Cruel despertar harlequin paixão mini ed005

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Melanie Milburne

CRUEL DESPERTAR

Tradução Celina Romeu

2014


CAPÍTULO UM

– SRTA. ALICE Benton? – O psiquiatra italiano afastou Ally do leito de hospital, falando em tom grave e com forte sotaque. – Sabe quanto tempo sua irmã ficou sem a medicação? Ally engoliu o nó seco de angústia na garganta. – Não tenho certeza. Vivo na Austrália, não na Itália com minha irmã. – Então fez bem em chegar logo. – O médico olhou suas anotações e acrescentou: – Ela foi trazida ontem de manhã pela vizinha. – Tive uma reunião de negócios em Praga – explicou Ally – e vim assim que soube. Não fazia ideia de que tivera uma recaída tão grave. Não sofreu nenhuma por anos e estava bem quando liguei para ela de Sidney antes de viajar. Não acredito… que fez uma coisa assim. Parecia tão… tão bem… – Esta foi uma tentativa de suicídio muito séria – disse o dr. Bassano com um olhar grave. – Ela teve sorte de sobreviver a uma dose tão alta de benzoatos. Até que fique estabilizada com as doses regulares de medicamento antipsicótico, sugiro que seja internada numa clínica de saúde mental e permaneça lá até receber a terapia e reabilitação de que precisa. Devo adverti-la, porém, que pode demorar. – Compreendo… – disse Ally, o desespero crescendo. Tivera tanta esperança de que as crises maníaco-depressivas que sua irmã sofrera desde que tinha 15 anos tivessem finalmente desaparecido, mas, pelo visto, isso não ocorrera. O que teria acontecido na vida da irmã para causar uma recaída tão devastadora? – Há uma clínica, na Suíça, com uma excelente reputação – disse o médico, interrompendo-lhe os pensamentos. – É particular, mas a despesa vale a pena. Todo o pessoal é muito bem treinado e tem muita empatia. Ally umedeceu os lábios ressecados com a ponta da língua. – Mas não posso levá-la para Sidney comigo? Certamente seria melhor para ela voltar para casa? Está no exterior há um ano, talvez tenha sido isso que deflagrou esta… esta… crise. – Srta. Benton, não acho que sua irmã esteja em estado de suportar um longo voo – disse o médico. – Em minha opinião, faria mais mal do que bem. Ela está instável, e


acredito que esteja assim por bastante tempo. A clínica suíça é mais perto, é uma curta viagem de avião ou trem. Podemos providenciar um profissional de saúde para acompanhá-las à clínica. Ally comprimiu os lábios para segurar o pânico. – Q… quanto tempo acha que ela precisará ficar nessa clínica que o senhor recomendou? – Leva tempo para a medicação começar a fazer efeito de novo. Muitas vezes, semanas ou meses, especialmente se for indicada uma mudança na medicação, o que acho aconselhável no caso de sua irmã. E agora há novos remédios indicados especificamente para a condição dela. Vale a pena tentar por algumas semanas, num ambiente seguro, para saber qual é o mais eficaz. Ally olhou para o especialista alarmada. Tinha apenas uma licença de duas semanas e estava ansiosa para passá-las com a irmã. Não imaginara, nem por um momento, que se transformariam nesse pesadelo. Não recebera um sinal, um aviso de que alguma coisa não estava bem em suas recentes conversas pelo telefone ou por e-mails. É verdade que a irmã parecera excitada demais, mas Ally atribuíra esse estado de espírito à expectativa das duas semanas que passariam juntas, relaxando ao sol. Não ousara pensar em nenhum outro tipo de explicação. O passado atribulado de Alex fora arquivado na mente de Ally; a porta não fora fechada, mas certamente não estava entreaberta, como ficara por tanto tempo durante a adolescência e os primeiros anos de vida adulta das duas. – Compreendo – disse Ally, lutando para segurar as lágrimas. O dr. Bassano tomou a mão de Ally. – Sei como isso é difícil para você, srta. Benton. Compreendo que você tem sido o único e grande apoio dela esses anos todos. Alex fizera algumas coisas impulsivas durante os diversos estágios de sua doença bipolar, e Ally ainda estava pagando muitas das dívidas que a gêmea fizera na ocasião. Seu casamento desastroso com Darren Sharpe fora o ponto mais baixo da doença, e Ally levara meses para convencer a irmã a deixar o marido violento e mais tempo ainda para ajudá-la a reconstruir sua autoestima depois do divórcio. – Acredito que Alex ficará bem depois desta crise, mas é importante que não sofra nenhum tipo de estresse nas próximas semanas, o que apenas intensificará sua condição e talvez cause outra recaída, só que pior – disse o médico. – Entrei em contato com o especialista dela, em Sidney, e vi, em seu relatório médico, que teve três crises graves na adolescência e gostaria de evitar mais uma.


– Compreendo – garantiu Ally de novo, segurando as lágrimas. O dr. Bassano segurou a mão de Ally. – Srta. Benton, sei que tem sido responsável por sua irmã desde a morte de sua mãe. Sei que fez um trabalho maravilhoso apoiando-a até agora. Não deve se culpar por esta recaída. É sempre muito difícil para os familiares próximos, e você não só tem sua própria vida para viver como tem o direito a ela. – O… obrigada – disse Ally –, não quero perdê-la… Ela é tudo que tenho… – Cuide-se – disse o dr. Bassano com gentileza. – Sua irmã ainda está dormindo, mas deve acordar dentro de uma hora, mais ou menos. Por favor, me ligue se tiver alguma dúvida. Ally voltou para o lado da irmã e olhou para a imagem triste e magra de si mesma, encolhida como um bebê na cama estreita. Como duas pessoas idênticas podiam ser tão diferentes? Alex sempre fora a extrovertida, a alegre, a moça por quem os homens se sentiam atraídos, como abelhas por uma flor. Ally, ao contrário, preferia a própria companhia à de outros. Com o mesmo corpo e rosto da gêmea, tivera sua parcela de atenção masculina, mas ninguém jamais se aproximara o bastante para ela baixar a guarda de seu coração. A gangorra emocional em que passara a infância cuidara disso. Viver com uma mãe de comportamento imprevisível tornara Ally naturalmente cautelosa. Achava difícil confiar nas pessoas e se mantinha afastada... ao contrário da gêmea, que, como a mãe, sempre pulava primeiro para olhar depois, sem se preocupar com as consequências. Alex se moveu e, com voz rouca, perguntou: – Ally… é você? Ally se debruçou e tomou a mão da irmã, apertando-a gentilmente. – Sim, querida, sou eu. Vim assim que pude. – Lamento… – O rosto de Alex se contorceu. – Desta vez, eu passei dos limites. Você vai me odiar… Sei que vai… Estraguei tudo… – Não, querida, não fale assim – acalmou-a Ally, tentando desesperadamente não chorar. – Jamais poderia odiá-la, e você sabe que farei tudo para que fique bem de novo. – Ele me disse que me amava… – disse Alex tão baixinho que Ally teve dificuldade em ouvi-la. Debruçou-se mais. – Quem disse que a amava? Os olhos de Alex se fecharam, e ela choramingou. – Não quero falar sobre isso… Dói tanto…


Ally acariciou-lhe a mão. – Não se aborreça, podemos conversar mais tarde. O importante agora é você ficar boa. Isso é tudo o que interessa. – O médico disse que tenho que ir para uma clínica – disse Alex, mordendo o lábio inferior, como uma criança pequena e insegura. – Sim, será melhor – disse Ally. – E não se preocupe com as despesas, eu cuido de tudo. Alex começou a chorar. – Queria morrer… Senti que, se não pudesse tê-lo, para que continuar a viver? Ally sentiu de novo o começo do pânico. O médico lhe dissera para não permitir que a irmã tivesse qualquer estresse, mas era evidente que havia alguma coisa entre Alex e um homem. – Querida, você devia ter me contado que estava com problemas – disse Ally com gentileza. – Pensei que tudo estava tão bem com você desde que se mudou para Londres. Os olhos de safira de Alex se desviaram para o lençol que a cobria. – Não queria lhe contar porque sabia que não aprovaria. – Por que faria isso? – perguntou Ally, embora tivesse uma boa ideia do motivo. – Ele é casado – disse Alex, confirmando as suspeitas de Ally. – Mas eu só soube depois de me demitir do meu emprego, em Londres, e segui-lo a Roma. Ele disse que me amava, que até ia deixar a esposa, mas era tudo mentira… Ally suspirou. Perdera a conta dos casos que sua irmã tivera com homens casados. Alex parecia não perceber os sinais ou alguma coisa assim. Era tão facilmente enganada por um sorriso charmoso e acabava traída e desapontada de novo e de novo. Mas esse caso parecia ter tido um efeito muito mais devastador, e Ally gostaria de poder pressionar Alex por detalhes. Neste momento, porém, isso poderia lhe fazer muito mal e nenhum bem. – Quando parou de tomar suas pílulas? – perguntou, mudando de assunto. Alex fechou os olhos. – Não me lembro… Há algumas semanas, eu acho. Não queria que ele soubesse que tomo remédios. Achei que não me amaria se soubesse que não sou… você sabe… normal. – Alex, você é normal – insistiu Ally. – Se tivesse asma ou diabetes, teria que tomar remédios regularmente. Por que sua condição mental é diferente? Os olhos de Alex continuaram fechados.


– Mas eu me sinto louca. Estou sempre com a cabeça cheia de pensamentos sem controle. E foi por isso… – Suspirou de novo, derrotada. – De que adianta? O que está feito, está feito. – Querida, lembra-se de que os médicos, em Sidney, lhe disseram como é importante tomar os remédios regularmente? – Ally tentou manter a voz calma e paciente. – Essa temporada na clínica é exatamente o que você precisa. Será capaz de superar tudo, os problemas pessoais e a crise, e tudo terminará bem. Alex virou a cabeça para olhar para Ally. – Você realmente ainda me ama, Ally? Mesmo depois de tudo o que fiz você passar? Sou uma pessoa horrível. Eu me odeio. Não consigo fazer nada direito, estrago tudo. – Isso é bobagem, Alex, e você sabe que é. Vai superar isso, sei que vai. E sabe que eu a amo, e nada jamais vai mudar isso. Somos você e eu contra o mundo, certo? Alex mordeu o lábio e desviou os olhos de novo. – Realmente não quero acabar como mamãe… mas não consigo evitar. Deve ser genético… mas você tem os mesmos genes e é ótima… Ally tentou evitar a onda gigantesca de culpa por ser saudável que a invadiu de imediato e segurou de novo a mão da irmã. – Mamãe não teve a ajuda de que precisava – disse ela. – Ficou mal por muito tempo, e éramos jovens demais para perceber que seu comportamento errático era causado por uma doença e não pelo tipo de pessoa que era. A linha entre temperamento e doença mental é muito fina, Alex, até para profissionais é difícil perceber quando é cruzada. Alex virou-se e olhou-a de novo. – Fiz algumas coisas terríveis – disse ela, os olhos se enchendo de lágrimas de novo. – Parecia que não conseguia evitar, queria me vingar de Rocco por… por tudo… – Rocco é o homem com quem teve um caso? – Ally tentava juntar as peças do quebra-cabeça sem pressionar muito. Os olhos de Alex se encheram de lágrimas de novo, e seu lábio inferior começou a tremer incontrolavelmente. – Não posso falar sobre isso… não posso… Ally lhe acariciou a mão. – Está tudo bem, eu compreendo. Vamos deixar para conversar outra hora, quando estiver se sentindo melhor. Alex soltou outro suspiro de derrota e fechou os olhos, cansada. – Irei para a clínica, quero ficar boa. Não posso continuar assim. Sei que sempre fui


uma carga para você e queria que se orgulhasse de mim, vivendo e trabalhando no exterior. Pensei que podia fazer isso. Mas… mas acho que esta é minha última oportunidade de consertar as coisas. – Querida, não é sua última oportunidade, isso não existe – disse Ally, beijando-lhe a testa. – Além disso, e se fosse comigo? Alex abriu os olhos tristes. – O que quer dizer? – Somos gêmeas idênticas e temos o mesmo DNA, mas você tem uma doença que precisa de um tratamento muito cuidadoso. Eu podia facilmente estar nesta cama em vez de você. Alex abriu os olhos azuis-escuros e olhou para a irmã gravemente. – Devia agradecer a Deus por não estar no meu lugar. Não quero que ninguém tenha a minha vida, não depois do que fiz. Sinto-me tão… tão culpada. – Não preciso estar no seu lugar para compreender o que está sofrendo, mas se tivesse que fazer isso, eu o faria alegremente. Alex tentou sorrir, mas foi um sorriso triste demais. – Ainda bem que somos gêmeas, não é?


CAPÍTULO DOIS

ALLY ACABARA de voltar a Roma, depois de instalar a irmã gêmea no santuário calmo da clínica na Suíça, quando a campainha do apartamento da irmã tocou. Ela havia voltado para fazer uma limpeza sumária, sabendo que Alex ficaria fora da cidade por semanas ou meses, e decidira limpar a geladeira e lavar as roupas sujas, antes de voltar para Zurique. Mas não esperara encontrar uma carta desaforada de despejo e a exigência do pagamento de seis semanas de aluguel em atraso, com uma carta escrita em italiano, que parecia ser de um advogado. Ally não compreendia o motivo de Alex ter atrasado o pagamento do aluguel, já que, ao dobrar suas roupas no quarto, encontrara uma grande soma de dinheiro em diversos maços dentro do bolso de uma jaqueta. Sem saber o que fazer com o dinheiro, Ally guardara-o na bolsa até conversar com a irmã. A campainha tocou de novo, desta vez, com mais força. Então Ally deixou de lado os papéis e as contas ainda não pagas da irmã e, olhando a cama recém-feita, foi para a porta da frente. Abriu-a e viu um homem alto, de cabelo escuro, em pé, a atitude autocrática e o olhar muito determinado quando encontrou o dela. – Sra. Alexandra Sharpe? Ally olhou para aqueles olhos escuros e sem expressão que pareciam penetrar os dela e sentiu um arrepio de medo lhe percorrer a espinha. – Escute… se é sobre o aluguel, posso explicar... Ele ergueu uma sobrancelha escura. – Não me diga que já me esqueceu – disse ele. – Sei que só nos vimos uma vez, mas certamente não é tão fácil assim me esquecer. – Hum… eu… hum… – Ally não sabia o que dizer. – Talvez eu deva refrescar sua memória – disse ele, com um trejeito de desprezo na boca. – Você invadiu uma reunião de negócios de que eu e meu cunhado participávamos, há três semanas, e criou uma bela confusão. Se eu soubesse então o que sei agora, teria pessoalmente expulsado-a do local, em vez de chamar a segurança para fazê-lo.


Ally olhou-o, espantada. Não tinha certeza se devia dizer a ele quem era ou deixar que continuasse pensando que era Alex. Subitamente, sentiu-se como se estivesse numa balança de pesos muito delicados; um peso a mais para um lado, podia esclarecer tudo; para o outro, podia ter resultados catastróficos… Ou não? Depois que o pensamento lhe ocorreu, não conseguiu se livrar dele. Teria Alex contado a seu amante que tinha uma gêmea idêntica? Observou as feições classicamente belas do homem enquanto seu coração disparava. – Você me parece vagamente familiar – disse ela, para romper o silêncio. – Posso entrar? – perguntou, embora Ally sentisse que era mais uma ordem do que um pedido. Abriu a porta, e ele passou por ela antes que Ally tomasse realmente a decisão. Era muito alto, bem mais alto do que seu 1,65m, com pernas longas e ombros largos, uma estrutura perfeita para o terno de design italiano. O cabelo de corte casual era negro e brilhante, escovado para trás... embora fosse rebelde, como mostrava uma grossa mecha que lhe caía na testa sempre que ele andava. Uma de suas mãos se erguia para colocá-la no lugar, a ação era tão automática que Ally não pôde deixar de sentir que era quase inconsciente. Provavelmente fazia aquilo cem vezes por dia sem perceber. Os olhos eram de um castanho quase negro, com cílios longos e espessos, que agiam como uma cortina para o olhar intenso que não se desviava do dela. Era o homem mais impressionantemente belo que já vira. Cada poro da pele cor de oliva exalava poder e potência masculina. A boca era cheia e sensual, o nariz, definitivamente romano. O queixo fortemente cinzelado mostrava um traço de arrogância e teimosia, como se gostasse de tudo sempre a seu jeito, e fazia o que fosse necessário para consegui-lo. – Meu nome, se você esqueceu, é Vittorio Vassallo – disse ele. – Mas acho que não preciso lhe dizer por que estou aqui, sì? Ally sentiu a pele se arrepiar involuntariamente ao som da voz profunda e aveludada, a dicção clara indicando que o inglês não era sua língua materna, embora o falasse fluentemente, como se tivesse sido educado no exterior. Oxford ou Cambridge, pensou. O nome dele lhe pareceu vagamente familiar. No voo de Sidney para Praga, lera um artigo sobre um italiano bilionário administrador de fundos, que tinha uma reputação internacional como playboy. Olhando agora para ele, Ally compreendia como mulheres do mundo inteiro se dispunham a ser amantes dele. – Hum… bem, agora não é realmente uma boa hora… – A voz desapareceu.


Ele ergueu uma desdenhosa sobrancelha escura. – Tem outro compromisso neste momento? Ela molhou os lábios com a ponta da língua. – Hum… não, mas não vejo motivo nenhum para você estar aqui. – Não? – A sobrancelha escura ainda erguida, o olhar sem se desviar do dela. Ally sabia que devia lhe dizer quem era. Agora era o momento, antes que as coisas fossem mais adiante, mas, por algum motivo, sentiu-se compelida a descobrir por que ele estava ali antes de revelar sua identidade. Queria saber o que pretendia dizer à sua irmã. Que mal faria fingir que era a irmã por alguns minutos? Além disso, a atitude arrogante a deixara zangada. Olhava para ela como se fosse um bicho de sarjeta, e isso realmente a incomodava. Sua irmã sofria de uma doença mental, não merecia ser ridicularizada ou ameaçada, ou pelo menos, não enquanto Ally pudesse impedir. Além disso, queria descobrir se ele sabia o que havia acontecido entre seu cunhado e Alex, e essa lhe parecia uma forma tão boa como outra qualquer. – Não tenho a menor ideia do motivo pelo qual está aqui – disse ela num tom deliberadamente altivo. Ele lhe deu um sorriso de desdém. – Rocco me avisou que você gosta de desempenhar o papel de loira burra – disse ele. – Mas é assim que conquista os homens que quer, não é? Você os fascina com esses seus olhos azuis e esse seu corpo delicioso. Não é de se admirar que tenha a reputação que tem. Poucos homens seriam capazes de resistir ao que tem a oferecer. Ally sentiu o rubor lhe queimar o rosto. Era quase risível o quadro que pintava dela, mas decidiu continuar com o fingimento por mais um pouco de tempo. Achava que valia a pena, no fim, jogar no rosto arrogante as presunções enganosas. Estava até começando a se divertir, pensando no choque que ele teria quando descobrisse que escolhera o alvo errado para seus insultos insuportáveis. Ela mexeu os quadris de um modo provocante e bateu as pálpebras para ele. – Então o que acha que tenho a oferecer, sr. Vassallo? Ela observou enquanto aquele olhar escuro e penetrante a percorreu da cabeça aos pés, deliberadamente se demorando sobre a camiseta azul-clara que lhe destacava a curva dos seios, descendo para a cintura fina e os quadris arredondados no jeans apertado, antes de se voltar lentamente para seu rosto, sem dizer uma só palavra. Ally jamais se sentira tão consciente do próprio corpo. Parecia que ele a tocara com os longos e bronzeados dedos. Cada curva, cada ponto erótico e cada lugar secreto fora invadido pela impressionante presença física daquele homem. Sua pele arrepiou-se.


Seus sentidos ficaram em alerta. Aqueles olhos escuros lentamente passavam por ela de um modo indolente e irritante. Seus seios começaram a inchar e formigar sob o algodão leve da camiseta, e a respiração se tornou irregular, o peito subindo e descendo, fazendo-a se sentir tonta e aterrorizadoramente sem chão. De repente, ela percebeu que havia uma foto na parede atrás dele. Se ele se virasse, veria como estava sendo feito de idiota. Era uma foto que dera à irmã em seu aniversário de 24 anos, pouco antes de Alex viajar para Londres. Ally colocara a câmera no controle remoto e as retratara sorrindo, abraçadas. Lembrava-se de que Alex comentara, na ocasião, que deviam ter feito exatamente assim no útero da mãe, abraçadas como pequenos anjos esperando serem chamados à Terra. Fora uma noite tão feliz de comemoração, apenas as duas. Ally pensara então… fora apenas alguns meses atrás... que a irmã estava, finalmente, a caminho da cura. Pequenas gotas de suor lhe brotaram sobre o lábio. Podia sentir a umidade nervosa descendo por suas costas enquanto o silêncio crescia e crescia. – Hum… gostaria de uma bebida? – perguntou ela, a primeira coisa que lhe veio à mente. As sobrancelhas dele se ergueram, e a cabeça dobrou para o lado, a expressão cheia de suspeita. – Uma bebida? – Sim – disse ela, a voz alegre demais, cuidadosamente recuando em direção à cozinha, esperando que ele a seguisse. – Eu ia tomar uma, está fazendo muito calor para setembro, não acha? – Geralmente é muito quente nesta época do ano – disse ele, ainda observando-a cuidadosamente. – Não vai esfriar antes de uma ou duas semanas, no mínimo. Ally foi à despensa quase vazia e pegou uma caixa de suco de laranja, tentando controlar o leve tremor das mãos. – Lamento, não tenho gelo – disse ela, virando-se para ele –, estava limpando a geladeira. Os olhos dele continuavam presos aos dela. – Vai a algum lugar? Ela conseguiu formar um sorriso. – Estou apenas fazendo uma limpeza... jogando fora o velho e guardando o novo, esse tipo de coisa. Ally observou os olhos dele passarem sobre a cozinha velha e suja. – Está vivendo neste apartamento há muito tempo? – perguntou ele, voltando os olhos


para ela de novo. – Er… algumas semanas – respondeu, desviando o olhar para servir dois copos de suco. Apesar de seus esforços, derramou um pouco na bancada. – Gostaria de me mudar para outro lugar mais conveniente, mas os aluguéis são altos nas áreas melhores da cidade. – Entregou-lhe um copo de suco. – Pode me dar licença um momento? Estou ouvindo uma torneira pingando no banheiro. De vez em quando, faz isso. – Gostaria que a consertasse para você? Ally olhou-o com um espanto maldisfarçado. De todas as coisas que ele dissera, essa era a mais inesperada. Era um bilionário, provavelmente não reconheceria uma chave de fenda se fosse atingido na cabeça por uma. Mas, pensando bem, ele não era um bombeiro, assim como ela não tinha uma torneira pingando, lembrou a si mesma, cautelosa. – Er… não, realmente não há nada de errado com ela – disse Ally, tentando não parecer tão desconcertada como se sentia. – Apenas não a fechei direito quando ouvi a campainha da porta. Não me demoro. VITTORIO TOMOUum gole do suco quente e cheio de conservantes e fez uma careta. Pensou, com saudade, no laranjal em sua villa em Positano, onde sua governanta lhe fazia um suco fresco diariamente quando estava lá. Colocou o copo ainda cheio sobre a bancada e olhou em volta mais uma vez. Não era de admirar que Alex Sharpe estivesse em busca de quem a sustentasse. O apartamento era minúsculo e precisando muito de uma reforma. As cortinas da cozinha estavam desbotadas e manchadas de gordura, e o linóleo no chão estava esburacado e rachado. Do que vira da pequena sala de estar, o carpete e a mobília eram antigos e maltratados. Mas não era uma surpresa que seu fraco e conquistador cunhado tivesse se deixado dominar pelo feitiço dela. Era letalmente atraente. Mesmo vestida em jeans desbotados e com o cabelo prateado preso num nó meio solto no alto da cabeça, era a tentação personificada. Exalava sensualidade em cada curva do corpo: as pernas longas e elegantes, os deliciosos e maduros globos dos seios, a cintura fina e o movimento sexy dos quadris. A boca era vermelho sangue, não de batom, mas de paixão interna que escapava de cada perfumado poro de seu corpo. Sentira a sedutora fragrância de jasmim em sua pele dourada assim que abrira a porta. Preenchera não apenas suas narinas, mas sua cabeça, e lhe tomara a mente de tal maneira que teve dificuldade em se lembrar de sua missão. Sorriu para si mesmo enquanto pensava no plano para tirar de Rocco a atenção da


imprensa e proteger sua irmã Chiara. Seria muito mais fácil do que esperara. A sra. Alex Sharpe era exatamente a espécie de mulher que tomaria a chance com as duas mãos para melhorar suas circunstâncias. Além disso, não lhe daria escolha. ALLY PASSOU rapidamente pelo apartamento e pegou as poucas fotos que sua irmã deixara à mostra e escondeu-as em sua mala, debaixo da cama; então respirou profundamente e voltou para a cozinha. Vittorio Vassallo se virou quando ela entrou, o olhar escuro se prendendo novamente ao dela. – Sra. Sharpe… – começou. – Ally – disse ela, encolhendo-se mentalmente ao ser chamada pelo nome do violento ex-marido da irmã. – Prefiro ser chamada de Ally, se não se incomoda. – Meu cunhado sempre se referiu a você como Alexandra ou Alex – disse ele, os olhos entrecerrando ligeiramente. Ally se esforçou para não desviar o olhar do dele. – Você disse que seu nome é Vittorio. Não é grande demais? Como seus amigos e sua família o chamam? – Vitto, mas apenas amigos íntimos e a família me chamam assim. – Então, sr. Vassallo – disse ela com um sorriso frio –, o que posso fazer pelo senhor? A expressão dele era imperiosa, quase condescendente, o que enfureceu Ally ainda mais. – Estou aqui para falar sobre meu carro. Ally olhou para ele, perplexa, o coração disparando de novo em alarme. – Seu c… carro? Os olhos dele queimaram os dela. – Sim, o carro que você arranhou com uma chave ou uma lixa de unha de metal, causando danos de milhares de euros. Não é do meu cunhado, como pensou, mas meu, e espero que pague pelo conserto. Ally engoliu convulsivamente. – Hum… escute… acho que está acusando a pessoa errada, não sou quem você pensa... Ele se aproximou, quase tocando-a no pequeno espaço da cozinha. – Compreende que posso mandá-la para a cadeia só por isso, sem mencionar o dinheiro que você furtou? – O tom da voz era áspero e frio.


Ally piscou. O dinheiro? Que dinheiro? O que ele queria dizer…? Ela sentiu um arrepio quando se lembrou de repente. O dinheiro que agora estava na bolsa dela. Os joelhos de Ally tremeram, e ela respirou fundo, encolhendo-se diante do olhar furioso e acusador. – Não fiz isso – disse ela, tonta com a proximidade dele. – Eu… eu não risquei seu carro e eu… eu não sei nada sobre dinheiro nenhum. Ele soltou uma exclamação pouco delicada em sua língua materna. Embora Ally conhecesse apenas algumas frases em italiano, soube que era um palavrão, apenas pela força com que ele o dissera. – Acha que não tenho provas? – A voz era baixa, mas selvagem. Ally queria lhe contar quem realmente era, mas sabia que, se o fizesse, ele daria queixa contra Alex, apesar de seu frágil estado mental. Certamente parecia irritado e implacável e, até que soubesse do que Alex estava sendo acusada, não tinha escolha a não ser continuar o fingimento. – Q… que espécie de prova? – perguntou ela, recuando o máximo que podia, sua coluna parecendo que seria cortada ao meio pela pressão da bancada da cozinha em suas costas. – Vamos cuidar primeiro do assunto do carro – disse ele num tom severo e frio. – Um transeunte a fotografou com o celular. Ele levou a mão ao bolso do paletó, tirou um envelope pequeno e o entregou a ela. Ally o pegou com dedos que pareciam geleia, era quase impossível abri-lo sem trair sua apreensão. Mas, de alguma forma, ela conseguiu tirar três fotos, que mostravam claramente a irmã gêmea riscando a tinta vermelha brilhante de uma Ferrari de último modelo, com o que parecia ser uma chave. Ally não sabia o que levara a irmã a agir de forma tão destrutiva, mas se a expressão no rosto dela fosse uma indicação, Alex estava totalmente fora de controle, com um ódio tão intenso que os olhos pareciam selvagens e perigosos. Se apenas Ally soubesse o que tinha acontecido! O que levara a irmã a um descontrole emocional tão grande? Alex tivera diversos desentendimentos com namorados no passado e, embora ficasse aborrecida todas as vezes, jamais fora assim. Por que este lhe havia causado uma reação tão cheia de fúria? – Ainda vai negar que foi você? Ally deixou escapar um suspiro trêmulo, colocou as fotos de volta no envelope e entregou-o a ele.


– Parece que não vai adiantar, não é? – disse ela, resignando-se mentalmente à tarefa de manter a farsa por mais algum tempo. Ele guardou o envelope no bolso, o olhar ainda preso ao dela. – Agora vamos tratar da questão do dinheiro. – Não sei do que está falando. Os olhos dele eram como diamantes negros presos aos dela. – Há três dias, Rocco estava de posse de uma grande quantia de dinheiro da empresa, que pretendia depositar no banco. Ele me contou que você o interceptou e, para não causar uma cena na rua, concordou em levá-la a um quarto de um hotel próximo. Depois de passar algum tempo com ele, você desapareceu… e o dinheiro também. O medo de Ally aumentou. – Não sei por que isso significa, necessariamente, que sou responsável – disse ela, erguendo o queixo em desafio. – Qualquer um podia tê-lo levado, inclusive Rocco. A boca de Vittorio se retorceu em desdém. – Rocco pode não ser meu cunhado favorito, mas é um funcionário valioso da minha empresa de investimento. Eu o empreguei por causa de sua perspicácia financeira e jamais tive dúvidas sobre seu profissionalismo. Se ele diz que você furtou o dinheiro, não tenho motivos para não acreditar nele. Ally precisava pensar, e depressa. O dinheiro estava na bolsa dela, e ele precisava apenas insistir em fazer uma revista no apartamento para encontrá-lo. Sua irmã não escaparia da justiça... especialmente porque era apenas uma turista no país. Um furto daquele não poderia ser ignorado e certamente não se o arrogante Vittorio Vassallo assim quisesse. – É a palavra dele contra a minha – disse ela, desafiando-o com o olhar. – Se tornar o assunto público, darei uma entrevista à imprensa, contando como seu cunhado me seduziu. Tenho certeza de que isso lhe causará muitos problemas com seus investidores. A raiva de Vittorio explodiu. – Sua cadela trapaceira – rosnou ele. – Isso é exatamente o tipo de coisa que você faria… e é por esse motivo que estou aqui, para fazer tudo o que puder para impedi-la. Ally enrijeceu o corpo, embora as pernas estivessem trêmulas. – O senhor não me amedronta, sr. Vassallo. Os olhos dele brilharam perigosamente. – Espere, sra. Sharpe, espere e verá. O silêncio que se seguiu era tenso. Ally ficou tão imóvel quanto o corpo trêmulo lhe permitiu. Ouvia sua pulsação; seu estômago estava embrulhado, e a tensão parecia uma


faixa de aço em torno de sua cabeça ao se imaginar numa luta com Vittorio Vassallo, que sabia que não poderia ganhar. Ela fora vencida. A situação estava além de sua capacidade. Ela era uma fraude… – Rocco me disse que você abandonou seu emprego em Londres para segui-lo até aqui. Isso está correto? Ally tentou não encolher sob o olhar dele. – S… sim. – Então atualmente está desempregada. Isso também está correto? – Está correto – mentiu ela, sem sentir dor na consciência. Por que deveria? Estava de licença pelas próximas duas semanas, portanto tecnicamente não estava trabalhando. – Tenho uma proposta para você – disse ele, rompendo o longo silêncio. Ally ergueu mais o queixo em desafio. – Ah, é mesmo? – Meu cunhado foi um idiota com relação a você, mas talvez não tivesse sucumbido à tentação se você não o perseguisse com tanta assiduidade. Pode imaginar como minha irmã se sentiria se descobrisse que foi trocada por uma prostitutazinha barata como você? Ally se sentiu furiosa com as palavras insultuosas. – Se sua irmã fosse uma esposa adequada, talvez ele não a tivesse traído. Um músculo começou a pulsar no queixo dele. Seus olhos negros brilhavam de raiva, fazendo os nervos de Ally contraírem-se de medo. – Você é como uma cadela no cio – rosnou ele. – Deita-se com qualquer um, a qualquer hora, por uma joia barata. Ally enrijeceu de fúria. Ele fazia a irmã dela parecer uma prostituta ambiciosa. Embora não conhecesse os detalhes da vida de Alex nos últimos doze meses, não permitiria que Vittorio Vassallo a difamasse sem lutar. – Seu cunhado é um canalha completo – rosnou ela de volta. – Tenho pena da esposa dele. Tenho certeza de que não fui a primeira mulher com quem teve um caso. – Você está certa – disse ele, surpreendendo-a pela franqueza. – Rocco é um fraco no que diz respeito a belas mulheres. O caso dele com você não foi o primeiro e tenho certeza de que não será o último. Ally tentou se afastar um pouco, mas a cozinha era pequena demais, e ele era grande demais. Podia sentir o perfume cítrico de sua loção pós-barba. Sentira-o desde o


começo, mas era impossível ignorar sua potência tentadora. Seu corpo estava reagindo a ele de uma forma que, até então, desconhecia. Estava atraída e amedrontada ao mesmo tempo. Ele tinha uma aura magnética. Era o exemplar perfeito de um homem de negócios bem-sucedido. Riqueza e prestígio emanavam dele como uma segunda pele, mas o brilho da impiedade implacável nos olhos dele a aterrorizava. – Você causou um escândalo muito inoportuno para meu cunhado e, portanto, para minha irmã. A imprensa é como uma matilha de cães de caça quando se trata da minha família. Quero pôr um fim nos boatos antes que se espalhem mais. Ally voltou a endireitar o corpo que parecia encolher. – E como pretende fazer isso? Ele sorriu com uma confiança que a aborreceu mais do que se a tivesse insultado com mil palavras desabonadoras. – Transferindo as atenções de Rocco para mim. Ally sabia que estava se repetindo, mas mesmo assim voltou a perguntar: – C… como pretende fazer isso? Os olhos negros como a noite invadiram os dela. – Você e eu teremos um caso bem público. Eu lhe pagarei bem pelo seu tempo, é claro. Ela o olhou com espanto aterrorizado. – Um caso? Com você? Vittorio jamais vira uma mulher reagir assim a ele e se perguntou se o cunhado teria compreendido mal a sra. Alexandra Sharpe. Talvez ela realmente tivesse se apaixonado por Rocco. Se fosse verdade, as coisas seriam ainda mais complicadas do que já eram. Sua irmã Chiara precisava de mais duas semanas para sair da zona de perigo de perder seu bebê, depois de sofrer com uma gravidez difícil. Se pudesse impedir os boatos para garantir o nascimento seguro de seu sobrinho ou sua sobrinha, valeria a pena. Não se importava com o quanto isso lhe custasse. Além disso, não seria um caso de verdade. Não se rebaixaria a ponto de aceitar os restos do cunhado, não importava o quanto eram atraentes. E Ally Sharpe definitivamente era atraente… mas, surpreendentemente, não da maneira como Rocco a descrevera. – Não será um caso real. Teremos que ser vistos em público e parecer que estamos intimamente envolvidos. Isso é tudo que precisarei de você. Ally trincou os dentes com a proposta desprezível e se revoltou à forma como ele


denegria sua irmã. – Quanto está preparado para pagar pelos meus serviços como sua suposta amante? Os olhos dele fuzilaram os dela. – Quanto você geralmente cobra por seus serviços? Ally fechou as mãos em punhos, decidida a bater nele, como estava tentada a fazê-lo. Tinha aversão a qualquer tipo de violência, mas aquela maneira condescendente fazia todo o seu corpo tremer de raiva. – Não sou uma prostitua – disse ela, os dentes cerrados. – E nada do que você diga ou faça me tornará uma. – Ou tornará minha irmã uma, pensou, a raiva crescendo a um nível quase incontrolável. O lábio superior de Vittorio se ergueu, desdenhoso. – Estou preparado para lhe pagar generosamente por fingir que é minha amante por duas semanas. Você, sem dúvida, precisará de roupas e outros itens para desempenhar o papel. Tenho exigências altas, portanto estou disposto a pagar as contas enquanto durar a farsa. Ally calculou mentalmente o custo da clínica e o total da pilha de contas que encontrara no apartamento da irmã. Era muito dinheiro e, embora fosse capaz de pagar quase tudo, se conseguisse um empréstimo de curto prazo, não seria nada mal, pensou que Vittorio Vassallo era um bilionário e tinha muito a perder se ela não cooperasse. Além disso, era por causa do canalha do cunhado dele que sua irmã estava agora naquele estado horrível. Parecia justo que o dinheiro de Vassallo cobrisse os custos do tratamento de Alex, embora ficar com um só euro do dinheiro dele fosse contra todos os princípios de Ally. Ela lhe encontrou o olhar com firmeza e deu um preço que abalaria a maior parte das pessoas... mas evidentemente não este homem. Ele nem ergueu a sobrancelha enquanto a olhava dos pés a cabeça, seu sorriso desdenhoso lhe abalando os nervos já enfraquecidos. – Você se avalia bem alto, não é? Ela o olhou com atrevimento. – Sempre soube que se consegue o que se quer na vida pagando o preço certo, sr. Vassallo. Ou não acredita nisso? – Não acredito em gastar dinheiro bom em coisas ruins – devolveu ele. – Mas, se o valor que você mencionou é o que me dará os resultados que desejo, então ambos ficaremos felizes, sì? – Felicíssimos. – O tom de voz era seco e sem emoção.


– Diga-me, sra. Sharpe – disse ele, os olhos ainda nos dela –, não se sente um pouco culpada pelo que fez no meu carro? Ela ergueu o queixo de novo. – Na verdade, não me sinto nem um pouco culpada. Os lábios dele cerraram de raiva. – Então vou tentar fazer você sentir um pouco de remorso. Você é uma prostituta sem princípios que quer alguém para lhe pagar as contas. Conheci mulheres como você antes. Está atrás de um “paizinho”... acho que esse é o termo, não é? – Não quero nada disso – afirmou ela, os lábios duros. – Posso pagar minhas próprias contas e pretendo fazê-lo. – Então você pagará – disse ele, implacável. – Se não cooperar, se não aceitar minhas condições, não será responsável apenas pelos danos que causou ao meu carro, mas também por todas as outras coisas que fez e que aborreceram minha família. Se acha que meu cunhado é um bobo, então pense de novo quando estiver lidando comigo. Não sou um homem movido por instintos primitivos, sou movido pela vingança. Ally sentiu a palavra reverberar em todo o seu corpo esguio, como um poderoso terremoto, fazendo-a se sentir mais vulnerável do que já se sentira em toda a sua vida. Cada parte dela sentiu os tremores do medo quando compreendeu que acabara de assumir o lugar da irmã, sem saber onde Alex se metera…


CAPÍTULO TRÊS

– VOCÊ TEM 15 minutos para fazer suas malas – disse Vittorio. Ally o olhou, espantada, a boca abrindo e fechando até ela encontrar a voz. – Você quer que eu… eu… vá com você? Agora? – Mas é claro – respondeu ele suavemente. – Agora você é minha amante… pelo menos, aos olhos da imprensa. Vai se mudar imediatamente para meu palazzo em frente à Villa Borghese. Em pânico, Ally sentiu o coração bater com força. – Mas... – Não discuta comigo, sra. Sharpe – interrompeu ele, impaciente. – Conversei com seu senhorio quando entrei. Ele quer que você saia em poucos dias, está ameaçando mover uma ação de despejo. Tomei a liberdade de pagar a ele o que você deve, assim você agora deve a mim. Você fará o que estou mandando ou sofrerá as consequências. Ficar no palazzo por duas semanas será muito mais agradável do que alguns meses numa apertada cela de prisão infestada de baratas, sì? Ally tentou disfarçar um tremor de repulsa, mas tinha certeza de que pouco escapava aos inteligentes olhos escuros que não se afastavam dos seus. Podia sentir sua intensidade numa luta de vontades que sabia que não podia vencer. Sabia que tudo o que precisaria fazer seria mostrar a ele as fotos que escondera antes, para pôr fim, de imediato, àquela loucura. Podia explicar a doença da irmã, com a esperança de que ele compreendesse. Mas esse era um risco que não estava preparada para correr... ou, pelo menos, ainda não, não até que soubesse que tipo de homem Vittorio Vassallo era. Por tudo o que sabia, ele iria em frente e daria queixa e, com a riqueza e os contatos que tinha, imaginava que teria sucesso em se vingar, como dissera antes. – Se não se importa, prefiro ficar num hotel ou coisa assim – disse ela, tentando desesperadamente controlar seu medo crescente. – Ainda poderemos ter nosso suposto caso. Mudar-me para sua casa me parece bastante… exagerado, não acha? O queixo dele estava firme numa linha teimosa. – Meu cunhado pode se contentar em ter encontros secretos em apartamentos de cortiços ou quartos de hotel, mas eu não estou preparado para lhe dar uma rota


conveniente de fuga. Sei que, assim que virar as costas, você desaparecerá, e não vou correr esse risco. Como minha amante atual, terá uma suíte em meu palazzo e será tratada com todo o respeito que meus hóspedes merecem. Além disso, quero deixar claro para todos em minha família que esse é um caso real, mesmo se não for em particular. O estômago de Ally ficou oco. – C... como você…? Quero dizer, como vai convencer a todos que este é um caso real? Havia um brilho de zombaria nos olhos dele que a aborrecera desde que o conhecera. – Você abriu as pernas para meu cunhado, sra. Sharpe – disse ele, correndo os olhos pelo corpo dela com desprezo. – Tenho certeza de que não estará além de sua capacidade suportar um ocasional beijo em público ou segurar minha mão. Isso é tudo o que exijo de você, não tenho interesse em mais nada. Ally passou a língua nos lábios e então desejou não ter feito isso, quando os olhos dele abaixaram para sua boca, demorando-se lá por um momento pulsante antes de voltarem para os olhos dela. – Então… mais alguma pergunta? – disse ele, enquanto passava um dedo pelo colarinho da camisa, como se, de repente, tivesse ficado apertado demais. – Acho que a imprensa vai achar estranho ouvir você me chamar de sra. Sharpe. – Está certa. De agora em diante é Ally. A maneira como ele disse o nome dela fez sua pele arrepiar, como se a tivesse tocado com a ponta dos dedos numa carícia leve e suave. – C… como quer que eu o chame? – perguntou Ally, sentindo o rubor lhe tomar o rosto, apesar de todos os esforços para não se sentir afetada pela perturbadora e atraente presença. Ele a olhou por um momento ou dois, os olhos fazendo de novo aquele movimento de percorrê-la dos pés à cabeça. – Vittorio estará bem. Como disse, apenas minha família e meus amigos próximos me chamam de Vitto. – Não considera suas amantes amigas? – Não, não considero. Descobri que é impossível manter um relacionamento platônico com minhas ex-amantes. As mulheres não parecem compreender quando chega a hora de acabar. – E suponho que é sempre você que termina o relacionamento, certo? – perguntou ela


com um sorriso desdenhoso. – Li um artigo sobre você recentemente que dizia que troca de amantes com a mesma frequência com que outros homens trocam de camisa. Ele lhe devolveu o olhar sem demonstrar qualquer emoção. – Admito que fico facilmente entediado e não vejo motivo para continuar uma ligação que não me interessa mais. É melhor para os dois lados se as coisas terminam antes que alguém fique magoado. Ally lhe lançou um olhar desdenhoso. – Espero que um dia você receba o que merece. Homens como você me deixam doente. Querem diversão, mas não querem se dar ao trabalho de fazer um relacionamento funcionar. Leva tempo e esforço para um relacionamento ser bom e completo. Os olhos dele brilharam de raiva. – Você é ótima para falar, sra. Sharpe. Acredito que foi você que terminou com seu ex-marido, e não o contrário, não é mesmo? Ally se perguntou o quanto ele saberia sobre o passado de Alex e como obtivera as informações. Teria mandado investigá-la? Era um pensamento aterrorizante. Havia tanto que ela não sabia sobre a vida da irmã nos últimos meses. O médico a advertira para não estressar Alex, e a última coisa que desejava era causar outra crise fazendo perguntas sobre o que ela fizera enquanto estava na Europa. – Já lhe disse para não me chamar por esse nome – disse ela, lançando-lhe outro olhar furioso. – E, mesmo não sendo da sua conta, casei muito nova e me arrependi desde o primeiro dia. Não gosto de falar sobre esse assunto, me aborrece pensar como fui impulsiva na ocasião. Os olhos dele se fixaram nos dela. – Quantos anos você tinha? Ally desviou o olhar, detestava mentir para ele. Parecia pior a cada mentira que dizia. Sentia-se como se estivesse fazendo uma casa de cartas de baralho em torno de si mesma; a qualquer minuto, uma brisa poderia derrubá-la e denunciá-la. – Tinha 18 anos – murmurou. – Seus pais aprovaram o casamento? – Não – disse ela, incapaz de impedir um suspiro. – Nosso… quero dizer, meu pai foi embora quando eu era bebê, e minha mãe morreu pouco antes de eu fazer 15 anos. – Quem a criou depois que sua mãe morreu? Ally achou as perguntas dele extremamente perturbadoras. Falara com tão pouca gente a respeito do passado trágico dela e da irmã. Suas diversas estadas em casas de


pais adotivos tinham detonado a primeira crise psicótica da gêmea. Fora devastador observar o mergulho rápido de Alex na insanidade, o que significara uma mudança depois da outra para casas de pais adotivos, quando cada um deles achava mais difícil lidar com a condição de Alex. Ally fez tudo o que pôde para permanecer junto da irmã, o que dificultava encontrar novos lares. Quando fizeram 16 anos, Ally teve que abandonar a escola para cuidar da irmã em tempo integral e gradualmente conseguiu que ela se normalizasse. Fora uma luta para Ally frequentar a escola à noite para terminar os estudos e fazer uma faculdade, o que Alex jamais conseguira, mas Ally fez o que achava que precisava ser feito para sustentar as duas. Finalmente conseguira um emprego de analista de ações da diretoria local de uma empresa com sede na Europa e conseguira manter bem as duas durante os períodos em que a irmã estava sem trabalho, devido às crises da doença. Alex passara quase três anos muito bem, e por isso, o recente episódio abalara tanto Ally, já que parecera ter ocorrido sem motivo. – Ally? Ela se virou e olhou para ele, subitamente abalada pela maneira preocupada como a olhava, como se ele se importasse realmente com o que lhe acontecera no passado. – Desculpe… o que foi que perguntou? – Perguntei quem cuidou de você depois que sua mãe morreu – disse ele, os olhos escuros momentaneamente perdendo o brilho duro. – A idade de 14 ou 15 anos, particularmente para uma menina, é cedo demais para ficar sem um adulto na vida. Tenho uma sobrinha dessa idade que adora o pai, mas não consigo imaginar o que ela faria se perdesse a mãe. Você não teve nenhum dos dois. Ally sentiu as lágrimas lhe queimando os olhos… lágrimas que se proibira de derramar por mais de uma década. O que havia neste homem que a abalava tanto? Era um playboy, ele mesmo admitira. Passava de um relacionamento para outro como uma criança com um brinquedo que já não lhe agradava mais. – Fui recebida em lares adotivos – disse ela, abaixando os olhos. – Felizmente ainda há boas pessoas que abrem suas casas para crianças em dificuldades. Vittorio se perguntou por que Rocco não lhe contara o passado trágico da amante, ou se ele mesmo nem sabia. Explicava por que ela era tão ansiosa por segurança, depois de sua jovem vida ter sido abalada de forma tão devastadora. Mas uma parte dele imaginava se não era tudo teatro. O que havia de melhor para ganhar simpatia do que


inventar uma história de negligência e pobreza? Poucas pessoas resistiam a uma história triste, ficavam comovidas ao saberem como a vida era difícil para outras pessoas. Mas havia alguma coisa naquela mulher esbelta e jovem diante dele que não combinava. Não sabia o quê, era apenas uma sensação que tinha. Percebia que estava escondendo alguma coisa, observando-o sob os cílios longos dos brilhantes olhos azuis, como se esperando ser apanhada. Por um momento muito breve, vira a umidade de lágrimas antes de ela se virar, e isso o fez imaginar se não havia muito mais em Ally Sharpe do que pensara. Decidira que seria de seu interesse investigar um pouco seu passado. Sabia que havia alguma coisa estranha. – Precisa de ajuda para fazer as malas? – perguntou ele depois de uma pausa curta. Ela lhe lançou outro daqueles olhares cautelosos. – Não… obrigada, não tenho muita coisa. Não levará mais do que alguns minutos. Vittorio esperou por ela na sala de estar, os olhos passando pelos móveis e paredes para tentar encontrar uma pista sobre quem era Alex Sharpe. Mas não havia nada, nem fotos de pessoas queridas, nem objetos pessoais, nenhuma indicação de onde viera ou para onde iria. Sabia que era australiana, embora o sotaque fosse mínimo e a voz culta. Como era típico de Rocco, contara a Vittorio apenas o que queria que ele soubesse sobre seu relacionamento com Alex. Talvez houvesse mais no relacionamento deles que o cunhado não revelara. Tudo o que Rocco lhe dissera era que ela viera de Sidney e passara um ano em Londres trabalhando como vendedora numa loja de uma cadeia de moda, antes de ir para Roma. Além disso, sabia muito pouco. Sabia que o cunhado não se daria ao trabalho de conhecê-la como uma pessoa; tudo o que sentira fora atração por seus atributos físicos, como qualquer homem de sangue quente sentiria. Pelo amor de Deus, ele mesmo estava atraído por ela! Ficar na mesma sala com ela, sentindo sua fragrância feminina, vendo-a abaixar os olhos daquela maneira tímida que aperfeiçoara, como uma arte lhe despertara os sentidos mais do que julgara possível. O sangue lhe fervera nas veias ao ficar tão perto dela apenas alguns momentos atrás. Ficara tentado a estender as mãos e puxá-la para seus braços, saborear a promessa sensual dos lábios vermelhos. Jamais sentira tão intensamente o anseio de tocar uma mulher. Seus relacionamentos sempre tinham sido nos termos dele, e apenas nos termos dele. Começava-os e terminava-os quando considerava conveniente.


A ideia de se envolver com uma das ex-amantes do cunhado era abominável para ele. Sem contar Chiara, o gosto de Rocco por mulheres era pavoroso. E pensar em sua irmã mais nova o deixava ainda mais determinado a fazer o que fosse preciso para evitar o escândalo nos jornais. Chiara jamais vira os defeitos de Rocco. Ela o amava tão desesperadamente que não percebia como era pequeno o amor que ele tinha por ela. Estavam casados havia apenas um ano e, nesse período, Vittorio ficara doente ao descobrir quantas vezes ele a havia traído. Apenas esperava que, com o tempo, Chiara se sentisse forte o bastante para abandonar Rocco e construir uma vida melhor para si mesma. Mas, enquanto isso, não havia apenas a irmã com quem se preocupar, havia também o bebê que ela carregava. Se Alex Sharpe desse uma entrevista negativa à imprensa, como ameaçara, sua irmã ficaria arrasada e possivelmente prejudicaria o nascimento do bebê. Não permitiria que isso acontecesse. ALLY LEVOU duas malas para a pequena sala de estar, e mal tinha dado um passo pela porta quando Vittorio se aproximou e tirou-as das mãos dela. O leve contato dos dedos longos e fortes com os dela fez seu pulso disparar com o inesperado choque de energia sexual entre seu corpo e o dele. Ela puxou a mão depressa, o rubor lhe tomando o rosto enquanto encontrava aquele olhar inexpressivo. – Isso é tudo o que quer levar? Ela acenou, abaixando os olhos rapidamente. – Aluguei o apartamento mobiliado, não tenho mais nada além de roupas. – E as roupas e outros bens modestos de minha irmã na segunda mala, pensou ela, olhandoa, nervosa. Era completamente diferente da sua, preta e conservadora, com uma simples tira verde na alça como identificação. A de Alex era de um amarelo brilhante, coberta com coloridas etiquetas de viagem, mas, se Vittorio Vassallo percebeu a diferença, não demonstrou. – Meu motorista está esperando na rua – informou ele depois de uma pequena pausa. – Normalmente eu mesmo dirijo, mas meu carro está na oficina para ser pintado de novo. Ally seguiu-o para fora do apartamento da irmã com pernas de chumbo, o coração pulando ao pensamento do que concordara em fazer pelo bem de Alex. Quando eram crianças, muitas vezes, trocaram de lugar com muito sucesso. Nem mesmo a mãe delas fora capaz de distingui-las na maioria das vezes. Mas, de alguma forma, isso era


diferente. Parecia diferente. Parecia perigoso… Vittorio trocou algumas palavras em italiano com o motorista quando lhe entregou as duas malas. Ally desejou poder entender o que estava sendo dito, mas, pelo que percebeu na expressão do motorista quando olhou para ela, era evidente que compreendera que não podia discutir com seu chefe sua escolha de companhia, mesmo se quisesse. Claramente, dava valor ao emprego. Depois que Vittorio entrou no carro e se sentou ao lado dela, debruçou-se para fechar o painel que separava o motorista dos passageiros. – Beppe não aprova meu envolvimento com uma divorciada – disse ele. – Como a maioria das pessoas da idade dele e com suas convicções religiosas, é um pouco antiquado quanto a isso. Ally franziu o cenho enquanto tentava se afastar mais daquelas longas e fortes pernas, que pareciam tomar espaço demais. – Você não me parece o tipo de homem que se preocupa com a opinião dos outros – disse ela. – Se fosse, jamais orquestraria essa farsa ridícula. Ele estendeu um dos longos braços nas costas do assento, os dedos tão perto da nuca de Ally que ela sentiu cada cabelo arrepiar, como se antecipasse seu toque. Respirou fundo e passou a língua nos lábios ressecados de pânico. – Decidi que ninguém deve saber que é um fingimento – disse ele, os olhos presos nos dela. – Além de Rocco, é claro. Ally lhe lançou um olhar preocupado. – Não tenho que me encontrar com ele, tenho? Ele lhe lançou um olhar estudado. – Você terá que se encontrar com ele, além de com o resto de minha família, para que nosso caso seja levado a sério. E você tomará muito cuidado para não se trair, correndo atrás dele como uma idiota apaixonada. Ela se virou para ele e cruzou os braços, zangada. – Posso lhe garantir que não farei nada disso. – Não compreendo por que está tão zangada com ele por terminar o caso entre vocês – disse ele. – Você dormiu com ele… o quê… duas ou três vezes? E ele só dormiu com você porque você se atirou nos braços dele. – Isso é mentira! – disse Ally, lembrando-se da confissão chorosa da irmã. – Ele disse que me amava e que deixaria a esposa para ficar comigo.


Os dentes de Vittorio cerraram com força enquanto ele lutava para manter a raiva sob controle. – Você acha que ele deixaria sua bela mulher por uma pequena prostituta barata como você? Ele a usou, como você o usou. Fazer sexo algumas vezes num quarto barato de hotel, recebendo um punhado de joias e algum dinheiro, é assim que acontece com mulheres como você, não é? Ela o olhou com ódio. – Ele lhe disse que me pagou? Vittorio segurou-lhe os escuros olhos azuis. – Não, mas não precisava... porque você pegou o dinheiro por si mesma, não foi? Você se recusou a ir embora, queria mais do que ele estava preparado para dar. Assim, decidiu criar o máximo de problemas para ele, sem se preocupar, nem por um segundo, como seu comportamento atingiria os membros da família dele. Ally não sabia como reagir. Podia imaginar o quanto Alex ficara ferida por ter sido tão cruelmente descartada pelo homem por quem se apaixonara... um homem que evidentemente mentira para ela desde o começo. Sabia que a irmã ficara desolada ao descobrir como tinha sido traída e, embora isso não justificasse seu comportamento com relação ao carro de Vittorio e ao furto do dinheiro, Ally sabia que não era justo que toda a culpa recaísse por sobre os ombros de Alex, enquanto Rocco se escondia atrás das costas poderosas do irmão de sua esposa. – Direi à minha família e à imprensa que me apaixonei por você – continuou Vittorio. – Não quero que ninguém suspeite de qualquer coisa diferente, no caso de minha irmã, de alguma forma, tomar conhecimento do assunto. Já tem muito com que se preocupar, com uma gravidez difícil. Os olhos de Ally se abriram. – A esposa de Rocco está grávida? – perguntou, chocada. Os olhos dele semicerraram quando se encontraram com os dela. – Sim. Ele não lhe contou? Ally comprimiu os lábios, desejando ter feito isso antes de dizer aquelas palavras, que despertaram de novo o brilho de suspeita nos olhos escuros que não lhe abandonavam o rosto. – Eu nem mesmo sabia que ele era casado antes de nós… você sabe… termos um caso. Ele fez um ruído de desdém na garganta. – Sua prostitutazinha mentirosa. – Ele quase cuspia as palavras. – Você sabia


exatamente no que estava se metendo. Veio de Londres atrás dele, passou o último mês perseguindo-o, esperando que ele mudasse de ideia sobre manter você na cama dele. Ally estava começando a juntar algumas peças do quebra-cabeça e não era um quadro particularmente agradável. Pelo que entendia, Alex teve um caso com Rocco em Londres e se apaixonou perdidamente. Então deixou o emprego e fora para Roma na esperança de que ele continuasse a vê-la. Não combinava com o que sabia da irmã, ela ter perseguido um homem cuja esposa esperava um filho. Devia haver mais alguma coisa, alguém estava mentindo e estava decidida a desvendar a história completa antes de revelar a Vittorio quem realmente era. – Não sabia da gravidez da mulher dele – disse ela, confiante de que falava pela irmã. – Ele jamais mencionou isso. Subitamente, ele lhe segurou o queixo com dois dedos fortes, obrigando-a a erguer os olhos para os dele. – Não acredito em você. Meu cunhado me contou como é mentirosa, como pode ser manipuladora quando quer alguma coisa que não pode ter. O olhar de Ally para ele foi puro veneno. – Se puser suas mãos em mim de novo, arranharei seu rosto arrogante até que nem mesmo o canalha do seu cunhado seja capaz de reconhecê-lo. O sorriso dele foi deliberadamente provocador enquanto a libertava. – Você tem muita coragem – observou, pensativo. – Precisa ser domada, é claro, mas tenho duas semanas para fazer isso. Tenho certeza de que comerá na minha mão se lhe der o incentivo certo. Ela o olhou com desprezo. – Você precisaria de mais de duas semanas para me domar, seu bastardo arrogante. Você é exatamente o tipo de homem que abomino. Vê as mulheres como objetos para atenderem a todas as suas necessidades. Você as atrai e depois as descarta como se elas nada significassem para você. Você me enoja, minha pele arrepia ao pensamento de você me tocar. – E, no entanto, você desfrutou das atenções do meu cunhado, um homem que pertence a outra mulher? Ally podia perceber a repulsa na voz dele e virou a cabeça para a janela, para não lhe ver o rosto. Ter um caso com um homem casado era um erro que qualquer mulher podia cometer se o homem não revelasse seu estado civil no começo. Mas e se sua irmã tivesse tomado conhecimento da gravidez da mulher de Rocco?


Preocupava-se ao pensar que Alex poderia estar instável o bastante para continuar o caso mesmo assim. Não tomava o medicamento havia semanas, talvez mais tempo. Isso, por si só, era uma receita para o desastre. Testemunhara as mudanças rápidas de humor da irmã antes. A vida era como uma montanha-russa quando Alex não estava medicada adequadamente. Era uma balança tão delicada conseguir os níveis corretos do medicamento, ter a certeza de que a irmã estava tomando os medicamentos como indicado e evitando todos os fatos que pudessem dar origem a uma crise. – Mas você não é mais a amante do meu cunhado – disse ele. – Para todos os efeitos, você agora é minha. Cada passo que der a partir deste momento, será documentado pela imprensa. Se der um só passo em falso, a cela de prisão de que lhe falei se tornará uma realidade fria e dura. Não pense que não farei isso, porque posso e farei se achar necessário. Secretamente, Ally admirou sua lealdade para com o cunhado e a irmã grávida. Lembrou-a de sua própria devoção a Alex. Quase desejou poder contar a ele, mas as circunstâncias atuais a impediam. Embora ele fosse, sem dúvida, um playboy, parecia ter muito mais princípios do que o cunhado covarde. O carro parou numa rua arborizada, perto da Villa Borghese. O motorista já saíra do carro e estava tirando as malas antes que Ally conseguisse esticar as pernas trêmulas para sair do veículo. Olhou para cima, para o prédio impressionante. Era um palazzo do século XVII, com diversos terraços banhados pelo sol e do qual se descortinavam quase todas as vistas da cidade e do oásis verde, onde ficavam muitas das atrações turísticas sobre as quais lera em seu guia de viagem. O ar quente estava carregado do perfume de madressilva e jasmim enquanto ela subia a escadaria com a mão de Vittorio em seu cotovelo, o toque de sua carne na dela enviando-lhe pequenos choques elétricos pelo braço. – Limpei minha agenda para os próximos dias – disse ele quando entraram no prédio. – Passaremos todo o tempo possível juntos, para enviar uma mensagem bem clara à imprensa, de que entenderam errado quando publicaram que você era amante de Rocco. Isso acontece de vez em quando, já que somos parecidos e temos a mesma idade. Quase poderiam nos considerar gêmeos. Ally tropeçou nos degraus do palazzo quando ele mencionou a palavra. Olhou para ele, para ver se percebera alguma coisa estranha, mas Vittorio já estava falando com alguém que parecia ser a governanta-chefe. Ela não conseguia entender o italiano rápido, mas pegou uma ou duas palavras que


pareciam sugerir que a equipe doméstica de Vittorio não estava acostumada a servir a suas diversas amantes. Os olhares que recebia pareceram confirmar isso. Aparentemente, era de uma classe diferente por ter a permissão de morar em seus domínios privados. Não soube como entender aquilo, embora fizesse sentido, se queria que todos presumissem que era sua atual amante. Mudar-se para seu palazzo era certamente uma confirmação para a imprensa de que estava sendo tratada de modo diferente de qualquer outra mulher com quem se envolvera antes. – Você ficará na suíte ao lado da minha – disse Vittorio. – Há uma porta de ligação entre os dois quartos de dormir, mas pode trancar seu lado se sentir necessidade. Ally não conseguiu evitar um trejeito de desdém. – Você certamente não acha que ficaria tentada a me arrastar para sua cama, acha? Os olhos dele estavam cheios de desprezo arrogante. – Você seria expulsa se fizesse isso – disse em tom áspero e baixo. – Não tenho interesse nenhum em qualquer tipo de relacionamento com você. É exatamente o tipo de mulher que faço de tudo para evitar. É pegajosa e dependente, disposta a encontrar para si mesma um idiota benevolente que atenda a todos os seus caprichos. Ally tinha certeza de que ele pretendia lhe fazer mais insultos, mas a chegada de outro membro da equipe pôs um fim à conversa. Uma reservada jovem carregando um vaso de rosas de verão sorriu timidamente e, em inglês hesitante, perguntou se Ally gostaria de ser levada para seus aposentos. – Eu adoraria, obrigada – disse Ally, sem se preocupar em conseguir a aprovação de Vittorio. Estava exausta e não podia pensar em nada melhor do que alguns minutos sozinha, para se situar melhor. A suíte, para onde a moça chamada Ghita a levou, era luxuosa além de qualquer coisa que Ally já experimentara. O piso era de mármore italiano polido, coberto aqui e ali com tapetes grossos, e as janelas, do piso ao teto, tinham cortinas de seda e se debruçavam sobre enormes jardins cobertos de flores coloridas, como o fragrante ramalhete que a jovem acabara de colocar sobre a mesinha de cabeceira. – Gostaria que lhe servisse uma bebida gelada? – perguntou Ghita. – Está muito quente hoje, sì? Ally sorriu, relaxando na mesma hora na atmosfera criada pela atitude amistosa da jovem. – Sim, está, e ainda não estou acostumada. Acho que levarei alguns dias para me adaptar. Era inverno quando saí de casa.


Foi apenas quando Ghita lhe lançou um olhar confuso que Ally percebeu seu pequeno escorregão. – Eu… eu q… quero dizer, era muito mais frio em Londres do que aqui – consertou depressa. – Sì – disse Ghita, sorrindo de novo. – Nunca fui à Inglaterra, mas soube que lá chove muito, sim? – Sim – disse Ally, suspirando aliviada. – Chove. – O signor Vassallo é muito gentil, não é? Acho muito engraçado o modo como os paparazzi entenderam tudo errado... você sabe, sobre você ser a amante do signor Rocco. – Sim… sim, foi muito… engraçado… – disse Ally, a voz fraca, procurando sem sucesso sua bolsa. Teria deixado-a no carro ou estava com o resto de suas coisas? Colocara-a no chão do carro, a seus pés. Sua mente estava tão desfocada e sua cabeça latejando tanto que não conseguia se lembrar se a levara para cima ou não. Pensou no dinheiro guardado nela e mais uma vez desejou poder perguntar a Alex o que fazia com ele. Teria furtadoo de Rocco Montano, como Vittorio dissera? Sua irmã podia ser um pouco imprevisível de vez em quando, mas Ally tinha certeza de que Alex jamais pegaria nada que não fosse dela. – Ghita, acha que pode me trazer minha bolsa? Não sei se a deixei no carro ou sobre uma das mesas no foyer. Estou no começo de uma dor de cabeça e tenho alguns analgésicos que podem impedir que aumente se os tomar a tempo. – Sì – disse Ghita. – Vou buscá-la imediatamente. Poucos minutos depois, a moça voltou com a bolsa de Ally e a entregou. – De qualquer maneira, a imprensa é stupida – continuou Ghita enquanto servia um copo de água gelada de uma jarra que estava sobre uma mesa lateral. – Não sabe nada sobre coisa nenhuma. Todos sabem que eles inventam coisas para vender jornais e revistas. – Ah, é mesmo? – perguntou Ally, distraída, enquanto pegava o copo que Ghita lhe estendia e engolia duas pílulas que tirara da bolsa. – Por que você estragaria o carro do signor Vassallo se fosse a amante de Rocco? Não faz sentido. Acho que foi uma briguinha de namorados, não? Você estava zangada com o signor Vittorio por não reconhecê-la publicamente. E daí se você foi casada antes? Estamos no século XXI, sì? Mas agora ele a apresentou publicamente, e tudo está bem, não está? Você está aqui, no palazzo dele. Nenhuma outra mulher jamais teve


esse privilégio. Será divertido, como uma celebrazione, no? Ally jamais se sentira com menos vontade de celebrar em sua vida, mas mesmo assim, sorriu para a jovem animada. – Sim – disse ela, apesar dos nós em sua garganta. – Tenho certeza de que será muito divertido.


CAPÍTULO QUATRO

ALLY DEIXOU escapar um suspiro de alívio e cansaço quando a criada saiu. Deixou-se cair num dos sofás macios e cheios de almofadas e, recostando a cabeça, fechou os olhos, tentando deixar que os comprimidos fizessem seu trabalho e amenizassem a tensão que lhe apertava a testa. Nunca estivera numa posição tão constrangedora. Sentia-se como se estivesse traindo todos os princípios aos quais se agarrara por toda a vida. Honestidade e franqueza tinham sido substituídas por subterfúgio e mentira. Por quanto tempo conseguiria manter esta perigosa farsa? E se encontrasse o amante da irmã cara a cara? Seria ele capaz de distinguir a diferença entre ela e Alex? Afinal, tinha sido o amante da irmã. A intimidade física que haviam partilhado, mesmo em poucas ocasiões, certamente lhe daria um conhecimento que Vittorio não tinha, já que vira Alex apenas uma vez. Mesmo pensar em Vittorio Vassallo lhe abalava os nervos. Ele dormiria do outro lado daquela porta... a porta que ela ainda não trancara. E se ele decidisse entrar e reclamá-la como sua amante? Achava que era capaz de fazer uma coisa assim. Vira a atração, embora relutante, naqueles olhos negros como a noite, cada vez que se encontravam com os dela. Estava lutando contra aquela atração tanto quanto ela, por motivos completamente diferentes. Ele acharia que tomar uma ex-amante do cunhado o diminuiria, mas ela tinha muito mais a perder... sua virgindade, para começar. Embora tivesse 25 anos, jamais tivera um amante. Tivera muitas oportunidades, mas sua reserva natural a tornara cautelosa com os homens. E sua responsabilidade pela irmã gêmea lhe tornara impossível ter uma vida pessoal. Só no último ano tivera um alívio da carga e, mesmo assim, tudo explodira de novo. Fechou as mãos em punhos, determinada. Tinha que ajudar Alex a sair dessa crise. Se precisasse, usaria toda a sua coragem, todo o seu ser para ver a irmã superar a crise e recuperar a saúde e, se isso acontecesse, qualquer sacrifício valeria a pena. Houve uma batida na porta e, esperando que fosse a alegre Ghita, com outra jarra de água para substituir a que havia quase esvaziado, Ally se levantou para responder. A figura alta de Vittorio inclinou-se quando ele entrou no quarto, os olhos se


dirigindo imediatamente para a porta que separava seu quarto do dela. – Percebo que não trancou a porta – comentou, voltando-se para olhar para ela. – Qual é o significado disso? Você confia em mim para cumprir o meu lado do acordo ou tem esperanças de que eu mude de ideia e me sinta tentado a prová-la, como Rocco fez? – Não dormiria com você nem se me pagasse o resgate de um rei – afirmou ela, furiosa. – Você dormiu com meu cunhado pelo que pôde tirar dele. Se o que quer é dinheiro e notoriedade, então posso lhe dar muito mais dos dois do que Rocco jamais foi capaz. A boca de Ally endureceu enquanto lhe devolvia o olhar desafiador. – Eu lhe disse por que dormi com ele e não teve relação nenhuma com dinheiro. – Ah, sim. – O sorriso desdenhoso estava de volta. – Você se apaixonou por ele. Ou talvez pelo tamanho de sua carteira, não? Tenho certeza de que se certificou de que estava cheia antes de você... – ele fez com os dedos no ar os sinais de aspas – “perder seu coração” para ele. Ela franziu o cenho. – Não acha possível alguém se apaixonar sem saber nada sobre a outra pessoa? E a química instantânea? Ou uma ligação em algum outro nível, como o intelectual ou espiritual? Os olhos dele brilharam. – Você é tão convincente quanto Rocco disse que era. Ele me contou que você tem maneiras e modos que fariam qualquer homem enlouquecer de desejo por você. Ela ergueu o queixo, os olhos azuis brilhantes desafiando-o. – Mas não você, sr. Vittorio-Nunca-Comete-um-Erro-de-Avaliação-Vassallo, certo? O olhar dele se aprofundou ao encontrar o dela. – Quanto você quer para transformar isso num caso real? Olhou-o como se ele tivesse acabado de lhe pedir que consertasse a torre de Pisa com a ponta de um dedo. – O que foi que disse? – A voz dela saiu como um grasnado. Ele se aproximou dela, uma das mãos passando pela seda de seu cabelo prateado, enrolando uma das mechas nos dedos, puxando-a em direção a ele. – Quanto quer para ser minha amante? – perguntou de novo, desta vez, a voz suave, sedutora, quente. Os olhos de Ally se abriram de medo e atração. Mal podia compreender o que ele dissera. Parte dela queria lhe tirar aquela expressão arrogante e confiante do belo rosto com uma bofetada; a outra... a que ela


nem mesmo reconhecia como fazendo parte de si mesma... queria enlaçar-lhe o pescoço com os braços e puxar aquela boca sensual para a dela. Podia sentir a atração sedutora daquele olhar escuro que lutava com o dela e ver o fogo das pupilas, mostrando o desejo que ele não mais se importava em esconder. O pensamento de Vittorio possuindo-a fez suas pernas enfraquecerem. Podia sentir seu corpo pulsar com uma dor pelo preenchimento que sabia, instintivamente, que ele seria mais do que capaz de satisfazer. Sentia-o no toque dele, aspirava-o no cheiro masculino. O poder e a potência dele faziam todo o seu corpo ficar vivo, fervendo. – Sou um homem muito rico, Ally – disse ele no silêncio eroticamente carregado. – O que você quer? Brilhantes, um apartamento? Férias com tudo pago em algum lugar exótico? Ally umedeceu os lábios, perguntando-se o que ele diria se ela confessasse o que realmente queria. Queria principalmente que sua irmã ficasse boa… e faria qualquer coisa, daria qualquer coisa para que isso acontecesse. Mas para ela mesma era simples. Queria o que a maioria das mulheres queria: ser amada, ser arrebatada e adorada por um homem que seria fiel a ela, que a apoiaria em todos os momentos bons ou difíceis da vida. E queria filhos, para experimentar a estabilidade de ter uma família amorosa e compensar tudo o que ela e Alex não tiveram no passado. – Quero segurança – disse ela finalmente, tomando o caminho do meio. – É como as mulheres são feitas, está no nosso código genético. Escolhemos parceiros com base na capacidade deles de prover. Não há nada de sinistro ou avarento nisso, é apenas como as coisas são. A boca de Vittorio se abriu num sorriso enquanto ele lentamente desenrolava a mecha de cabelo dos dedos. – Então está transformando a sedução numa ciência, não? Ally franziu os lábios, tentando não reagir estremecendo à medida que cada fio de cabelo em sua cabeça reagia ao toque dele. – Não estou tentando seduzi-lo, Vittorio, estou tentando ser sensata sobre esta… esta situação incomum em que estamos. Os olhos negros penetraram os dela. – É, como você diz, incomum... mas isso não significa que não possa ser mutuamente satisfatória – disse ele. – Você, aparentemente, cometeu o erro de se apaixonar por um homem casado. Acredito que muitas mulheres cometeram o mesmo erro muitas vezes e,


sem dúvida, muitas outras continuarão a fazer a mesma coisa no futuro. Mas não sou casado e agora você está livre, assim, por que não explorar as possibilidades? – O… o que quer dizer com p... possibilidades? – gaguejou ela quando ele lhe segurou a nuca com a palma quente da mão. O olhar de Vittorio desceu para a boca de Ally. – Preciso soletrar para você, Ally? Ally engoliu com força quando o olhar dele se prendeu ao dela. – Não estou pronta para… para qualquer… ligação… – disse ela. – Não me diga que ainda tem esperanças com Rocco? – perguntou ele, e seu dedo indicador começou uma lenta carícia no rosto de Ally, desde a ponta da orelha até o canto da boca. Ally arrepiou-se quando ele parou bem junto ao lábio trêmulo. – N… não, isso não tem nada a ver com Rocco – disse ela. – Não me importo nem um pouco com ele. Ele ergueu uma das sobrancelhas, os olhos escuros ainda observando-a intensamente. – Nem um pouco, é? Ela negou com um leve movimento de cabeça. – Não… ele não significa nada para mim… agora. Ele lhe estudou as feições por um momento. – Vou deixá-la se preparar para nossa primeira saída esta noite. Já telefonei para minha irmã mais velha, Justina, e para o marido dela e lhes contei sobre nosso caso. Eles a aceitarão como meu atual interesse amoroso, não precisa se sentir desconfortável com eles se os encontrar nos próximos dias. Eles acreditam, como eu esperava, que a imprensa cometeu um erro estúpido. – E Rocco? Contou a ele também sobre nós? – Sim, mas ele não gostou da minha solução para o problema – disse ele, os olhos escuros e misteriosos mergulhados nos dela. – Achei estranho, já que ele me implorou para fazer alguma coisa para impedi-la de continuar a persegui-lo. Ally umedeceu os lábios com a ponta da língua. – Talvez seu cunhado não tenha lhe contado tudo o que aconteceu entre nós. Já pensou nessa possibilidade? – Estou estudando a situação sob todos os ângulos, por assim dizer, no caso de um de vocês, ou vocês dois, não ter sido franco e honesto comigo. – O olhar se tornou ainda mais penetrante. – Mas acho que já sei quem está mentindo. É óbvio, não é? Ally sentiu seus nervos se esticarem diante daquela tática de gato e rato que ele


adotava. – Não serei objeto de manipulação por você como fui por seu cunhado covarde – disse ela, tensa. – Não sou uma prostituta barata que pode ser comprada e jogada fora quando terminar comigo. Estou lhe dizendo agora que, se realmente estivesse envolvida com você, não me afastaria sem lutar. Ele se aproximou dela de novo e, antes que Ally pudesse reagir, ergueu-lhe o queixo com dedos firmes, os olhos desafiando-a. – Então você encontrou um adversário à altura, Ally Sharpe – disse ele, o olhar queimando-a. – Por que não há nada de que goste mais do que uma boa luta, e sinto, no sangue, que essa vai terminar com você na minha cama. Ally se libertou de seu toque e o olhou furiosa. – Saia! – gritou. – Saia daqui, seu fil... Ele lhe cobriu a boca com a mão, cortando a palavra. – Não grite comigo, cara – disse ele, num tom muito calmo. – Os empregados vão pensar que não estamos tão apaixonados como alegamos estar. Ally tentou dizer odeio você contra a pressão firme da mão dele, mas o som saiu abafado. Então ela lhe mordeu o polegar, com força bastante para romper a pele. Vittorio afastou-a com uma praga murmurada, a boca cobrindo o lugar onde ela o mordera. Houve alguma coisa estranhamente íntima no gesto; sua boca estava agora em contato com o lugar exato onde a dela estivera. Ela recuou um passo, chocada com o próprio comportamento, envergonhada pela forma como estava reagindo a ele. – D… desculpe – disse ela, o rubor lhe cobrindo o rosto. – Você está… está bem? Vittorio envolveu o polegar num lenço antes de lhe encontrar o olhar ansioso. – Não foi nada… apenas um arranhão. Ela deu um passo à frente e lhe pegou a mão, desenrolando cuidadosamente o lenço e olhando para a marca de seus dentes na pele dele. Olhou para ele, a mão ainda segurando a dele. – Por favor, me perdoe, não acredito que fiz isso. Normalmente não sou o tipo de pessoa que perde o controle assim. Os olhos escuros pareceram particularmente atentos enquanto seguravam os dela. – Não de acordo com meu cunhado. E não se esqueça de que tenho fotos suas agindo de forma descontrolada. Ally mordeu o lábio inferior enquanto lhe soltava a mão. – Não sou eu mesma no momento – disse ela, com ironia não intencional. – Tive


alguns problemas ultimamente… – Que tipo de problemas? – Problemas emocionais – disse ela, abaixando os olhos. – Ficarei bem, finalmente aceitei que Rocco não está disponível. Fui ingênua ao me envolver com ele. Devia ter percebido os sinais. Sou incapaz de compreender as pessoas... particularmente homens casados que gostam de flertar. Devia tê-lo deixado em paz, mas fiquei um pouco obcecada. Sinto-me constrangida ao pensar nisso agora. Não sou assim, fui muito imatura. – Não tem mais importância – disse ele. – Resolvemos a situação com bastante inteligência, não acha? Em duas semanas, tudo terminará. Você poderá voltar para Londres ou para a Austrália e continuar com sua vida. – Sim… – disse Ally. Lembrou, com saudades, de sua vida ordenada e calma em Sidney. Não queria pensar como era enfadonha e vazia em comparação ao que estava vivendo agora. As últimas horas pareciam uma perigosa montanha-russa de emoções... emoções que jamais se imaginara capaz de sentir. Vittorio se encaminhou para a porta. – Eu a verei às 19h. Mandarei Ghita lhe mostrar o caminho. Ally observou a porta se fechar depois que ele saiu. Sentiu-se como se estivesse presa numa rede de mentiras, cada uma delas lhe rondando a cabeça, como um machado prestes a atingi-la. Estremeceu e virou-se… apenas para ver a porta que ligava o quarto de Vittorio ao dela. Respirou fundo e caminhou pelo tapete macio. Ergueu a mão para girar a chave, mas antes que tivesse colocado a mão nela, ouviu o som da porta sendo trancada do outro lado. Deixou a mão cair, a respiração curta e irregular enquanto pensava sobre o que havia levado Vittorio a trancar a porta. Seria porque não confiava nela? Ou, mais alarmante, porque não confiava em si mesmo? ALLY LEVOU o celular para o banheiro e ligou para a clínica onde a irmã estava internada. Mas um dos funcionários lhe disse que Alex estava num momento muito ruim e tivera que ser sedada de novo. – Lamento lhe informar que ela começou a se machucar – informou a enfermeira psiquiátrica gravemente. – De alguma forma, encontrou um objeto afiado. O médico mudou a dosagem do medicamento, assim ela deve se sentir melhor dentro de um ou dois dias. Direi a ela que você telefonou.


Ally sentiu um aperto de angústia no coração. – Acha que devo ir imediatamente para a clínica, assim que conseguir uma passagem de trem ou de avião? – Não, é melhor ela ficar sozinha conosco, podemos lidar com a situação. Algumas vezes, visitas de familiares podem tornar as coisas mais difíceis nos primeiros estágios da reabilitação. Temos uma terapeuta maravilhosa que foi designada para cuidar de Alex. Ela acredita que conseguirá restaurar plenamente a saúde de sua irmã. Tente não se preocupar… Ela está em boas mãos. Temos apenas que ter paciência até ela se estabilizar. Apesar das garantias da enfermeira, Ally ficou muito ansiosa ao desligar o celular. Mas tinha outras coisas com que se preocupar também. Em menos de duas horas, precisava enfrentar a imprensa em seu papel de amante de Vittorio Vassallo. Como manteria a compostura se ele decidisse beijá-la, como tinha certeza de que ele pretendera antes? Seus lábios ainda estavam ardendo com aquele toque leve como uma pluma que chegara tão perto de sua boca. Não estava acostumada com homens como Vittorio Vassallo. Era poderoso demais, arrogantemente masculino demais, perturbadoramente atraente demais e inteligente demais para ser enganado por alguém tão inadequada como ela. Estava vivendo no fio da navalha. Cada momento era cheio de possibilidades de ser desmascarada. Tinha que ser o mais cuidadosa possível a partir de agora. A última coisa de que precisava era se apaixonar por Vittorio Vassallo. Ele não apenas estava em uma dimensão muito diferente da dela, mas também, desde o primeiro minuto em que se encontraram, ela nada mais fizera além de mentir para ele. Depois de alguns minutos de descanso, Ally tomou um banho frio de chuveiro. Quando saiu do banheiro, descobriu que Ghita desfizera sua mala e agora estava tentando destrancar a mala de Alex, felizmente sem sucesso. – Está tudo bem – disse Ally, segurando a toalha em torno do corpo –, não preciso desfazer esta mala. A jovem camareira olhou-a com surpresa. – Mas o signor Vassallo me mandou desfazer todas as suas malas. Tenho que fazer o que ele mandou ou perderei meu emprego. Ally pegou a mala e, abrindo a porta do closet, jogou-a para dentro e fechou a porta de novo. – Pronto – disse ela, voltando-se para sorrir para a jovem. – Agora ele jamais saberá, será nosso pequeno segredo.


Ghita ainda parecia preocupada. – Você não tem muita coisa – disse ela. – Passei suas roupas enquanto você estava no banheiro e não levou muito tempo. Você tem apenas um vestido de noite nesta mala. Precisará de outros se vai viver com o signor Vassallo. Ally desenrolou a toalha que lhe prendia o cabelo, mantendo o olhar distante dos olhos curiosos de Ghita. – Acho que não ficarei aqui tanto tempo assim. Tenho certeza de que você viu muitas das amigas dele chegarem e partirem. Estou surpresa por ele não ter posto uma porta giratória neste quarto. Ghita riu. – Ele é… não sei como dizer… alesato facilmente. Ally se virou, olhando-a sem saber o significado do que ela dizia. – Lamento, não compreendo. As sobrancelhas de Ghita cerraram enquanto ela procurava uma palavra alternativa. – Ele é agitato. – Agitado? Inquieto? A jovem sorriu. – É isso! Inquieto e fica enfadado facilmente. Você está me ajudando muito. Não estudei tanto como devia, deixei a escola cedo demais... mas precisei, quando minha mãe ficou doente. Ela está melhor agora, mas eu não quis voltar para a escola. – Você fala muito bem. – Grazie, signora Sharpe – disse Ghita, ruborizando. – Por favor, me chame de Ally – insistiu. – Detesto ser chamada pelo meu nome de casada. – Qual é seu nome de solteira? – Benton. – É um belo nome. – Obrigada… quero dizer, grazie, Ghita. Ghita sorriu. – Você vai falar italiano como uma nativa bem depressa. – Não acho que vou ficar aqui tempo suficiente para aprender mais do que uma ou duas frases – disse Ally, enquanto escolhia a lingerie onde Ghita a havia arrumado cuidadosamente no closet. – É verdade que o signor Vassallo não fica muito tempo com ninguém, mas você é a primeira que ele traz para o palazzo – disse Ghita. – Minha mãe diz que ele está


procurando a mulher perfeita... mas quem é perfeito? Não há ninguém assim. Mulheres são humanas, sì? – Sim, muito humanas – concordou Ally. – Precisa de ajuda para se vestir? – perguntou Ghita. – Não, obrigada, Ghita, posso fazer isso sozinha. Como você disse, só tenho um vestido e não preciso de muito tempo para secar o cabelo e fazer a maquiagem. – Tenho certeza de que o signor Vassallo lhe comprará muitas coisas lindas enquanto estiver com ele. É muito generoso com suas amantes. – Ghita sorriu, com um ar sonhador. – Tenho certeza de que ele é magnífico no quarto, não? – Eu realmente não sei… – começou Ally, constrangida. Percebendo que havia sido indiscreta, Ghita voltou ao trabalho. Ally se sentiu aliviada quando a camareira saiu, e ela pôde se vestir em paz. Não queria ouvir falar das antigas amantes de Vittorio ou de suas proezas na cama. Não queria nem pensar nele com outra mulher. De fato, não queria pensar nele de modo algum… mas isso seria impossível com os planos que poderia ter para ela nas duas semanas seguintes, vivendo com ele no palazzo, sob os olhos observadores da imprensa. Como suportaria aquilo? VITTORIO ESTAVA em pé, no terraço que dava para o oeste, quando Ghita levou Ally para a sala. Ele se virou e sentiu uma onda de choque de desejo puro pulsar em seu corpo ao vê-la ali, em pé, tão elegante e alta nos saltos altos, o corpo esguio coberto por um vestido de noite de cetim azul-claro que aderia suavemente a cada curva deliciosa de seu corpo. O rosto estava delicadamente maquiado, nem demais nem de menos, apenas o suficiente para destacar o azul incomum de seus olhos e a perfeição cremosa de sua pele. Sua aparência confirmou tudo o que descobrira com alguns telefonemas poucos minutos antes. Queria ficar irritado com ela, mas, ao contrário, sentiu como se ela tivesse derrubado algumas das barreiras de gelo com que cercara seu coração de uma forma que jamais imaginara possível. Talvez fosse mesquinho da parte dele permitir que ela continuasse a farsa por mais algum tempo, mas considerava a situação tão deliciosamente encantadora, agora que encontrara todas as peças do quebra-cabeça e o montara. Era tão ingenuamente charmosa, tão dedicada a manter a fachada que não fazia ideia de quantas pistas dava sem perceber. Deixar a bolsa no carro fora uma delas. O que descobrira dentro dela confirmara suas suspeitas. Mas queria saber um pouco mais antes de desmascará-la.


– Tesore mio – disse ele, aproximando-se e enlaçando o braço dela no dele. – Você está maravilhosa. Quase desejaria não ter que sair com você para jantar. Preferiria passar a noite sozinho com você aqui. Sei que descobriríamos muita coisa a fazer para nos divertir, sì? Ally sentiu o rosto ruborizar quando os dedos dele lhe acariciaram a pele nua do braço, num movimento sensual que atingiu todas as suas terminações nervosas. Queria se afastar dele, mas, com a jovem criada olhando com sorridente aprovação, sabia que estava presa na armadilha. – Fiz reservas num dos meus restaurantes favoritos – disse ele, enquanto a levava para o carro, onde o motorista já mantinha a porta aberta para eles. – É numa rua perto de um dos pontos turísticos mais famosos de Roma... a Fonte de Trevi. Já jogou uma moeda dentro dela? – Não, ainda não – disse Ally, a carne formigando onde ele a tocava no braço. – Mas conheço a lenda. Se der as costas à fonte e atirar nela uma moeda sobre o ombro, significa que algum dia voltará a Roma. – Ah, sim, mas há três partes na lenda, a segunda e a terceira não são muito conhecidas – disse ele, enquanto a ajudava a entrar no carro. – Quais são? – perguntou ela. Os dedos dele roçaram os dela quando ele puxou o cinto de segurança e o entregava a ela. Os olhos dele eram inescrutáveis enquanto prendiam os dela. – Uma moeda significa, como você disse, uma volta a Roma. No entanto, duas significam que você se apaixonará por um italiano e três, que você se casará com um. Ally estudou-lhe o rosto. Alguma coisa no tom de voz deixou-a preocupada. Havia um brilho malicioso em seu olhar, como se estivesse brincando com ela, como se fosse um predador que escolhera a presa e aguardava o momento do ataque final e fatal. Ally virou a cabeça e olhou fixamente pela janela, enquanto o sol poente lançava seus raios dourados sobre a verde expansão da Villa Borghese enquanto passavam. – Não posso pensar em nada pior do que me casar com um italiano – disse ela. – Pelo que vejo, não são confiáveis. – Estava pensando a mesma coisa sobre as australianas – retrucou ele suavemente. Ela se virou para olhar para ele, o coração descompassado. – O… o que o faz dizer isso? – Precisa parar de me olhar assim, Ally – disse ele. – Supostamente, estamos loucamente apaixonados, lembra-se? Não posso deixar que continue a me olhar com raiva o tempo todo ou nossa pequena farsa será desmascarada.


– Acho que devo adverti-lo aqui e agora que não sou uma atriz muito boa – disse ela num tom petulante. – Fui retirada da peça da escola quando tinha 10 anos por não ser convincente como abelha. O sorriso revelou dentes muito brancos e fez o coração de Ally dar outra volta na montanha-russa. – Acho que você se sairá muito bem – disse ele. – Certamente lhe deram o papel errado na ocasião, mas esse é perfeito para você. Foi feita para ele, sì? Ally não respondeu. Virou-se para olhar a paisagem que passava, com o pânico lhe tomando a mente. Teria ele, de alguma forma, adivinhado que não era quem dissera que era? Mas, se adivinhara, por que não dizia? Por que prolongaria sua agonia? Por que não punha as cartas na mesa, para que ambos soubessem onde estavam? Que motivo teria para permitir que ela continuasse o que só podia ser descrito como uma mentira? O motorista os deixou numa rua estreita, com calçada de pedras redondas, bem perto da Fonte de Trevi e, momentos depois, foram cercados por jornalistas e uma multidão de turistas, como se tivessem automaticamente sentido que alguém importante havia chegado. O flash de câmeras brilhou, e o burburinho em italiano feriu os ouvidos de Ally, à medida que os paparazzi procuravam o melhor ângulo para as fotos. Ally tentou parecer acostumada com tanta atenção, mas a pressão de corpos quentes deixou-a nervosa. Para evitá-los, recostou-se na estrutura sólida do corpo de Vittorio, como uma proteção. Sentiu o calor de sua palma na cintura, fazendo seus nervos reagirem e suas pernas parecerem algodão. Ela ouviu as perguntas feitas ao mesmo tempo, mas, embora reconhecesse algumas palavras, na verdade, não fazia ideia do que estava sendo dito... até que uma jornalista com um sotaque escocês se dirigiu a Vittorio em inglês. – Sr. Vassallo, há rumores de que está protegendo seu cunhado, fingindo que você é que está envolvido com ela. Tem algum comentário a fazer sobre isso? Ally sentiu o braço de Vittorio em torno de sua cintura apertá-la ligeiramente. – Sim, tenho – disse ele, com um sorriso cordial. – Seu pessoal definitivamente entendeu tudo errado. Isso não é uma cobertura, e Ally Sharpe não é apenas minha amante atual, mas minha noiva. Ela já se mudou para meu palazzo, e planejamos nos casar dentro de poucas semanas.


CAPÍTULO CINCO

EMBORA FOSSE um alívio ser

finalmente levada para dentro do restaurante alguns momentos depois, com a entrada da imprensa barrada pelo proprietário, os batimentos cardíacos de Ally ainda estavam acelerados com a resposta de Vittorio à pergunta da jornalista. – Tenho uma mesa especial preparada para vocês nos fundos – disse o proprietário a Vittorio. – Não serão perturbados, cuidarei disso pessoalmente. Ele cumpriu a palavra, apesar de a parte principal do restaurante logo ficar completamente lotada. Além do garçom que cuidava da mesa deles, não viram mais ninguém, enquanto pão fresco e azeite de oliva eram levados para a mesa, juntamente com o cardápio e a lista de vinhos. – Como você se sente com a perspectiva de ter sua foto publicada em todos os jornais e revistas de fofocas de amanhã, em toda a Europa? – perguntou Vittorio depois de o vinho ter sido escolhido e servido. Ally comprimiu os lábios, os dedos brincando com a borda da taça de uma forma distraída. – Não gosto da ideia, mas suponho que, se atingir o objetivo, vale a pena. Não acha que seu comentário sobre o noivado foi um pouco exagerado? – Pensei que seu objetivo fosse conseguir um marido rico – disse ele, pegando a taça e tomando um gole, todo o tempo mantendo o olhar dela preso ao magnetismo do dele. Ally franziu o cenho de leve. – Você não quis dizer… quis? Isto é, você não levaria as coisas tão longe… levaria? Ele sorriu de uma forma inescrutável. – Não me acha uma perspectiva atraente como marido? Ela passou a ponta da língua sobre os lábios num gesto inquieto. – Não é isso… apenas, você pode se casar com quem quiser. Por que se ligar a alguém como eu, com meu… passado? Não está levando longe demais sua responsabilidade familiar? Certamente seu cunhado, e até mesmo sua irmã, não esperam isso de você. – Não tenho o hábito de pedir a aprovação do meu cunhado para minhas ações –


disse ele. – Estou gostando demais da sua companhia, apesar do que ele disse sobre você. Acho que, na verdade, podemos nos dar muito bem. Além disso… – Seu olhar escuro passou por ela como uma chama enquanto ele acrescentava sedutoramente. – Odiaria pensar que toda essa química sexual que pulsa entre nós será desperdiçada. Ally olhou para ele, alarmada. – V… você está brincando comigo. Tem que estar, certamente não… quer levar as coisas tão longe! A expressão dele continuou frustrantemente ilegível. – Sabe, você é realmente uma mulher muito fascinante – disse ele. – Pensei que sua única intenção era encontrar um “paizinho”. O pensamento de se casar com um bilionário não a atrai mais? – Não gosto do pensamento de me casar com ninguém que não me ame – disse ela, mordendo o lábio enquanto tentava entender o que acabara de acontecer. O que ele estava fazendo, pelo amor de Deus? Testando-a, para descobrir se ela morderia a isca que sua irmã talvez tivesse mordido se estivesse em seu lugar? – Foi esse seu erro da primeira vez? – perguntou ele, rompendo o silêncio. – Eu… – Ela desviou o olhar daqueles olhos tão penetrantes. – Sou uma pessoa completamente diferente agora. O que queria antes não é o que quero agora. – Outra coisa que observei sobre você e que desmente o que Rocco me contou é que você não gosta de ser o centro das atenções – disse ele. – De vez em quando, sinto como se ele tivesse compreendido você de forma totalmente errada. Descreveu-a como uma mulher extrovertida, viva, que gosta de flertar, a alma da festa. Mas você não é assim. Odeia multidões, vi como reagiu agora há pouco. Pude sentir a tensão em seu corpo. Mal podia esperar para se afastar. Como Rocco pode ter se enganado tanto sobre você? Ally ergueu os olhos para os dele, perguntando-se se aqueles comentários significariam mais do que pareciam. – Tenho certeza de que não preciso lhe dizer que Rocco não é o tipo de pessoa interessada em conhecer alguém profundamente. Para dizer francamente, ele estava interessado apenas em ir logo para a cama. – Com o que você concordou poucas horas depois de conhecê-lo... Pelo menos, foi o que ele me disse. – E você acredita em tudo o que seu cunhado lhe diz? – perguntou ela, deliberadamente. – Conheço as limitações de Rocco – disse ele, com um pequeno suspiro enquanto


punha a taça sobre a mesa. – Embora admire sua capacidade profissional, não é o homem que escolheria para se casar com minha irmã. Tentei avisá-la sobre ele, mas sabe como são as mulheres muito jovens. Não gostam que lhes digam o que fazer. É claro que não ajudou o fato de ela ter uma paixonite por ele havia anos. Chiara ficou emocionalmente vulnerável desde a adolescência, quando nossos pais morreram num acidente de carro. Eu me culpo por não ter cuidado melhor dela. Na ocasião, estava estudando no exterior, em Cambridge, na Inglaterra, e nossa irmã mais velha, Justina, tinha se casado e vivia em Atenas. Chiara ficou completamente sozinha. Jamais me esquecerei daquele telefonema… Ele parou por um momento e pegou a taça, estudando seu conteúdo antes de acrescentar: – Provavelmente estou aborrecendo-a com tudo isso. Normalmente não partilho informações tão íntimas com qualquer pessoa. Você é uma boa ouvinte, Ally. Isso foi outra coisa que Rocco deixou de me contar sobre você. Ally estava tão perto de lhe contar a verdade que precisou morder a língua. Ele parecia tão sincero, tão verdadeiro… mas como podia ter certeza? – Eu lhe disse que o que aconteceu entre mim e seu cunhado foi um erro – disse ela, abaixando os olhos de novo. – Se pudesse ter evitado tudo isso, teria, mas Rocco mentiu para mim. Se tivesse me contado que era casado, jamais sonharia em me envolver com ele. – Quando exatamente ele lhe contou que era casado? Ela tentou se lembrar do que a gêmea dissera. – Hum… acho que foi no nosso último encontro. – Onde foi? Ela sentiu o coração disparar. – Em Londres… – Em que lugar de Londres? Ela franziu a testa, frustrada. – Tem importância onde foi? Uma mentira é uma mentira, não interessa onde é dita. – É verdade – concordou ele. – Mas é importante, para mim, saber o que aconteceu entre vocês e quando. Pensei que poderia ajudar a compreender seu lado da história e pesar as coisas. – Para que possa decidir quem tem mais credibilidade? – perguntou ela, com um gesto cínico da boca. Ele a olhou com firmeza por um longo tempo, a escura intensidade de seu olhar,


descobrindo mais sobre Ally do que ela poderia imaginar enquanto se sentava rigidamente diante dele, cada músculo de seu rosto se retorcendo sob o forte controle que tentava manter sobre as feições. Seu pulso estava disparado, a pele se cobrindo de uma fina camada de suor, e seu estômago parecendo um buraco gigantesco que poderia ter sido feito por uma ferramenta afiada. – Como disse antes, o retrato que ele pintou de você não corresponde ao que vejo diante de mim agora – disse ele, erguendo a taça para a boca. – E tento descobrir por que é assim. Ally engoliu para tentar desfazer o nó que se formara em sua garganta. – Seu cunhado dificilmente é um homem em quem confiaria de novo – disse ela. – Ele enganou abertamente a esposa grávida. Que espécie de homem faz isso? – Que espécie de mulher persegue um homem apesar de saber que é casado? – reagiu ele. Ally fechou as mãos em punho sob a mesa. – Você tem alguma ideia de como são as coisas para as mulheres de hoje? Alguns homens são tão egoístas, querem seu bolo e o querem como quem quer que possa fornecê-lo. Não querem se comprometer, não querem ficar com uma só mulher por toda a vida. Mulheres não têm o luxo de uma vida aparentemente sem fim. Encontrar um parceiro adequado e se estabelecer por toda a vida é um anseio que existe na mente de todas as mulheres... mesmo as que se dedicam a uma carreira, como eu. Ele ergueu uma sobrancelha escura enquanto punha a taça de novo sobre a toalha branca e limpa. – Você considera o trabalho de vendedora numa loja de departamentos uma carreira? Ally deu a si mesma um pontapé mental e esperou que ele não percebesse como estava tensa sob aquele olhar intenso. – Acredito que é importante conhecer qualquer negócio começando pelas posições mais humildes. Não considero limpar banheiros ou servir clientes menos importante do que ser presidente de uma empresa. Se não tem uma equipe dedicada e capaz representando seu negócio, não tem um negócio, no que me diz respeito. – Concordo totalmente com você – disse ele. – É por isso que estou tão preocupado com o comportamento do meu cunhado, e estou preparado para ir a extremos para encobri-lo. As informações boca a boca são tudo em finanças, não anúncios luxuosos. A reputação é fundamental e, com o mundo dos negócios tão acessível atualmente, é importante apresentar uma imagem sólida, confiável, aos meus clientes... alguns dos


quais investiram grandes somas de dinheiro... em meu papel como administrador de seus fundos. É minha responsabilidade profissional atender às suas necessidades com eficiência em todas as ocasiões. – Quem é seu maior cliente? – perguntou Ally com verdadeiro interesse. – Paolo Lombardi – disse ele. – Ele tem interesses financeiros no mundo inteiro. Talvez tenha ouvido falar dele. Ally esperou que sua reação ao nome não ficasse evidente em sua expressão. Ela não só ouvira falar de Paolo Lombardi, sentara-se em frente a ele dois dias antes, em Praga, discutindo o portfólio de minas pelo qual era responsável na empresa dele em Sidney. Que estranho o destino. Aquela fora a primeira vez que se encontrara com Paolo pessoalmente, embora tivessem conversado amigavelmente por telefone muitas vezes no passado e trocado e-mails. Era um homem adorável, na casa dos 70 anos, que, assim que se sentara com ela no jantar, a conquistara como poucas pessoas fizeram antes. Agora era impensável revelar quem era… não quando tantas perguntas ainda estavam sem resposta. Ela pegou a taça e tomou um gole de vinho para se acalmar. – O nome é vagamente familiar… – disse ela apenas. – Ele é o maior investidor da Europa – disse Vittorio. – Não sou totalmente dependente de sua boa vontade, já que tenho muitos outros clientes importantes. A diferença com Paolo é que ele é padrinho de Rocco. Acredite, não seria bom que ele deixasse minha empresa... especialmente agora, quando os mercados estão tão instáveis. Ally colocou o copo na mesa com a mão trêmula. – Então você tem que fazer qualquer coisa para mantê-lo feliz, certo? Ele lhe deu outro daqueles sorrisos enigmáticos. – Se isso significa me casar com a amante do meu cunhado, estou preparado para fazê-lo, pelo bem da minha empresa. Ela olhou para ele com olhos enormes, atônitos. – Certamente não está falando sério, não é? Vittorio se recostou na cadeira numa pose indolente. – Há riscos e riscos – disse ele. – Ao contrário de Rocco, só corro riscos calculados. O medo a invadiu enquanto ela o olhava dentro dos olhos. – Está dizendo que chegaria ao ponto de se casar comigo? – arquejou. – Eu o faria sob algumas condições, é claro.


– Que seriam? – Um acordo pré-nupcial, para começar – disse ele. – Não tenho a menor vontade de ficar sem a metade de minha fortuna, que construí com muito trabalho, se as coisas não correrem como antecipo. Ally estava começando a se sentir mais do que perplexa. – E como, exatamente, você antecipa? Ele pôs os braços sobre a mesa e se debruçou, aproximando o rosto do dela. – Você seria de grande vantagem para mim, Ally. É linda, inteligente, jovem e saudável. Podemos ter um bom casamento. Cheguei a uma idade adequada para me acomodar e produzir um herdeiro e outros filhos. O que acha? Concorda em ser minha esposa de verdade? Ela se afastou dele em horror abjeto. – Você ficou louco? Ele estendeu um dedo e sacudiu-o em reprovação. – Você realmente não devia ferir o ego de um homem tão rudemente – disse ele. – Estou lhe oferecendo uma vida de luxo. Você terá uma fortuna, não importa o que aconteça entre nós. Pensei que essa fosse sua motivação principal. Ou muda de ideia com tanta rapidez como muda o corte de cabelo? Ally o olhou em choque. Tinha se esquecido completamente do cabelo, o que era imperdoável. O cabelo de Alex desciam até a cintura, enquanto o dela havia sido cortado na altura dos ombros, um corte que usara nos últimos dois anos. Por conveniência, geralmente o amarrava no alto da cabeça num coque, mas esta noite, o deixara solto, uma cascata que lhe cobria os ombros, sem pensar, por um momento, nas implicações. – Eu o cortei recentemente – disse ela, desviando o olhar do dele. – Fica muito bem assim – disse ele. – Combina com você. – Obrigada… Um silêncio se prolongou entre eles. Ally respirou fundo e ergueu os olhos para ele. – Vittorio… acho que devia lhe contar... – O garçom está chegando com nosso jantar – disse Vittorio. – Vamos apenas fingir que somos um casal como qualquer outro, se divertindo num encontro. – Mas eu… – Ally, você não precisa me dar uma resposta até conhecer minha família – disse ele. – Acho que minhas irmãs vão adorá-la, e Chiara ficará particularmente aliviada, agora que não precisa mais ter medo de você ser uma ameaça ao casamento dela.


– Ela não compreende o que Rocco fez? – perguntou Ally, chocada. – Não, e esse é o verdadeiro motivo desta farsa – disse ele. – Não queria que ela descobrisse o envolvimento dele com outra mulher. É, por isso, que quero avançar mais um passo. Se nós nos casarmos, ela ficará completamente convencida de que Rocco não a traiu. – Mas certamente ela tem o direito de saber o que está acontecendo. – Minha irmã está muito vulnerável no momento – disse ele. – O médico lhe ordenou repouso absoluto, e não quero que tenha um parto prematuro como resultado de uma revelação desse tipo. Há um bebê em quem pensar. Ally franziu a testa enquanto olhava para o alimento colocado diante dela, perguntando-se se seu estômago aceitaria, pelo menos, uma porção. – Você está muito pálida – disse Vittorio. – Não está gostando da comida? Ela pegou o garfo e lhe deu um sorriso tenso. – Não, está ótima… de verdade… é só que estou um pouco estressada no momento. Pensei que estávamos fingindo um envolvimento. Não esperei, nem por um instante, que você quisesse mudar os termos de nosso acordo. Não estou preparada para dar esse passo. Não posso concordar com um esquema tão ultrajante, seria imoral. – Estamos atraídos um pelo outro, Ally – disse ele. – Você disse que não está mais apaixonada pelo meu cunhado. Por que não devemos explorar a química que existe entre nós? Ally podia pensar em centenas de motivos… um deles vivendo numa clínica na Suíça. – Não estou pronta para um novo relacionamento – disse ela. – Seu cunhado me magoou muito, e não quero me arriscar a sofrer outro trauma emocional. – Não vejo como possa ser magoada por mim – disse ele. – Afinal, esta não é uma transação amorosa. Estou sendo completamente franco com você sobre o que quero. Quero uma esposa e uma mãe para meus filhos e estou preparado para pagar pelo privilégio. Tudo o que você precisa fazer é assinar na linha pontilhada e jamais sentirá falta de qualquer coisa de novo. Ela empurrou o alimento intocado. – Como pode ser tão… tão frio e calculista sobre isso? – perguntou. – Está falando sobre as vidas de pessoas, não só a sua e a minha, mas as vidas de crianças que ainda nem nasceram. Tem alguma ideia do dano que casais incompatíveis podem causar a filhos vulneráveis? – Não somos incompatíveis. Tudo, menos isso – contradisse ele. – No momento em


que nos encontramos, senti alguma coisa que nunca senti antes. Tenho o pressentimento de que você é a mulher por quem esperei toda a minha vida. Ela arquejou, olhando-o com incredulidade. Estaria ele deliberadamente a envolvendo? O quanto podia ser cruel? Ou havia algum outro motivo? – Como pode dizer isso sabendo o que sabe sobre mim? O sorriso dele era sexy enquanto se recostava na cadeira e levava a taça aos lábios. – O que é que sei sobre você, Ally? – disse ele, como se pensasse em voz alta. – Você é, supostamente, a ex-amante de meu cunhado, mas, de alguma forma, não consigo deixar de pensar que você jamais se apaixonou por ele. Na verdade, acho que você nunca amou ninguém. Você tem um ar de inocência que é muito atraente. De fato, se não conhecesse seu passado, seria muito fácil presumir que ainda é virgem. Ele acertara na mosca, pensou Ally enquanto se esforçava para comer, recusando-se a responder para não se comprometer. – Mas a coisa do carro me preocupa – continuou ele, observando-a com aquele olhar fixo de falcão. Por que sua irmã teria feito aquilo? Ally franzia a testa cada vez que pensava sobre isso. – Eu lhe disse que pagaria o prejuízo – murmurou ela, tentando evitar aqueles olhos que pareciam ver tudo. – E depois há a questão do dinheiro desaparecido – continuou ele, com outro sorriso enigmático. – Você ainda o tem ou já gastou tudo? Ally comprimiu os lábios por um momento, então, abaixando os olhos, sussurrou: – Eu o tenho… Está na minha bolsa. Ia devolver a você… Estava esperando o momento certo… – Fique com ele – disse Vittorio. – O dinheiro não é importante para mim. Mas os próximos dias são cruciais. Se atuar de modo convincente como minha noiva apaixonada, anularei todas as dívidas que tem comigo. Que tal isso para um acordo? A cabeça dela se levantou, os olhos brilhantes de esperança. – Está falando sério? Ele sorriu, aquele sorriso assassino de novo e, estendendo a mão sobre a mesa, roçou-lhe o queixo suavemente com os nós dos dedos curvados. – Estou falando sério, cara. Agora coma e vamos passear juntos pela cidade. Paris tem a reputação de ser a cidade dos amantes, mas Roma também é muito romântica. Eu lhe mostrarei o que você tem perdido.


CAPÍTULO SEIS

ALLY PASSOU as duas semanas seguintes num atordoamento do calor do fim de verão. Embora lhe tornasse a pele escorregadia com o suor, não era nada comparado com o calor escorchante do olhar de Vittorio cada vez que se encontrava com o dela. Ele lhe mostrou os pontos mais interessantes de Roma, pacientemente explicando sua rica e, algumas vezes, brutal história, organizando excursões especiais para que ela não tivesse que esperar em longas filas com outros turistas nas visitas às muitas galerias e basílicas. A magnificência da Capela Sistina lhe tirou o fôlego e, em contraste, as ruínas do Coliseu lhe levaram lágrimas aos olhos enquanto ouvia o áudio de guia que Vittorio lhe comprara. Ele parou ao lado dela enquanto Ally se debruçava sobre a arena e observou as lágrimas em seu rosto. Franziu o cenho. – O que há de errado, Ally? O calor é demais para você? Tirou o lenço muito limpo e, em vez de entregá-lo a ela, gentilmente enxugou as lágrimas do rosto de Ally, os olhos tão escuros como o café expresso que tinham tomado uma hora antes, num café lotado e ridiculamente caro perto da escadaria da Piazza di Spagna. – Desculpe, mas este lugar me parece tão triste – disse ela. – É como o castello que visitamos outro dia, com todas aquelas horríveis câmaras de tortura. Como pessoas podiam fazer aquilo com outras? Ela guardou o lenço e lhe tomou a mão. – Ainda estão fazendo aquilo em diversos lugares do mundo, Ally. Todos os dias, a imprensa está cheia de notícias sobre esse tipo de maldade – disse ele, sério. – Venha, é hora de um pouco de terapia de compras. Minha irmã mais velha irá ao palazzo amanhã à noite para conhecê-la. Quero lhe comprar um anel e algumas outras coisas que mostrarão a ela e ao marido, Sandro, que o que temos é real. Ela parou de andar e olhou para ele. – Mas isso nunca pode ser real, Vittorio – disse ela, os olhos ainda brilhantes de lágrimas. – Você sabe que não pode.


Os olhos dele escureceram enquanto prendiam os dela. – É real por enquanto, cara, o que é tudo com que devemos nos preocupar. Ally recomeçou a andar ao lado dele, o braço preso no dele, como qualquer outro casal apaixonado. Ela via centenas deles em torno dela. A felicidade nos rostos deles quanto trocavam olhares dizia tudo e, no entanto, a fazia se sentir inexplicavelmente triste. Algum dia encontraria alguém para amar como ansiava ser amada? – Você está bem, Ally? – perguntou Vittorio enquanto andavam, mais tarde, pelas ruínas do Fórum Romano, no caminho de volta para o palazzo. – Ficou muito pensativa de repente. – Fiquei? – indagou ela, olhando para ele. – Desculpe… estava pensando sobre… coisas… Os olhos escuros ficaram calorosos. – Em que coisas está pensando? Ela respirou, trêmula. – Estava pensando no que você me pediu para fazer – disse ela. – Você sabe… sobre ser sua esposa de verdade. O olhar dele desceu para a boca de Ally. – E o que você decidiu? Ela passou a língua sobre os lábios secos. – Se eu fosse outra pessoa… alguém que achasse que o dinheiro é mais importante do que o amor… pensaria seriamente nisso. Mas… mas não sou. – Então está dizendo não ao meu pedido? – perguntou ele, segurando-a gentilmente pelos ombros. Ally olhou dentro daqueles olhos escuros, sem fundo, e sentiu alguma coisa se mover dentro do peito, como um conjunto de engrenagens enferrujadas. Era tão infernalmente irresistível quando a olhava daquele jeito! Sentira aquilo todos os dias por duas semanas. Estava ficando louca com a antecipação crescente de que ele levasse as coisas adiante. Podia ver nos olhos dele, na maneira como se dirigiam sempre para os lábios dela, os lábios dele erguidos naquela maneira pensativa, que lhe era tão característica, como se estivesse apenas esperando o momento certo de reclamar seu prêmio. – Talvez não tenha demonstrado alguns dos benefícios com clareza suficiente – disse ele, aproximando-se mais dela. Ally sentiu as coxas fortes roçarem nas dela, que pareciam geleia.


– Benefícios? – perguntou, a voz rouca enquanto engolia com força. Ele sorriu e abaixou a cabeça até seu hálito acariciar-lhe os lábios. – Quer que os descreva em todos os detalhes mais íntimos ou devo apenas lhe mostrar? – indagou ele. Ally não era exatamente uma especialista em beijos, mas assim que a boca de Vittorio tocou a dela, soube que estava sendo beijada por um mestre em sensualidade. Os lábios dele eram suaves, mas fortes, macios e exigentes. A ponta de sua língua era outra coisa inteiramente diferente. Nada poderia tê-la preparado para a erótica invasão da caverna úmida de sua boca, as carícias e os movimentos fazendo-a sentir como se cada vértebra de sua espinha tivesse sido desligada. Sentia que se desmancharia numa poça de anseio aos pés dele. A língua de Ally foi tímida, a princípio, hesitante e cautelosa, como se temesse perder o pouco controle que ainda mantinha. Mas, por alguma razão, sua natural timidez incitou-o a ser ainda mais exigente. Seu rosto foi subitamente agarrado por duas mãos enquanto ele aprofundava o beijo até quase o ponto de lhe ferver o sangue, a parte inferior do corpo dele apertando o anseio no dela, de uma forma que a aterrorizou. Ela queria mais, mas tinha medo de pedir. Não sabia como lhe dizer o que precisava. Como poderia? Era uma noviça na arte da sedução. Sentia-se como se estivesse num palco sem suas falas, numa peça escrita para outra pessoa inteiramente diferente. Não sabia o que dizer, que movimentos fazer. Tudo o que podia fazer era ser ela mesma. Mas não era ela mesma. A lembrança foi forte o bastante para ela romper o contato íntimo. Empurrou com as duas mãos pressionadas em seu peito largo, os seios subindo e descendo enquanto lutava para recuperar o controle sobre a respiração. – Vittorio, por favor… – O olhar dela passou ansiosamente pela multidão divertida que os cercava. – Todos estão nos olhando. – Você se preocupa demais com o que as pessoas pensam, Ally – disse ele, com um sorriso lento. – Mas então, você é tímida, sì? Está ruborizada como uma virgem. Você faz muito isso, eu percebi. Ally sentiu uma onda quente de calor lhe tomar o rosto. – Só estou com calor, não estou acostumada com isso, como você. – O que você precisa é de um banho na minha piscina para se refrescar – disse ele e, segurando-lhe o braço, levou-a em direção ao palazzo. – Eu me juntarei a você assim que cuidar de alguns assuntos urgentes de trabalho.


ALLY NADOU de costas na água deliciosamente fria da piscina nos fundos do palazzo de Vittorio, adorando a mudança de temperatura na pele. Ghita deixara uma jarra de água gelada com fatias de limão e gelo, que fizera muito bem para lhe restaurar o equilíbrio fluido e reduzir a pressão que estava crescendo em sua testa. Seu celular estava perto e conseguira falar com a terapeuta da irmã, que lhe assegurara que Alex estava tendo momentos cada vez mais frequentes de lucidez e que o novo conjunto de remédios estava gradualmente lhe equilibrando o humor. Ally queria desesperadamente falar com a irmã, mas o pessoal da clínica considerava que Alex precisava de mais um ou dois dias de tranquilidade, devido ao alto nível de sedação a que fora submetida, antes de ter contato com qualquer pessoa... mesmo a irmã. Pequenas ondas na água da piscina lhe mostraram que havia mais alguém com ela. Ally olhou para o lado e viu Vittorio sob a água, a curta distância de seu corpo quase nu. A água que ele perturbara roçava nela como uma carícia, e cada movimento que ela fazia para afastá-la, parecia torná-la ainda mais íntima. Ele emergiu a centímetros dela, sorrindo daquela maneira que lhe fazia os dedos do pé entortarem, seus longos e escuros cílios pingando água. – Você é como uma sereia, com o cabelo flutuando atrás de você – disse ele. – Está se sentindo melhor? – Sim, muito melhor. Ghita tem sido maravilhosa. Eu me sinto como uma princesa, recebendo tudo nas mãos. – E deve, como minha noiva. – Amante – corrigiu ela secamente. – Acha que não estou falando seriamente sobre isso? – Você é sério sobre desviar a atenção de seu cunhado para você. Assim, não, não levo isso a sério. – E o que seria necessário para você me levar a sério? – perguntou ele, aproximando-se tanto que ela sentiu suas coxas fortes roçarem nas dela debaixo da água. – Hum… – Sua mente ficou em branco quando uma das pernas dele se aninhou entre as dela, tocando-a onde seu corpo feminino doía mais por ele. Podia se sentir amolecendo, podia sentir os ossos se transformando em água e podia sentir seu coração batendo com força e rapidez, como se fosse parar e deixá-la amortecida e sem vida se ele se afastasse. – Nós nos beijamos apenas uma vez, cara, e meu sangue se transformou em lava –


murmurou ele contra os lábios dela, não a tocando, mas perto o bastante para fazê-los formigar com um desejo insuportável. – Por que não descobrimos o que mais podemos experimentar juntos? Ally estava perdida. Sabia disso, embora uma parte dela tentasse valentemente lutar contra uma capitulação para a qual estava pronta demais. Era jovem, solitária, insatisfeita e cansada demais de ter que ser sempre forte e estar sempre no controle. Havia alguma coisa incrivelmente libertadora em ter alguém se encarregando de tudo, pelo menos uma vez. E Vittorio Vassallo estava tomando conta de tudo de uma forma com a qual ela jamais sonhara. Ele a queria, e ela o queria; nada mais fazia parte da equação. Eram duas pessoas que haviam se conhecido em circunstâncias incomuns e se desejaram profunda e instantaneamente. Ninguém mais tinha relação com o que queriam experimentar e, no entanto… Ally tentou se livrar daqueles pensamentos sensatos. Isso era, pela primeira vez, sobre sua vida. Alex cometera um erro, mas isso não significava que Ally tinha que sacrificar a própria felicidade indefinidamente. Para começar, Vittorio não estava comprometido com ninguém. Sim, ainda não conhecia todos os detalhes sobre o que havia acontecido entre Alex e Rocco, mas sabia o que havia acontecido entre ela e Vittorio, e era impossível ignorar aquela atração. Por uma vez, esqueceria a vida cautelosa e se deixaria levar pela maré, embora soubesse que corria um grande risco ao permitir que seu coração comandasse sua mente, algo que antes jamais ocorrera. Mas não havia, no caminho que estava tomando, bloqueios fortes o bastante para impedi-la. Ele era como uma febre, aquecendo-lhe o sangue a ponto de ferver sob as camadas finas da pele. Cada vez que ele se aproximava, Ally sentia cada nervo em seu corpo despertar em alerta total, enquanto sua pele se mostrava desesperada pelo toque sensual de seus dedos ou o simples roçar de seus lábios, talvez em sua testa, como ele se habituara a fazer, como se pensasse que alguém os estava observando, algumas vezes mesmo quando estavam sozinhos. Cada ação terna derrubava-lhe as defesas. Era como se ele fizesse aquilo deliberadamente, para fazê-la cativa de sua sensualidade... o que, na verdade, estava correndo o risco muito sério de se tornar. Podia sentir aquilo agora, os olhos escuros lhe percorrendo o corpo quase nu enquanto flutuavam e se lançavam um contra o outro na água fria, as pernas intimamente misturadas. Num dado momento, ela sentiu o grande e rijo volume da ereção de Vittorio contra seu baixo-ventre, e a dor do desejo em seu âmago cresceu.


Vittorio começou a mordiscar, com a boca tentadora, os cantos da boca de Ally, o começo da barba excitando-a e a voz baixa de veludo negando qualquer motivo pelo qual ela devia afastá-lo. – Venha comigo para meu quarto – sussurrou ele. – Quero você, agora. Ela o beijou de volta… beijos pequenos, hesitantes, tímidos, que comunicavam sua indecisão e, ao mesmo tempo, seu desejo crescente. – Devemos fazer isso? – sussurrou ela contra a boca de Vittorio, a língua acariciando-lhe sugestivamente os lábios. Ele colocou uma das mãos firmes na curva de suas nádegas e puxou-a contra sua ereção pulsante, gemendo profundamente na garganta. – Como pode fazer essa pergunta, sabendo o que faz comigo, o que tem feito comigo desde o momento em que a conheci? – Você me quer há tanto tempo assim? – perguntou ela, olhando-o admirada, o coração disparado. A resposta dele foi sair agilmente da piscina e lhe estender a mão para ajudá-la. Os olhos se prenderam, a mão dela apertada pelos dedos fortes, e Ally soube que não havia mais possibilidade de volta. Podia se arrepender, mas era isso que queria… e estava cansada de deixar seus anseios em segundo plano. Por uma vez, iria se sentir como uma mulher e desfrutar o prazer de ser adorada como tal, sem se importar com as consequências. – Também quero você… – disse ela suavemente, então seguiu-o para dentro da sombra fresca do palazzo.


CAPÍTULO SETE

O QUE se seguiu estava além de qualquer coisa que Ally jamais imaginara que pudesse existir entre duas pessoas. Vittorio não estava com pressa, o que a surpreendeu completamente. Esperara que um homem com sua experiência sexual atendesse às próprias necessidades com, talvez, uma leve preocupação pelas dela, mas, ao contrário, ele se controlou e adotou um ritmo tão lento que era quase uma tortura, enquanto o corpo dela despertava e ansiava sob seu toque habilidoso, deixando-a sem fôlego e perto de implorar nos braços dele. Tirou-lhe lentamente a pouca roupa que vestia, já que ainda usava o biquíni molhado, e explorou com dedos suaves e boca faminta cada curva e reentrância de seu corpo, como se fosse um objeto de arte sem preço. Depois de alguns minutos desse delicado reconhecimento, Ally se tornou impaciente para fazer sua própria exploração. Queria senti-lo, quente, rijo e pesado em suas mãos. Queria saboreá-lo, acariciá-lo com a língua em toda a sua extensão, levá-lo ao ponto em que imploraria pelo alívio da tensão que ela podia sentir se construindo dentro dele como um vulcão prestes a entrar em erupção depois de anos adormecido. Compreendeu que não havia sentido em timidez… não agora, quando estavam nus, deitados numa cama com lençóis frescos, a porta trancada e as leves cortinas flutuando nas janelas, deixando entrar a brisa com o perfume de jasmim do fim da tarde, que não reduzia o calor de seus corpos, que se retorciam com o crescente anseio de se unirem da maneira mais íntima possível. Quando a boca de Vittorio sugou-lhe um seio, depois o outro, Ally sentiu suas costas arquearem, erguendo-lhe a pélvis em direção a ele, para se unir à ereção rija. – Não quero apressá-la, cara – murmurou ele contra os lábios inchados enquanto lhe beijava a boca de novo. – Precisa de tempo para se preparar para mim. – Estou pronta para você – arquejou ela, sentindo o orvalho do desejo entre as pernas. Vittorio estendeu a mão e explorou-a intimamente com os dedos, acariciando, deslizando, mergulhando gentilmente nela, até ela gritar com o anseio pelo preenchimento.


– Você está ansiosa e quente por mim, cara, mas preciso protegê-la – disse ele, estendendo a mão para a gaveta da mesinha de cabeceira para pegar um preservativo. Ally observou com olhos abertos de fascinação enquanto ele o colocava, o membro tão grande e pronto para ela que Ally se perguntou se sua estrutura pequena seria capaz de acomodá-lo. Os nervos estavam de prontidão quando ele se instalou novamente entre as pernas dela. Num movimento ágil, ele curvou uma das pernas sobre uma das dela para tornar a penetração o mais suave e profunda possível. Vittorio agiu devagar, tocando-a, afastando-se, penetrando um pouco mais profundamente até que a forma esguia o aceitou em sua macia caverna. Ally choramingou de prazer. O corpo dele parecia ter sido feito para o dela. Cada estocada, cada deslizamento sensual lhe despertava os nervos de todo o corpo e se concentrava em seu úmido âmago, onde cada parte dela parecia ter se juntado, num foco delicadamente afinado para o salto final para o paraíso. – Relaxe e se mova comigo, cara – persuadiu ele. – Não se segure, solte-se. Ally esperava alguma resistência, mas, além de uma leve ardência no começo, não sentiu dor. Ele a preencheu completamente, movendo-se devagar e tentadoramente no começo e então acelerando o ritmo. Ela gemia com o prazer total de senti-lo dentro dela, a posição que ele escolhera elevando ao máximo seu prazer. Podia sentir a tensão aumentar aos poucos. Era como se estivesse subindo um precipício íngreme até finalmente a vista maravilhosa se descortinar. Ficou lá por um momento, suspensa num mundo de maravilhas que jamais conhecera. Tudo o que precisava fazer agora era se permitir dar o passo final, se deixar cair… Vittorio ouviu-a respirar fundo, depois ouviu seus gritos de alívio e então sentiu alguma coisa completamente diferente do que já sentira antes, enquanto ela se segurava nele em confiante submissão. O corpo dele estava queimando e prestes a explodir, ansioso pelo próprio alívio, mas queria saborear aquele momento, queria que durasse o máximo possível. Jamais tivera uma experiência tão avassaladora no corpo e na alma. No passado, sexo era apenas sexo, era uma coisa física, jamais permitira que suas emoções se envolvessem. E, no entanto, desta vez… Ela arqueou a espinha e se moveu contra ele, e o alívio começou a bombear dele. Tentou segurá-lo, mas era impossível, com o corpo dela ainda convulsionando em pequenos terremotos, apertando-se em torno dele. Ficou deitado em cima dela, sem fôlego, tentando recuperar um pouco do controle que sempre tivera em situações assim. Mas estava perdido.


Jamais soubera, em toda a sua experiência, que podia ser daquele jeito. Não compreendera como seu corpo e sua alma podiam estar tão completamente ligados de modo que o que ela sentia não o fazia se considerar um conquistador, mas um igual de todas as maneiras possíveis. Mas eles não eram iguais, lembrou a si mesmo enquanto tirava o peso do corpo de cima da forma delicada de Ally. Olhou para baixo e viu a leve mancha de sangue entre as pernas dela, onde rompera o que parecia ser sua inocência, e uma onda de culpa o assaltou. Embora a tivesse provocado sobre sua timidez, realmente não pensara que ainda era virgem. Descobrir que era o fez se sentir mal, como se a tivesse explorado de uma forma que jamais pretendera fazer. Esperou que a respiração dela voltasse ao normal antes de sair da cama e lhe entregar alguns lenços de papel. Será que agora ela admitiria a verdade? – Há alguma coisa que precisa me contar, Ally? – perguntou gentilmente. Ally se cobriu com os lençóis. – Como o quê? – perguntou ela, tentando não parecer afetada e abalada pelo que acabara de acontecer entre eles. – Você está sangrando. Está menstruada ou há alguma coisa que precisa me contar? Eu a machuquei? A pergunta foi feita num modo tão terno e tão totalmente desarmado que Ally se sentiu prestes a confessar tudo bem ali e naquele momento. Ele era considerado um playboy do tipo use-as e abandone-as, e no entanto, estava preocupado com aquela pequena mancha de sangue que havia sujado os lençóis e com a possibilidade de tê-la ferido. Não combinava com a imagem dele de playboy implacável, mas ela não queria examinar demais seus sentimentos antes de ficar sozinha. – Não… – disse ela suavemente, mantendo os olhos afastados dos dele, tão penetrantes. – Estou menstruada. Lamento… talvez devesse ter lhe contado. Os olhos entrefechados de Vittorio estudaram a cabeça abaixada e o rosto ruborizado. Então ela não lhe contaria. Mas já sabia. – Minha família vem jantar conosco mais tarde. Devo mandar Ghita ajudá-la a se vestir ou prefere ficar sozinha? Ally se obrigou a olhar para os olhos dele. – Ficarei bem – disse ela, tentando sorrir, mas não conseguindo. – Não gosto de confusão. A intenção de Ghita é boa, mas agora gostaria de ficar sozinha por algum tempo, se você não se importa.


Vittorio ergueu-lhe o queixo, o polegar passando de leve sobre seu lábio inferior. – Você me fascina e me deixa perplexo, Ally. Considere ego masculino, se quiser, mas não posso acreditar que é a mesma pessoa que meu cunhado descreveu. Ou ele está mentindo ou há mais coisas sobre essa situação que nenhum dos dois está contando. Ally umedeceu os lábios. – Há mais coisas, mas… mas não tenho certeza do que é. – Ela engoliu dolorosamente e continuou: – Sabe, eu... O olhar dele ficou mais intenso, fazendo as pupilas desaparecerem na escuridão de seus olhos. – Sim? – Vittorio… há uma coisa que preciso lhe contar sobre Rocco e... – Ela engoliu em seco. – Eu... – Vamos conversar mais tarde, quando não seremos interrompidos – disse ele, ao ouvir o som de pessoas chegando ao andar inferior. – Minha família chegou. – Debruçou-se e beijou-lhe a testa. – Eu a deixarei para você se preparar para o jantar. Não se preocupe com meus parentes, minha irmã Justina está louca para eu me acomodar, assim você será recebida de braços abertos. – Chiara, a esposa de Rocco, está aqui? – perguntou Ally, tentando disfarçar o medo de conhecer qualquer membro da família dele... especialmente a mulher que sua irmã inadvertidamente traíra ao dormir com o marido dela. – Não, ela tem ordens do médico de permanecer em repouso absoluto em nossa villa em Positano, mas está ansiosa para conhecê-la assim que estiver bem – disse ele. – Felizmente agora tem certeza de que os rumores sobre você e Rocco foram apenas um caso de identidade errada. Está convencida de que você e eu somos um casal e que Rocco é completamente inocente. Identidade errada, pensou Ally, com um suspiro, quando Vittorio fechou a porta depois de sair. É, certo, esse era exatamente seu problema, não era? QUANDO ALLY desceu, ficou ligeiramente desorientada e se encontrou numa das salas de estar menores. Não estava vazia, como pensara e, antes que pudesse recuar e descobrir onde o resto da família se reunira, ouviu o som de cristal e viu uma figura alta se servindo de uma bebida entre as diversas que cobriam a superfície de um gabinete construído num nicho da parede. Em princípio, pensou que fosse Vittorio, até a figura se virar e olhá-la de frente.


Soube que era Rocco Montano por que, embora sua semelhança com Vittorio fosse impressionante, dado que não eram parentes de sangue, os lábios de Rocco eram mais finos e, no momento, estavam torcidos com desdém enquanto se aproximava dela. O cheiro de conhaque em seu hálito lhe chegava às narinas de um modo desagradável quanto mais perto ele chegava. – O que você está fazendo? – disse ele, áspero. – Eu lhe disse que jamais entrasse em contato comigo ou com minha família de novo. Ally percebeu que teria que tomar muito cuidado para conseguir as informações de que precisava. Ele estivera intimamente envolvido com sua irmã, e precisaria de toda a pouca habilidade de atriz que tinha para consegui-las sem que ele percebesse que não era Alex. – Quanto ainda quer de mim? – perguntou, cada palavra uma agressão. – Eu lhe dei o que podia. O que mais você quer, sua cadelinha ambiciosa? – O que acha que quero de você? – retrucou ela, observando cada nuance de sua expressão com o cuidado necessário. – Pelo amor de Deus, Alex, você deveria ter ido embora – disse ele, passando os dedos pelo cabelo, os olhos se dirigindo para todos os pontos da sala, menos para ela. – Foi isso que todas as outras fizeram, por que não você? Ally plantou a mão nos quadris e lhe deu um olhar gelado. – Você devia ter me contado a verdade desde o princípio, me devia, pelo menos, isso. Ele soltou um suspiro exasperado e começou a andar pela sala. – Devia ter lhe contado que era casado quando nos conhecemos aquela noite em Londres – disse ele. – Também devia ter lhe dito que jamais abandonaria minha esposa. É por causa dela que Vittorio me deu um cargo em sua empresa. Acha que jogaria tudo isso fora por uma prostituta comum como você? Ally mal podia acreditar no que estava ouvindo. A vida de pessoas… a vida e a felicidade de duas mulheres jovens... tinham sido jogadas de um lado para outro, como objetos sem valor. Isso a deixava doente, a deixava tão zangada que teve dificuldades em manter seu disfarce. – Então eu fui apenas um objeto temporário? Alguém para esquentar sua cama enquanto sua devotada, confiante e rica esposa estava em casa, amando você, sentindo sua falta? – perguntou ela, o tom cáustico. Ele passou a mão pelo cabelo de novo. – Você fez o que mandei? – perguntou ele.


Ally tentou compreender sua expressão, mas continuava fria e distante. – Devia me conhecer o bastante agora para saber que não gosto que me mandem fazer qualquer coisa, Rocco – disse ela, tentando descobrir mais. Os olhos dele brilharam de raiva e de mais alguma coisa que Ally achou que parecia pânico. – Eu lhe disse para desaparecer – disse ele, áspero. – Dei-lhe dinheiro bastante para fazer isso, pelo amor de Deus. O que está fazendo aqui, na casa de Vittorio? A porta se abriu atrás deles, e a voz profunda e autoritária de Vittorio cortou o ar, como uma faca. – Ela está aqui por que eu a quero aqui – disse ele. – E ficará enquanto eu quiser que fique. Rocco virou-se para olhar para ele. – Não pode estar falando sério! O que aconteceu com você? Eu lhe disse que ela é louca. Arranhou seu carro novo com uma chave, pelo amor de Deus. – Não sou louca – disse Ally com ênfase gelada. Rocco se virou de novo para Vittorio. – Dio mio! Você devia tê-la pagado para ir embora, não para dormir com você! – Tenho liberdade para escolher minhas amantes – disse Vittorio. – Ao contrário de você, não sou casado. Rocco jogou as mãos para cima num gesto de frustração. – O que mais eu podia fazer? Chiara recebeu ordens médicas de não se estressar durante a gravidez. Alex estava mais do que disponível, praticamente se jogou para cima de mim, como a vagabunda que é. Ally rosnou de desprezo antes de se controlar. – Você... Maldito! – Então você escolheu uma amante conveniente para lhe prestar favores sem pensar nem um momento nas consequências? – perguntou Vittorio, deliberadamente ignorando a explosão veemente de Ally. Rocco encontrou o olhar acusador de Ally por alguns segundos e rapidamente virouse para outro lado. – Pensei que Alex fosse uma mulher do mundo. Ela me disse que foi casada e se divorciou. Pensei que concordaria com um caso rápido. Não achei, nem por um momento, que ela queria alguma coisa de longo prazo. Nem esperava que ela se demitisse do emprego e me seguisse até Roma. Ally decidiu continuar em silêncio. Não sabia quais eram os motivos de sua irmã


para viajar para a Itália. Na verdade, sabia tão pouco que estava começando a achar que cometera o pior erro de julgamento sua vida. Trocar de lugar com sua gêmea quando tinham 10 anos, como uma brincadeira, era uma coisa, mas fazer isso quando as duas tinham 25 era outra inteiramente diferente. Certamente não era brincadeira infantil e, à medida que cada momento passava, sentia que se afundava mais. – Agora não tem mais importância – disse Vittorio. – O problema foi resolvido. Ally e eu estamos intimamente envolvidos, e isso é tudo o que a imprensa e o resto da família precisam saber. Rocco lançou a Vittorio um olhar penetrante e começou a falar em italiano. – Você está sendo franco comigo, não está, Vitto? Não precisa fingir para mim, lembra? Eu lhe pedi para resolver esse problema, não para tomar meu lugar na cama dela. – Mas o que você mandou que ela fizesse? – perguntou Vittorio com um olhar penetrante. – Ou devo adivinhar? Os olhos de Rocco se dirigiram para Ally e voltaram para Vittorio. – Ela armou uma armadilha, Vitto – disse ele, a voz mais baixa. – Ela aprontou comigo. O que mais eu devia fazer? Vittorio lutou para disfarçar sua reação. Suas entranhas apertaram, como se um punho poderoso as tivesse agarrado e esmagado cruelmente. Sentiu as mãos se fecharem em punhos. Embora não fosse um homem de natureza violenta, queria esmagar o rosto do cunhado contra a superfície dura mais próxima. – Você me disse que ela roubou seu dinheiro – disse ele, descobrindo que as peças do quebra-cabeça finalmente entravam no lugar. – Mas não foi isso o que aconteceu, foi, Rocco? Você lhe deu o dinheiro, não deu? Você o deu para que ela… – Com licença – interrompeu Ally, irritada –, mas vocês se importam em falar inglês enquanto eu estiver aqui? Acho desconcertante ser deixada de lado da conversa, já que supostamente a discussão me diz respeito. Rocco curvou os lábios num gesto de desdém. – Você contou a Vittorio sobre o aborto, não contou? – O olhar gelado desceu para o ventre liso de Ally. – Presumo que o tenha feito, como mandei? Dei-lhe dinheiro bastante para isso... mais do que bastante, para dizer a verdade. Ally sentiu o ventre contrair de medo. “Ah, Deus do céu”, pensou ela, angustiada, “Não permita que Alex tenha passado por isso!”. Não era de admirar que estivesse tão frágil emocionalmente, tão perto da loucura, como se nada mais tivesse importância… nem a própria vida. Não era de admirar que tivesse tentado se matar de forma tão


inesperada. – Não… – A voz dela saiu num sussurro estrangulado. – Não… ah, por favor… não – disse ela, a cor desaparecendo de seu rosto. – Como pode ter lhe pedido isso… isso…? – ela balançou e quase caiu, as pernas amolecendo. Vittorio correu para segurá-la e levou-a para a cadeira mais próxima, sentando-a e entregando-lhe um copo de água antes de lançar, ao cunhado, um olhar tão intenso que poderia ter cortado uma parede de diamante. – Tem alguma ideia do que fez, Rocco? – Estava quase gritando. – Dei dinheiro a ela para se livrar do bebê – disse Rocco sem qualquer indicação de remorso. – Ia devolver o dinheiro à empresa. Como poderia ter uma amante grávida enquanto minha esposa corria o risco sério de perder nosso bebê? Era a única coisa que podia fazer, mas essa cadela louca por dinheiro se recusou a aceitar. Ameaçou ir à imprensa e contar tudo sobre nosso “bastardo”. Tinha que fazê-la parar. Vittorio estava lívido. – Então você lhe disse para se livrar da criança e sair de sua vida? Como a convenceu a fazer isso, Rocco, ou devo fazer outra adivinhação certeira? Rocco enxugou o suor da testa, a garganta se movendo para cima e para baixo enquanto seus olhos se viravam em direção a Ally de novo. – Eu… – Fez uma pausa. – Eu lhe disse que, se não fizesse o aborto, correria o perigo de se machucar gravemente. Nem por um momento, pensei em tornar a ameaça uma realidade, mas estava ficando desesperado. A cabeça de Ally ainda estava rodando. Mal conseguia manter seus pensamentos em ordem. Eram como raios laser, brilhando sem rumo dentro de sua cabeça, fazendo-a se sentir enjoada. Pelo pouco que pudera compreender, a irmã fora coagida a fazer um aborto. Ally sabia que a gêmea faria qualquer coisa para segurar o homem que amava… especialmente se estivesse desequilibrada pela falta do medicamento. Não pensaria nas consequências ou, pelo menos, não até que fosse tarde demais para voltar atrás. E, quando compreendera que não havia futuro em seu relacionamento com Rocco, a enormidade do que fora obrigada a fazer provavelmente lhe provocara a crise. Agora tudo fazia sentido, de uma forma cruel e doentia. Alex havia deixado escapar que se sentia culpada, mas Ally não pudera lhe perguntar nada enquanto Alex não ficasse boa o suficiente para terem uma conversa séria. – Você foi um idiota completo, Rocco – disse Vittorio. – Nos últimos dez minutos, tem insultado a pessoa errada.


Rocco franziu a testa, confuso. – Do que você está falando? – Olhe para ela – ordenou Vittorio. – Olhe bem de perto, com atenção. Ally se encolheu na cadeira francesa onde estava sentada enquanto os dois homens voltaram os olhares escuros para seu rosto alarmado. – Não sei do que está falando – disse Rocco, enxugando de novo o suor na testa com um lenço. – Posso lhe garantir que esta é Alexandra Sharpe. Precisa apenas olhar seu passaporte para confirmar. – Foi exatamente o que fiz – disse Vittorio, numa voz tão segura que Ally sentiu uma onda de choque. Ele sabia! Ela endireitou a coluna, os olhos muito abertos. Quando descobrira? O coração dela apertou quando pensou na intimidade que haviam partilhado tão pouco tempo atrás. Por que ele não dissera nada? Ela ficou lá, imóvel, assombrada. Talvez não tão assombrada quanto Rocco, mas certamente quase tanto quanto ele. E se sentiu zangada também, furiosamente zangada. Obviamente Vittorio estivera brincando com ela. Não sabia por quanto tempo, mas apenas uma hora atrás ele fizera amor com ela, sabendo que não era a pessoa que dissera ser. Isso não era levar as coisas longe demais? – Ela… – Rocco engoliu convulsivamente enquanto olhava para Ally com os olhos arregalados. – Ela tem uma irmã gêmea? – Sim, uma irmã gêmea – informou Vittorio. – Alex está, no momento, se recuperando numa clínica suíça de uma tentativa de suicídio, sem dúvida, provocada pelas abomináveis exigências e ameaças que fez a ela. Por coincidência, Sandro, o marido de Justina, trabalha com o médico que tratou dela aqui. Devido à confidencialidade médico-paciente, não haverá vazamento para a imprensa, assim pode voltar para Chiara antes que eu ceda à tentação de fazer o que devia ter feito há um ano e revele a ela o canalha traidor que você realmente é. A conversa havia voltado para o italiano. Ally não conseguia entendê-la, mesmo se quisesse... e não queria. Sentiu uma necessidade avassaladora de fugir do palazzo para um lugar o mais distante possível de Vittorio Vassallo. Tudo o que precisava era seu passaporte, então iria.


Ironicamente, foi Rocco que lhe deu a oportunidade, ao comeรงar a insultar Vittorio numa longa tirada. Nenhum deles percebeu quando ela saiu silenciosamente da sala.


CAPÍTULO OITO

– COMO ESTÁ se sentindo? – perguntou Ally à irmã, contente com a mudança na aparência dela. A expressão angustiada e tensa de antes desaparecera e surgira, em seu rosto, um frescor que lhe restaurava um pouco da beleza. Seus profundos olhos azuis agora eram claros e cheios de esperança, em vez de escuros e vazios de desespero. Até mesmo engordara um pouquinho. Não muito, mas o suficiente para lhe encher as faces, dandolhe uma aparência geral mais saudável. – Estou me sentindo muito melhor – disse Alex. – A terapia tem ajudado demais, e este novo medicamento está me fazendo me sentir muito mais normal. Provavelmente, sempre me sentirei mal sobre… – Engasgou um momento antes de continuar. – Sobre o bebê. Mas a terapeuta me ajudou a aceitar que não foi culpa minha sofrer um aborto espontâneo. O médico com quem me tratei me disse que uma gravidez em quatro termina com um aborto, mas acho que não o ouvi na ocasião. Jamais teria feito um aborto, mas quando perdi meu bebê, perdi também toda a esperança de que Rocco voltasse para mim. E, no entanto, agora não consigo acreditar como fui idiota em imaginar que estava apaixonada por um homem tão egoísta. O olhar de Ally foi para a porta do quarto da irmã, onde um jovem numa cadeira de rodas esperava pacientemente para que ela saísse, e ele pudesse passar algum tempo com Alex. Eles tinham começado um relacionamento enquanto Alex estava na clínica. Andrew Claxton, também australiano, ficara ferido num acidente de carro em que seu melhor amigo havia morrido. Nos últimos dias, Alex tinha se transformado num dos apoios principais para ele, ajudando-o a superar a dor e a lidar com a culpa por ter sobrevivido, acompanhando-o no caminho para a recuperação da saúde física e emocional. Ally se encheu de esperança ao ver a irmã se preocupando com as dificuldades de outra pessoa, em vez de ficar absorvida com as próprias. Parecia-lhe um sinal de que o processo de cura emocional de que Alex precisava tão desesperadamente estava ocorrendo. E quanto ao processo de cura dela?


Ally ainda estava tentando lidar com o modo como Vittorio a tratara. Sentia-se usada e estava muito zangada. E, no entanto, sabia que muito da culpa era dela mesma. Em sua ingenuidade e inexperiência, apaixonara-se estupidamente por ele. E sem dúvida, ele pretendera alcançar aquele resultado, como uma caprichosa forma de vingança por ela tê-lo enganado. Avaliando os dias que haviam passado juntos, ela achava difícil descobrir o momento exato em que ele percebera a verdade. Sentia-se profundamente constrangida com as mentiras que lhe dissera. Mas pelo menos, algum bem resultara daquilo tudo. De acordo com o jornal daquela manhã, Chiara tivera um filho saudável, sete semanas prematuro, mas passando muito bem. Nisso, pelo menos, havia algum conforto. A missão de Vittorio fora cumprida. Ele logo esqueceria tudo sobre seu relacionamento com ela. Na verdade, ela se perguntava se ele havia perdido um minuto pensando na mulher com quem passara um momento mágico, inesquecível... pelo menos, para ela... nos braços dele. Ally lembrou a si mesma que ele passara muitos desses momentos mágicos com mulheres muito mais experientes do que ela. Provavelmente estava se congratulando consigo mesmo por ter evitado uma cena pública quando ela o deixara sem fazer confusão. Não fizera nenhum esforço para encontrá-la, o que lhe mostrava claramente que não tinha a intenção de continuar o relacionamento. ALEX AINDA estava com Andrew pouco mais de uma hora depois, quando Ally voltou para mais uma visita, então ela se afastou e foi para os grandes jardins da clínica. Embora agora fosse o fim de setembro, as folhas estavam apenas começando a ficar em tons de âmbar e dourado-avermelhado. Caíam no chão, aos pés dela, no que parecia uma tentativa pouco convincente de abrir o caminho para o outono e depois o inverno. Ela ouviu passos sobre as folhas e, esperando ver a terapeuta de Alex, que frequentemente a procurava no jardim, ficou em choque total ao perceber a alta figura de Vittorio em pé perto dela. – Oi, Alice – disse ele. Ela ergueu uma sobrancelha para ele. – Não quer dizer Ally? – perguntou, com um olhar cauteloso. – Você é as duas, não é? – respondeu ele. Ally lhe deu as costas e passou o pé sobre algumas folhas. – Não posso imaginar por que está aqui… a menos que seja para se vangloriar da maneira como me fez de idiota.


– Não é isso que eu devia dizer a você? Ela se virou e olhou para ele, os olhos queimando. – Você não precisava fazer sexo comigo. Isso foi levar as coisas longe demais. Eu só fiz o que fiz para descobrir o que realmente aconteceu entre Rocco e minha irmã. Ela não conseguia me contar os detalhes e não havia outra maneira de eu descobrir. Não esperava que você me seduzisse. Isso foi uma coisa muito baixa, considerando a forma como… como eu me sentia sobre você. – Como você se sente sobre mim? Ela o olhou com firmeza. – Como você acha que eu me sinto sobre você? Ele esperou um segundo ou dois antes de perguntar: – Você me ama? A pergunta a pegou totalmente desprevenida. Ela ficou parada, olhando para ele, os olhos grandes demais no rosto bonito, o coração batendo com força, o estômago apertado enquanto via o desejo queimando naqueles olhos negros e intensos. – Q… que espécie de pergunta é essa? – conseguiu dizer em voz rouca, o coração ainda batendo com força, disparado. – Preciso saber. – Por quê? – Porque tudo depende disso. – Quer dizer, sua empresa? – perguntou ela com um olhar amargo. – Você percebe que tudo o que preciso fazer é ligar para Paolo Lombardi e lhe contar que canalha seu afilhado é, não percebe? Não pense que não o farei, porque lhe digo que estou muito tentada. E ele ficará transtornado ao saber como me usou de maneira tão desprezível. Sei que posso convencê-lo a tirar de sua conta o portfólio dele. Paolo tem muito respeito por mim. – Isso não será necessário – disse Vittorio. – Assim que soube que você trabalhava para a filial australiana da empresa de Paolo, conversei com ele sobre minhas preocupações com Rocco. Achei que Paolo tinha o direito de saber o que estava acontecendo, se o assunto vazasse para a imprensa. Tivemos uma longa discussão e, como resultado, decidi demitir Rocco da minha empresa. Ally franziu a testa. – Mas e Chiara? Ela acabou de ter um filho, deve estar se sentindo muito vulnerável no momento. – Chiara não é tão ingênua como eu pensava – disse Vittorio. – Parece que ela se


arrepende de ter se casado com Rocco desde o primeiro dia e, assim que se recuperar do parto, vai pedir o divórcio. Será a lição de que Rocco precisa. Ou ele muda de vida ou continua no caminho destrutivo que escolheu. – E o que você fez comigo? – perguntou Ally com um olhar gelado. Ele suspirou e jogou a mecha de cabelo que lhe caíra na testa para trás. – Lamento não ter lhe dito que sabia quem você era assim que descobri. Você deixou sua bolsa no carro no dia em que a levei para o palazzo. Quando Beppe a levou para dentro, deixou-a cair no foyer, e tudo o que estava dentro se espalhou. Descobri, entre suas coisas, o dinheiro que Rocco alegava que você havia furtado. Fiquei zangado e estava prestes a subir para exigir satisfações de você quando vi seu passaporte aos meus pés. Peguei-o e, é claro, um olhar foi o suficiente para confirmar minhas suspeitas. Sabe, desde que a vi, percebi que não podia ser a mulher que Rocco descrevera... você era inocente demais, tímida demais e soube imediatamente que nunca tivera um amante. Ally queria ficar furiosa com ele por permitir que ela continuasse a farsa enquanto ele, sem dúvida, estava rindo nas costas dela. Mas de alguma maneira, sentiu que ele tinha mais a dizer, assim ficou em silêncio. – A partir daquele momento, soube que Rocco não estava contando a história completa do seu envolvimento com sua irmã – continuou ele. – Não tinha ideia de que ele exigira que ela fizesse um aborto. Nem sabia das ameaças que fez a ela. Mal posso acreditar que ele foi capaz de fazer essas coisas. Estava até preparado para vê-la enfrentar a polícia a respeito do dinheiro que lhe deu. Presumo que ele esperava que ninguém fosse acreditar na versão dela dos acontecimentos. O que ele fez foi imperdoável. Nem posso pensar nisso sem querer esganá-lo. Ally lhe tocou o braço, o que o fez se calar. – Ela não fez um aborto – disse ela, observando-lhe o rosto tão torturado e tão amado. – Ela perdeu o bebê antes de atender às exigências dele. Estava sem seu medicamento. Ela tem um problema… Não quero entrar em detalhes agora, mas, sem sua medicação regular, nem sempre age racionalmente. Acho que conhecer seu cunhado e tudo o que aconteceu depois foi parte do que a levou a ter uma crise, mas agora está bem melhor. Até mesmo encontrou alguém que está evidentemente apaixonado por ela... o que é exatamente o que precisa, mais do que qualquer outra coisa. Ele lhe segurou o rosto com as palmas quentes das mãos. – Não é o que todos precisam? – perguntou ele, olhando para ela com adoração. – Serem amados e aceitos pelo que realmente são?


O coração de Ally voltou a disparar. – N… não tenho certeza do que você está dizendo… Ele sorriu e passou o polegar sobre o lábio inferior de Ally, onde a ponta da língua estivera poucos segundos antes. – Você poderia ter me arruinado. Teve a oportunidade em suas mãos e, no entanto, não o fez. Você mesma disse há pouco, tudo o que precisava fazer era falar com Paolo Lombardi e lhe pedir para tirar cada euro que investiu comigo. No entanto, você não fez isso. Por que não se vingou de mim enquanto podia? Ally umedeceu de novo os lábios secos e ergueu os olhos para os dele. – Porque não acredito em magoar as pessoas que amo. É uma espécie de um credo da minha vida. – Você me ama, Alice Benton? – perguntou ele, os olhos subitamente úmidos. – O bastante para se casar comigo assim que for possível? Ela piscou, surpreendida e feliz. – Você está falando sério? – Não estou fazendo um bom trabalho ao pedi-la em casamento, tesoro mio? – perguntou com um sorriso de desprezo por si mesmo. – Preciso encontrar outra forma de convencê-la de que estou falando muito sério? Ela lhe deu um sorriso malicioso em resposta. – Talvez deva me mostrar aqueles benefícios que mencionou alguns dias atrás. Eu me lembro que foram muito convincentes na ocasião. Os olhos dele dançaram, divertidos. – Será um prazer – disse ele, e beijou-a apaixonada e longamente até a cabeça de Ally rodar. Ele afastou a boca alguns centímetros da dela depois de alguns minutos e perguntou: – Agora concorda em se casar comigo? Ou preciso beijá-la de novo? Ally sorriu enquanto o abraçava com força pela cintura. – Sim, claro que me casarei com você. Eu o amo, Vittorio Vassallo. Eu amo, amo, amo você. Ele abaixou a boca para os suaves lábios dela. – Então acho que chegou a hora de você me chamar de Vitto – disse ele, cobrindo-lhe a boca com um beijo que a fez esquecer o próprio nome.


CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ M586c Milburne, Melanie Cruel despertar [recurso eletrônico] / Melanie Milburne; tradução Celina Romeu. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Harlequin, 2014. recurso digital Tradução de: Mistress at the Italian's command Formato: ePub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-85-398-1583-8 (recurso eletrônico) 1. Romance australiano. 2. Livros eletrônicos. I. Romeu, Celina. II. Título. 14-12484

CDD: 828.99343 CDU: 821.111(94)-3

PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V./S.à.r.l. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: MISTRESS AT THE ITALIAN’S COMMAND Copyright © 2008 by Melanie Milburne Originalmente publicado em 2008 por Mills & Boon Short Romances Arte-final de capa: Isabelle Paiva Produção do arquivo ePub: Ranna Studio Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171, 4º andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 Contato: virginia.rivera@harlequinbooks.com.br


Capa Rosto Capítulo um Capítulo dois Capítulo três Capítulo quatro Capítulo cinco Capítulo seis Capítulo sete Capítulo oito Créditos



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