JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - ANO XIX - ED. 221 - NOVEMBRO / 2019
O COTIDIANO DOS ENTREGADORES EM SÃO PAULO - p. 5 LEIA TAMBÉM:
INICIATIVAS AJUDAM A ACOLHER IMIGRANTES - p. 2 INCLUSÃO MOBILIZA INSTITUIÇÕES DE ENSINO - p. 3 PROGRAMA DA PREFEITURA REDUZ BUROCRACIA - p. 6 FESTIVAL CULTURAL AGITA A CIDADE - p. 7 ROUBOS E FURTOS CRESCEM NA REGIÃO CENTRAL - p. 8 ESTRANGEIROS ENFRENTAM A XENOFOBIA - p. 9
SKATE GANHA ESPAÇO NOS JOGOS OLÍMPICOS DE TÓQUIO Por Hellen Oliveira - p. 4
São Paulo sem fronteiras A cidade recebe cada vez mais refugiados de outros países Nicolli Kiko
Douglas em seu ambiente de trabalho
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cidade de São Paulo é conhecida pela grande diversidade de culturas e etnias, porém nem todas as pessoas chegam à maior metrópole brasileira da melhor forma. Para receber os estrangeiros que desembarcam por aqui, há diversas ONGs espalhadas pela cidade. Uma delas é a Adus, localizada perto da estação São Bento do metrô. Nos últimos meses, a instituição recebeu refugiados de cerca de 40 países – durante o ano de 2018, foram 58, com um total aproximado de 1300 pessoas. Neste ano, a tendência é dobrar o número de pessoas atendidas, pois o fluxo de venezuelanos vindos de Roraima tem aumentado para cerca de 300 ao mês. A Adus conta com diversos projetos que auxiliam os refugiados no aprendizado da língua portuguesa e na inserção no mercado de trabalho, além de iniciativas em que os estrangeiros compartilham e lecionam suas línguas e culturas aos brasileiros, numa espécie de “intercâmbio cultural”. Um desses projetos é o Mente Aberta, coordenado por brasileiros, em maioria, mas que também conta com uma argentina e uma francesa. Nele o refugiado leciona idiomas para os brasileiros. “Começou com a
qualificação das pessoas que têm um bom domínio da língua e formação cultural sólida, então uma voluntária sugeriu que os refugiados pudessem ensinar suas línguas e iniciou dando um curso preparatório para eles. A ideia é que a pessoa que aprende um idioma aqui aprenda com algum nativo, conhecendo também a cultura do que leciona. O conhecimento vai além da língua, traz para o campo cultural e o modo de vida também”, diz Sidarta Martins, 43 anos, diretor financeiro da ONG. No projeto de língua portuguesa para os refugiados, os professores são profissionais (não especificamente em letras e em exercício – cerca de 50% são aposentados) e realizam o trabalho de forma voluntária. Ainda de acordo com Sidarta, o principal valor do Adus é integrar as pessoas refugiadas à sociedade brasileira. O Brasil tem obrigação jurídica de aceitar os refugiados no país, pois foi assinada uma convenção onde se assume um compromisso com o resto do mundo. Para o país há benefícios, pois está recebendo pessoas com diversas profissões e currículos. Além do ramo profissional, elas trazem novas culturas. Outro fator é que muitos dos refugiados acabam abrindo negócios no Brasil, como restaurantes típicos de seus países, e isso também gera emprego para muitos brasileiros. Apesar das possibilidades legais, a imigração ainda não é algo totalmente assimilado na cultura nacional. “O Brasil tem uma legislação muito boa, porém não está acostumado com estrangeiros. Apesar de sempre ter havido imigração, faz muito tempo que não recebe tantos estrangeiros. Tudo é feito para o brasileiro e mesmo assim a população tem muitas dificuldades, portanto imagine para o estrangeiro como é lidar com posto de saúde, INSS, carteira de trabalho, tirar o bilhete único, abrir conta bancária e todas essas burocracias que nem o próprio brasileiro entende, além da língua portuguesa. Mesmo havendo leis progressistas, quando a pessoa chega aqui o gover-
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no simplesmente vira as costas. Apesar do acesso aos hospitais e escolas, quase nenhum desses lugares sabem quem você é, falam sua língua e por isso é um desafio bem grande para essas pessoas”, diz Sidarta. O venezuelano Douglas, 51 anos, leciona espanhol no projeto Mente Aberta e diz que se sente bem acolhido no Brasil. “Eu não escolhi o Brasil, foi ele quem me escolheu”, diz quando questionado sobre o porquê da escolha do nosso país para refúgio. Ele conta que antes da situação de seu país natal explodir, já tinha realizado um trabalho de dois meses em solo brasileiro e gostou. Mas não gosta da burocracia para conseguir seus documentos, pois tudo demora demais para ser feito. “E há também muita coisa que a gente não conhece, como o sistema bancário e o telefônico”, completa. Ele finaliza falando sobre seus sonhos: “quero chegar num ponto em que poderei realizar minhas habilidades e ser um artista plástico integral. Conheci as esculturas antigas no Museu de Arte Sacra de São Paulo e aquilo me inspirou bastante. Mas, como disse, devido à burocracia não posso entrar em programas para estudar ou em coletivos”.
Jornal-Laboratório dos alunos do 2o semestre do curso de Jornalismo do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. As reportagens não representam a opinião do Instituto Presbiteriano Mackenzie, mas dos autores e entrevistados. Universidade Presbiteriana Mackenzie
Centro de Comunicação e Letras Diretor do CCL: Marcos Nepomuceno Coordenador do Curso de Jornalismo: Rafael Fonseca Supervisor de Publicações: José Alves Trigo Editor: André Santoro
Impressão: Gráfica Mackenzie Tiragem: 100 exemplares.
Escolas para todos A inclusão vem se tornando uma questão obrigatória em todos os níveis do ensino Cesar Rezende Thaís Cruz Santos
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odas as pessoas que têm algum tipo de deficiência, seja física, mental, auditiva ou visual, têm seus direitos assegurados pela Lei 5.296/2004, que visa a promover a inclusão de pessoas deficientes na sociedade. Nas escolas não é diferente, e há leis que obrigam que o ambiente esteja adaptado para receber alunos com vários tipos de limitações. Na Escola Pinheiro, localizada no bairro de Interlagos, zona sul de São Paulo, a inclusão parece ser tratada com importância. A diretora Sônia Regina Potenza Pinheiro, 68 anos, diz que além das rampas, elevadores e sinalização, os procedimentos com alunos deficientes são diferentes. “O procedimento específico depende da necessidade da pessoa, e a escola coloca uma pessoa para cuidar do aluno”. Em relação ao diálogo entre pais e alunos, a diretora afirma: “tem que existir, pois é para a gente conhecer um pouco sobre o aluno e saber como podemos colaborar. A conversa é fundamental”. Quanto à acessibilidade, ela varia de pessoa para pessoa. Normalmente os professores adequam certas coisas aos alunos com deficiência. Cada um recebe um tratamento diferente de acordo a sua limitação. “As provas são adaptadas. Dependendo do caso há um acompanhamento mais de perto no caso de aprendizado”, diz Sônia. Entrevistamos uma aluna cadeirante do 3º ano do ensino médio. Aos 17 anos, ela conta que nunca encontrou irregularidades em seu atual ambiente escolar. “Mas na escola anterior havia muitas escadas, não tinha elevador e eu não conseguia me locomover direito, então as pessoas tinham que me ajudar toda hora. Era bem difícil”, diz ela. A aluna também diz que se sente confortável na escola por todo o suporte que tem, por nunca ter passado necessidade e pelo apoio
Alunos com algum tipo de deficiência ainda enfrentam obstáculos nos espaços escolares
que tem por parte dos colegas de sala e dos auxiliares. No caminho para a escola, a aluna não tem nenhum tipo de transporte adaptado. Segundo ela, o conforto é reduzido, além de o ato de subir e descer as escadas do ônibus escolar depender da ajuda de funcionários. Quanto ao tratamento dos colegas, professores e demais funcionários, ela afirma que, apesar de ainda sofrer muito preconceito de pessoas que não entendem sua deficiência e acham que ela não sabe ler ou falar e por isso não a incluem, sente-se bem recebida. “Ainda que aconteça de às vezes algumas pessoas não falarem comigo e me deixarem excluída, eu me sinto bem aqui na escola. Sinto que me ajudam com boa vontade”. Na última festa junina do colégio, ela dançou na quadrilha e fez par com o seu professor de geografia. Já nas aulas de educação física ela participa normalmente dos jogos e atividades – “mas é do meu jeito”, diz.
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Ela garante que nunca precisou mudar de escola devido à acessibilidade, mas não por opção, e sim por não ter condições. “No final, eu sempre conseguia me adaptar, mas era bem difícil porque no outro colégio minha mãe precisava achar alguém para ficar comigo e me ajudar”. Conclui. Também entrevistamos outro aluno cadeirante da Escola Pinheiro, este com 11 anos. Ele está lá desde o maternal e diz que nunca encontrou irregularidades que dificultaram sua inclusão no ambiente, entretanto, o excesso de andares e escadas é cansativo às vezes. “De vez em quando ter que ir pro intervalo. E descer tantos andares no elevador me cansa”, afirma o aluno. Assim como a sua colega, ele garante que é ajudado por todos no colégio, mas diz que nas aulas de educação física não consegue participar de todas as atividades. “É óbvio que eu não faço tudo, mas a minha professora e amigos sempre tentam me incluir”.
Skate: esporte olímpico Atletas se animam com a novidade, que passa a valer nos Jogos de Tóquio, em 2020 Hellen Oliveira
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m 2020, novos esportes e modalidades terão espaço nas Olimpíadas de Tóquio e o skate é uma delas. A troca é justa: os Jogos Olímpicos precisam do skate para se reinventar e o skate precisa dos Jogos para ajudar a popularizar o esporte. Atrair a atenção do público mais jovem é um dos principais objetivos por trás da inclusão, mas o aumento da visibilidade também é importante para a modalidade, que já tem maior procura após a decisão do COI, o Comitê Olímpico Internacional. O interesse do público e dos patrocinadores vem aumentando. O crescimento do número de praticantes e de pistas, o reconhecimento dos atletas e a quebra de preconceito existente com a modalidade podem ser consideradas as principais oportunidades da inclusão. “Quando eu fiquei sabendo, a felicidade foi lá em cima, nunca tinha imaginado que um dia isso aconteceria. Com isso muitas portas se abrem para a modalidade”, declara Mateus Hiroshi, 18 anos, que busca vaga em Tóquio pela Seleção Brasileira de Skate. O esporte tem combatido cada vez mais a discriminação que sofre. Décadas atrás, os skatistas sofriam muito preconceito da sociedade, eram mal vistos, julgados e rotulados só por andarem segurando o equipamento. “Lembro como era difícil até mesmo pegar um ônibus com skate na mão, os motoristas nem paravam quando fazíamos sinal, era muito complicado. Isso porque sou de uma geração do final dos anos 1990, imagino o que os skatistas dos anos 1970 e 1980 passavam”, afirma o consultor técnico da Seleção Brasileira de Park, Edgard Vovô, de 37 anos. Com a ajuda das Olimpíadas, a comissão técnica brasileira vem buscando quebrar os preconceitos ao dar voz às novas gerações, ao skate e à busca do novo cenário no país.
Thais Gazarra no Manifesto Skate Park, localizado no bairro do Ipiranga
“É muito divertido conviver com os jovens. Compartilhar minhas experiências como skatista e ajudá-los a trilhar o melhor caminho para cumprir os desafios é gratificante”, completa Vovô, que acompanhou praticamente todo o desenvolvimento dos atletas desde crianças. Ao mesmo tempo que as expectativas de desenvolvimento são grandes, existem alguns pontos preocupantes e a necessidade de um trabalho duro para fazer a oportunidade valer. A preparação exigiu mudanças nas vidas dos atletas: rotinas foram estabelecidas com maior rigor, dedicação integral e disciplina para o crescimento profissional e engajamento para cumprir as metas necessárias para competir nos Jogos Olímpicos são alguns dos exemplos. “O skate é algo que eu amo e que me proporcionou muitas coisas boas. Agora é uma nova experiência e estou treinando muito, fazendo o meu melhor para participar desse momento histórico”, destaca Isabelly Ávila, a menina de 15 anos que segue na disputa por uma vaga nos Jogos. É fato que a visibilidade do esporte e a aceitação por parte da
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sociedade cresceram, mas o problema a ser enfrentado é a forma diferente de relacionamento das pessoas com o skate. Não existem apenas as modalidades que entram para os Jogos (park e street) e essa forma profissional de viver o esporte é a mais aceita. Pessoas com estilo de vida de skatista têm certo receio em relação à inclusão nos Jogos, pois o que pode gerar conhecimento para o modo competitivo também wpode gerar mais preconceito para quem se equilibra sobre o equipamento apenas como lazer e diversão. “A inclusão não é boa, vai dar outra visão da realidade, não o que vivemos no dia a dia. O skate é um estilo de vida, e não um esporte quadrado dos moldes olímpicos”, diz Bruno Neto, de 40 anos, skatista por lazer há 30 anos. Em meio a tantas lutas na sociedade, o skate se faz presente em várias. “A palavra que vem quando penso em skate é liberdade, de viver, conhecer e fazer coisas diferentes, o skate é a liberdade de ser quem eu sou, sou livre ao andar de skate e me reconheço por isso”, afirma Thais Gazarra, de 21 anos, estudante e skatista brasileira.
Delivery toma as ruas de São Paulo Entregadores de comida falam sobre seu cotidiano e sobre os desafios da atividade
Gabriel Ignácio faz intervalo no período entre entregas no bairro do Ibirapuera Isabella Figueiredo Eduarda Smilari
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crescimento das entregas de comida via aplicativos é cada vez mais evidente na cidade de São Paulo. Ifood, Rappi, UberEats e Loggi são alguns exemplos das plataformas que oferecem esse tipo de serviço, conectando restaurantes e consumidores a um terceiro elemento, o entregador, que torna o serviço possível. Na necessidade de praticidade exigida pelo cotidiano urbano, fica de lado a reflexão acerca das dificuldades que essas pessoas enfrentam na condição de um trabalho informal, e, muitas vezes, precário. Thiago Barbosa da Silva, de 26 anos, entregador dos aplicativos Ifood e Uber Eats, fala sobre seu dia a dia. Segundo ele, as empresas não arcam com as despesas de transporte, alimentação ou da mochila térmica em formato de caixa usada para realizar a entrega. “A bike é própria, eu já tinha há um tempo e só vou fazendo adaptações. Sobre a mochila, no início temos que comprar, sim, tem
mochila de 50, 60 reais”, diz. Outros gastos que ficam por conta do entregador são a alimentação durante o dia e o transporte, como é o caso de Thiago que percorre todos dias o trajeto desde o Grajaú, onde mora, até os bairros do Morumbi, Vila Olímpia e Pinheiros, que, de acordo com ele, têm demanda maior pelos serviços de entrega. O entregador também explica como funciona o sistema dos valores que recebe, “Da entrega a gente só sabe o valor do frete. No UberEats a gente sabe o valor quando termina o serviço, na Rappi já aparece na tela. Por exemplo: 7 reais, 8 reais, vai pegar ou não? Aí aparece quantos minutos e quantos quilômetros. A escolha é sua”, afirma Thiago. Ainda de acordo com o seu relato, o emprego não conta com contrato específico, não passa pela CLT, acontece apenas por meio do aplicativo. Sendo assim, o trabalho equivale ao de um voluntário por parte dos que aceitam tais condições. A diferença é a – baixa – remuneração. Decorrente do cenário de crise econômica e do alto índice de desemprego, os trabalhadores “au-
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tônomos” pertencem a uma categoria cada vez mais comum. São mais de 4 milhões de pessoas que prestam esse serviço no país, de acordo com o estudo feito pelo Instituto de pesquisa Locomotiva. Já o número de pessoas que usam esse serviço de forma regular ultrapassa a faixa de 17 milhões. Assim como Thiago afirma, o emprego não conta com contrato específico, não tem regulamentação trabalhista e a informalidade acaba resultando em um salário que não é fixo nem regulado, com ausência de vínculo empregatício e de direitos trabalhistas assegurados. Outro entregador de aplicativos, Gabriel Ignácio Matias, 20 anos, está trabalhando há 1 mês para o Rappi e relata como tem sido sua curta experiência no ramo. O jovem trabalha cerca de 8 horas por dia. “Hoje eu faço das 15h até umas 22h, essa é a média”, diz. Quando questionado sobre as condições que a empresa oferece, Gabriel responde: “Eu acho mais ou menos. Nós temos que comprar a mochila, e a bike aluga ou compra quando a pessoa tem condições”. Do ponto de vista do primeiro entregador entrevistado, Thiago Barbosa, as empresas delivery têm um futuro positivo. “Esse modelo de trabalho está em crescimento. Acabei de voltar de uma palestra e acredito que muitas coisas vão mudar. Eles estão melhorando”, afirma. Os aplicativos, de fato, estão em constante desenvolvimento, o que também traz aumento de exigências por parte dos consumidores. O site Reclame Aqui, conhecido por registrar reclamações dos usuários, levanta uma nota média de 6.35 para o atendimento recebido no aplicativo, e, dentre os clientes que reclamaram, 66,9% voltariam a fazer pedidos com a empresa. Já o iFood tem nota 7.56. A UberEats não possui serviço de ouvidoria, diferentemente das outras duas empresas, e, pelo o que é relatado no site Reclame Aqui, o aplicativo não costuma responder às reclamações.
Cidadania descomplicada Inspirado no Poupatempo, programa da Prefeitura facilita acesso a alguns serviços públicos Marcela Frese Teixeira Maria Fernanda Gimenes
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m vigor há muitos anos, o Poupatempo, que conta com várias unidades no estado de São Paulo, já oferece várias facilidades aos cidadãos. Inspirada nesse modelo, a Prefeitura inaugurou, há alguns meses, o DescomplicaSP, que oferece 300 serviços de diversas secretarias e órgãos municipais. Emissão de carteira de trabalho, solicitação de bilhete único e requerimento de seguro-desemprego são algumas das facilidades encontradas nas unidades do programa. Os postos de Santana/Tucuruvi (zona norte) e Butantã (zona oeste) são os mais recentes. E mais oito unidades serão abertas até o ano que vem. “Aqui, antes de ser o Descomplica, era totalmente diferente, a estrutura era bem ruim. Todas as pessoas que entram hoje aqui veem total diferença. A subprefeitura atendia somente como CATE, Centro de Apoio ao Trabalho e Empreendedorismo, além de realizar o Cadastro Único dos programas sociais”, diz a recepcionista da área de Inovação e Tecnologia da unidade Butantã, Ingrid da Silva Oliveira, 21 anos. Cerca de 90% dos funcionários do Descomplica são concursados pela Prefeitura e o restante é terceirizado. E todas as novas unidades estão ampliando esse
Unidade Butantãdo Decomplica SP
último modelo, que oferece mais oportunidades de empregos, explica Ingrid. “Trabalho aqui há três meses, mas me inscrevi no site da prefeitura e prestei o concurso em 2017, demorou quase dois anos para sair a vaga do emprego”, diz a atendente. O programa facilitou muito a vida dos cidadãos paulistanos, e ganha cada vez mais popularidade na cidade, principalmente pelo Centro de Apoio ao Trabalho e Empreendedorismo (Cate), que é o serviço mais procurado. “Muitas coisas melhoraram, mas algumas ainda não, como a inclusão do passe livre de estudante do Bilhete Único, visto que só temos para idosos e pessoas com deficiência, e a emissão do RG, que não é fei-
Ingrid da Silva Oliveira, recepcionista de uma das unidades do serviço
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ta aqui, temos apenas o totem do Poupatempo. Os dois são muito solicitados e ainda não estão inclusos no Descomplica”, complementa Ingrid. A recepcionista se emocionou ao relatar um episódio que vivenciou no emprego, no qual um morador de rua mudo foi em busca de sua carteira de trabalho. O Cate oferece o documento gratuitamente, mas a foto não. Depois de comunicarem-se por meio de um caderno, o cidadão contou que iria embora sem a carteira por não ter dinheiro para tirar a fotografia. “Eu fui no estabelecimento aqui do lado e paguei o registro para ele, que me agradeceu e saiu muito feliz com o documento. Isso mexeu demais comigo, foi umas das experiências mais marcantes que tive aqui”, relata a funcionária. Adenir Anjo de Carvalho, 48 anos, fala sobre sua experiência: “sou usuário frequente dessa unidade, moro a 20 minutos daqui e o Descomplica me ajuda muito com o cadastro de Bilhete Único e Bilhete Especial”. Outro relato é de Nair Machado, 65 anos, que mora em Cotia e foi à unidade Butantã pela primeira vez: “Eu adorei o programa, fui atendida com muita eficiência e rapidez, e com certeza vou recomendá-lo às pessoas”.
Leitura para o futuro Diversas atividades literárias ocorreram no mês de outubro na cidade de São Paulo Matheus Zúñiga Melissa Marques
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primeira edição do Festival Mário de Andrade, que aconteceu em outubro na cidade de São Paulo, trouxe à tona o incentivo à leitura e a discussão sobre como os livros podem unir uma sociedade. O evento contou com a participação de grandes nomes como Mia Couto, Fernanda Montenegro e Zamaswazi Dlamini -Mandela, neta de Nelson Mandela. Além disso, uma série de atividades diversificadas ocorreram por todo o centro da cidade, como nas bibliotecas Mário de Andrade e Monteiro Lobato. A abertura do festival contou com uma apresentação de dança do grupo Gumboot Dance Brasil, dançarinos de Yebo, um ritmo típico da África do Sul, criado no final do século 19. Em seguida, Alê Youssef, secretário de cultura da cidade de São Paulo, proferiu um discurso: “fazer essa Virada do Livro, colocar o livro na rua, é a melhor forma de dizer não à estupidez, não à censura, é apoiar a cultura. Nós acreditamos que São Paulo tem que ser muito mais modernista do que bandeirante. São Paulo tem que ser multicultural, a gente precisa se expressar contra quem quer nos calar. Para fazer com que quem queira oprimir tenha que resistir, não o contrário”. Pensando na inclusão mencionada pelo secretário, várias tendas de editoras independentes fizeram parte do Corredor do Livro, caminho entre o Theatro Municipal e a Biblioteca Mário de Andrade. Dentre elas estava a WG produtos, editora que trabalha com a inclusão de deficientes visuais. Wanda Gomes, designer gráfica e idealizadora da editora, falou a respeito das principais dificuldades da produção e distribuição de livros: “A gente tá vivendo uma situação bastante complicada, e o acesso aos livros de
Apresentação do Gumboot Dance Brasil na abertura do 1º Festival Mario de Andrade
maneira geral já vinha bastante difícil. Com essa política, a gente tem um pouco de receio que as coisas fiquem um pouco mais complicadas. São raros os programas de incentivo à leitura que existem, eles não têm um alcance efetivo e eficaz”. Wanda também falou sobre a barreira do preço do livro no Brasil: “os nossos livros são caros, a gente não consegue fazer mais barato porque não temos incentivo de material, não temos incentivo para a indústria. É incrível dizer que as pessoas cegas, quando você procura as estatísticas, leem mais que as pessoas que enxergam. As pessoas cegas leem mais de 8 livros por ano e a estatística no Brasil de videntes que leem é vergonhosa, não chega a 2 livros por ano”. Um dos participantes mais ilustres, Mia Couto, falou a respeito das semelhanças que ele vê entre Moçambique durante a Guerra Civil e o Brasil atual, a principal delas sendo a forma como as pessoas demonizam aqueles que pensam diferente delas, algo extremamente visível no atual cenário de polarização política no mundo todo. O autor acredita que esse conflito pode ser resolvido
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por meio das palavras, principalmente com o incentivo à literatura infantil, pois as crianças são o futuro do mundo. O escritor finalizou seu painel em tom de esperança, afirmando acreditar na melhora do Brasil e que espera vê-lo renovado em sua próxima visita. Nas bibliotecas Mário de Andrade e Monteiro Lobato, diversas oficinas voltadas para a leitura infanto-juvenil acontecem ao longo do ano. Ambas têm feiras de troca de livros, que se intensificaram no Dia das Crianças, uma semana após o Festival. Além disso, também ocorreram atividades mais interativas, como leituras ao vivo e encenadas. Estefani dos Reis, controladora de acesso da Mário de Andrade, acredita que a tecnologia esteja interferindo no interesse da geração mais nova pelos livros: “Hoje em dia o que influencia mais é computador, celular, as crianças nem leem, ninguém lê, só quem estuda mesmo que continua lendo. Precisamos de mais eventos como o que aconteceu aqui semana passada, o Festival Mário de Andrade, para que as pessoas se sintam mais incentivadas a ler”.
O perigo e a nobreza andam lado a lado Cresce o número de roubos e furtos em Higienópolis, bairro da capital paulistana Alessandra Oliveira Ana Beatriz Borges
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m outubro de 2019, foi divulgado um levantamento feito pela SSP (Secretaria de Segurança Pública) que revela o aumento no número de roubos e furtos em diversos bairros, entre eles, Higienópolis, bairro nobre da capital paulista, com uma média que varia entre 3000 a 10000 assaltos, e por isso, conta com rondas de segurança para evitar os roubos que estão cada vez mais frequentes. Regina Valssani, 64 anos, mora em Higienópolis e expressou a sua opinião sobre a questão da segurança e da violência que está rodeando o bairro: “Pra começar, você vê que ninguém está com bolsa, com nada. Mas aqui na rua Maranhão, mais do que assaltos nas ruas, porque tem e já pegaram até o celular da minha filha, é a questão dos assaltos nos prédios. Um dos assaltos foi divulgado, mas na mesma semana teve outro que não foi, e foi nessa rua mesmo. Eu moro nesse bairro desde os meus nove anos de idade, e aqui foi crescendo de uma forma desigual, aliás, a própria desigualdade cria isso”, diz Regina. Segundo ela, a invasão da Cracolândia, ocorrida na gestão de João Dória à frente da Prefeitura, também proporcionou uma certa confusão no bairro. “No meu prédio também teve uma pessoa que entrou junto na gaiola, e ela estava grávida. O porteiro achou estranho porque ele a viu subindo e descendo, e então a segurou na saída, não a deixando sair. Ele chamou a policia, pois ela não era mesmo moradora, e descobriu que ela já tinha passagem por lá, e que além disso, tinha uma cara em um furgão esperando por ela lá do outro lado. Os dois foram presos. Ou seja, esse esquema de entrar junto está bem comum”, afirma a moradora. “A violência sempre existiu, e eu não me sinto segura. A sensação que dá é que como tem grade, porteiro, é que estamos protegidos,
Zelador José Guilherme Barbosa crê que jovens podem mudar o cenário de insegurança
mas não é garantia absoluta. Após esse assalto no prédio, aumentou o número de viaturas, vi até cavalaria, mas eu acho que o número de assaltos não diminuiu não”, conclui Regina. Inês Romano, 66 anos, relata o assalto que ocorreu em seu prédio, em meados de setembro, na qual um morador foi abordado ao entrar no prédio por um grupo de bandidos: “Estamos muito preocupados, pois está tendo muito assalto. Não temos porteiro, é tudo digital. Ter porteiro ou não, não muda nada, já que eles podem o render, o fato é que pegaram o controle de uma pessoa que estava chegando em casa e isso é perigoso”. Uma proposta de custo- beneficio, que visa facilitar o dia a dia dos moradores de apartamentos é a instalação de portarias eletrônicas. Porém, esse tipo de tecnologia oferece riscos, como falhas técnicas no equipamento e a falta de monitoramento de quem entra e de quem sai. Um exemplo que ocorreu recentemente, foi a invasão no prédio Vendome citado a cima, onde não tinha porteiro, apenas segurança eletrônica. Apesar de muitos depoimen-
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tos afirmando o crescimento de assaltos no bairro de Higienópolis, algumas pessoas defendem que isso na verdade sempre existiu e que o aumento não é verídico. Assim diz Helena José Jardim, 60 anos, dona de uma banca de jornal paralela a rua Itambé: “É a primeira vez que ouço isso acontecer em 33 anos. O pessoal faz um show e isso não acontece só aqui, mas em todo lugar. Aqui é o lugar que menos têm. Eu fico sozinha até as 19h da noite e nunca aconteceu nada. As pessoas exageram quanto a isso”. José Guilherme Barbosa, 51 anos, zelador de um condomínio na rua Itacolomi, também acredita que o número de assaltos não aumentou, continua da mesma maneira. “Eles tomam o celular da mão de vocês. Antigamente as pessoas não tinham celular e eles roubavam os tênis, então os roubos continuam iguais, não aumentou e nem diminuiu. Se parar uma viatura aqui vai resolver alguma coisa? Não, pois na outra rua estará sem segurança e o bandido vai correr justamente para essa. Não mudou nada, talvez um dia vocês jovens, mudem”.
Imigrantes sofrem com racismo Estrangeiros negros enfrentam preconceito e xenofobia quando chegam ao Brasil Vítor Lelis
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Dia da Consciência Negra, comemorado no Brasil em 20 de novembro, é uma data importante para refletir sobre racismo, escravidão e igualdade social. Conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2014 os negros representavam 54% da população brasileira. Segundo uma pesquisa feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os negros representam 71% das vítimas de homicídios no país. Entre 2005 e 2015, enquanto o número de homicídios caiu 12% para pessoas brancas, para os negros esse número aumentou 18%. Além disso, as diferenças salariais são preocupantes. De acordo com pesquisa do IBGE de 2017, o salário médio dos brancos era de 2.814 reais. O dos pardos, 1.606 reais. E o dos negros, 1.570 reais. As dificuldades são ainda maiores para os imigrantes que chegam ao Brasil. Além de terem que lidar com o racismo, a xenofobia é outro grande problema. O fundador, redator e editor do MigraMundo, blog especializado em notícias, debates e eventos sobre migrações e refúgio no Brasil e no exterior, Rodrigo Delfim, acredita que a legislação brasileira melhorou nos últimos anos quanto à migração. “O ambiente ficou um pouco mais propício, a partir de 2017, quando se instaurou a nova lei de imigração. Em teoria, a nova lei brasileira passou a estar de acordo com a constituição federal, que prevê, para o imigrantes, os mesmos acessos a direitos, serviços públicos que os brasileiros. Isso, na prática, nem sempre acontece”, diz. Omar Wade, imigrante senegalês que está no Brasil em trabalho informal e vive da venda de produtos na região do Brás, em São Paulo, falou sobre as razões de ter escolhido o Brasil. “Eu deixei mulher e dois filhos lá, entre aqui e a França escolhi vir pra cá, porque lá é muito difícil per-
Agolano Miranda João Bambi na faculdade, em Lins, no interior de São Paulo
manecer sem o visto. A minha maior dificuldade aqui é financeira, mando pouco dinheiro para os meus familiares”, afirma. O imigrante angolano Isildo Nunes, de 27 anos, que estuda Engenharia Civil na cidade de Lins, no interior do estado de São Paulo, comentou sobre a realidade brasileira. “No começo o racismo me afetava, me deixava nervoso, mas depois eu percebi que o problema não estava em mim, estava nos indivíduos que são racistas. Parece que as pessoas não entenderam a passagem bíblica em que Jesus diz ‘amai-vos uns aos outros’”, diz. O estudante de enfermagem Miranda João Bambi, de 25 anos, nascido na Angola, veio ao Brasil fazer faculdade. Perguntado sobre a situação dos negros no país, afirmou que o fato de os negros no Brasil ocuparem, predominantemente, subempregos, e raramente cargos de destaque social, como na política ou no cenário midíatico, resume a situação. Ele comentou sobre as dificuldades enfrentadas no país: “Eu já passei por várias situações. Uma coisa que aconteceu recentemente foi quando eu estava indo para a faculdade com livros nas
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mãos e uma senhora atravessou a rua. Após alguns metros ela retornou ao lado em que eu estava porque o carro dela estava estacionado lá. Ela pensou que eu ia fazer algum mal pra ela”. A ignorância do povo brasileiro em relação à cultura e à história da África é nítida. De acordo com o estudante, o fato de ser imigrante agrava o preconceito: “Estando inseridos na sociedade brasileira, os dois sofrem, tanto o estrangeiro quanto o brasileiro. Mas fato de ser estrangeiro acaba agravando, na minha visão, o preconceito. Quando percebem que você é estrangeiro já perguntam ‘você é haitiano né? Como é lá, vocês passam fome mesmo?’”. Questionado sobre o que diria a um negro que mora no Brasil, e que desde sempre teve que conviver com o racismo estrutural, o imigrante angolano afirmou: “O meu conselho é que sejamos felizes independentemente da circunstância, não deixem que tirem de vocês a esperança, ser negro não é ser inferior, as pessoas implantaram isso e nós não podemos aceitar, nós somos iguais. Sempre esteja com um sorriso no rosto porque de onde eu venho nós somos assim”.