Plataforma Operária e Camponesa para Energia

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Este documento é fruto de debates entre organizações de trabalhadores do campo e da cidade envolvidos com a questão energética. A proposta, nascida de discussões ocorridas no segundo semestre de 2009, busca impulsionar esta reflexão na sociedade e entre os candidatos a cargos eletivos nas esferas federal e estadual.

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Plataforma Operária e Camponesa para Energia Conjunto de propostas, para que a energia esteja de fato a serviço do povo brasileiro.


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Brasília, 24 de Agosto de 2010

Ao Povo Brasileiro e às organizações do campo e da cidade A questão energética, na atual sociedade, é o grande centro da reprodução do capital, que a utiliza como forma de acelerar a produtividade dos trabalhadores e com o objetivo de expropriar e acumular o máximo possível de valor nas mãos dos grandes grupos privados. O processo de privatização da energia a partir dos anos 90 pelo governo FHC representou um enorme erro, penalizou o povo brasileiro e beneficiou as grandes corporações transnacionais, colocando em risco a soberania de nosso país. Grande parte do patrimônio público e das riquezas naturais estratégicas do ponto de vista da matriz energética foi entregue ao controle das transnacionais. A eficiência e a excelência construída ao longo

dos anos pelo esforço público e estatal foram transformadas em vários negócios, organizados e comandados com mecanismos e lógica de funcionamento do capital financeiro, hegemonizado em um grande monopólio privado do capital internacional para permitir a especulação e as maiores taxas de lucro em cada ramo da energia. Estes setores hegemônicos converteram a energia em seu principal negócio, capaz de - sob certas e dadas condições - resgatar

2 as taxas de lucratividade das transnacionais nesta atividade econômica, alcançando níveis extraordinários. Com isso, impuseram uma brutal exploração sobre o povo brasileiro. Tudo o que vivenciamos, conhecemos e ouvimos falar da questão energética, nos aponta para a afirmação de que a raiz do problema está na lógica do sistema hegemônico, que faz da energia seu principal negócio, sua principal mercadoria. Defendemos um novo Projeto Energético Popular onde a soberania energética deva ser a base que lhe dará sustentação e que se garanta um amplo debate nacional sobre o tema com a participação dos diversos setores da sociedade. Nós, organizações operárias e camponesas, apresentamos neste documento um conjunto de propostas, para que a energia – uma produção social histórica – esteja de fato a serviço do povo brasileiro, em especial das populações mais pobres deste país.

PRINCIPAIS PROPOSTAS 1. Enfrentar as transnacionais privadas Defendemos a necessidade de enfrentar e reverter a hegemonia das empresas transnacionais e do capital financeiro na energia. Combater todas as formas de privatização da água, da energia e do patrimônio público, resgatar o que já foi privatizado, garantir a participação efetiva da classe trabalhadora, previamente informada, em todos os processos de planejamento, decisão, organização da produção e distribuição da energia.

2. Defendemos a mudança na política de tarifas de energia elétrica Antes do processo de privatização, as tarifas de energia eram definidas basicamente através do custo de produção histórico da hidroeletricidade, e por isso as tarifas brasileiras eram menores que as tarifas do


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4 resto do mundo. Com a nova organização do setor, as tarifas para os consumidores residenciais, pequena e média indústria e comércio foram equiparadas às internacionais, que correspondem em sua maioria, à geração térmica através de combustíveis fósseis. Atualmente nosso país possui uma matriz elétrica basicamente hídrica, considerada de baixo custo de produção. Entretanto, a população brasileira paga uma das tarifas mais caras do mundo, garantindo desta forma taxas de lucro extraordinárias às empresas que controlam o setor. Defendemos a mudança na política de tarifas, que a energia elétrica esteja em sua totalidade nas mãos do Estado brasileiro, a serviço e sob controle do povo, garantindo acesso universal e qualidade da energia elétrica, uma política de preços baseada no valor real da eletricidade brasileira, além de uma equalização tarifária visando a correção das distorções regionais. Desta forma a energia não pode ser vista e tratada como uma simples mercadoria para gerar

lucro e acumulação privada aos grupos que a controlam. Defendemos a imediata redução das tarifas de energia elétrica ao povo brasileiro, que suas fontes, sua produção e o seu uso sejam orientados pela racionalidade, conservação e economia de energia, que se busque um alto desenvolvimento humano, atendendo as necessidades fundamentais da vida em primeiro lugar. Defendemos o controle estatal e popular sobre as taxas de lucros das empresas do setor e uma política que garanta que os excedentes tenham aplicação social para resolver os problemas históricos do povo brasileiro, como educação e saúde pública, reforma agrária, agricultura camponesa e habitação. 3. Defendemos o fim da política tarifária que concede privilégios e subsídios aos grandes consumidores de energia elétrica (consumidores livres) Atualmente, 665 grandes empresas denominadas consumidores livres

consomem 26% de toda energia elétrica, porém pagam dez vezes menos que as tarifas cobradas do povo brasileiro. Esta política tarifária alimenta e fortalece o modelo de exportação de produtos de alta densidade energética (eletrointensivos), de baixo valor agregado, que geram pouquíssimos empregos e são basicamente utilizados para fins de acumulação privada. Defendemos o fim desta política tarifária e a suspensão dos privilégios e subsídios aos grandes consumidores (consumidores livres). 4. Defendemos que “O petróleo tem que ser nosso”

Nosso país concentra grandes reservas estratégicas de gás natural e de petróleo, especialmente reservas na camada chamada de pré-sal. Estas reservas são importantes para garantir a soberania nacional e, portanto, todos os direitos de exploração e produção de petróleo e gás natural em território nacional devem pertencer à União e ao povo brasileiro.

Defendemos que seja assegurado o monopólio estatal do petróleo e gás, por meio de uma Petrobras 100% pública, o fim das concessões de petróleo e gás e que os recursos oriundos dessa atividade tenham destinação social. Defendemos o cancelamento de leilões e anulação dos anteriores, a mudança na lei do Petróleo, restabelecendo o monopólio estatal, o fim da exportação de matéria prima (como por exemplo, o óleo cru), investimento nos processos de industrialização nacional para agregação de valor e para produção de produtos com alta densidade tecnológica e a defesa da produção nacional e internacional solidária e integradora. Defendemos também que os excedentes destas atividades tenham como destino um Fundo Social Soberano de Investimento, voltado para atender às necessidades históricas do povo brasileiro: educação e saúde pública, reforma agrária e agricultura camponesa/familiar, trabalho e renda, previdência, habitação e cultura, visando garantir um alto


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6 desenvolvimento humano ao povo brasileiro.

5. Defendemos os direitos das populações atingidas por projetos de energia

Após a privatização do setor, está em andamento um processo constante de violação dos direitos humanos com as populações atingidas por projetos de energia e infraestrutura (por exemplo, as barragens). As empresas têm procurado transformar os direitos sociais e as questões ambientais em um negócio lucrativo, buscam negar os direitos, gastando menos para que sobre mais lucro. Buscam sistematicamente retroceder nos direitos historicamente conquistados pelas populações atingidas por estas obras. Por isso denunciamos todas as tentativas em curso promovidas pelas empresas transnacionais em negar estes direitos. Defendemos e exigimos uma política nacional coordenada pelo Estado Brasileiro, que contemple o conceito de “atingido”

aprovado pelo CONSISE (Conselho dos presidentes das estatais do setor elétrico), que busque garantir o cumprimento integral de todas as recomendações do relatório da Comissão Especial de Direitos Humanos (CDDPH) e que garanta especialmente uma política massiva de reassentamento em grandes áreas de terra de todas as famílias “atingidas”, além de implementar uma política de apoio aos planos de recuperação e desenvolvimento das comunidades e municípios atingidos pelas obras. 4. Defendemos o fim da terceirização do trabalho dos trabalhadores

Um estudo elaborado pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) aponta que mais da metade da força de trabalho do setor elétrico do país é terceirizada, sendo que a incidência de mortes no trabalho para os terceirizados chega a ser quatro vezes e meia maior do que para os trabalhadores próprios. No setor de

petróleo, 75% da força de trabalho é terceirizada e o índice de mortalidade destes trabalhadores chega a ser 10 vezes maior do que os dos trabalhadores efetivos. Entendemos que os trabalhadores terceirizados possuem condições de trabalho piores em relação aos trabalhadores do quadro próprio, passam por treinamentos deficitários, recebem salários e benefícios menores, sofrem com a falta ou a não utilização de equipamentos de proteção e com a falta de representação sindical. De maneira geral, a estratégia da terceirização serve para precarizar o trabalho, aumentar a produtividade, retirar direitos dos trabalhadores e desorganizar as formas de luta, diminuindo a qualidade dos serviços prestados à população e elevando o número de acidentes de trabalho. Defendemos o fim da terceirização, a responsabilização integral das empresas que adotem tais procedimentos e a garantia à igualdade de direitos aos trabalhadores que se encontram terceirizados, além da abertura imediata de

concursos para suprir as deficiências nas empresas públicas. 7. Defendemos a devolução dos R$ 10 bilhões irregularmente cobrados pelas distribuidoras de eletricidade nas contas de luz desde 2002 As distribuidoras de energia elétrica arrecadaram indevidamente, desde 2002, um valor que chega a aproximadamente R$ 10 bilhões, obtido através de irregularidades na fórmula de cálculo dos aumentos nas contas de luz do povo brasileiro. O TCU reconheceu o roubo, a ANEEL permitiu isto e admitiu a cobrança irregular nas contas de luz em todos os contratos das 63 empresas concessionárias de distribuição de energia elétrica do país, no entanto as empresas estão se negando a devolver estes recursos à população. Exigimos a imediata e integral devolução de todos os valores ao povo brasileiro e que estes recursos sejam investidos em obras sociais nos municípios, com


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8 participação da população local na escolha das demandas prioritárias 8. Defendemos que todas as concessões de energia elétrica com vencimento em 2015 permaneçam e/ou retornem ao controle estatal e público

Cerca de 20% da geração, 74 % da transmissão e 33% da distribuição tem seus contratos de concessões de energia elétrica vencendo a partir de 2015. Ao todo, essas renovações envolvem valores equivalentes a R$ 30 bi/ano. Quase a totalidade das concessões em vencimento é de controle estatal federal e/ou estadual. Propomos reverter para o controle estatal o que está sob controle privado, com incorporação dos trabalhadores ao quadro público e a renovação das concessões estatais com manutenção de seu controle acionário, além da criação de uma política de aplicação dos recursos excedentes nestas atividades para destinação e uso social.

9. Defendemos a busca por tecnologias alternativas de energia

Reconhecemos que o problema central na produção de energia não é de tecnologia, mas de modelo. Mesmo assim defendemos a redução gradativa do uso do petróleo e o avanço nas pesquisas de novas fontes de energia limpa e o aumento de sua participação na matriz energética. Defendemos o desenvolvimento e uso das múltiplas fontes de energia e que sejam prioritariamente selecionadas visando à adequada sustentabilidade ambiental, construindo no seio da sociedade o compromisso de qualidade de vida para todos, hoje e nas gerações futuras. Defendemos a soberania alimentar e territorial combatendo a monocultura, priorizando-se a produção e uso da energia através de potencialidades populares locais, comunitárias e familiares, garantindo sua autonomia e autoprodução.

10. Defendemos uma mudança no atual padrão de consumo

imediato a programas de uso racional da energia e incentivos a projetos e estudos científicos que desenvolvam equipamentos com maior rendimento.

É impossível garantir e sustentar a lógica de consumo imposta pelos centros do capital, que incentivam um consumo exagerado, que promovem a obsolescência programada à custa de uma brutal exploração e destruição de nosso planeta.

Defendemos a elaboração de lei específica que obriga a construção de prédios residenciais ou comerciais, conjuntos habitacionais, prédios públicos ou qualquer construção de grande porte, mediante projeto elétrico ou energético que garanta a utilização racional da energia, como aquecimento de água através de sistema de aquecimento solar, utilização de iluminação a frio e utilização de equipamentos de classe A em rendimento.

Defendemos a necessidade de subsídios para que a população de baixa renda adquira produtos que economizem energia, principalmente energia elétrica. Chuveiros elétricos e lâmpadas incandescentes, por exemplo, devem ser produtos que existam apenas na memória da população, pois são os grandes vilões do consumo de energia elétrica residencial. A economia advinda da utilização de produtos mais eficientes, além de racionalizar o uso da energia, contribui para a melhoria da qualidade de vida da população, pois ao se economizar com a conta de energia, o consumidor poderá investir em outras instâncias da vida familiar. Defendemos o incentivo

11. Financiamento público e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e SocialBNDES

Na era FHC o BNDES foi o grande articulador das privatizações, o que resultou na concentração de capital e na perda de soberania nacional. O dinheiro público e as instituições que promovem o desenvolvimento de nosso país não podem


9 ficar a serviço e nem fortalecer uma lógica que concentre capital e garanta taxas de lucro extraordinárias às grandes corporações econômicas privadas, principalmente as produtoras e exportadoras de commodities, produtos primários de baixo valor. Defendemos que o BNDES retome o financiamento das empresa públicas, de forma irrestrita, que estabeleça critérios rígidos quanto aos impactos sociais, ambientais e trabalhistas dos projetos que financia. Que exija contrapartidas sociais ao conceder financiamentos e que priorize o financiamento às pequenas e médias empresas e iniciativas populares. Defendemos ainda que o BNDES não conceda financiamento a empresas privadas na compra de empresas públicas, e nem em processo de reestruturação produtiva que acabem por penalizar os trabalhadores. Defendemos a transparência e acesso irrestrito ao conjunto das informações das instituições públicas de financiamento, principalmente do BNDES, e a participação e controle social sobre os recursos públicos, pois

o que vemos é uma grande apropriação dos recursos do nosso país e a privatização das nossas estatais sendo efetuados com o nosso dinheiro. 12. Defendemos o fim das agências reguladoras Entendemos que as agências reguladoras não cumprem seu papel e não defendem os interesses da população. Defendemos o fim das agências reguladoras (ANEEL, ANP, etc.) e que se construa um novo modelo público de regulação, vinculado à política energética nacional, aberto ao controle social, e com mecanismos eficientes de participação popular nos processos de revisão tarifária, entre outros. O Operador Nacional do Sistema, pelo seu caráter estratégico, deve voltar ao controle público.


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