pelos direitos dos atingidos prossegue em todo o país Página 7 1


Coordenação Nacional do MAB Outubro de 2007

U

ma das principais bandeiras do movimento no setor de produção é a ocupação dos lagos da União para a aqüicultura, visando à soberania alimentar e geração de trabalho e renda. O MAB entende que a utilização dessas águas é um direito dos atingidos, já que foram expulsos de suas casas e comunidades para dar lugar aos lagos das barragens.

geralmente ganham muito menos do que os atravessadores e revendedores, como explica José Arlan Freitas, pescador do Ceará: “quem determina o preço do peixe é o atravessador. Não só o preço, mas a quantidade. A maioria só compra em grande quantidade. Além disso, em muitos lugares só existe um atravessador, o pescador fica sem opção”.

No entanto, os pesCom o diagnóstico da cadores encontram muitas situação de cada barragem, A iniciativa dificuldades para fazer os pescadores deram o pasretoma a essa ocupação nos lagos so seguinte: pensar qual a cultura do formados por usinas hiprodução que o Movimenpovo, que drelétricas ou para retento quer. Segundo Iury ção de água. Por isso, sempre esteve Charles, militante do MAB, próximo aos com o objetivo de diag“a produção que queremos nosticar o processo da deve estar totalmente de rios e aos cadeia produtiva da pesacordo com os princípios e peixes. ca nas regiões - antes e valores do movimento”. De depois das barragens - foacordo com o projeto, um ram realizados diversos encontros redos princípios do setor de produção gionais e um encontro nacional para do MAB é que ele deve ser gerador tratar deste tema. da soberania e segurança alimentar das famílias. Além disso, ele deve aconteUma das dificuldades encontracer de forma coletiva, potencializando das é a adaptação com a nova dinâmio trabalho e socializando a renda. ca da água, depois de construída a ○

barragem. Segundo Evandro Nesello, um dos coordenadores do projeto, quando uma barragem é construída, toda a dinâmica da aqüicultura é alterada. “Os ribeirinhos já não reconhecem mais seus rios. Na água do lago não existe mais correnteza, a água é parada e profunda. Com isso, várias espécies nativas desaparecem (como o Dourado em algumas regiões) e outras espécies predadoras surgem”. Além disso, há uma disparidade do ponto de vista econômico dentro da cadeia produtiva. Os pescadores

EXPEDIENTE

~

Aqüicultura: é a criação de organismos que desenvolvem pelo menos uma parte de sua vida na água.

~

Atravessador: quem compra o peixe direto do pescador, revende e fica com o lucro.

~

Animador: militante do movimento que vai animar a comunidade a discutir o projeto da pesca, levantar dados.

~

Técnico: faz o diagnóstico e o debate técnico com as famílias.

Projeto Gráfico: MDA Comunicação Integrada Tiragem: 5.000 exemplares

www.mabnacional.org.br 2

Os encontros aconteceram nos estados do Pará, Rondônia, Goiás, Minas Gerais, Tocantins, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Em maio desse ano, um encontro nacional reuniu técnicos e animadores do Projeto da Pesca em Brasília.

Jornal do MAB Uma publicação do Movimento dos Atingidos por Barragens

Ao retomarmos a edição deste informativo, queremos saudar as lutas do povo brasileiro e dos atingidos por barragens que resistem de todas as formas ao processo de exploração capitalista. Sabemos que no atual momento histórico há uma forte hegemonia do pensamento capitalista, que procura transformar tudo em mercadoria. As empresas tratam inclusive os bens naturais, como a água e a energia, como simples mercadoria. O capital financeiro, as grandes empresas mineradoras, metalúrgicas e energéticas, junto com o agronegócio são a elite dos projetos do capital, que esmagam os trabalhadores no Brasil e no mundo. A ação destes grupos econômicos é dirigida internacionalmente, e articulada através dos tratados de livre comércio e projetos de integração de infra-estrutura. Na grande maioria dos casos os Estados nacionais e os governos servem a esta mesma política, usando dinheiro público e prestígio político em favor das grandes empresas capitalistas, que cada vez mais exploram os trabalhadores e se apropriam da natureza. Estudar, compreender esta realidade, organizar-se para enfrentar estes “poderosos” inimigos é lutar sempre contra este modelo de sociedade, que destrói a natureza e causa tanta fome e miséria. Nosso principal desafio é tarefa é lutar: água e energia não são mercadorias!

Projeto resgata a cultura da pesca nos lagos de barragens

Editorial

Jornal do MAB | Outubro de 2007


Comissão de direitos humanos comprova denúncias feitas pelos atingidos

C

omunidades esquecidas, isoladas. Repressão policial. Direitos negados ou não reconhecidos. Tradições culturais extintas. Na tentativa de pautar estes e outros problemas sofridos pela população atingida junto aos órgãos responsáveis do país, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) encaminhou diversas denúncias de violações de direitos humanos decorrentes do processo de construção das barragens ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), órgão ligado a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) do governo federal.

médico inexistente ou com funcionamento precário; assistência médica ruim; inexistência de área para desenvolvimento da agricultura e pecuária, entre outros déficits.

A partir das denúncias, foi formada uma Comissão Especial que durante esse ano visitou a barragem de Acauã, na Paraíba, e as hidrelétricas de Foz do Chapecó, em Santa Catarina, Tucuruí, no Pará, Aimorés, Emboque e Fumaça, em Minas Gerais, e Cana Brava, em Goiás.

UHE de Foz de Chapecó (RS/SC)

O representante da Defensoria Pública da União na Comissão, João Paulo Dorini, afirma que em todas as visitas as denúncias feitas pelo MAB foram confirmadas. O caso que mais causou espanto para Dorini foi o da Barragem de Acauã. “Muitas pessoas saíram de suas casas já com a água nos pés. E a comunidade está totalmente esquecida, isolada”. Um relatório final feito pela Comissão será entregue ao CDDPH. “Espero que o relatório não seja mais um documento que vá pra gaveta. Se ele servir pelo menos para a discussão pública sobre o tema já cumpriu boa parte do seu papel”, afirmou Dorini. Para o MAB, o relatório será mais um instrumento de luta e pressão política para exigir soluções para os problemas comprovados.

Barragem de Acauã (PB)

Um caos social Os reassentamentos de Cajá, Melância e Pedro Velho, na Paraíba, são considerados pelo MAB a pior situação social das famílias reassentadas por uma barragem no país. O MAB denuncia: déficit habitacional de 240 moradias; escolas inexistentes ou com funcionamento precário; merenda escolar insuficiente; posto Jornal do MAB | Outubro de 2007

Arquivo MAB

Comunidade alagada pela Barragem de Acauã, na Paraíba

Truculência e repressão contra os atingidos Até agora foram desapropriadas 71 famílias na região do canteiro de obras de Foz do Chapecó. Dessas, segundo o MAB, mais de 30 tiveram os direitos negados ou “não reconhecidos” pela empresa. Além disso, o consórcio, formado pelo grupo CPFL (Votorantim, Camargo Corrêa e Bradesco), Furnas e a concessionária CEEE, estaria induzindo as famílias a escolherem carta de crédito ou indenização em dinheiro ao invés de reassentamento coletivo, desrespeitando a livre opção de escolha garantida por lei.

UHE de Tucuruí (PA)

Milhares de famílias sofrem até hoje Segundo estudo do Instituto de Pesquisa da Amazônia (INPA), as conseqüências sociais e ambientais da hidrelétrica de Tucuruí foram, e continuam a ser, negativas e prejudiciais. Algumas delas: o deslocamento da população na área de inundação e a sua realocação subseqüente devido a uma praga de mosquitos Mansonia; o desaparecimento da pescaria que sustentava, tradicionalmente, a população a jusante da barragem; os efeitos sobre a saúde devido à malária e a contaminação por mercúrio; e o deslocamento e perturbações de grupos indígenas (Parakanã, Pucurui e Montanha).

UHE de Cana Brava (GO)

Mais da metade dos atingidos sem indenização No cadastro do MAB constam 808 famílias atingidas pela usina hidrelétrica de Cana Brava, localizada no município de Minaçu (GO), que ainda não receberam qualquer tipo de indenização. Esta é a principal denúncia encaminhada pelo movimento ao CDDPH. O projeto da usina de Cana Brava foi concedido à CEM – Companhia Energética Meridional, subsidiária da Tractebel Energia S.A, como resultado de uma licitação internacional promovida pela ANEEL, em março de 1998. Segundo o MAB, 946 famílias foram atingidas, mas só 121 foram reconhecidas. O processo de reassentamento das famílias reconhecidas ainda não foi concluído. Estas famílias encontram-se acampadas e organizadas em grupo.

UHE de Emboque (MG)

Mortes e desrespeito com os atingidos Famílias atingidas pela UHE de Emboque, da empresa CAT–LÉO ENERGIA, relatam casos de total desrespeito aos Direitos Humanos. Um deles foi o caso de Sílvio Clemente, que suicidou-se por causa da truculência e maus tratos da empresa. A barragem de Emboque, localizada no rio Matipó, em nove anos de funcionamento, acumula um triste saldo de dez mortes.

UHE de Fumaça (MG)

Novelis destrói o meioambiente e a sobrevivência A empresa norte americana Novelis (Alcan), dona da barragem de Fumaça, localizada no Rio Gualaxo do Sul, comprometeu 300 anos de artesanato em pedra sabão na região próxima a Ouro Preto e afetou, diretamente, a atividade cultural de centenas de artesãos e de mais de duas mil pessoas. Muitos artesãos estão até hoje sem nenhum tipo de indenização. O lago da barragem inviabilizou a exploração de quarenta pedreiras, que ficaram em área de risco ou debaixo d’água. 3


Campanha Nacional:

“O preço da luz é um roubo” Mobilização popular amplia o debate sobre o alto preço da luz

Mas, por que o preço da tarifa de energia no Brasil é a quinta maior do mundo se nossa principal matriz energética (a hidroeletricidade) é uma das mais baratas? Para denunciar o estágio atual do setor elétrico brasileiro e sua conseqüência para os trabalhadores, o MAB criou a campanha “O preço da Luz é um roubo” na qual participam os movimentos da Via Campesina, entidades urbanas e pastorais. Um dos pontos principais da campanha é justamente o questionamento ao fato de o Brasil ter uma tarifa de energia tão alta. Segundo a coordenação do MAB, o setor energético está nas mãos de empresas multinacionais que visam o lucro. Desde a privatização do setor, as tarifas aumentaram muito, sempre acima da inflação. “A energia foi transformada em mercadoria que está a serviço da acumulação do capital e não do bemestar do povo”. 4

Este aumento da tarifa pesa principalmente no bolso dos consumidores residenciais. As indústrias pagam até 8 vezes menos pela energia do que as famílias. Isso acontece porque elas receberem subsídio do governo, pagando pela energia o preço de custo (cerca de R$ 0,06 o KW), enquanto nós pagamos, em média, R$ 0,30 o KW.

Arquivo MAB

N

ão dá mais pra ignorar o peso da conta de luz no bolso dos brasileiros do campo e da cidade. No Rio de Janeiro, vários moradores do Bairro Duque de Caxias se mobilizaram contra a instalação de chips eletrônicos de medição de energia (no lugar dos convencionais relógios) que faziam a conta chegar cada vez mais alta. No ceará, uma senhora que vivia em casa respirando com a ajuda de aparelhos morreu ao ter sua energia cortada por falta de pagamento. Em Minas Gerais, várias pessoas deixam de comer pra poder pagar a conta de luz mais cara do Brasil.

A mentira do “risco apagão” A mídia corporativa, o governo e as empresas do setor tentam chantagear a sociedade com o discurso falacioso da falta de energia e de um possível “apagão”. Para o MAB, “Isso é uma especulação na comercialização de energia elétrica. O que eles querem é que tenha energia sobrando para comprá-la cada vez mais barata e em forma de subsidio do governo”. Isso acontece, por exemplo, no Pará com a Albrás e no Maranhão com a Alumar. Dorival Gonçalves Júnior, professor de engenharia elétrica da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), desconstrói a tese do risco de falta de energia. Para isso ele examina, inicialmente, a capacidade de fornecimento médio de eletricidade durante todo o ano, que é denominada de “energia assegurada” pela ANEEL. Segundo o banco de dados da Agência, a capacidade de gerar energia elétrica na atualidade é de 57.500 megawatts (MW) médios. Comparando agora com a demanda requerida durante o ano de 2006 (que foi de 47.500 MW), de acordo com os dados da ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico Interligado), conclui-se que sobrou 10 MW de energia no ano passado. Para reforçar, ele dá um exemplo mais recente, de janeiro de 2007, onde o consumo de energia foi de 49.183 MW médios, sobrando assim, 8.317 MW médios de energia. Dorival conclui: “Considerando que esse excedente de 8.317 MW é, praticamente, a energia assegurada da Itaipu (atribuída pela

Mobilização pelas ruas de Minas Gerais

ANNEL), podemos dizer que hoje o sistema elétrico interligado nacional opera com uma Itaipu sobrando”. Mesmo assim, o governo, protegido por essa tese da escassez de energia, continua investindo em barragens. A maior parte do orçamento (R$ 274,8 bi) do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC foi destinada para a rubrica “investimento em infra-estrutura energética”. Os principais projetos desse programa são as usinas do Rio madeira, em Rondônia, de Belo Monte, no Pará, e a usina nuclear Angra III. Mas, a energia gerada por esses mega-empreendimentos vão servir a quem? Para as indústrias eletro-intensivas, aquelas que consomem e desperdiçam muita energia. Para Dorival Gonçalves Jr., sob o discurso da escassez iminente de eletricidade, “está submersa uma matriz de interesses que de modo algum expressam qualquer interesse dos trabalhadores”. Segundo ele, desde a privatização do setor o preço da tarifa residencial subiu. A eletricidade saiu da faixa dos US$ 70 dólares para mais de US$130, mantendo-se acima dos US$ 100. Mecanismos de sustentação deste modelo foram inclusos no PAC. No caso dos financiamentos do BNDES, Jornal do MAB | Outubro de 2007


Arquivo MAB

que já eram bastante favoráveis, ficaram ainda mais, já que o banco financiará até 80% do empreendimento e o prazo de pagamento aumentou de 14 para 20 anos. Além disso, está sendo criado o Fundo de Investimento em Infra-estrutura com o uso do FGTS. “O PAC veio para aperfeiçoar esse modelo energético lucrativo” conclui Dorival.

Debate nacional sobre o preço da luz O debate da energia já vem sendo discutido há algum tempo dentro do movimento. Em julho de 2006, o MAB promoveu uma jornada de lutas por um novo modelo energético, cobrando energia de boa qualidade e com um preço justo para a população. Agora, a campanha está em nova fase. Ela saiu do campo e das comunidades ribeirinhas para os bairros dos grandes centros urbanos. O objetivo é um diálogo, uma sensibilização e conscientização da sociedade e dos trabalhadores da cidade. Este ano, essa nova fase da campanha aconteceu nas principais capitais do país. Dentre elas: Porto Alegre, Florianópolis, Belo Horizonte, Belém, Porto Velho, Goiânia, São Paulo e Fortaleza. Militantes do MAB e de outros movimentos e entidades fizeram em cada uma dessas cidades atividades como panfletagem nos bairros, debates em escolas e universidades, atos públicos, teatro, exibição de vídeos, estudos e seminários sobre a questão energética. A campanha está sendo bem recebida pelos trabalhadores e trabalhadoras, cada vez mais indignados com o alto preço da conta de luz.

Seminário Latino-americano discutiu panorama energético 5 e 6/10/2007 - São Paulo/SP Arquivo MAB

Militantes do MAB e outras entidades debatem tema da energia em Seminário Latino-americano

MAB promove seminário latino-americano sobre energia Não é só no Brasil que os maiores consumidores de energia (as grandes empresas) pagam uma tarifa menor do que os pequenos consumidores (as famílias) na conta de luz. Este roubo também acontece na Guatemala, como relatou Verônica Del Cide durante o Seminário Latino-amicano Panorama Energético organizado pelo MAB, em São Paulo, nos dias 5 e 6 de outrubro. Outras “coincidências” como esta foram constatadas a partir de relatos da situação do setor elétrico de El Salvador, Argentina, Guatemala e Nicarágua feitos por representantes desses países. Famílias deslocadas em consequência da Jornal do MAB | Outubro de 2007

construção de barragens e que vivem sem luz; energia à serviço das empresas eletro-intensivas produtoras de alumínio (para exportação) e não do povo; as mesmas empresas controlando o setor energético dos países. Segundo o MAB, trata-se de uma “receita” neoliberal para os países latino-americanos no setor energético, com exceção de Cuba e Venezuela, onde a energia não é tratada como mercadoria. Em Cuba, segundo Jorge Ferrera, dirigente do Partido Comunista de Cuba, os que consomem mais pagam mais e os que consomem menos pagam menos.

Além disso, o governo cubano trocou as lâmpadas e outros aparelhos eletrosdomésticos da população por novos que consomem menos energia. Essa medida faz parte da “revolução energética” promovida pelo governo. O MAB afirma que “é necessário resistir. Construir um novo modelo energético popular e de sociedade. Temos que fazer ações nacionais e internacionais contra esse modelo. Contra a exportação de energia que visa à acumulação capitalista. Contra as eletro-intensivas. Contra as privatizações e leis do Estado burguês.” 5


Hidrelétricas na Amazônia: Rio Madeira e a cobiça internacional O que está por traz da construção de Jirau e Santo Antônio? Rapinagem das riquezas amazônicas pela hidrovia, fortalecimento da indústria da barragem, energia barata para as indústrias eletrointensivas e uma fábrica de dinheiro com a venda da energia para o povo brasileiro.

energia e a construção das duas usinas é um pretexto e significa abrir hidrovias para o escoamento das riquezas minerais que estão na região amazônica, para o avanço da soja, cana e eucalipto, além de garantir o funcionamento da indústria da barragem com a venda de turbinas, geradores, cimento, entre outros.

dia 9 de agosto de 2007 vai ficar marcado na história do nosso país como mais um dia em que o governo federal se curvou e cedeu aos interesses das grandes transnacionais. Nesta data o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) concedeu a licença prévia, atestando a viabilidade ambiental das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no coração da floresta amazônica, em Rondônia.

Na região amazônica o desnível do terreno é pouco e os impactos sociais e ambientais que as duas obras ocasionarão são incalculáveis. Com 529,36 km² (53 mil hectares) de Cachoeira de Santo Antônio, que será submersa caso se construa a usina no Rio Madeira. Foto: Wilson Dias/Abr área inundada, o MAB estima que serão atingidas cinco mil famílias da região. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) fala em 2,8 mil pessoas, no entanto, segundo o Movimento, estão sendo contabilizadas apenas as pessoas que possuem título de propriedade sobre as terras, como é recorrente em todas as construções de barragens no país. A dignidade do povo não interessa à cobiça internacional, mas o diinglesa Billington Metais e da chinesa nheiro do povo interessa e muito para a CTIC. A energia elétrica gerada em Jirau construção da obra. Os 43 bilhões de ree Santo Antônio terá o preço de custo ais necessários para o conjunto de obras (R$ 51,00/ megawatt/hora – MW/h) do chamado “Complexo do rio Madeira” para as suas indústrias de alumínio, sisairá do Banco Nacional de Desenvolviderurgia, celulose, papel, cimento, fermento Econômico e Social (BNDES), um ro-ligas e petroquímica, o que já é uma banco público, do povo brasileiro controgrande vantagem. lado pelo Governo Federal, que utiliza recursos do Fundo de Amparo ao TrabaMas o verdadeiro lucro que as lhador (FAT) para seus empréstimos. empresas acionistas terão será com a Se transformarmos estes 43 bivenda da energia, que com um custo de lhões de reais em renda para a populaprodução muito reduzido e beneficiadas ção local, teremos uma noção do lucro pelos altos preços nas tarifas de energia extraordinário que as empresas terão no Brasil, obtém altos lucros na venda com a venda de energia. Por exemplo: do excedente. De acordo com cálculos a capital de Rondônia, Porto Velho, sedo MAB, considerando que o valor é gundo estimativas de 2006, possui uma de R$ 130 por megawatt nos leilões de população de 380.971 pessoas. Se energia no Brasil e que a capacidade é compararmos com o total do investide 4.051 MW/hora nas duas usinas, as mento, ou seja, 43 bilhões de reais, isso empresas acionistas de Jirau e Santo equivale a 113 mil reais para cada habiAntônia podem faturar até R$ 530 mil a tante do município. cada hora.

O

Segundo o debate que o Movimento dos Atingidos por Barragens vem fazendo, a crise mundial de energia está atraindo para países como o Brasil as indústrias que, nas suas nações de origem, já não têm condições de adquirir a elevada carga de energia que consomem. E como necessitam de energia barata para se viabilizar, encontraram aqui todas as vantagens que precisam, sob a conivência e incentivo do Estado brasileiro. Além disso, o fato é que o entreguismo dos recursos naturais da Amazônia agora vem mascarado por uma mentira, ou seja, foi criada uma necessidade de energia para evitar um novo ‘apagão’ num futuro breve. No entanto, dados apontam que se o crescimento do país continuar na média dos últimos anos, temos energia elétrica suficiente até 2010. Para o governo federal as duas usinas podem produzir o que hoje representa 8% da demanda nacional, necessários para impedir o falacioso ‘apagão’. Mas para o MAB a falta de 6

Com a licença prévia, concedida à estatal Furnas Elétricas, a obra já pode ser leiloada. As verdadeiras interessadas nas obras são a Companhia Vale do Rio Doce, Alcoa, Citicorp, Duke Energy, todas dos Estados Unidos; a Votorantim e o Banco Bradesco, do Brasil; além da

Segundo dados do PAC, grande parte da energia produzida pelas duas hidrelétricas será levada principalmente para os estados onde as empresas acionistas possuem suas indústrias consumidoras de energia, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Ou seja, pouca ou quase nada da energia produzida será utilizada pelo estado de Rondônia.

Povo brasileiro paga para ser roubado

Jornal do MAB | Outubro de 2007


○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Luta pelos direitos dos atingidos prossegue em todo o país Ao optarem pela matriz hidroelétrica de geração de energia - por ser a mais barata e mais lucrativa - as grandes empresas colocam os impactos ambientais e sociais causados por esse tipo de empreendimento em segundo plano.

Em Barra Grande, onde o processo de reassentamento já está concluído (uma das vitórias da luta dos atingidos), a luta agora é pelo cumprimento do acordo social feito com a empresa Baesa. Cerca de 300 agricultores realizaram uma mobilização em Anita Garibaldi (SC) contra o destino que a construtora Baesa estaria dando para as madeiras retiradas para a construção do lago da barragem de Barra Grande. De acordo com o MAB, o consórcio Baesa estaria descumprindo o acordo social, que previa a destinação da madeira para a construção de 400

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

e acordo com o relatório final da Comissão Mundial de Barragens (órgão ligado à ONU), no mundo, existem 80 milhões de pessoas atingidas diretamente, ou seja, deslocadas fisicamente pela construção de barragens (relatório de 2000). No entanto, muitas delas não foram reconhecidas (cadastradas) como tal nem indenizadas ou reassentadas. As indenizações, geralmente, concentram-se em mudança física ou em uma pequena quantia de dinheiro, excluindo a recuperação econômica e social dos deslocados. A perda do meio de subsistência, do trabalho, da cultura e das raízes dos atingidos acarreta vários problemas de saúde física e psicológica dessas pessoas. Por isso o MAB continua lutando por reassentamentos e indenizações justas para os atingidos. Em Tocantins, por exemplo, Cerca de 500 atingidos trancaram a via de acesso ao canteiro de obras da barragem de São Salvador no dia 10 de setembro. A hidrelétrica deve atingir ainda o município de Minaçu (GO). A empresa não quer indenizar os dragueiros, garimpeiros e caçambeiros do município de Minaçu, alegando que estes não são trabalhadores licenciados. Jornal do MAB | Outubro de 2007

Desde 1999, as famílias atingidas pela barragem de Manso, em Mato Grosso, reivindicam novas terras para os reassentamentos, já que as terras oferecidas pela empresa são improdutivas, impedindo o trabalho e a sobrevivência dos atingidos. Arquivo MAB

D

garante trabalho e moradia para ninguém. Os atingidos estão lutando para ter seus direitos garantidos e para impedir que novas barragens sejam construídas na região. Duas audiências públicas que tratariam da construção de 13 hidrelétricas no Rio Chopin foram impedidas pela mobilização dos atingidos.

casas e a reforma de outras 300, beneficiando as famílias atingidas. A Baesa pretendia desviar estas madeiras para comércio e repassar as que sobraram (de má qualidade) para as prefeituras.. Já em Campos Novos, após muitas lutas, mobilizações e enfrentamento, o processo de reassentamento finalmente se inicia. Terras estão sendo compradas para ser o novo lar e trabalho de 145 famílias. No entanto, as negociações com o governo continuam para garantir a infra-estrutura mínima dos reassentamentos. Quando construídas, na época da ditadura militar, as barragens de Salto Santiago e Salto Osório, no Paraná, deslocaram milhares de famílias. Nenhuma delas foi reassentada. Algumas receberam indenização em dinheiro, o que não é suficiente e não

Resistência à construção de novas obras

Cansados de serem expulsos de suas terras para a construção de barragens cuja energia não vai para o povo e sim para grandes empresas, os atingidos, com ajuda de outros movimentos e entidades, desenvolveram ações de resistência à construção de novas hidrelétricas no Brasil. Em São Paulo, por exemplo, os atingidos do Vale do Ribeira dizem não à construção das barragens que, se construídas, iriam destruir as comunidades quilombolas e a região de maior concentração de mata atlântica.Nas audiências públicas as populações disseram mais uma vez que não querem as barragens e realizaram uma grane marcha ao longo da BR 116. Outro exemplo acontece no sul do país (RS/SC), na região onde querem construir a barragem de Itapiranga. O povo, sabendo de uma reunião entre os prefeitos e técnicos de uma empresas de estudos, ocupou o local da reunião e expulsaram os técnicos do município. O Povo de Itapiranga luta e resiste à construção da obra há mais de 25 anos. 7


MAB participa da campanha pela anulação do leilão da Vale do Rio Doce Outros três temas, também relativos à soberania, foram incluídos no plebiscito: Reforma da Previdência, pagamento dos juros da dívida e o preço abusivo da energia elétrica – este último contou com importante contribuição do MAB na discussão e trabalho de base. Segundo a secretaria operativa do plebiscito, foram apurados mais de 3,7 milhões de votos. Para chegar a esse resultado cerca de 80 mil voluntários organizaram o plebiscito em 2403 cidades brasileiras. O anúncio dos resultados no dia 8 de outubro foi marcado por atos de rua em todos os estados e por uma entrevista coletiva, em Brasília.

Os recursos naturais como os minérios e os insumos necessários à vida como a água e a energia, devem estar sobre controle e a serviço dos interesses do povo brasileiro. Preocupado com essa questão, o MAB resolveu somar esforços junto aos demais setores da esquerda que participam da campanha pela reestatização da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Entre os dias 1 e 9 de setembro o povo brasileiro teve uma grande oportunidade de participar e opinar sobre questões importantes relativas à soberania do país. Através do plebisicito popular, a população foi consultada sobre a privatização da CVRD, a maior produtora mundial de minério de ferro, dona de jazidas de ouro, urânio e de boa parte da infra-estrutura brasileira de portos e ferrovias. Em 1997, o governo FHC vendeu a mineradora num leilão faudulento

A vale e a energia Com a 3ª pergunta do plebisicito - Você concorda que a energia elétrica continue sendo explorada pelo capital privado, com o povo pagan-

do até 8 vezes mais que as grandes empresas? – o MAB denunciou o fato de que para grandes indústrias e empresas como a VALE, que consomem muita energia produzida com a água do Brasil, o preço do KW é mais baixo. O governo, através da Eletronorte, recentemente vendeu pra duas multinacionais que exploram minérios no Pará, chamadas Alumar e Albrás, uma grande quantidade de energia por apenas R$0,06 (seis centevos) o KW. Enquanto que para nós o KW custa, em média, mais de R$ 0,30 (trinta centavos). Além disso, A CVRD, a maior empresa mineral do Brasil, consumiu no ano de 2003 aproximadamente 15,8 milhões de MWh de energia (cerca de 7,5% proveniente de geração própria). Para isso, ela está envolvida nos consórcios das seguintes barragens: Usinas em operação: Igarapava, Porto estrela, Funil, Candonga; Usinas em implantação: Aimorés, Capim Branco I; Usinas em planejamento: Foz do Chapecó e Estreito. Estas barragens são conhecidas por casos de violações dos direitos humanos das populações atingidas pelos lagos das usinas.

Pelo controle social das concessões de Rádio e TV

públicos. Os processos são lentos, pouNo dia 5 de outubro, vencem dico transparentes e não existe qualquer versas concessões de televisão em todo fiscalização por parte do poder públio país, entre elas as outorgas das cinco co. Somados, estes ingrediemissoras próprias da Globo Entidades do entes tornam possível o fun- Rio de Janeiro, São Paulo, movimento Brasília, Belo Horizonte e social, estudantil, cionamento de emissoras com Recife. sindical e outras outorgas vencidas há quase 20 anos. No Brasil, o modelo organizações A sociedade precisa se de concessões de rádios e que lutam mexer para mudar essa situaTVs é uma verdadeira terra pelo Direito à ção. A Coordenação de Mosem lei. Imperam interesses Comunicação saem às ruas vimentos Sociais (que reúne privados: os empresários reiCUT, UNE, MST, MAB, nam sozinhos, ditam regras e para exigir Marcha Mundial das Mulhenão cumprem o que manda a critério e transparência res, CGTB, Conam e Central Constituição Federal. na renovação de Movimentos Populares, Entre outras questões, das concessões entre outros), entidades que não há participação da socie- de rádio e TV. lutam pela democratização da dade no debate sobre outorcomunicação (como a Campanha pela ga e renovação das concessões, que Ética na TV, Intervozes, Fórum Nacioacontecem sem respeito a critérios 8 ○

nal pela Democratização da Comunicação), movimento negro e quilombolas foram às ruas no dia 5 de outubro, data escolhida para as mobilizações por controle social sobre as concessões de rádio e TV. Canais de Rádio e TV são concessões públicas! Nenhuma renovação sem critérios democráticos e participação popular! Fonte: www.intervozes.org.br

Jornal do MAB | Outubro de 2007


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.