Acontece - ed. 219 - turma 2J12

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JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - ANO XIX - ED. 219 - NOVEMBRO / 2019

PALMEIRAS DO TRIANON SERÃO SUBSTITUÍDAS - p. 3 LEIA TAMBÉM:

SURICATOS DO ZOOLÓGICO SÃO BATIZADOS PELO PÚBLICO - p. 2 COMO FUNCIONA O SERVIÇO FUNERÁRIO DA PREFEITURA - p. 4 A DURA REALIDADE DOS CENTROS DE ACOLHIMENTO - p. 7

PROJETO ‘AQUÁRIO URBANO’ TRAZ CORES PARA O CENTRO DE S. PAULO Por Alexandre Melo e Vinicius Murad - p. 10

OS RISCOS E A PRECARIEDADE DO TRABALHO DOS ENTREGADORES - p. 8 INCIDÊNCIA DE AIDS AUMENTA ENTRE OS JOVENS - p. 12


O batismo pelo público População ajudou a escolher os nomes de suricatos que nasceram no zoológico de São Paulo

Família de nove suricatos: uma característica da espécie é viver em grupos familiares grandes

em grupos familiares de até 40 indivíduos na natureza”, diz o biólogo. Porém, família de suricatos do zoo- apenas o casal predominante se reprológico de São Paulo ganhou duz, fazendo parte de um sistema social quatro novos filhotes em complexo onde cada animal tem uma agosto: três machos e uma função, como o sentinela, que deve ficar fêmea. No último 7 de setembro os fi- atento a qualquer sinal de perigo. lhotes completaram um mês de vida e, Essa espécie veio do zoológico depois do exame de sexagem ser feito, de Londres.“Foi através de uma permufoi decidido batizá-los.Todos os animais ta que eles vieram para cá. Nós trocarecebem um nome, que geralmente re- mos as quatro fêmeas e dois machos mete ao lugar de origem deles. Entre 24 por um casal de tamanduá-mirim”, diz de setembro e 10 de outubro, o público Luan. ajudou na escolha dos nomes dos filhoOs pais dos filhotes batizados tes em uma votação online. são John e Juliana, vieram de Londres e Com a divulgação, realizada no já reproduziram anteriormente, tendo dia 12 de outubro, Zaila ganhou a vo- 18 nascimentos registrados. Quanto à tação para o nome da fêmea, com 827 adaptação, Luan diz que não há problevotos. Já para os machos, Kamau, Ken- ma: “é um bicho muito tranquilo”, diz. di e Bakari foram os nomes escolhidos Quando filhotes, antes de irem para pela votação. Luan Henrique Morais, 30 exposição ao público, ficam por um anos, biólogo no Zoológico de São Pau- tempo na área de reprodução. “Eles lo, trabalha com mamíferos há sete anos e diz que outros animais já tiveram seus nomes escolhidos pelo público. “Normalmente a gente abre para o público porque é uma forma de inserirmos eles na nossa realidade”, diz o especialista. Ao todo, entre zoológico e safari, são mais de 26 suricatos (ou “Suricatas”, que é o nome oficial da espécie). No entanto, apenas uma família com nove animais fica exposta ao público, de forma que o restante se encontra no Zoo Safari, parque ao lado do zoológico onde os visitantes passeiam de carro pelos recintos dos animais, ou em uma área destinada à reprodução. “Esse mamífero é um animal que vive Suricato sentinela do grupo Carolina Lobo e Isabella Inglez

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nascem muito pequenos, com o olho fechado e aproximadamente 30 gramas. Quando estão com mais ou menos um mês e meio e já conseguem se virar melhor, trazemos para o público ver”, explica o biólogo. A alimentação desses animais, controlada pelos funcionários do zoológico, é composta de ração específica e insetos como minhocas, baratas e grilos. O biólogo explica: “Esses animais se alimentam mais de insetos mesmo, mas na natureza podem predar ninhos de aves e ovos. Aqui temos essa dieta balanceada própria para o animal”. Os suricatos, mamíferos originários de Angola, Namíbia, Botsuana e África do Sul, são animais diurnos que, na natureza, constroem um sistema de tocas, onde se abrigam no período noturno. Além disso, são animais territoriais – em hábitat natural de regiões áridas e abertas, defendem seus territórios e suas tocas de seus principais predadores, as águias e chacais, com algumas espécies de gramíneas. De acordo com o Status de Conservação do Aquário de São Paulo, os suricatos não estão ameaçados de extinção. Esses animais são afetados principalmente por tuberculoses e pelo tráfico, mesmo assim, seu status é menos preocupante.

Jornal-Laboratório dos alunos do 2o semestre do curso de Jornalismo do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. As reportagens não representam a opinião do Instituto Presbiteriano Mackenzie, mas dos autores e entrevistados. Universidade Presbiteriana Mackenzie

Centro de Comunicação e Letras

Diretor do CCL: Marcos Nepomuceno Coordenador do Curso de Jornalismo: Rafael Fonseca Supervisor de Publicações: José Alves Trigo Editor: André Santoro

Impressão: Gráfica Mackenzie Tiragem: 100 exemplares.


Vida nova ao parque Trianon passa por revitalização para manter vegetação nativa da Mata Atlântica Matheus Fiuza Pedro Gallo

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Parque Trianon é uma das principais áreas verdes da cidade de São Paulo. Localizado em frente ao Masp (Museu de Arte de São Paulo), o espaço ainda tem vegetação remanescente da Mata Atlântica original. Visando à preservação desse bioma, a prefeitura da capital, por meio da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) começou a executar uma proposta de revitalização do parque. O projeto, iniciado em 19 de agosto com a higienização do bosque e divulgado no Diário Oficial em 1º de setembro, consiste em retirar 750 espécies de palmeiras Seafórtia, popularmente chamada de “palmeira-australiana” e substituir as árvores por espécies nativas da Mata Atlântica. Cada planta tem a sua numeração para facilitar a identificação. Essa palmeira destaca-se pela grande capacidade de reprodução – cerca de quatro mil sementes por cacho –, por inibir o crescimento de espécies do bioma tropical, pela aparência semelhante à do coqueiro e por não tem predadores naturais nem sofrer com doenças. A expectativa de duração da revitalização é de 2 anos, contando a partir do corte, com plantio da nova vegetação a cada temporada de chuva. Com a finalidade de garantir a participação da população na fiscalização e gerenciamento de tudo o que ocorre no parque, a prefeitura criou, em 2003, os Conselhos Gestores dos Parques Municipais. Eles devem conter, no mínimo, oito membros, desde representantes da sociedade civil até do Poder Executivo – a divisão é igualitária. A cada dois anos há uma eleição geral para preencher as novas vagas do Conselho. A zootecnista Erika Gartner, 60 anos, é a atual responsável pela administração do Trianon, sob gerência do Conselho Gestor. “É um órgão oficial, uma entidade forte e parceira da Prefeitu-

Há cartazes espalhados pelo parque para informar sobre a revitalização

ra”, afirma Erika. A respeito do processo de revigoramento, a administradora destaca que a Seafórtia atrapalha o crescimento de novas espécies. “Essa palmeira-australiana encontrou o berço esplêndido aqui”, afirma. Ela completa ao falar sobre a falta de entrada no sol causada por essa planta exótica. “Ela cresce, abre as folhas e forma guarda-chuvas aqui”, diz. Para conscientizar e informar a população, a administração colocou alguns cartazes sobre a história do parque e a presença da Mata Atlântica e seus resquícios. O professor e biólogo Jaime Kuk, 63 anos, frequentador do parque, entende que é positivo o projeto de revitalização. “Eu sou a favor. Para restaurar um pouco da Mata Atlântica, eu acho que é necessário”, diz. Em parceria com a SOS Mata Atlântica, uma organização não-governamental cujo objetivo é promover a conservação da diversidade ecológica do bioma, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente tenta mobilizar os frequentadores do parque. Para Erika Guimarães, 44 anos, bióloga e gerente de área protegidas da fundação, o principal desafio é esclarecer para a sociedade o intuito dessa ação. “Não se trata de derrubar árvores, mas fazer um manejo necessário para uma

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espécie que se tornou prejudicial”. Em 2011, a Cidade Universitária passou por um problema semelhante. Na ocasião, 120 exemplares de Seafórtia foram substituídos por plantas nativas, em um trabalho realizado pela pesquisadora Vânia Pivello, do Departamento de Ecologia da USP. A maior preocupação, tanto para a administradora do Parque Trianon, Erika Gartner, como para a bióloga da SOS Mata Atlântica, Erika Guimarães, está na fauna. “A Seafórtia produz um fruto de baixo valor nutricional. A gente brinca que é um chicletinho”, afirma a zootecnista, ao comentar sobre a questão alimentar dos animais na área. “O desafio é, por exemplo, quando cai um cacho de frutos da palmeira. As aves comem, mas naturalmente preferem as espécies nativas que não conseguem crescer”, completa a bióloga da ONG. Como outras consequências, há o empobrecimento da área e da flora, o impedimento da recuperação natural dos resquícios da Mata Atlântica e a perda natural do patrimônio da cidade. A revitalização ainda se encontra no início, com uma parte das árvores retiradas, para não abrir um clarão na cobertura vegetal e não prejudicar o ecossistema.


A morte mora ao lado Investigamos o funcionamento do serviço funerário do município de São Paulo Camila Raad

Local onde ocorrem os velórios do Cemitério do Araçá, na Av. Doutor Arnaldo

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orrer dá trabalho na maior cidade do Brasil. Quando algum familiar ou conhecido falece, é preciso recorrer ao sistema de serviço funerário do município, com sede na R. da Consolação, e então as devidas providências são tomadas. Os serviços prestados pelo sistema englobam desde o carro para o transporte, a sala para o velório e toda a ornamentação interna até o sepultamento ou cremação, incluindo a urna . Nessas situações, cabe à família escolher o serviço desejado. O sistema oferece de opções gratuitas até funerais luxuosos (o nome do pacote é “superluxo”), com várias alternativas intermediárias. Uma urna ou caixão com medidas especiais, por exemplo, pode chegar a custar quase 14 mil reais de acordo com a tabela da prefeitura. O site da disponibiliza a todos uma página dedicada às dúvidas mais recorrentes dos que buscam seus serviços, explicando os passos necessários em cada escolha do familiar. Maria Isabel Attala, anes-

tesista do Hospital São Paulo, da Unifesp, conta sobre o processo de corpos que chegam já sem vida ou que morreram no hospital: “Quando tem a família, eles contratam o serviço funerário, que retira o corpo em questão. São feitas todas as honras funerárias, e então o corpo pode ser cremado ou sepultado. Quando chega como desconhecido no hospital, não tem documentos nem qualquer outra identificação, primeiro chega a polícia, que é geralmente quem leva e verifica se tem algum contato dessa pessoa”, diz ela. A médica continua: “Se essa pessoa já chegou sem vida ao hospital, então vai para o sistema de verificação de óbito, para saberem por que ela morreu, por que foi encontrada morta. Precisa ter um laudo para saber a causa. Nesse momento, o hospital, a polícia já estão verificando nos arquivos de desaparecidos, se algum familiar vai procurar em hospitais algum parente ou alguma coisa assim”, afirma. A médica diz também que, se ninguém clamar pelo corpo, são recolhidas as digitais, o raio-x da arcada den-

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taria e fotografia, se possível, caso não tenha nenhuma lesão de face que impossibilite o reconhecimento facial. Então tudo é colocado em um arquivo e esse cadáver vai para o IML, onde pode passar trinta dias. Ela conclui: “depois desse prazo, é feita uma autorização pelo delegado de polícia para sepultar o corpo e aí o arquivo fica guardado por tempo indeterminado. O cadáver vai ser sepultado como desconhecido”. José Adelson Marcos de Jesus, auxiliar de administração de cemitério, comenta um sobre a profissão: “Meu serviço é atender. Atendo a família quando ela chega em uma agência para contratar o funeral do parente, vem com a documentação que o hospital liberou ou o IML, os dados pessoais daquela pessoa. Em seguida eu pergunto onde vai ser o velório ou o sepultamento, a família me passa todas essas informações e a gente vai fazendo os contatos, vendo onde tem vaga e horário disponível junto com eles. Eu atendo a família da melhor forma possível. E é um atendimento com acolhimento, para a família ficar mais tranquila e tudo ser resolvido da forma como eles querem. Todas as escolhas são decididas pela família”, diz. Quando questionado sobre os corpos em si e sobre o processo, Adelso responde quais são os requisitos: “só é preciso ter a declaração de óbito em mãos e os documentos pessoais do falecido e do declarante que vai ser o responsável pelas informações fornecidas”, diz. Ele conclui falando sobre os corpos sem nome: “quando, depois das buscas, o corpo continua sem identificação ou ninguém aparece, é sepultado como ‘corpo não reclamado’ e o IML se responsabiliza junto ao serviço funerário, sepultando no cemitério de Perus, Dom Bosco”. Apesar do teor de seu trabalho, o auxiliar garante que gosta do que faz.


São Paulo quer rios limpos Projeto do governo estadual promete finalizar a despoluição em poucos anos Henrique Ferreira

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té a década de 1930, os rios Tietê e Pinheiros eram lugares para as pessoas nadarem e até pescarem. A partir dos anos 1940, com a urbanização desenfreada de São Paulo, ambos começaram a se tornar poluídos. A mancha de poluição do Tietê já chegou a ser de 530 km, mas graças a projetos de despoluição, como o Projeto Tietê, que busca a despoluição dos dois rios desde 1992, está próxima dos 100 km atualmente. Em agosto de 2019, o governador João Doria anunciou um projeto de 1,5 bilhão de reais para despoluir o Rio Pinheiros até 2022, da qual participam a Sabesp (Companhia de Sanea- A limpeza do Rio Tietê é um dos maiores desafios do governo do estado de São Paulo mento Básico do Estado de São Paulo), mais de dois metros de altura. Eles seguida colocar estações de tratamena Emae (Empresa Metropolitana de contam que o Novo Rio Pinheiros é to compactas nos córregos para que Águas e Energia), a Cetesb (Compa- uma das prioridades do governo do a água chegue limpa ao rio. Segundo: nhia Ambiental do Estado de São Pau- estado de São Paulo e prevê interven- desassoreamento do rio Pinheiros, lo e o DAEE (Departamento de Águas ções nas áreas de todas as sub-bacias para aumentar a velocidade da água e e Energia Elétrica do Estado de São dos grandes afluentes do Pinheiros. garantir que ele possa ter a capacidade Paulo). “É possível concluir, mas você Para isso foi feito um mapeamento de de se limpar, ao menos parcialmente, não vai nadar no rio, vai ter transporte toda a área com as ligações de esgoto sozinho. Terceiro: a retirada da pofluvial, e podem fazer parques lineares que precisam ser feitas. Outra novi- luição difusa, que é o lixo que fica na nas margens”, diz Marco Antônio de dade será a adoção de inovações em superfície do Tietê. Haverá grades nas Castilho 54, diretor executivo da em- áreas de urbanização irregular. Nesses saídas dos córregos que desaguam no presa Hydro Solution, contratada para locais, a Sabesp estuda, entre outras Tietê e barcos que ficarão navegando participar do plano, e que atua em par- possibilidades, implantar estações es- no rio para tirar a poluição. ceria com a Sabesp e a Emae. peciais que vão tratar o próprio curso A Cetesb também foi contataProcurada, a Emae respon- d’água que recebe o esgoto. da e afirmou que o principal problema deu que prevê que em até 12 meses Conversando com Marco, são os resíduos orgânicos que vêm da sejam desassoreados 500 mil metros ele conta que a função de todas as descarga doméstica. A empresa diz que cúbicos. A empresa afirma que, para- empresas contratadas é fornecer o estado e os municípios continuarão lelamente, de janeiro a agosto deste tecnologia e executar os sistemas investindo nas redes de coleta e trataano, nas ações de rotina, foram re- para o plano de despoluição, e na mento de esgotos com maior eficiência. tiradas 2.800 tonelas de lixo do rio questão da Sabesp, que cuida dos Porém, para dar certo, o projeto precicom um custo de mais de 4,8 mi- córregos, será uma contratação por sa do envolvimento de toda a sociedalhões de reais. performance. “A empresa irá sugerir de, incluindo prefeituras, organizações Melhorias no tratamento de a tecnologia e será paga de acordo da sociedade civil e população. “Você água dos afluentes também estão sen- com o que fizer”, diz. “Se chegar no vai ter que contar com que eles não do implementadas pela Sabesp, que foi resultado estipulado, recebe, se não joguem lixo, e não degradem aquela aécontatada e disse que os investimentos chegar, não recebe, e se tiver um rea de lazer que estão usufruindo”, diz no Projeto Tietê já somam 2,9 bilhões resultado melhor terá um bônus”, Marco. Ele também afirma que os rios de dólares. O programa tem grandes comenta o especialista. precisam se incorporar à cidade, que a obras em andamento, algumas em conSegundo ele, a limpeza tem população precisa adotá-los. “É questão clusão, como um túnel que segue abai- três pilares. Primeiro: despoluir os de você ter alguma coisa e cuidar daquixo da Marginal Tietê por 7,5 km com córregos afluentes do Pinheiros, e em lo que você tem”, conclui.

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Monotrilho: longe da última parada Iniciadas em 2009, as obras continuam travadas devido a problemas com materiais e com as licitações Leonardo Rubinstein Cavalcanti

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m 2014, quando a Copa do Mundo foi realizada no Brasil, a região metropolitana de São Paulo já deveria ter a rede completa de trens do chamado monotrilho, projetado para interligar vários bairros e cidades, além de ter integração com o metrô e com a CPTM. Iniciadas em 2009, as obras, no entanto, ainda estão longe de terminar. Quase seis anos se passaram desde a estimativa da data de término e apenas uma linha foi inaugurada, a 15-Prata, sendo que ainda estão sendo feitas a linha 17-Ouro, prometida para 2017, e a 18-Bronze, sem promessas – e sem previsão de conclusão. “Há dois anos eu trabalho em São Mateus, que é a última estação que falta inaugurar, e faz dois anos que espero por isso”, diz Beatriz Costa Brunetto, usuária do monotrilho desde que a linha 15-Prata entrou em vigor. Ela completa: “O monotrilho ajuda muita gente, mas está cada dia mais lotado e esses atrasos só atrapalham a vida do trabalhador”. Esse tipo de transporte está sendo cada vez mais utilizado por ser mais veloz, porém as obras não estão acompanhando o mesmo ritmo da população. “É complicado, tem tanta gente precisando porque os ônibus estão cada vez mais lotados, e nesse calor, inclusive, é horrível, o monotrilho ajudaria bastante”, diz Thays Helyda da Silva Pontes, que faz o uso da linha 15-Prata de segunda a sexta-feira. A questão financeira também é outro tópico que incentiva os usuários da primeira linha em funcionamento. Gabriel Martins Silva Carvalho conta que por seu benefício de bilhete único estudantil ser validado na linha verde do metrô, linha essa que faz baldeação com o monotrilho, prefere fazer esse trajeto: “eu poderia pegar um ônibus, mas passo aqui para não

Catraca de embarque para a linha 15-Prata saindo da linha verde do metrô

gastar dinheiro com o bilhete”. Entrevistamos Luiz Paulo Zuppani Ballista, 44 anos, atual diretor de engenharia da Construtora Ferreira Guedes e da ADTranz Sistemas Metro-ferroviário. Ele já atuou em diversas obras em linhas metroviárias de São Paulo. Luiz nos diz que acompanhou o processo licitatório referente às obras do monotrilho e afirma tratar-se de “uma tecnologia inovadora no Brasil, que ainda não tem este sistema em operação”. Questionado sobre a eficácia do transporte e até que ponto ajudaria a locomoção da população pela cidade, ele diz: “quando comparado aos sistemas metroviários tradicionais, o monotrilho menor capacidade de transporte de passageiros. Assim, não serve como uma linha principal de uma metrópole, mas simplesmente para conexões secundárias”. Na entrevista obtivemos também a informação de que o custo de implantação é menor do que de uma linha subterrânea. E por que, então, as obras estão tão atrasadas? “Atualmente há poucas empresas no mundo que produzem material rodante, trens popularmente falando, para monotrilhos, sendo uma canadense (Bombardier), uma Alemã (Siemens), uma Indonésia (Scomi), uma Japonesa (Hitashi) e algumas Chine-

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sas, dentre elas a BYD”, diz o engenheiro. De acordo com Luiz Paulo, o problema não é verba, mas um desentendimento entre o consórcio vencedor da licitação (contratado) e o governo do estado de SP (contratante). O consórcio é composto de três empresas: duas construtoras (Andrade Gutierrez e CR Almeida) e uma fabricante de material, a Scomi. “Pelo que sei, o escopo contratado inicialmente por preço global foi sendo descaracterizado por alterações de projeto e falta de desapropriações. Recentemente, contratada e contratante estão discutindo na justiça indenizações bilaterais. O governo do estado rescindiu o contrato e está licitando o saldo remanescente das obras”, comenta Luiz. Ele afirma também que a única parceria com a fabricante é a da empresa Indonésia Scomi que produz os componentes mecânicos fora do país e monta no Brasil. “Para entrar em operação ainda vai muito tempo, é necessário terminar as obras civis e iniciar os contratos de sistemas (energia, sinalização, tração etc.). Também não estão sendo fabricados, ainda, os trens necessários à operação da primeira etapa, que vai da estação Morumbi até o pátio e o aeroporto de Congonhas”, finaliza.


O teto não é tudo Centros de acolhimento da prefeitura sofrem críticas por parte dos usuários Maria Eudarda Souza Pietra Minhon

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população de rua de São Paulo conta com abrigos que oferecem alimentação, banho e dormitórios. Em teoria, ninguém fica sem assistência, pois os Centros Temporários de Acolhimento (CTAs), mantidos pela Prefeitura, são preparados para acolher todos e todas que não têm um teto. Cada um tem a sua especialização: alguns são voltados para o público feminino, outros para o masculino e alguns para famílias. Os centros contam com a ajuda de psicólogos e assistentes sociais.Aqueles que frequentam e têm algum tipo de problema mental recebem o atendimento necessário. Durante uma conversa com um vigia do local, Robson Amorim, que explicou sobre o funcionamento dos centros, foi dito que os centros dão apoio e colaboram para reinserção desses indivíduos na sociedade. Os usuários dos CTAs, no entanto, parecem não ter a mesma opinião do vigia.“É tudo mentira isso daí. Eles só dão banho, comida e um lugar pra gente dormir. Eles não nos ajudam a arrumar um emprego, por exemplo”, diz Carlos Roberto, 57 anos, morador do CTA 6, na Rua Brigadeiro Galvão, zona central da cidade.“Eles nos ajudam com o banho e alimentação, mas aqui é a ultima opção. E tudo depende do assistente social, pois caso contrário não entramos aqui”, afirma Luiz Carlos de Souza, 55 anos, que busca abrigo no mesmo local. O CTA 6 é especifico para homens. E tem capacidade máxima de 280 moradores, sendo que 50 são fixos. Uma das reclamações é sobre a burocracia necessária para utilizar o espaço. Para aproveitar os benefícios é necessário o encaminhamento do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) ou do Centro de Referência Especializado em Assistência (CREAS). “Esses que têm a carteirinha azul são fixos, os outros precisam de um encaminhamento para poder ficar aqui e essa é a dificuldade, pois eles querem passar o dia na rua e resolver isso perto do horário de aber-

Frequentadores do CTA6 esperando a abertura do portão (Foto: Maria Eduarda Souza)

tura dos portões, então eles ficam do lado de fora esperando o psicólogo e assistente social para uma avaliação”, conta o vigia Robson. Luiz Carlos viveu na rua por seis anos e já passou por diversos centros de acolhimento. Ele diz que cada um é de um jeito, mas os principais problemas estão na hora do banho e para dormir. “Não existe empatia de pensar no próximo, pois cada um fica quanto tempo quiser no banho. Uns ficam cinco minutos, mas outros ficam 30, não tem controle”, relata ele. “Muitas vezes você tá tomando banho e do lado tem um cara usando crack. Você não pode falar nada para não arranjar problema lá dentro e tem que aceitar aquilo”, diz. Um dos grandes problemas na hora de dormir são doenças como sarna e pediculose (piolho), que acabam ficando nos colchões, nos travesseiros e nas roupas de cama. “Tem aqueles que não gostam de ser acolhidos, eles dormem no lixo, trazem com eles um verme e eu, que não tenho nada a ver com isso, acabo pegando”, diz Luiz Carlos. Apesar de existir uma grande quantidade de centros de acolhimento ainda deparamos com muitas pessoas dormindo nas vias públicas. Isso se dá por numerosos motivos: por não conseguirem se adequar às regras, pois grande parte deles não teve um envolvimento familiar ou nunca se deparou com restrições e isso torna a vivência

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em sociedade mais difícil. “No verão não vem muita gente, eles não gostam de ficar presos aqui dentro, não” afirma o vigia Robson sobre os frequentadores do local. “Aqui é um lugar de convivência, cada um tem seus costumes e hábitos, então vivemos diariamente um teste de equilíbrio, pois a diferença e a indiferença são muito grandes”, declara Renato José, 47 anos, candidato a uma vaga de morador fixo no CTA 6. Segundo Robson Amorim, as regras não são os únicos motivos para eles abandonarem esses centros. Muitos vivem acompanhados de seus cachorros, que não podem ser acolhidos nesses locais. Então preferem ficar nas ruas com seus companheiros e longe de um lugar que tem limite de horário para entrar, para sair e com uma programação diária. Os centros têm horários específicos e algumas regras que devem respeitadas. No CTA 6 é permitida a entrada a partir das 16h. Em seguida, cada um é encaminhado para um banho e, em seguida, ganha uma refeição. Os frequentadores também contam com salas de TV e bancos para conversar. A partir do momento em que se entra, só é permitida a saída com a autorização do psicólogo. Aqueles que não seguem as regras não podem frequentar o centro por um ano e seus nomes ficam em uma lista na portaria.


Senzala sobre duas rodas Empresas exploram o trabalho – precário – de entregadores autônomos Eduardo Deucher Brollo Luis Speyer Fabiani

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ão de uso recorrente do paulistano ferramentas que facilitam a entrega de produtos comprados via internet. Aplicativos como Ifood, Rappi, UberEats e Loggi diminuem o trabalho do consumidor, que com poucos cliques já consegue encomendar o pedido que deseja e recebe-lo em seu endereço. Há, no entanto, um debate público sobre uma possível exploração dos motociclistas por parte das empresas. Uma das principais críticas tem relação com a baixa remuneração por hora trabalhada, que por muitos é considerada exploratória. Rodrigo Ferreira da Silva, diretor de relações institucionais do sindicato dos motociclistas, buscou exemplificar essa relação. “A Loggi, em 2013, pagava 22,90 reais por cinco quilômetros rodados. Esse mesmo sistema, hoje em dia, paga 0,49 centavos por quilômetro. Para receber o que ganhava antes, o funcionário precisa circular por 12, 14 horas diárias.” afirmou. Duas ações civis públicas tramitam na Justiça contra aplicativos que oferecem o serviço de entrega. O Ministério Público do Trabalho (MPT), autor dos processos, pede o reconhecimento do vínculo empregatício entre motociclistas e as empresas Loggi e IFood, pois o trabalho informal é muito presente em ambas as empresas. De acordo com o Sindicato dos Mensageiros Motociclistas do Estado de São Paulo, 18% dos acidentes de motocicleta envolvem condutores funcionários dos aplicativos de entrega. Um funcionário de aplicativo, procurado pela matéria, preferiu não expor sua identidade. Sobre sua remuneração, foi curto e objetivo: “Não acho justa. No nosso trabalho, a responsabilidade recai totalmente sobre o motofrentista. Deveria ser um valor mais equili-

Motoboy em atividade na avenida Brigadeiro Faria Lima, em SP (Foto: Eduardo Deucher Brollo)

brado”, diz. Alem da clara exploração, o trabalho de motofretista ainda sofre com outro problema: a negligência e a falta de prestação de assistência por parte das empresas com seus empregados. Isso porque, com o surgimento de empresas que fazem uso de aplicativos, a relação empregado-empresa fica mais turva. Para Luiz Guilherme Ribeiro Cordoni, 28 anos, advogado especialista em direito do trabalho, “antes de esses aplicativos serem criados, existia uma relação de emprego evidente entre as partes, porém essa relação se torna “mascarada” com a criação dos aplicativos, com a alegação de que os motoboys seriam autônomos, sem relação com as empresas”. Essa negligência por parte das empresas talvez seja o pior problema enfrentado pelos motofretistas, pois os empregadores muitas vezes se negam a prestar assistência e o caso se torna de dificil manuseio muito pela falta dessa relação evidente entre empregador e empregado. Em casos de acidentes, o pagamento de indenizações deveria ser efetuado pela empresa,

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seguindo as normas estabelecidas pela CLT (Consolidação de Leis Trabalhistas), porém “nas questões dos motoboys com aplicativos, como existe essa discussão de relação de emprego, a questão de danos morais e a questão de responsabilidade pelo acidente se tornam bem dependentes da discussão do vínculo de emprego. Sendo reconhecido o vínculo, o motofretista tem direito à indenização. Mesmo que o acidente tenha ocorrido na rua, estando em horário de trabalho a empresa é responsável”, afirma o advogado. Assim como deve prover as indenizações consideradas cabíveis pelo juiz do caso, as empresas são obrigadas a pagar pelo “afastamento remunerado” do trabalhador, uma vez que esse se acidentou no exercício da profissão e fica incapacitado de exercê-la. Por fim, os motofretistas ainda têm direito a um adicional de periculosidade de 30% de seu salário por seu trabalho ser considerado de alto risco. Mas todas essas questões passam pela discussão da existência ou não do vínculo de trabalho entre as empresas e seus empregados.


O país além do futebol Apesar das dificuldades, muitos jovens brasileiros seguem carreira profissional no basquete Julia Romano e Rafael Borges

tem acesso à NBA, ao basquete europeu, que antigamente não tinha. Nosso sonho, na minha época, era defender a seleção brasileira enquanto hoje o sonho dos jovens é jogar na NBA”, diz Danilo Castro, que já passou por sete clubes no Brasil em toda a sua carreira. Fomos até o Colégio Maria Imaculada, perto da Avenida Paulista, e acompanhamos um dia de treinamento da D14 Basketball Academy. Notamos, entre os 30 jovens presentes, uma menina no meio de diversos meninos. “Tenho seis meninas treinando e elas treinam junto com eles. A D14 foi criada Atualmente, Nenê, Raul Neto e Cristiano Felício são os jogadores que mais representam o Brasil na NBA para ensinar tecnicamente e, acima de chance em seguir carreira profissional, tudo, ela tem um lado educacional com basquete tem crescido no Brasil, mas ainda não mesmo não estando no país em que o valores de que eu não abro mão’’, diz Danilo. é uma opção de esporte basquete é mais reconhecido. Foi em 2017 que vimos um Em seus primórdios, no comeviável para todos que desejam seguir uma carreira profissional. aumento no incentivo ao basquete, ço do século 20, o esporte foi aceito “Tem muitos jovens entre os 17 e 18 quando a NBA (National Basketball mais pelas mulheres do que pelos anos se empenhando para seguir a car- Association) e a LNB (Liga Nacional de próprios homens. O basquete era tireira, treinando, indo em nutricionista, Basquete), com o apoio da CBB, anun- picamente feminino e isso aumentou em médico, fazendo de tudo para se ciaram uma parceria com o objetivo de o machismo da época e a resistência tornar um atleta de alto nível e rendi- aumentar a popularidade do esporte no masculina. “Hoje em dia, se você não mento. A gente sabe que fora tudo isso, Brasil e gerar novos negócios que va- respeitar a mulher você está morto, em você tem que estar no lugar certo e lorizem a modalidade. “Vejo muitos jo- qualquer segmento. Os meninos sabem na hora certa, é uma questão de sor- vens com sonhos imensos em se tornar que eu dou o apito na mão dela porte. Não gosto muito dessa palavra, mas um atleta profissional de basquete, até que ela manda, ela não é melhor do que isso faz parte”, comenta Danilo Castro, porque hoje, com a globalização, você você, ela é igual. Ela vai ter limitações físicas, mas ela joga igual, tem qualidades, 49 anos, ex-jogador de basquete, atualtalvez a inteligência, a visão de jogo que mente treinador da D14 Basketball o outro não tem. O respeito impera Academy e comentarista da Band. aqui dentro”, conclui o ex-jogador. Uma das maiores dificuldades Somos considerados o “país do desses jovens é a falta de investimenfutebol”, com um grande histórico de to de certas entidades na área. E isso conquistas e de grandes jogadores que acaba diminuindo o incentivo de seguir saem do Brasil para mostrar que temos a carreira. Mas esse cenário tem mehabilidade com a bola no pé. Mas, além lhorado. “O aumento de visibilidade e disso, temos muitos talentos que briorganização vem incentivando patrocilham e brilharam no basquete brasileiro, nadores, entidades e meios de comucomo Anderson Varejão, Tiago Splitter, nicação a investir no basquetebol. Com Marcelo Huertas e Hortência Marcari, isso, há, proporcionalmente, o aumento entre outras estrelas. Jovens como João das oportunidades”, explica Osvaldo Víctor Scopel, de 16 anos, atuante pela Guimarães (Dinho), 38 anos, coordeSociedade Esportiva Palmeiras, acredinador de basquetebol do São Paulo tam que com esforço é possível chegar Futebol Clube e técnico da Faculdade ao nível do futebol. “Tem uma dificulde Medicina da USP. São essas organizadade certamente bem maior do que o ções, como a Confederação Brasileira futebol. Mas se persistir, seriamente e de Basquetebol (CBB), que ajudam no com muito foco, nada se torna distante incentivo ao basquete em outros paída meta”, diz ele. ses, possibilitando, para os jovens, uma Jovens prometem revitalizar o esporte

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Arte engajada ‘Aquário Urbano’ interliga 15 fachadas de prédios e pretende bater recorde de maior mural do mundo mais poluentes. Foi pensando nisso que os responsáveis pelo projeto decidiram fazer o mural. Segundo Kleber Pagú, ser o maior do mundo faz com que mais pessoas fiquem sabendo da obra e, consequentemente, recebam a mensagem da preservação dos oceanos. O reconhecimento do Livro dos Recordes certamente irá ajudá-los na divulgação do projeto, transmitindo ainda mais a mensagem. O Aquário Urbano tem previsão de inauguração para o final de fevereiro de 2020. Propositalmente coincidindo com o carnaval, época em que milhões de pessoas estarão circulando pelas ruas do centro da capital paulista. Segundo Pinturas ocuparão ao todo 15 prédios (foto: Vinícius Murad) Kléber Pagú, mais uma decisão que visa à de altura. As pinturas saem da parede maior repercussão possível para o proAlexandre Melo e Vinicius Murad e você realmente fica imerso, não é só jeto, não só pela divulgação da obra de famosa cidade cinza começa uma obra de arte, aqui colocamos tudo arte, mas pela propagação da mensagem. a ganhar vida com a explosão em que a gente acredita em movimenValentina Quadros, de 20 anos, é de cores de um grafite com to”, diz Pagú. moradora da região e vê com bons olhos animais marinhos que está Ainda segundo ele, a revitaliza- a realização dessa obra. Segundo ela, “a surgindo na esquina da Rua Major Ser- ção da área a ser ocupada pelo Aquário expressão de arte do grafite é uma coisa tório com a Bento Freitas. Com entrada e o envolvimento das pessoas ajudam no que surgiu quando você não tinha impogarantida no Guinness Book, o Livro dos projeto, que não tem um patrocinador e sição de arte, então você tem mais liberRecordes, a obra “Aquário Urbano” terá é feito por meio de parcerias. O Aquário dade. O grafite, para mim, possibilitou no total mais de 10 mil m² de pintura na Urbano ainda está em fase de finalização, mostrar para as pessoas uma outra face lateral de diversos prédios. As pinturas mas já conta com três recordes mundiais: de arte”. Ainda de acordo com Valentina, estão sendo realizadas pelo artista Felipe maior grafite mural, maior obra freestyle esse tipo de obra traz uma mensagem Yung, o Flip, em parceria com o produtor e a maior instalação de realidade virtual, de manifestação por alguma causa. E isso, cultural Kleber Pagú. garantindo entrar no Guinness Book, se- para ela, é algo muito relevante. “É uma obra de arte. Uma inter- gundo o próprio realizador. venção. Diferente de outras, uma caracO produtor cultural da obra terística especifica é que envolve a co- afirmou que o objetivo principal é chamunidade do centro para ser realizada, mar atenção para uma causa que vai não somente um prédio, mas 15 prédios, além da intervenção artística: a conserou seja, mais de 1.000 pessoas e pontos vação ambiental nos oceanos. Os elecomerciais”, conta Pagú. Além da obra mentos do grafite são todos ligados ao física, o Aquário Urbano também conta ecossistema marinho e fazem referência com um aplicativo de realidade virtual a quase todos os gêneros de seres vivos em 360o. É possível escutar os sons do que vivem no ambiente aquático. fundo do mar e interagir com os animais Segundo dados do último leem movimento. vantamento da WWF, ONG internacioA ideia de integrar tecnologia à nal ligada à causa ambiental, o Brasil é o obra serve para aproximar o público. Se- quarto país que mais despeja plástico gundo o produtor, qualquer pessoa em nos oceanos. Só o país gera 11,3 milhões qualquer lugar do mundo pode visitar de toneladas de lixo plástico todo ano e, o Aquário Urbano e vivenciar a expe- se nada for feito, ainda de acordo com riência da realidade aumentada. “Nós o relatório, dentro de alguns anos pode quisemos fazer com que as pessoas es- haver um colapso ambiental da vida tivessem imersas na obra, diante de pré- marinha em regiões costeiras de países dios que variam entre 25 a 115 metros como Brasil, Índia, EUA e China – os Artista Flip diante de sua obra

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Comer e (sobre)viver Restaurantes da rede Bom Prato oferecem muito além de refeições subsidiadas Murilo Feijó Pedro Duarte

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rroz, feijão, carne moída, salada, farofa, suco, um pão e um doce para acompanhar. Esse é o almoço de Jesuíta de Souza, de 61 anos, e custou apenas um real. Essa realidade, segundo dados da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social de São Paulo (SEDS), é compartilhada por cerca de 93 mil pessoas, todos atendidos pelas unidades do Programa Bom Prato. Implantada desde o ano 2000, a rede de restaurantes oferece em 57 pontos do Estado refeições subsidiadas: o almoço valendo R$ 1 e o café da manhã por apenas 50 centavos. Com mais de 224 milhões de pratos servidos até hoje, o programa vem dignificando e oferecendo aos indivíduos em situação de baixa renda a chance de comer de forma saudável e com qualidade. “Um prato desses de comida em um restaurante daqui do centro é 14, 15 a 20 reais. Aqui é 1 só e ainda ganha o docinho”, comenta Jesuíta entre uma garfada e outra, na unidade de Itaquaquecetuba, na região metropolitana de São Paulo. Segundo dados da pesquisa realizada em 2018 com 2.553 usuários da Rede Bom Prato, a crise mudou o perfil dos frequentadores dos restaurantes. Comparada com a pesquisa anterior, de 2015, houve uma alta de 117% no número de desempregados e um aumento sólido de 500% no número de atendidos que recebem de três a cinco salários mínimos. Outro dado intrigante detectado pela pesquisa é que mesmo que 69% dos seus visitantes regulares tenham residência fixa, o crescimento de pessoas atendidas que moram em albergues, comunidades e em situação de rua foi de respectivamente 13,3%, 200% e 100%. Luiza da Conceição, 53 anos, desempregada, almoça todos os dias na unidade Campos Elíseos, no centro da capital. Enquanto come, expressa sua opinião sobre o programa: “Essa é a melhor coisa que o governo fez. Ne-

Mais de 2 mil pessoas almoçam todos os dias no Núcleo do Brás

nhum outro lugar vai oferecer uma comida de qualidade nesse preço”. Antes de terminar de comer, Luiza recebe de outro assistido, que estava almoçando, um pão. Ela aceita, agradece e come assim que termina sua refeição principal. O site da SEDS, na página voltada aos restaurantes, elogia e engrandece a missão do programa, mas não deixa de revelar que não existe almoço grátis. Desde a implantação do sistema de assistência alimentícia já foram empregados “mais de R$ 661 milhões entre custeio das refeições, implantação e revitalização das unidades”, informa o governo. Ao longo dos últimos anos e dos últimos mandatos, a pasta relativa à assistência social, que abriga o Bom Prato e outros programas como o Viva Leite, vem tendo baixas consecutivas no orçamento. No ano passado, sob o controle de Márcio França, candidato à reeleição derrotado nas urnas, foram empregados R$ 743 milhões na área social. Na atual gestão do governador João Dória, a pasta deve fechar o ano sofrendo com uma queda de R$108 milhões dos seus já inferiores R$ 725 milhões totais, o equivalente a 13% do valor total investido pelo Estado. Além das refeições, o Bom Prato apresenta metas de valores, demandas reprimidas e execuções. Segundo relatórios divulgados pela SEDS, o número de pessoas atendidas no segundo semestre de 2018 do Núcleo

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do Brás foi “satisfatório”, mesmo apresentando “necessidade de adequações físicas, decorrentes do uso contínuo e grande circulação”. O mesmo problema foi detectado em Itaquaquecetuba. Nos relatórios, são evidenciados também os eventos de datas especiais. No bairro Campos Elísios, foram servidos cardápios especiais de “São João” e “Dia dos Pais”. E no Brás, constata-se um número maior de comemorações, contando com “Dia dos Pais”, “Dia das Crianças”, “Outubro Rosa”, “Novembro Azul” e “Natal”. Com base no Dia Mundial da Alimentação (16/10), que teve como finalidade levar a população a refletir sobre assuntos como nutrição, fome e alimentação saudável, o governo estadual agendou, entre outras diversas atividades que buscam consolidar o mês de outubro como “Mês da Gastronomia”, o evento “Bom Prato Convida”, dia em que grandes ‘chefs’ da gastronomia foram responsáveis por realizar os cardápios servidos em todas as unidades da rede. Com nomes de prestígio como o da francesa Dominique Crenn, 3 estrelas no Guia Michelin, e dos brasileiros Alex Atala, 2 estrelas por seu restaurante D.O.M., e Jefferson Ruedas, proprietário da Casa do Porco, restaurante na lista dos 50 melhores do mundo, a iniciativa levou o requinte para as camadas mais necessitadas por um preço bem acessível.


HIV explode entre os jovens Aumento dramático do número de infectados expõe falhas na estratégia de prevenção adotada

Para Francisco, as campanhas publicitárias do governo não dialogam com a população-chave

Bruno Xavier Lucas Lopomo Pedro Moura á quase 40 anos a AIDS fazia sua primeira vítima no Brasil. Na época pouco se sabia sobre a doença (ela não tinha nem um nome definido, sendo chamada de “câncer gay”), mas o medo da epidemia crescia cada vez mais, principalmente depois de celebridades morrerem por complicações relacionadas à síndrome, como Cazuza em 1990. Desde então, o país obteve sucessivas vitórias na luta contra o HIV, sendo inclusive classificado pela ONU como um caso de sucesso no mundo. Mas o número de novas infecções pelo vírus só aumenta ano a ano. Segundo a UNAIDS, agência da ONU especializada no combate à AIDS, entre 2010 e 2018 o Brasil teve aumento de 21% em infecções, quadro que é pior ainda na faixa dos 15 a 24 anos, em que, segundo divulgação recente do Ministério da Saúde, houve aumento de 700% nas infecções de 2007 a 2017. Antes de entender o problema atual, porém, é importante compreen-

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der primeiramente a diferença entre a AIDS e a infecção pelo HIV. Rodrigo Cotta, 33 anos, é técnico social da ONG Pela Vidda, que atende pessoas soropositivas em Higienópolis. Ele explica que a AIDS só ocorre quando a carga viral do HIV fica muito alta, ou seja, nem todos que foram infectados pelo vírus apresentam a doença. Além disso, quem contrai o HIV pode e deve buscar o tratamento gratuito no SUS, que oferece exames e medicamentos regulares, para diminuir a carga viral até que a pessoa se torne indetectável e, portanto, intransmissível, ou seja, não transmite mais o vírus. Também é importante conhecer e divulgar os métodos de prevenção existentes atualmente, todos oferecidos de graça pelo SUS. Além da camisinha e dos testes para diagnóstico da doença, há os medicamentos PrEP e PEP, como explica Norma, enfermeira coordenadora do Serviço de Assistência Especializada de Santana, na capital. A PEP (Profilaxia Pós-Exposição) é um conjunto de medicamentos que devem ser tomados após uma relação sexual sem camisinha, ou por qualquer suspeita de contato

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com o vírus, como após uso de alguma droga injetável ou contato com sangue: “a pessoa vem ao posto e diz que se expôs ao HIV, nós fazemos a testagem para ver se ela já não é soropositiva. Feito isso, ela passa com um infectologista que vai receitar os remédios por 28 dias para anular a carga viral e abortar a infecção, mas a medicação tem que ser iniciada nas primeiras 72 horas pós exposição para poder ter efeito”, diz ela. Já a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) é tomada antes da relação sexual ou situação de risco, para que, caso haja contato com o vírus, ele não consiga iniciar a infecção. Ela é indicada para pessoas que frequentemente estão correndo risco de contrair o HIV e para toda a população-chave: “ela é para populações mais vulneráveis, que têm a prática de manter muitas relações sexuais desprotegidas. Podem ser profissionais do sexo ou casais sorodiscordantes, por exemplo”, complementa ela, fazendo referência às duplas em que um tem o HIV e o outro, não.Vale lembrar que a PEP e a PrEP não combatem outras infecções sexualmente transmissíveis que não o HIV. Por isso a melhor


prevenção ainda é a combinada: exames regulares, uso de camisinhas e, caso haja a necessidade, algum dos medicamentos de prevenção oferecidos. No maior hospital de infectologia da América Latina, o Emílio Ribas, próximo à Avenida Paulista, são atendidos mensalmente 6 mil pacientes e distribuídas 330 PEPs, que só tem pode ser adquirida em serviços públicos.Tudo isso segundo o infectologista Francisco de Oliveira, 49 anos, que também comenta sobre a ineficácia do governo em coibir as novas infecções no país. Para ele, as campanhas publicitárias há muito tempo não têm o efeito desejado porque são cada vez mais genéricas e menos explícitas, sem direcionamento às populações-chave, muito em função do moralismo e preconceito da sociedade com o tema. Para Rodrigo, além do problema das propagandas, há também muita deficiência na forma como as escolas tratam (ou melhor, não tratam) o assunto, deixando de esclarecer aos jovens questões importantíssimas ao combate do HIV e muitas vezes não permitindo que entidades especializadas na prevenção de DSTs entrem no espaço escolar para debater com os alunos. Sem uma propaganda forte dos meios de prevenção para os jovens e para as populações-chave, o Estado acaba focando mais no tratamento pós-infecção, com a distribuição de remédios gratuitos, o que faz com que pessoas com o vírus HIV não evoluam para AIDS, mas também não acaba com as novas infecções. Rodrigo complementa dizendo que em função das novas gerações não terem vivenciado os primeiros momentos da epidemia de AIDS e todo o pânico que a doença trouxe nas décadas de 1980 e 1990, elas não têm mais o medo que se tinha antigamente. Ele ressalta, entretanto, que mesmo que hoje em dia a infecção pelo HIV seja tratada como qualquer doença crônica, como diabetes e hipertensão, os soropositivos carregam um estigma muito forte e isso pode dificultar suas vidas em inúmeros aspectos. E há outro fator complicador: apesar de ter tratamento, a AIDS não é, sob nenhuma perspectiva, uma doença com a qual é fácil de se conviver. Mesmo nessa conjuntura atual de problemas, porém, há solução. Con-

Rodrigo critica o moralismo da sociedade, que atrapalha no enfrentamento ao HIV

forme diz Francisco, para encarar o quadro de aumento das infecções deve-se propor e divulgar massivamente alternativas de prevenção, como por exemplo o coquetel de antirretrovirais e a PrEP injetáveis, que têm frequência de aplicação menor e já estão em fase de testes. Além disso, é necessária a descentralização do tratamento, que deve chegar a todas as regiões da cidade. Já segundo Rodrigo, a pauta é transversal e envolve questões sociais

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muito mais profundas. Para ele é importante haver um trabalho que venha desde a escola e que foque, por exemplo, na saúde mental dos alunos, promovendo o autocuidado sempre. É essencial também a desestigmatização da AIDS para que ela possa ser debatida e combatida sem moralismos, além, é claro, da divulgação ampla dos riscos da doença e de todas as formas de prevenção, pelo governo e pela mídia.


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