JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - ANO XXI - ED. 239- NOVEMBRO / 2021
DEZ ANOS SEM MÁRIO CHAMIE
EVASÃO NO ENEM - 5
A ONDA BEACH TENNIS - 8 LEIA TAMBÉM:
Impactos dos “linchamentos virtuais” - 2 “Lua enferrujada” intriga cientistas - 3 Entenda a história por trás do Talibã - 6 A volta dos torcedores aos estádios - 7 O boom no skate - 9 A vida e a obra do criador da poesia-práxis - 4
Balanço pós-Tóquio - 10
O “cancelamento” e seus efeitos Divergência política é um dos motivos para o “linchamento virtual”, segundo pesquisa da agência Mutato Giovanna Linkeives e Katharina Brito
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efender uma causa, fazer uma denúncia ou expor uma opinião importante para milhares de pessoas, atingindo até mesmo públicos de outros países. A internet se tornou um dos principais veículos para a propagação de ideias e para debater injustiças e crimes como o racismo. Mas ao mesmo tempo que vem proporcionando diferentes benefícios à sociedade é usada, muitas vezes, como uma ferramenta para “linchamentos virtuais”, por intermédio do uso das redes sociais. É o que especialistas chamam de “cultura do cancelamento”, a repreensão de forma radical, sem possibilidade de diálogo, de qualquer comportamento julgado como errado pela sociedade, podendo ser uma atitude ou um comentário atual ou antigo, que pode ser retomado e interpretado de maneira negativa. Segundo um estudo feito em 2020 pela agência Mutato, que mapeou o comportamento das pessoas por trás da “cultura do cancelamento”, os três maiores motivos alegados para o “linchamento virtual” são divergência política, homofobia e mau-caratismo. S
Ainda de acordo com a pesquisa, 46% dos cancelados foram homens, brancos e heterossexuais, seguidos por 28% de mulheres, brancas ou negras, e heterossexuais; depois por 12% de homens, negros ou brancos, e gays; e 6% de mulheres brancas, lésbicas e bissexuais. Para a especialista em comportamento digital, Issaaf Karhawi, que é doutora pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, com a internet e o avanço das redes sociais as pessoas vêm tendo mais liberdade para dizerem o que pensam sobre diferentes assuntos e para reivindicar direitos e pautas nas quais acreditam, o que é algo positivo. O problema é que essa liberdade nem sempre vem acompanhada de empatia e respeito. Issaaf explica a diferença entre o cancelamento e o cyberbullying. Para ela, a distinção entre os dois atos está na proporção do ataque, na persistência e no motivo. “No caso do bullying, a agressão (verbal ou física) é extremamente pessoal. Já no cancelamento opera uma lógica binária de ‘certo ou errado’.” Ela comenta sobre como o ano de 2020 foi marcado pelos cancelamentos, enquanto em 2021 os “linP
chamentos virtuais” diminuíram. Os influenciadores e produtores de conteúdo para a internet, de uma forma geral, são o maior alvo dessa cultura, sendo julgados pelos internautas em tempo integral. Yuri Morais recebeu diversos ataques pelo simples fato de ter terminado seu relacionamento. Muitas pessoas desse meio acabam desistindo da vida pública, devido às críticas sistemáticas, como ocorreu com a influenciadora Rafaella Jayme, que inclusive teve sua conta nas redes sociais derrubada temporariamente, devido às múltiplas agressões. Atualmente, ela faz tratamento psicológico para lidar melhor com as críticas que, apesar de serem violentas, são minoria em relação aos comentários positivos que recebe. Para a psicóloga Thais de Nigro Bastos, em entrevista ao portal Umuarama Ilustrado (publicada em 18 de abril de 2021), o cancelamento é reflexo de uma sociedade imediatista e intolerante, sem espaço para o debate, para a oportunidade de aprendizado e transformação. “As pessoas se colocam como superiores em relação à pessoa cancelada. O cancelado é visto como alguém não merecedor de perdão e é reduzido ao seu erro.”
Pixabay Augusto Macedo
Jornal-Laboratório dos alunos do 2o semestre do curso de Jornalismo do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. As reportagens não representam a opinião do Instituto Presbiteriano Mackenzie, mas dos autores e entrevistados. Universidade Presbiteriana Mackenzie Centro de Comunicação e Letras Diretor do CCL: Rafael Fonseca Santos Coordenador do Curso de Jornalismo: André Santoro Editora: Patrícia Paixão
Para psicóloga, o “cancelamento” é reflexo de uma sociedade imediatista e intolerante.
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Fotos da capa: Arnaldo Pereira (Mário Chamie), Pixabay (Beach Tennis) e Fernanda Aranha e Júlia Wasko (Enem) Impressão: Gráfica Mackenzie Tiragem: 100 exemplares.
“Lua enferrujada” não interfere na Terra Astrônomos apontam possíveis explicações para o fenômeno, que intriga comunidade científica
Pixabay
Adriel Gadelha de Alencar Julia Miranda Gazola
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ocê já ouviu falar que a Lua está enferrujando? O fenômeno foi constatado em um estudo publicado na revista Science Advances. Segundo o trabalho, pesquisadores da NASA (Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço), ao analisarem dados coletados pela sonda indiana Chandrayaan-1, que orbitou a Lua em 2008, encontraram partículas de ferrugem, que teriam vindo do astro. A descoberta deixou muitas pessoas intrigadas, uma vez que, para que ocorra o processo de ferrugem, é necessária a presença de oxigênio, responsável pela deterioração do ferro, e esse elemento químico (oxigênio) não existe na Lua. A astrônoma Aline Morais, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que o planeta Terra pode ser o principal responsável pelo ocorrido. “A ferrugem é causada pela reação do ferro com água e o oxigênio. Acontece que no solo da Lua, perto dos polos, tem água e ferro, ou seja, só falta o oxigênio para fazer essa reação acontecer. Embora a Lua não tenha uma at-
mosfera própria, traços residuais de oxigênio da Terra podem ser levados ao satélite através da magnetosfera, uma extensão do campo magnético terrestre, causada pela radiação solar, e aí, esses traços, em contato com a água e o ferro, podem explicar a ferrugem”, destaca Aline. Cássio Leandro Dal Ri Barbosa, doutor em Astronomia pela Universidade de São Paulo (USP), concorda com a argumentação de Aline. Ele complementa, explicando que o Sol, que é o astro principal da nossa galáxia, bombardeia hidrogênio para os planetas e para a própria Lua, e o hidrogênio é redutor de ferrugem. O enferrujamento da Lua, segundo ele, só acontece quando o hidrogênio não tem acesso ao astro e isto ocorre apenas seis vezes por mês, três dias antes e três dias depois da Lua cheia, quando ela entra no campo magnético da Terra, fazendo sua rotação. De acordo com Dal Ri Barbosa, “nesse momento a Lua fica blindada da ação do Sol, então não recebe hidrogênio, e como ela está no campo magnético da Terra, tem acesso ao oxigênio. A reação da oxidação
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acontece nesse período”. Um fato que também favorece o enferrujamento, segundo a professora de química Loredane Tardin, é que existe uma camada de ozônio fora da superfície terrestre, que entra em contato com a Lua, sendo o ozônio, mais oxidante que o próprio oxigênio. A astrônoma Aline Morais esclarece que o fenômeno do enferrujamento não tem nenhuma consequência para a Terra. “As pessoas podem ficar despreocupadas, não influencia em nada na nossa vida, não é como se fosse mudar a rotação da Lua e nem nada do tipo, é mais uma curiosidade mesmo”, ressalta. Loredane concorda com a astrônoma e adiciona que a única coisa que mudaria, caso a Lua ficasse muito enferrujada, é que ela ficaria mais pesada, fator que talvez afetasse sua rotação, e que ela passaria a ser avermelhada, como o planeta Marte, mas esse é um evento que é impossível de acontecer, devido a diversos motivos, sendo um deles o fato de não haver quantidade de oxigênio suficiente para isso.
Mário Chamie: 10 anos sem o poeta Criador da poesia-práxis, Chamie atuou para tornar a cultura acessível a todos os públicos Larrani Ferreira Guariente Oliveira
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Arnaldo Pereira
m 3 de julho de 2021 completaram-se dez anos da morte do poeta e crítico Mário Chamie, criador da poesia-práxis, movimento literário conhecido como “vanguarda velha” e que surgiu para criticar o movimento da vanguarda concretista, em especial o rigor formal e o academicismo, propondo uma estética mais livre e criativa. Chamie nasceu em 1º de abril de 1933, na cidade de Cajobi, interior paulista. Filho de imigrantes sírios, não teve contato com a arte quando criança. Seus pais eram comerciantes, possuindo uma venda chamada “Casa da Época”. Aos 15 anos de idade, mudou-se para São Paulo a fim de trabalhar, prosseguir nos estudos e, futuramente, ingressar na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP). Formou-se em 1956. Em 1994, defendeu seu doutorado em Literatura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Durante seu período na USP, que foi essencial para sua introdução no mundo da literatura, lançou seu primeiro livro, intitulado “Espaço Inaugural”. A poesia-práxis foi manifestada pela primeira vez na obra “Lavra-Lavra”, de 1962, que garantiu a Chamie o Prêmio Jabuti de 1963. Durante sua vida, além de poeta, “jogou em todas as posições”, como expressa o doutor em Artes Cênicas pela USP, o dramaturgo Celso Alves Cruz, amigo de Chamie. Atuou como crítico, ensaísta, teórico, professor na Escola Superior de Marketing e Propaganda (ESPM), Secretário Municipal da Cultura de São Paulo, colaborador da Folha de S. Paulo e até como locutor de rádio do Programa “50 por 1”, da Rede Record. Lina Chamie, diferentemente do que ocorreu com seu pai, teve contato com o campo cultural desde pequena. Mestra em Música e Filosofia pela Universidade de Nova York, roteirista e diretora de filmes, cresceu em um lugar onde a arte era a pauta principal do dia a dia. Seu pai poeta e sua mãe, Emilie Chamie, uma das pioneiras do design gráfico no Brasil,
O poeta chegou a ser secretário municipal da Cultura de São Paulo.
garantiram que sua decisão profissional fosse um caminho natural. Sua infância foi repleta de assuntos literários, cinematográficos e artísticos. “Eu nasci no meio dos livros”, diz a cineasta, enquanto conta sobre quando, aos 3 anos, proferiu ao seu pai uma frase interessante, que foi eternizada por Mário no epílogo de seu livro “Indústria” (veja a frase na imagem abaixo). Durante a gestão de Reynaldo Emídio de Barros como prefeito da cidade de São Paulo (1979-1983), quase fim da ditadura militar, Mário Chamie exerceu o cargo de secretário municipal da Cultura de São Paulo, sendo responsável pela inauguração do Museu da Cidade de São Paulo, do Centro Cultural de São Paulo e da Pinacoteca Municipal. Segundo Celso, esse cargo público do poeta não foi bem aceito pela classe artística, que não compreendia a possibilidade de um artista ter esse tipo de atuação, colaborando ainda mais com sua marginalização. Lina
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acredita que o maior desejo de Mário era a democratização da cultura. “Ele abriu aas portas do Teatro Municipal com a intenção de torná-lo acessível a todos os públicos. Meu pai nunca foi um político, embora tenha ocupado um cargo público. A missão dele era cultural.” Sobre a poesia-práxis, portadora da ideia de prática e processo, Celso Cruz explica que ela “possui cunho social e político, diferente da poesia concreta, sua ‘rival’ da época”. Ela surgiu no momento da indústria cultural, sendo alimentada pelas teorias da comunicação que existiam naquele momento, estando, consequentemente, vinculada à propaganda e ao jornalismo. Mário trabalhou por 40 anos na ESPM e teve importante papel na publicidade. Com sua esposa Emilie, formou uma dupla fundamental para a comunicação de massa no Brasil. “Mário carregava ressentimento pelo descrédito que recebia, resultando em sua obra ‘Pauliceia Dilacerada’, romance no qual comparava-se a Mário de Andrade, pois ambos os Mários trabalharam como gestores culturais e não receberam o devido valor”, explica Celso. Para o dramaturgo, no entanto, Chamie foi bem-sucedido e criou um legado que agrega muito à nossa cultura. “Esse legado merece e deve ser redescoberto e rediscutido.”
A pandemia e o impacto no Enem 2021 Defasagem no ensino e evasão escolar podem ter levado à redução no número de inscritos no exame Fernanda Aranha Júlia Wasko
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Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), principal forma de ingresso no ensino superior do Brasil, apresentou em 2021 o menor número de candidatos inscritos desde 2005. De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio de Teixeira (Inep), o Enem 2021 registrou 3.109.706 candidatos confirmados, sendo 825 mil candidatos a menos do que o anunciado antes do fim do prazo do pagamento da taxa de inscrição. A pandemia da Covid-19, as aulas remotas e consequências como a evasão escolar e a falta de motivação dos estudantes podem justificar o alto índice de abstenção. Segundo Isabela Giordan, coordenadora de Jornalismo do Estratégia Vestibulares, a diminuição significativa já era esperada. “A educação brasileira foi muito prejudicada pela pandemia e o governo pouco fez para que os estudantes de escolas públicas tivessem alguma chance de correr atrás desse ‘tempo perdido’”, explica.
Isabela também aponta como fator que influenciou na diminuição do número de inscritos o fato do Inep negar a isenção da taxa de inscrição na prova para aqueles que, devido direta ou indiretamente à pandemia, não puderam comparecer à última edição do exame. Há também uma mudança de prioridades na vida do jovem brasileiro. “Em um país em que há fila para conseguir osso em açougue, é muito difícil priorizar os estudos e não a sobrevivência”, complementa. Na contramão dos que desistiram de prestar o exame, a vestibulanda de Medicina Rafaela Timóteo decidiu se inscrever, pelo fato da avaliação ser a principal porta de entrada do ensino superior. “Além de oferecer vagas em diversas instituições, o exame abre para a possibilidade de bolsas de estudo e financiamento estudantil”, afirma. A redução no número de inscritos deixou Rafaela mais tranquila, já que isso pode facilitar seu ingresso na universidade. Ela ressalta que a maioria
dos estudantes que não teve a oportunidade de se inscrever no Enem é de baixa renda, o que escancara a desigualdade existente no país. Já a estudante de Engenharia de Produção Marcela Martins, que passou pela fase de vestibular no ano de 2020, afirma que, apesar de ter realizado a inscrição do Enem, optou por não fazer a prova. “Antes mesmo de chegar à data da prova acabei sendo aprovada em uma excelente universidade da rede particular, em que o vestibular foi online e não saindo de casa me senti muito segura. Quando chegou o Enem, meses mais tarde, após o adiamento das provas, não via mais sentido naquilo.” Marcela acredita que a pandemia teve grande parcela de culpa na desistência de muitos jovens. Para ela, a educação está defasada e os estudantes que têm o privilégio de entrar em uma faculdade privada, como ela, acabam seguindo esse caminho. Fernanda Aranha e Júlia Wasko
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A história por trás do Talibã Grupo extremista, cujas ações costumam chocar o Ocidente, teria sido criado com o estímulo dos EUA Pixabay
Segundo especialistas, a grande maioria do povo afegão é a favor do Talibã, pelo fato de o grupo cobrar o respeito às leis islâmicas. Beatriz Figueiredo Guilherme Oseliero Luiz Fernando Peres
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m agosto de 2021 as tropas do Talibã voltaram a tomar Cabul, capital do Afeganistão, 20 anos depois de terem sido expulsas pelos EUA. O exército americano deixou o país, abrindo uma brecha para o retorno do grupo extremista, que interpreta o Alcorão (livro sagrado do islamismo) de forma ferrenha e, muitas vezes, equivocada. O conflito entre o Afeganistão e os EUA é longo e complexo e, por mais contraditório que pareça, os norte-americanos teriam tido forte influência na criação do grupo Talibã, que hoje é encarado como um de seus principais inimigos. Fabiana Beltramim, professora e historiadora formada pela Universidade de São Paulo (USP), analisa o histórico dos conflitos envolvendo o Afeganistão. Ela conta que países como China, Irã, Paquistão e Rússia têm grande interesse no Afeganistão pelo fato de o território daquele país ser um ponto estratégico. “A fragilidade do Afeganistão teve início com a invasão britânica em 1870, que tinha o objetivo de colonizar a Índia. Eles
invadiram o local na tentativa de criar uma forte barreira de proteção contra outros países”, explica Fabiana. Em 1976, no contexto da Guerra Fria, o país foi invadido pela União Soviética, gerando medo nos Estados Unidos que queriam impedir a crescente influência comunista. A invasão também gerou desagrado a grupos tradicionais da região, que não queriam ser governados por um poder que não pregava as leis Islâmicas. “Com isso, o governo norte-americano começou a treinar e armar rebeldes locais contra a URSS, que receberam na época o nome de Mujahedins e hoje são conhecidos como Talibã”, complementa a historiadora. Em uma live realizada em 31 de agosto de 2021, promovida pela agência Latitudes Viagens, o jornalista Lourival Sant’Anna, correspondente internacional da CNN Brasil e que possui décadas de experiência em coberturas no Afeganistão, destacou como se deu a primeira tomada de Cabul pelo grupo em 1996 e todas as mudanças que ocorreram no país devido a essa ocupação, começando com o uso das burcas, que passou a ser obrigatório para as mulheres, a proibição de programas televisionados, músicas, festas de casamento e
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até mesmo o ato de empinar pipa. “Só permitiam o futebol por conta das execuções feitas nos intervalos dos jogos”, destacou o jornalista. Apesar de todas as mudanças, a grande maioria do povo afegão é a favor do Talibã, pelo fato de o grupo pregar o respeito às leis islâmicas e se posicionar contra a corrupção. Dennis Barbosa, responsável pela editoria Mundo do portal G1, destaca que as atitudes do Talibã e a forma de vida dos afegãos costumam chocar os ocidentais, por uma questão cultural. “Nós estamos acostumados a ver uma forma de vida ocidental como modelo e ficamos abismados quando vemos uma situação como a do Talibã e tudo que ocorre no Afeganistão, incluindo o apoio da população ao grupo extremista. Talvez as imposições do Talibã nem mudem tanto a vida daquelas pessoas, pois na cultura delas alguns costumes já são naturais”, argumenta. Ele acrescenta que a ideia de que antes do Talibã o Afeganistão era mais liberal é equivocada. “Trata-se de um país com uma grande população rural, bem religiosa, os costumes são bem típicos de qualquer maneira, bem diferentes do que o Ocidente possa entender e aprovar.”
Torcedores retornam aos estádios Eventos esportivos foram reabertos; especialista diz que pandemia ainda não está sob controle André Abreu Amadei Bruna Marotta Costa
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m 24 de setembro de 2021 o Comitê Científico do Governo do Estado de São Paulo autorizou a volta dos torcedores aos estádios de futebol a partir de 4 de outubro, com capacidade limitada a 30% do público. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), informou em suas redes sociais que todas as normas sanitárias e de prevenção contra a Covid-19 seriam cumpridas, como condição para esse retorno. O governador declarou que somente as pessoas que já tomaram a segunda dose da vacina estariam liberadas para assistir aos jogos, e que teriam que apresentar o comprovante de vacinação. Aquelas que tomaram somente a primeira dose, teriam que se submeter ao teste de Covid (antígeno ou PCR) e apresentá-lo na porta do estádio. Seguem em vigor as recomendações de distanciamento
social, uso de máscaras e higienização das mãos. O governador também divulgou em seu perfil um projeto que aumenta gradativamente a capacidade do público nos estádios. Segundo o anúncio, é previsto que já no mês de outubro a capacidade seja de até 50% em cada setor e em novembro os estádios voltem a ter sua capacidade máxima. A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e o conselho técnico da série A aprovaram o retorno do público aos estádios. A volta dos torcedores também foi aprovada pela maioria dos clubes. O sócio-torcedor do Palmeiras, Kauê Altenfelder, não tem muita expectativa para a volta dos jogos, devido à possível dificuldade que terá para adquirir ingressos decorrentes da porcentagem de assentos estabelecida pelo governo como medida
de segurança. O torcedor também aponta que tem receio de frequentar um jogo, caso a contaminação pelo vírus volte a subir. O professor da disciplina de Pneumologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e chefe de equipe de Pneumologia do Hospital Samaritano (SP), Mauro Gomes, declara que a porcentagem da população vacinada com a segunda dose da vacina não é suficiente para que possa ser declarado o controle da pandemia no país. Mesmo assim ele acredita que o risco de contrair o vírus no estádio é menor do que em outros ambientes. “O estádio é um ambiente aberto. Você pode manter um distanciamento maior entre as pessoas, fazendo uso da máscara. Trata-se de um local mais seguro do que estar jantando em restaurantes ou bares”, destaca o pneumologista. Mike Peel
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A onda do beach tennis Esporte, que já conta com atletas brasileiros de destaque, foi impulsionado com a pandemia Pixabay
Gabriel David de Mesquita Lopes
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m esporte novo, praticado na areia e que mistura características do tênis, do vôlei, do frescobol e do badminton. Esse é o beach tennis, modalidade que a cada dia conquista mais brasileiros. Criado no final da década de 60 em Ravenna, na Itália, o esporte chegou ao Brasil apenas em 2008, nas areias de Ipanema, no Rio, por meio de Adão Chagas e Leopoldo Correa, precursores da modalidade no país. De lá para cá popularizou-se, acumulando aproximadamente 200 mil praticantes, segundo Jorge Bierrenbach, diretor-executivo da Confederação Brasileira de Beach Tennis (CBBT). Essa popularização deve-se a um conjunto de fatores: o esporte é fácil de praticar, pois não exige muita técnica, e proporciona condicionamento físico, queima de calorias, competitividade, diversão e descontração. O diretor técnico da CBBT e treinador da seleção brasileira de beach tennis, Luiz André Basile, define o tênis de praia como um esporte democrático. “Qualquer um pode e consegue jogar, desde crianças a idosos. É um público bem amplo.” Além disso, o diretor técnico ressalta o poder de proximidade proporcionado pelo esporte. “O beach tennis é um esporte familiar. Você se diverte e se reúne com seus familiares e amigos.” Com o avanço do esporte pelas cidades brasileiras, muitos praticantes resolveram sair do amadorismo e competir profissionalmente em competições pelo mundo. Em um cenário no qual os italianos dominavam os títulos de todos os campeonatos, os brasileiros chegaram fortes e já se tornaram expoentes. “O Brasil hoje é a segunda maior potência mundial do esporte, estando atrás apenas da Itália que inventou a modalidade”, afirma Daniel Schmitt,
Prática proporciona condicionamento físico, queima de calorias e diversão.
28, jogador PRO de beach tennis, que ocupa a 4ª posição do ranking de beach tennis da CBT (Confederação Brasileira de Tênis). No entanto, como muitos atletas brasileiros, os jogadores da modalidade ainda não conseguem viver apenas das competições. “Por conta de o esporte ter tido um crescimento muito recente, poucos atletas se sustentam dele, por isso muitos dão aulas para novos praticantes e vendem materiais para conseguirem uma renda extra”, conta Daniel. Outro fator que acabou colaborando com o boom do beach tennis foi a pandemia ocasionada pelo coronavírus. Com o alto risco de contaminação em ambientes fechados, como as academias de musculação e os boxes de crossfit, as pessoas passaram a buscar alternativas para se exercitar, com isso encontraram o tênis de praia. “Existe um beach tennis antes da pandemia e outro depois. As pessoas buscaram uma alternativa outdoor e no sol, e o beach tennis caiu nas graças dos brasileiros. O esporte
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deu uma superaquecida”, opina Luiz André Basile. Para Jorge Bierrenbach, é importante analisar também o movimento de interiorização da modalidade. “O esporte vem se popularizando não apenas nas praias, mas no interior do país. Olhando apenas para o estado de São Paulo, já temos de 700 a 800 quadras para a prática do esporte, sendo mais de 250 só na capital”, analisa. Algumas dessas quadras são as do Posto 011, que possui cinco unidades espalhadas pela cidade de São Paulo, e que durante a pandemia observou um aumento gigantesco na procura pelo esporte. “Após o lockdown ocasionado pela pandemia, o crescimento foi absurdo, mais de 300% da nossa base de alunos cresceu nessa modalidade”, revela Gabriel Cunha, CEO do clube. A expectativa para o futuro é que o esporte cresça ainda mais e o Posto 011 já se prepara com mais cinco unidades que estão em construção. Elas terão o beach tennis como um dos principais focos.
A vez do skate Esporte tem boom após sucesso dos atletas brasileiros em Tóquio 2020 Giovanni Conti Levi Júnior
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s Olímpiadas de Tóquio 2020 geraram grande expectativa nos amantes do skate, por serem as primeiras a contarem com o esporte como modalidade competitiva. A ansiedade, que já estava elevada por conta do adiamento do evento em função da pandemia da Covid-19, ficou ainda maior. Em consequência da queda dos casos de Covid-19, o tão esperado torneio olímpico foi realizado e, com ele, veio o sucesso dos brasileiros no skate. O planejamento brasileiro foi marcado por uma série de projetos desenvolvidos pela Confederação Brasileira de Skate (CBSK). Segundo Eduardo Musa, presidente do órgão, foi anunciada, em agosto de 2020, a criação de uma Seleção Brasileira
Júnior de Skate, para incentivar novos atletas a competirem profissionalmente. Outro grande feito realizado pela CBSK foi o anúncio do maior patrocínio do Skate brasileiro, com as Loterias Caixa, em junho de 2021. De acordo com Eduardo, a CBSK já vinha em um movimento de crescente, mesmo antes da conquista das medalhas, e acredita que ele deve se intensificar. O diretor da Federação Paulista de Skate, Bruno Hupfer, relata que no pós-Olimpíadas houve um aumento na demanda de produtos de skate, principalmente os infantis. Bruno é frequentador da Galeria do Rock, local no centro de São Paulo em que há grande concentração de vendas relacionadas ao skate. Durante os Jogos Olímpicos, a torcida brasileira foi muito calorosa com os atletas, seja na cate-
goria Street ou Park. Pedro Dalla, um amante do skate, contou que se emocionou ao saber que o esporte se tornaria olímpico. Marcelo Cardoso, professor de jornalismo esportivo e pesquisador da área (recentemente escreveu um artigo sobre as Olimpíadas de Tóquio 2020), afirma que já esperava um grande resultado dos brasileiros na modalidade. “O brasileiro gosta de acompanhar um esporte vencedor”, justifica. Conforme as conquistas de medalhas olímpicas, a expectativa do torcedor brasileiro é poder acompanhar mais campeonatos de skate. Sérgio Fortunato de Paula, mais conhecido com Sérgio Negão, ex-skatista profissional e professor de skate em atividade, destaca a importância das transmissões televisivas sobre o esporte. Segundo ele, elas aumentaram o interesse do público e atraíram novos fãs.
Breno Barros/ Rede do Esporte
Rayssa Leal, 13 anos, recebendo a medalha de prata, nas Olimpíadas de Tóquio, na categoria Street. A ‘fadinha’ inspirou muita gente.
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Depois de Tóquio As Olimpíadas acabaram e o futuro do esporte brasileiro permanece incerto André Cerqueira Enrico Sommerfeld
Breno Barros/ Rede do Esporte
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óquio 2020 terminou com a melhor participação brasileira na história das Olimpíadas. Depois de conquistar 21 medalhas, sendo sete ouros, seis pratas e oito bronzes, o Brasil superou o recorde que antes era de 19 medalhas, sete ouros, seis pratas e seis bronzes, nas Olimpíadas do Rio em 2016. Apesar de um ciclo olímpico de cinco anos com direito a uma pandemia no meio, além de uma diminuição no investimento esportivo, o time Brasil surpreendeu os especialistas que esperavam uma queda no número de medalhas. Mas a jornalista Tatiana Saad, chefe de produção do esporte da TV Bandeirantes e que cobriu cinco Olimpíadas in loco (Atlanta 1996, Sydney 2000, Atenas 2004, Beijing 2008 e Rio 2016), faz um alerta: “precisamos ficar atentos ao número de chances de medalha. As 21 conquistadas em Tóquio só aconteceram graças ao número de 80 atletas brasileiros que chegaram ao Japão com chances reais. Essa é a proporção que precisamos ficar de olho: uma medalha a cada quatro chances”. Ela explica que uma queda no número de medalhas parece inevitável para o Brasil. “Temos o impacto do fim do ministério do Esporte, que se tornou uma mera pasta do ministério da Cidadania, junto com uma série de privatizações em complexos esportivos públicos. Além disso, há uma crise econômica enorme que com certeza vai prejudicar o desenvolvimento dos atletas no próximo ciclo, que já é agravado por ter apenas três anos.” A adição dos novos esportes ao evento, especificamente skate e surf, ajudaram o Brasil a ter um desempenho significativo nas Olimpíadas de Tóquio. Potência em ambos, o Brasil conseguiu um ouro e três pratas. “Skate e surfe empurraram muito o desempenho brasileiro em Tóquio exatamente como esperado. Felizmente,
Seleção feminina de vôlei comemorando a medalha de prata, em Tóquio 2020.
somos potência nesses dois esportes e até vivemos uma dinastia brasileira no surfe masculino, com cinco títulos brasileiros em sete anos, algo nunca antes visto”, avalia a jornalista. Para Paris a tendência é que isso continue, mas Tatiana alerta: “temos que tomar cuidado. Lembro quando o vôlei de praia foi adicionado nas Olímpiadas de Atlanta e surgimos como uma potência imediata, fazendo a final feminina com duas duplas brasileiras. Algumas olimpíadas depois continuamos ganhando medalhas, mas hoje paramos no tempo”. Ela lembra do desempenho pífio do vôlei de praia em Tóquio. “Depois das Olimpíadas, skate e surf vão entrar no radar e receber investimento pesado em outros países. Precisamos acompanhá-los, para que não aconteça o que aconteceu com o vôlei de praia.” Fazendo um balanço, o Brasil formou uma geração de fenômenos com atletas como Alison dos Santos, de apenas 21 anos, bronze nos 400m com barreiras, Hebert Conceição, 23 anos, campeão do boxe, e Abner Teixeira, 24 anos, bronze também no boxe. E obviamente não poderia faltar Rayssa Leal, de apenas 13 anos, vice-campeã no Skate Street. No entanto, possíveis aposentadorias podem atrapalhar o caminho até Paris. Heróis olímpicos como Bruno
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Fratus, Ana Marcela, Martine Grael e Kahena Kunze pediram um tempo para pensar no futuro, mas não descartaram competir nas Olimpíadas da França. A boa notícia fica com nomes como a judoca Mayra Aguiar, a boxeadora Beatriz Ferreira e o canoísta Isaquias Queiroz que já garantiram mais um ciclo olímpico, seguindo na busca por mais glória em 2024. As promessas para ficar de olho na próxima Olimpíada são Diogo Soares, 19 anos, Keno Marley, 21 anos, e Dora Varella, 20 anos. Diogo foi finalista do individual geral e se mostrou uma das revelações da modalidade. A ginástica artística masculina passa por um processo de reconstrução, mas existe uma grande expectativa que um Diogo de 22 anos mais forte e maduro chegue a Paris, brigando por medalha. A skatista Dora Varella também saiu de Tóquio sem medalhas, mas mostra uma boa perspectiva para os Jogos de Paris 2024, onde deve sair com medalhas no Skate Park. Já o boxeador Keno Marley apresentou um ótimo desempenho em Tóquio, chegando às quartas de final e sendo eliminado de forma injusta, segundo vários especialistas. Keno mostrou seu talento e deve chegar mais confiante e pronto para os próximos Jogos Olímpicos.