A parceria

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A PARCERIA

Cecilia Vasconcellos Hebe Coimbra

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© do texto, 2006 by Cecilia Vasconcellos & Hebe Coimbra Direitos de edição adquiridos por MANATI PRODUÇÕES EDITORIAIS LTDA Telefax: (21) 2512-4810, 2274-2942 manati@uninet.com.br www.manati.com.br É terminantemente proibida a reprodução do texto e/ou das ilustrações desta obra, em parte ou no todo, para qualquer fim, sem autorização expressa e por escrito da editora. Revisão de textos: Tereza da Rocha Projeto gráfico: Silvia Negreiros Diagramação: Andréia Dias Manes Foto da capa: Bia Hetzel

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

G957p Vasconcellos, Cecilia, 1953A parceria / Cecilia Vasconcellos & Hebe Coimbra. – Rio de Janeiro : Manati, 2006 136p. ISBN 85-86218-37-5 1. Escritores - Literatura infanto-juvenil. I. Coimbra, Hebe, 1948-. II. Título. 06-2438. 4

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Para Anna Claudia Ramos, nossa incentivadora. E para Marina Quintanilha, in memoriam.

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Caro Leonardo: Há quanto tempo! Não nos falamos desde que troquei o Rio pelo interior de Goiás. São dois anos. Talvez outros dois se passassem em brancas nuvens se um dilema literário não viesse me afligir. Mas antes de tratar de ficção, quero contar um pouco de mim. Minha vida mudou completamente. As meninas estudam em Campinas e só vêm nas férias por uma ou duas semanas. Como mãe, posso dizer que estou aposentada. Nicolau é desses maridos atuantes no dia-a-dia doméstico. Faz compras, faz consertos e produz, aqui na fazenda, alimentos da melhor qualidade. Passo séculos sem pisar num supermercado. Tenho tempo e isolamento, tudo de que preciso para escrever. Aliás, quase tudo. No momento estou precisando de você, e você não está aqui. Mas virá, eu espero, em forma de carta, como agora estou aí em suas mãos. Como você sabe, escrevo para crianças pequenas. Mas as editoras, abarrotadas de textos infantis, só estão contratando histórias para adolescentes que abordem temas atuais, esses que os professores gostam de debater na escola. Por sorte, uma editora me encomendou um conto com a droga nova e devastadora que está se popularizando entre os jovens e sobre a qual ainda não se escreveu nada. Pensei que fosse crac, mas não, de crac essa editora já tem três livros, considera-se bem servida. Preciso pegar o nome da tal droga e pesquisá-la.

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Antes de iniciar o texto, pedi a Nicolau que contasse suas aventuras adolescentes, todas desastradas e com cenas de hospital. Percebi que os jovens se machucam muito. Observei Lílian e Débora, que estiveram aqui no meu aniversário, e captei outros três pontos fundamentais. Os jovens adoram tecnologia. (Elas me presentearam com um fax de última geração.) Os jovens vivem num ritmo frenético. (Instalaram o fax em segundos.) Os jovens são pródigos. (Jogaram o telefone antigo, porém perfeito, na lata de lixo.) Arrumando papéis, descobri uma pequena anotação que dizia: os longos silêncios contam histórias. Nem lembrava ter escrito aquilo, mas resolvi testar a asserção. Tranquei a porta da biblioteca e sosseguei na poltrona, deixando que se alongasse o silêncio. De repente, me senti em movimento. Estava num trem que voltava no tempo. Saltei na estação dos meus quinze anos, Ipanema, e andei até a pedra do Arpoador, onde me sentava com amigas para ver o mar. Lembrei do Daniel. Daniel. Suspirei quando o vi passar com a prancha de surfe. Lindo, bronzeado, pisando descalço a areia quente. Molhou a mão na água salgada, fez o sinal-da-cruz e remou mar adentro. Ah, Daniel. Os pêlos do meu braço se eriçaram. Suspendi os ombros para interromper um calafrio. Ah, Daniel, tornei a suspirar, fazendo dele o herói da minha história. E, numa cumplicidade comigo mesma, isto é, da escritora com a mulher, resolvi realizar através da ficção os meus sonhos da época. Daniel, que nunca notou que eu existia, agora se apaixonava perdidamente. E arriscaria a vida num campeonato de surfe para conquistar meu coração. Quando deixei a biblioteca, já tinha o título do meu primeiro livro juvenil: Daniel, campeão do mar. Passei a noite costurando a trama. O desfecho era eu compreendendo que amava Daniel. Gritava, feito louca, te amo, te amo, te amo, para que 8

ele saísse daquele mar de ressaca e abandonasse a prova, o que todos

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os outros surfistas já haviam feito. O barulho da rebentação impedia que ele me ouvisse, por isso continuava a remar mar adentro. Escolheu uma onda gigantesca e nela embarcou, erguendo-se na prancha como um Netuno. No instante seguinte foi tragado pela fúria da espuma. Na praia, as pessoas congelaram de terror, respiração suspensa, olhos cravados no horizonte. O único ruído que se ouvia escapava das minhas lágrimas, vem Daniel, te amo, eu juro, volta, meu amor, eu te amo. Finalmente, ele emergiu no raso e, no recuo da maré, levantou-se. Parecia exausto e bem machucado. Dos arranhões que cobriam seu corpo brotavam gotículas de sangue. Cambaleando, desviou-se dos amigos que tentavam cercá-lo. Fugiu dos juízes que lhe traziam a medalha. Deixou cair a prancha e se atirou nos meus braços. (Já estou arrepiada de novo.) Mas, no dia seguinte, embatuquei diante do computador. Logo eu, que nunca tive esse problema. E continuo embatucada. O que surge na tela não me agrada, não reverbera dentro de mim. Mil vezes apago, recomeço, mas não adianta, a trama não encorpa, não me convence. Começo a pensar que perdi a inspiração, o talento. Morro de saudades dos nossos tempos de oficina literária. Tempos de troca, de crítica, de encorajamento. Mando o início da história, para que você aponte o que está me entravando. O que o garotão Leonardo anda fazendo da vida? Terá se casado? A quem abre a alma e o coração desde que saí do Rio? Conte tudo quando responder à minha carta. Grande abraço, Camila

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Daniel, campeão do mar Daniel se espreguiça. Gostosamente, rola na cama. Pensa em Priscila até que uma nuvem negra invade sua mente: a festa de quinze anos. Zé Augusto não parava de **** (vomitar? babar? tremer? delirar? — pesquisar o efeito exato) em pleno jardim do clube. A aniversariante olhava aquilo aborrecida, não conhecia o Zé Augusto, não o havia convidado. Daniel o levara, porque lhe dava dó ver a ruína do amigo e o sofrimento da família. Imaginava enturmá-lo com um grupo diferente e assim afastá-lo das más companhias. Antes, fizera-o jurar que naquela noite não **** (tomaria? cheiraria? fumaria? se injetaria? — descobrir o modo de usar) a droga que andava usando. Como se alguém pudesse confiar na palavra de um dependente! A valsa começou. Daniel tinha armado toda uma estratégia para se aproximar de Priscila e, agora, ia perder a chance. Desejava ardentemente voltar ao salão e valsar com ela, como estava combinado. Mas não podia deixar o Zé Augusto sozinho no jardim, passando mal daquele jeito. Daniel tenta tirar o Zé Augusto da cabeça, não consegue. Não entende por que alguém consome ****. (Perguntar à editora o nome da droga.) Para se destruir? Desesperar a família? Encher a paciência dos amigos? As perguntas rolam na cama de Daniel.

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